Capítulo 15 - Ainda Gosto Dela - Rafael
E eu ainda penso nela
Mas ela já não pensa mais em mim
Em mim não
Ainda vejo o luar
Refletido na areia
Aqui na frente desse mar
Sua boca eu beijei
Vou ficar
Só com ela eu
Quis ficar
(Ainda Gosto Dela – Skank)
Ela não parava de se mexer nem um segundo. Para o calor que estava fazendo, movimentar-se era uma estratégia muito ruim. Acho que ela não conseguia evitar. Estava inquieta desde que eu, acidentalmente, quase tinha dito que a amara e jogado um disfarce bem feito, de anos, no lixo.
Como me justificar? A sensação que eu tinha era que o passar dos anos tinha tornando minha mentira simplesmente injustificável.
Eu poderia ter contado a verdade nos anos que sucederam ao nosso termino, mas eu estava com tanta raiva por tudo que ela tinha me feito passar nos meus últimos meses na Califórnia e pela forma como – até hoje – algumas pessoas daqueles tempos me olham de rabo de olho ou comentam alguma besteira no meu facebook. Eu estava com tanta raiva que eu achava que não conseguiria nem olhar na cara dela.
Quer dizer, exceto se eu estivesse ligeiramente alcoolizado. Nesse caso, eu queria beijar a boca dela mesmo. Tanto que a gente teve aquela situação no spring break que nunca foi mencionada e nem nunca será, pelo jeito.
Trancado nesse elevador com ela, minha percepção sobre a raiva era outra. Eu até gostaria que eu o meu problema fosse esse sentimento, saca? Raiva.
Só que não era.
Meu problema era que encontrá-la me mostrava que o sentimento que eu achei que tinha morrido, muito tempo antes, ainda estava vivo em algum lugar do meu corpo.
Que Poseidon, padroeiro da minha vida de surfista, impedisse que esse lugar fosse o coração.
É claro que não era.
Era minha cabeça. Eu só podia estar enlouquecendo aos poucos nessa sauna metálica a qual nós dois fomos presenteados. Vai ver a loucura tinha várias formas de se manifestar. A de Bárbara a impedia de ficar quieta por mais de dois segundos e a minha me fazia acreditar que parte de mim ainda gost... Ou melhor, que parte de mim nunca deixou de gost...
Fiz uma careta, tentando conter meus pensamentos. Eles eram perigosos e ágeis. Eu precisava empurrá-los novamente para o buraco de onde eles haviam saído.
Bárbara se movimentou mais bruscamente e eu levantei os olhos, sem entender. Ela passou um tempo revirando a bolsa atrás de algo. Um carregador portátil? Um pé de cabra? Algo que ela pudesse usar para dar na minha cara?
(Tomara que ela não usasse o pé de cabra, se fosse o caso).
Sua bolsa não era muito grande, mas pela forma que ela revirava, com a cara quase enfiada lá dentro, fiquei pensando se era uma bolsa do Gato Felix ou da Hermione. Se ela pudesse tirar um vira-tempo lá de dentro seria bem útil... De repente voltar uns 8 anos atrás...
Quer dizer, umas oito horas atrás. Assim nós não entraríamos nesse elevador e não estaríamos nessa situação.
Ela não parecia bem. Fora o possível acesso de loucura, eu quero dizer. Seu rosto estava molhado pelo suor e, apesar de seus movimentos serem frenéticos atrás do que procurava, eles pareciam deixa-la cansada. E tão magra! Era difícil acreditar que os braços de alguém podiam ficar finos daquele jeito. E seus olhos... tão fundos. Não profundos. Fundos.
— Ahã! — Ela deu um pequeno grito da vitória, puxando um papel dobrado de dentro da bolsa.
Se ela começasse a recortar cupons de desconto, a analisar descontos de maquiagens ou a planejar o dia de uma visita ao spa eu seria capaz de dar com a minha cabeça no metal desse elevador. A pior parte é que ela ainda ia gostar disso.
Por favor, Poseidon, que sejam palavras cruzadas.
Contrariando todas as minhas expectativas, ela nem sequer desdobrou o papel. Só o levantou na altura do rosto, largou a bolsa no chão e começou a se abanar.
Eu juro que ela até soltou um suspiro de alívio. Estava mesmo muito quente naquele elevador, especialmente para alguém que não estava acostumada com os trópicos. Talvez fosse por isso que ela balançava o braço para gerar o ar de forma tão estranha, como se aquela fosse a atividade mais difícil que já tivera que realizar. Sua respiração era muito pesada e eu só conseguia definir sua expressão como exausta.
Abanar-se era uma boa estratégia, mas do jeito que ela estava, só a deixaria mais cansada. Estiquei-me e agarrei o papel da mão dela em dois segundos.
— Ei — ela contestou, com a voz fraca. — O que você pensa que está fazendo?
Eu cogitei começar a me abanar. Ela já não esperava nada de bom de mim mesmo e um refresco, ainda que mínimo, cairia muito bem.
Mas é claro que não fiz isso. Como poderia, com ela daquele jeito? Seria bom também. Para prova-la que nem tudo que ela pensa sobre mim é verdade. Inclusive, quase nada. Quer dizer, algumas coisas são verdade sim...
Girei o papel nos dedos e apontei para ela, que me encarou com ares surpresos. Seus lábios chegaram até a descolar quando eu comecei a abanar na direção dela.
— Rafael — ela chamou. Era uma bosta quando ela falava meu nome, puta merda. — O que você está fazendo?
— Te abanando — eu respondi, dando um fraco sorriso.
Que bastasse. Eu não queria conversar. Eu não queria ter que explicar.
— Mas por que? — ela questionou novamente, me encarando com a testa franzida e os olhos estreitos.
— Você perguntou o que e não por que — eu enrolei. Como explicar meus motivos se eu nem sabia justificar minhas ações para mim mesmo.
Ela me encarou em silêncio. Para alguém tão desidratado, seus olhos estavam estranhamente brilhantes. Ela comprimiu os lábios, quase sem cor. Eu abanei mais forte, nervoso. Precisávamos arrumar um pouco d'água, mas era impossível. Meu coração de uma pequena palpitada que eu fiz questão de entender como pura e simples preocupação. Seria difícil explicar para polícia que Bárbara tinha morrido de desidratação. Pareceria um assassinato com um único suspeito.
— Vem para cá — Bárbara interrompeu meus pensamentos.
Ela deslizou no elevador, abrindo um espaço ao seu lado naquele canto. Não movi um musculo, além daqueles que eu estava usando para balançar o papel. O que era isso? Um teste? Será que ela tinha conseguido puxar o pé de cabra da bolsa sem que eu visse? Será que, no final das contas, o corpo do elevador serei eu?
— Rafael — ela chamou, batendo no vazio ao seu lado e me enviando um olhar questionador.
Como dizer não quando ela me chama pelo nome e me olha desse jeito? Era difícil para qualquer homem, especialmente para um que ainda gost... Para um com um passado.
— Do seu lado? — eu articulei, engolindo em seco.
Bárbara tinha um domínio sobre minhas ações e pensamentos que eu não estava achando nada legal. Às vezes, como naquele momento, só de olhar na minha direção ela me fazia sentir ainda o mesmo moleque de 15 anos que era perdidamente apaixonado por ela.
Só que eu não tenho mais quinze anos.
E nem sou perdidamente apaixonado por porra nenhuma, além do surf e de casos casuais.
— Sim — ela respondeu, encostando a cabeça na parede e puxando um pouco o vestido para baixo. Visão terrível. Porém, incrível. Ela só podia estar zoando com a minha cara. — Assim você também pode se favorecer um pouco do ar que está me fornecendo.
Um ato de benevolência? De Bárbara?
Meu coração deu sinal de vida de novo e eu mandei ele calar a boca. A última coisa que eu precisava que ele fizesse era ficar interessado por qualquer coisa que ela dissesse. Cérebro, avisa esse inútil que a função dele é bombear sangue só! E que Barbara é o inimigo. Há anos.
Só que os pequenos Rafaeis que povoavam o meu cérebro também estavam tendo dificuldades de processar os meus comandos. Meu palpite é que eles também tinham retornado as suas versões com quinze anos. Então, eu estava ferrado mesmo.
— Ora, que honra — brinquei, mas na verdade eu estava em pânico. — O que eu fiz para merecer tamanha gentileza?
— Vento — Bárbara respondeu, dando um sorriso tão pequeno que eu fiquei em dúvida se era real ou se era uma alucinação do calor.
De todo modo, os Rafaeis do meu cérebro ficaram bastante animados.
O que significava que o próximo alarme que ia soar lá dentro era o de perigo.
8 anos antes – Mês de Junho – Monterey, Califórnia
O alarme de incêndio tinha soado e todo mundo estava esparramado na grama do lado de fora de St. Claire, esperando que o teste de escape acabasse e pudéssemos voltar para as salas. Eu estava adorando. Era a última semana de aula e quanto mais aulas eu pudesse perder, melhor. Até porque o ambiente estava mesmo uma bosta e eu não conseguia dar dois passos sem ouvir alguém fofocando algo sobre mim. Na minha cara.
As pessoas perderam totalmente o mínimo de respeito que ainda tinham e simplesmente saiam falando o que bem entendiam sem dar a mínima se alguém ia ouvir. Alguém no caso eu, que era o assunto da fofoca. Dava vontade de socar a cara. Dar com a minha prancha na cabeça. Ou de, simplesmente, virar as costas e ir embora de vez.
Mas eu não faria isso, é claro. Mesmo que eu tivesse chance. Ir embora, quer dizer. Dar com a prancha na cabeça eu provavelmente faria. Ir embora só faria com que todos achassem que todas as histórias que Barbara vinha espalhando eram verdadeiras. Aparecer todo dia no colégio, sorrindo de orelha a orelha, era a única coisa que ainda colocava tudo em questionamento.
Barbara sabia disso. E acho que ela queria tanto quando eu que eu fosse embora de vez. Mas o outro motivo pelo qual eu não conseguiria virar as costas e sumir de vez era, justamente, ela.
Dava vontade de dar com a minha prancha na cabeça dela? Dava.
Ela tinha virado um ser humano completamente diferente da minha namorada do dia para noite, depois de cinco palavrinhas mágicas chamadas: "eu quero terminar o namoro". A única coisa que, em um rápido olhar, permanecia igual, era seu sapato.
Naquele momento, o salto dela estava um pouco afundado na grama mas ela nem reparava. Debaixo do fraco sol, conversava com Ruth e mais algumas meninas da equipe de líderes de torcida. Quando ela sorria, seu rosto se iluminava. Seu cabelo mexia de um lado para o outro, seus ombros sacudiam e eu só queria tê-la nos braços.
Então eu não podia, sabe. Ir embora assim. É claro que estava tudo uma merda. Toda vez que nossos olhares se cruzavam sem querer, dava para sentir o raio frio que ela jogava em cima de mim. E eu até merecia o ódio (ainda que não merecesse as fofocas). Eu só tinha terminado o namoro para receber o ódio, para início de conversa. Eu preferia o ódio do que ter que assisti-la chorar ou, pior, saber que ela estava chorando e não poder secar as lágrimas, por estar há mais de 10 mil quilômetros de distância.
Não tinha sido uma decisão fácil.
Mas eu não me arrependia.
Quando as aulas voltassem e nossa rotina continuasse, eu voltaria a ficar com raiva. Mas ali, sentado na grama sozinho, olhando aquela garota sorrir, era difícil acreditar que não era para gente ficar junto.
Longe de mim ser aquele tipo de gente que acha que o destino age e que não tem mesmo o que fazer, mas longe de mim ser aquele tipo de gente que acha que destino não existe também. Acho que destino é uma mistura de coisas que precisam acontecer com coisas que a gente precisa fazer para que outras coisas aconteçam. Muita viagem? Eu estava fadado a conhecer e terminar com Bárbara de qualquer maneira. Destino. Mas esperava que alguma coisa que eu fizesse pelo caminho da vida pudesse me colocar de volta no caminho dela. Saca a lógica?
É claro que quando os dias foram passando e nosso ódio um pelo outro crescendo, a lógica se tornou um pouco falha.
— E aí, cara — Roger sentou ao meu lado na grama, esticando as pernas com preguiça. — Alarme de incêndio, hein?
— Graças a Deus — eu respondi, desviando o olhar de Barbara. — Podiam cancelar logo o resto das aulas.
— Como eu queria, irmão — ele respondeu, sacudindo a cabeça. — Pegar umas ondas e pá...
— E pá... — eu concordei, sem prestar atenção.
Meus olhos já tinham desviado para ela de novo, que agora conversava ainda mais sorridente com aquele menino de sobrenome espanhol. Eu queria dar com a prancha na cara dele.
— Rafael? — ouvi a voz de Roger ao longe, mas toda vez que Barbara ria, levando a mão ao peitoral e jogando a cabeça para trás, eu perdia a concentração de novo. O ódio que eu sentia das coisas que ela falava de mim não chegava perto ao ódio que eu estava sentindo dessa interação. — Rafael?
Eu não tinha o menor direito de sentir ciúmes dela. Eu tinha terminado a droga no namoro em um dia e no dia seguinte já estava desfilando com Nadja pelos corredores. Mas era tudo mentira, eu ainda estava apaixonado por ela... Mas Barbara podia realmente estar começando a gostar de outro cara. Todo mundo sempre dizia que ela costumava dar em cima dele, antes deu chegar.
— Mermão — Roger me cutucou, usando uma gíria carioca que eu tinha ensinado para ele, mas pronunciando tudo errado. — O que está acontecendo?
Bárbara riu de novo e eu trinquei os dentes, me sentindo o maior otário do planeta Terra. Minha mãe teria vergonha se soubesse que o filho dela é otário nesse nível. Que bom que ela tem Eduardo, um belo filho perfeito e que com certeza não fica morrendo de ciúmes de garotas que não namora.
— Nada — eu respondi, já que Roger ainda estava me encarando.
Abaixei os olhos, mas continua ouvindo a risada de Bárbara a distância. Puta que pariu, por que tinha que dar tudo sempre tão errado na minha vida? Mal sabia eu que um ano depois eu estaria fazendo essa exata mesma pergunta, berrando no meio do oceano, surfando depois de ter feito minha matrícula no curso de Direito, que nunca quis fazer.
Mas meu pai...
Eu não sou uma pessoa tão ruim assim, mas a sensação era que a vida me engolia. Todo dia um 7x1 diferente. Essa teria sido a resposta que eu teria dado para Roger, se eu pudesse. Não podia, porque naquele ano o fatídico 7x1 ainda não tinha acontecido.
— É ela, não é? — Roger disse e só então eu percebi que tinha voltado a encará-la. Estava agindo como um stalker maluco.
— Quem? — eu tentei desviar os olhos de novo, descendo-os pelas suas pernas e focando em seus saltos cor de rosa.
Era incrível que pudessem fazer um salto tão alto de um tamanho tão pequeno. Eu achei que ela tinha que comprar sapatos na loja de crianças, mas aparentemente existe todo um mundo de meninas que calçam menos de trinta e cinco. Um mundo de pequenos pés por aí e eu nem estava ciente.
— Quem? — Roger deu uma risada forçada. — Preciso mesmo dizer quem?
Eu suspirei, baixando meu rosto nas minhas mãos e apoiando meus braços nas pernas. Ah, que merda de situação...
— É claro que é ela — eu respondi, ainda escondido. — É sempre ela.
— Entendo — Roger disse, dando um tapinha nas minhas costas que provavelmente ele imaginou que serviria como consolo. — E vai ser sempre ela?
Eu levantei a cabeça de novo. Bárbara estava sozinha. Todas as pessoas em volta dela tinham se dissipado em um segundo, inclusive aquele garoto insuportável. Ela mexia no seu celular, mas fechou o flip alguns segundos depois. Seus olhos passearam pela multidão, provavelmente em busca de alguém para conversar. Pararam em mim só por um segundo. Tempo segundo para eu saber que sim.
— Pelo jeito vai, mermão — eu respondi, sem acreditar. — Pelo jeito vai ser sempre ela.
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FINALMENTE MEU PAI DO CÉU, LOUVEMOS AO SENHOR!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Eu já estou até com VERGONHA de pedir desculpas, mas desculpa mais uma vez. Eu sei que é uma bosta quando o autor promete X e não cumpre, mas minha vida tá a maior confusão. DE VERDADE. Eu estou tentando colocar tudo em ordem antes de virar o mês para FINALMENTE ter a sensação de página virada e de novo recomeço.
https://youtu.be/FBVV13YiBCc
A musiquinha de hoje é nacional, aeee. E eu particularmente adoro. Estou orgulhosa desse capítulo e estou ansiosa para saber o que vocês acharam.
Queria pedir um carinho especial para uma leitora querida chamada julia, que acabou de terminar com o namorado e está passando por aqueles ~momentos~ que Bárbara e Rafael conhecem bem de um pós-término. Mandem boas vibes para ela, viu? E se tiver mais alguém aqui nessa situação, estamos aqui para dar amor e apoio.
Agora posso dormir TRANQUILA sem pesadelos que todos os meus leitores estão me deixando para sempre porque eu não consigo escrever! UHUHUHU. Inclusive acho que já vou rascunhando aqui o capítulo de terça feira para NÃO TER NENHUM PROBLEMA.
Obrigada pela paciência, pelas estrelas, pelos comentários e por todo incentivo! Vocês são maravilhososssssssssssss <3
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