Sete
Prometo a cada lágrima vingar
E cada lágrima perdida, irei buscar.
Aqueles que ousaram te tocar
No eco do tempo vão estar.
Teus lamentos calados, em sombras dançarão.
Lamentos ecoam em notas de dor e solidão.
Na dança das estrelas, encontrarão seu lugar
Com cada riso teu, os fantasmas se vão,
E ao brilhar do sol, renasce a ilusão.
E a luz do amanhã vem para ter abraçar.
Alyn
O som que invade meus sentidos e me acorda, baixa mas alta o suficiente para me trazer de volta à consciência, By My Side da banda INXS. Não preciso abrir meus olhos para saber que estou na casa do Raphael.
— Sei que está acordada... Bella. - a voz dele, o apelido quase nunca usado, meu estomago revira. Sinto a presença dele ao meu lado, com um esforço, abro os olhos e encaro o teto escuro, onde sombras dançam suavemente ao ritmo da luz que entra pela janela. O aroma de café fresco permeia o ar, entrelaçando-se com o perfume amadeirado que sempre o acompanha. Amo o cheiro de café fresco.
— Raphael... - murmuro, minha voz ainda embargada pelo cansaço e pelas lembranças.
Ele se vira para mim, um sorriso divertido no rosto, mas logo sua expressão se torna mais séria, é um olhar que conheço bem, que me deixa vulnerável, exposta.
— Você não pode ficar se escondendo, Alyn. O que você tem a ver com a Irmandade? - pergunta ele, a voz agora grave, sem rodeio. Sinto um nó se formar em meu estômago, as lembranças da Irmandade me assombrando, uma rede de segredos e traições que não escolhi.
— Eu... eu não tenho envolvimento, Raphael. - minhas palavras saem entrecortadas, uma tentativa de me proteger e, ao mesmo tempo, de explicar o inexplicável.
— Não me faça perguntar duas vezes. - a firmeza na voz de Raphael me atravessa como uma lâmina afiada. Ele se inclina um pouco mais perto, seus olhos castanhos cintilando com uma intensidade que faz meu coração acelerar. Raphael permaneceu imóvel por um instante, ele não é um homem de ameaças vazias.
— Não é tão simples...
— A vida nunca é simples, Bella. - seu tom de voz esta incrivelmente suave. O silêncio pairou no ar, quebrado apenas pelo sussurro distante da musica que ainda tocava em algum canto da casa, a letra ecoava no fundo da minha mente, "In the dark of night, those faces they haunt me", trazendo de volta uma memoria vaga, uma lembrança de algo que eu nem sabia se queria revisitar.
— Não preciso que confie em mim... - comecei sentindo meu estomago revirar novamente. — Mas há coisas que eu não escolhi. Eu só... cai no meio disso.
— Caiu no meio disso? Ninguém apenas "cai" nas mãos da Irmandade, eles escolhem a dedo. - meu corpo se contraiu instintivamente, ele está certo. Raphael suspirou, afastando-se um pouco, os olhos ainda presos aos meus, ele se levanta, passando as mãos pelos cabelos, antes de se virar para a janela, a escuridão lá fora parece tão densa quanto a que nos envolve dentro do quarto. Raphael permaneceu de costas para mim, observando lá fora.
A porta se abriu suavemente, quebrando a tensão momentânea, uma mulher entrou no quarto, silenciosa e eficiente como sempre. Ela carrega uma bandeja de prata com duas xicaras e uma pequena jarra de sangue, sem dizer uma palavra, ela se aproxima da mesa ao lado da cama e colocou ali, seu movimentos precisos e mecânicos.
— O café para a senhorita Alyn, e... - ela hesitou por um breve segundo, seus olhos abaixados, antes de continuar. — O sangue fresco, como solicitado, para o senhor Damarov. - Raphael se virou lentamente, seus olhos escuros e insondáveis focados na mulher, seu rosto se suavizou ligeiramente, um gesto quase imperceptível, enquanto ele assentia.
— Obrigado, Amelia. - sua voz baixa, quase gentil. Ela inclinou a a cabeça respeitosamente e se retirou, deixando-nos novamente a sós, mas não antes de me lançar um olhar breve de curiosidade, talvez até um pouco solidário. Assim que a porta se fechou, o silêncio retornou, apenas o aroma de café preenchendo o ar entre nós.
— Toma. - Raphael falou suavemente, voltando-se para mim e estendendo a mão coma um das xicaras de café. — Você ama isso.
Peguei a xicara com dedos trêmulos, o calor da porcelana irradiando pelas minhas mãos, um pequeno conforto que aprecio, dei um gole lento, o sabor forte e amargo me traz uma sensação de normalidade em meios ao caos, Raphael, por sua vez, pegou a a jarra de sangue e serviu para sim com a mesma naturalidade com que alguém servia vinho. Seus olhos voltaram a me observar, enquanto ele tomava um gole, o liquido escuro manchando brevemente seus lábios.
— Meu pai... é um dos três líderes da Irmandade.
— Seu pai? - a incredulidade na voz dele era evidente.
— Sim, meu pai. - repeti, minha voz quebrada. O peso daquela confissão começava a me afundar em lembranças que eu sempre tentei enterrar. — Desde pequena, eu fui criada para seguir os preceitos deles. A minha vida foi moldada por essa... organização. Mas, nunca foi um lar.
Raphael colocou sua xícara de sangue na mesa ao lado, sua atenção totalmente focada em mim. Apertei a xícara em minhas mãos, tentando absorver o calor dela, buscando conforto, mas as memórias começaram a invadir, implacáveis, como uma maré que eu não conseguia conter.
— Desde o começo, nunca fui boa o suficiente para ele. - comecei, meus olhos fixos na xícara, incapaz de encará-lo. — Ele sempre exigia mais, sempre queria que eu fosse... perfeita, a Irmandade foi a base da minha educação, cada passo, cada lição, cada teste. Tudo que eu fazia era para provar que merecia estar ali, que eu podia ser moldada no tipo de ferramenta que ele queria. Mas nunca consegui. Não importava o quanto eu tentasse, nada nunca era suficiente.
Fechei os olhos por um momento, a memória dos treinamentos, das expectativas esmagadoras, das vezes que falhei, tudo voltando com uma nitidez dolorosa, a voz de meu pai ecoava em minha mente, cada palavra um lembrete de que eu era apenas uma coisa falha.
— Eles me fizeram acreditar que a Irmandade era a única coisa que importava, a única estrutura verdadeira no mundo. Mas, com o tempo, eu comecei a ver... a ver o que realmente era. - minha voz falhou por um momento. — Uma seita. Um culto alimentado pelo medo, pelo controle. A Irmandade não é sobre união, é sobre separação. É sobre destruir tudo que é diferente para alcançar um ideal distorcido de poder. Eles se alimentam de ódio, de morte, e quanto mais você mergulha nisso, mais se perde.
Raphael manteve-se em silêncio, absorvendo cada palavra, os olhos dele escurecendo com uma compreensão que apenas quem conhece o lado mais sombrio do poder poderia ter.
— Meu pai... - engoli em seco, a amargura se intensificando. — Ele não me vê como filha, nunca me viu assim. Eu sou apenas um projeto. Todos nós somos, os outros na Irmandade? Eles acham que estão ganhando poder, que estão sendo guiados para algo maior, mas é tudo uma mentira.
Minha mente retornou àqueles momentos de infância, ao treinamento árduo, aos castigos por cada erro. Eu me lembrava de olhar para meu pai em busca de aprovação, de um sinal de que ele me via além de uma ferramenta. Mas tudo que ele oferecia era frieza e demandas mais altas.
— Quando eu finalmente percebi que jamais alcançaria o que ele queria... - minha voz ficou mais baixa, quase um sussurro. — Foi quando comecei a ver as rachaduras. Comecei a perceber que a Irmandade só existe para o controle, para manipular; não é uma ordem sagrada, como eles pregam. É uma máquina de morte. Eles criam lealdade pelo medo. Fomentam guerras e divisões e quem está no topo, como meu pai, nunca sofre as consequências, eles puxam as cordas, enquanto todos os outros caem na lama e no sangue.
Soltei um suspiro pesado, finalmente levantando os olhos para Raphael, que me observava com uma intensidade que me fazia tremer, seus olhos fixos nos meus, como se cada palavra que eu dissesse estivesse ecoando em algum lugar dentro dele. Ele sabia o que era ser moldado pelas expectativas de outros, mesmo que nossos mundos fossem diferentes.
O silêncio entre nós se quebrou abruptamente com a porta se abrindo. Dimitri, o braço direito de Raphael, entrou no quarto com passos firmes, a postura dele rígida, como se cada movimento fosse um robô, ou um droide militar.
— Desculpe interromper, senhor, mas sues filhos estão a caminho. Devem chegar em minutos. - Dimitri anunciou, com a voz grave e séria de sempre.
Minha mente congelou por um segundo. Filhos? Olhei para Raphael, surpresa tomando conta do meu rosto. Ele tinha filhos? Nunca imaginei que alguém como ele, tivesse uma vida além dos segredos e dos jogos de poder. Raphael me olhou de soslaio, como se a minha surpresa fosse inevitável, mas ele não se incomodava. Seu rosto suavizou um pouco, embora houvesse um brilho estranho em seus olhos.
— Surpresa, Bella? - ele perguntou, com um tom leve, quase divertido, enquanto se levantava, ajeitando as roupas com a tranquilidade que lhe era peculiar. — Tenho dois filhos, Irina e Arkadi.
Eu me mantive em silêncio por um momento, digerindo a informação. Raphael, o homem que parecia tão isolado de qualquer laço emocional, era pai de dois filhos. Como alguém como ele, que manipula tudo e todos, conseguia equilibrar isso com o papel de pai? Era um pensamento perturbador, uma dualidade enorme.
— Não esperava por isso... - murmurei, mais para mim mesma, sentindo uma onda de curiosidade me invadir. — Como você...? - Raphael deu um sorriso discreto, algo que não alcançava seus olhos, mas continha um pouco de sarcasmo.
— Nem tudo em minha vida é o que parece, Bella. - ele respondeu calmamente, indo até a janela e observando a escuridão do lado de fora, antes de acrescentar, em tom mais baixo, como se ponderasse em voz alta. — Eles são o que há de mais importante para mim.
Sua confissão me pegou desprevenida. Não esperava essa vulnerabilidade em Raphael, mesmo que fosse tão breve e contida. Vi um vislumbre de uma parte dele que eu jamais tinha visto.
— E a mãe deles? - perguntei, hesitante.
Raphael não respondeu imediatamente. Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos, quando finalmente falou, sua voz estava mais amarga.
— Ela não faz mais parte deste mundo.
A resposta dele me deixou sem palavras. Havia algo ali que eu sabia que ele não queria discutir, um passado enterrado. Antes que eu pudesse fazer outra pergunta, Dimitri voltou a falar.
— Senhor, devemos prepará-la? - ele se dirigia a Raphael, ignorando a minha presença, como sempre. Raphael acenou com a cabeça, dispensando Dimitri com um gesto simples.
— Vá. Eu cuidarei do resto.
Quando Dimitri saiu do quarto, Raphael voltou seu olhar para mim.
— Eles são a única coisa que me mantém em equilíbrio, Alyn. Não se engane, o poder pode corromper, pode distorcer o que somos. Mas algumas coisas... - ele parou por um momento, como se ponderasse a escolha das palavras. — Algumas coisas ainda têm valor, mesmo neste mundo fudido.
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