Seis
O desejo não é apenas uma chama,
é um eco persistente, um lembrete
constante do que está escondido
na escuridão.
Entre os limites difusos da carne e do mistério,
a realidade se dissolve, e o prazer se torna um
jogo de chamas irregulares.
O tempo parece esticar, alongando o instante
em que o desejo se entrelaça com o medo,
revelando a essência do que significa ser verdadeiramente visto,
e ao mesmo tempo, infinitamente escondido.
Raphael Damarov
O zumbido baixo do avião soava distante, quase abafado pelo peso do que eu acabara de ver. A cabine escura, iluminada apenas pelo brilho suave da tela à minha frente, parecia um espaço ainda menor, e a tensão me enchia como uma onda, quase palpável, enquanto eu assistia à repetição do vídeo que acabara de chegar. Nevsky Prospekt em caos, protestos, sirenes... e Alyn.
Eu sabia que algo estava errado no momento em que embarquei nesse maldito voo, mas não pensei que seria tão sério. Toquei o ícone na tela, pausando o vídeo, a imagem congelada de Nikolai carregando Alyn nos braços. O bastardo. Ele estava se aproveitando da situação, levando-a como se fosse o dono dela. Fiquei mais um segundo encarando a tela, a fúria crescendo em mim, antes de tocar novamente para o vídeo continuar, a câmera de segurança, posicionada em um ângulo precário, capturava o momento exato em que Veroni caiu no meio da multidão, e as sirenes continuavam a ecoar, as luzes vermelhas e azuis dançando sobre o cenário, mas nada disso era relevante. Não para mim.
Veroni... Ela tentou proteger Alyn. Idiota leal, sempre achando que pode enfrentar qualquer um, mesmo sem chances. Eu já havia lhe dito várias vezes para ser mais cautelosa, mas ela não ouvia, e agora, ali estava ela, desarmada, sendo levada por policiais como um peso morto, uma perda de tempo. Mas não era com ela que minha mente estava fixada, meu foco estava todo em Alyn. A abstinência de sangue estava finalmente cobrando seu preço, vi a fraqueza nos seus passos, o modo como se rendia ao próprio corpo, como se cada movimento fosse uma batalha perdida. Ele sabia que ela não tinha escolha, que estava vulnerável e foi isso que o fez agir.
Enquanto o vídeo seguia, vi quando ele se aproximou, maldito oportunista. Ele a pegou nos braços, afastando-se com rapidez enquanto a multidão gritava e se aglomerava ao redor deles. Não havia urgência em seus movimentos, mas sim uma confiança irritante, como se soubesse exatamente o que estava fazendo e que ninguém seria capaz de detê-lo. Eu pausei o vídeo novamente, os olhos fixos na tela. A ideia de Alyn, minha Alyn, nas mãos de outro... inaceitável. Mas, claro, ela sempre quis fugir de mim.
Um som de notificação me tirou dos meus pensamentos. Outra mensagem de Dimitri.
"Veroni capturada. Alyn desaparecida. Nikolai a levou."
Ótimo. Toquei o ícone de chamada e Dimitri atendeu quase imediatamente, a voz dele soando hesitante.
— Senhor, eu... eu lamento. Não conseguimos rastrear Nikolai, e Alyn está fora do nosso radar. -eu fechei os olhos, inspirando lentamente para manter o controle.
— O que mais você sabe?
— Pouco. Nikolai parece estar agindo sozinho, mas... há rumores. Ele não a levou para um local conhecido. Acreditamos que esteja em um esconderijo, talvez fora de São Petersburgo. Ele está evitando as rotas tradicionais.
Eu sorri, um sorriso frio e sem humor.
— Continue rastreando. Encontre-o antes que eu chegue. - Dimitri murmurou uma confirmação apressada, mas eu já havia desligado antes que ele pudesse terminar. Meus olhos voltaram para a tela, para a imagem congelada de Alyn nos braços de Nikolai. Ela estava tão fraca. Tão vulnerável, o corpo dela não aguentaria muito mais tempo sem sangue.
O avião começou a descer, e o anúncio da chegada em São Petersburgo ecoou pela cabine, em breve, eu estaria em solo novamente. E quando isso acontecesse, não haveria mais lugar seguro para Nikolai. A única coisa que me impedia de quebrar o pescoço daquele maldito imediatamente era o fato de que ele ainda poderia me levar até Alyn.
⸸
Eu desci do avião com o corpo tenso e a mente em chamas. O frio de São Petersburgo me envolveu assim que pisei fora da aeronave, mas não o senti, a única coisa que importava agora é encontrar ele, e acabar com isso de uma vez por todas. O carro preto já me esperava, com Dimitri ao volante, seu rosto pálido e preocupado, ele sabia que falhas não eram uma opção. Entrei no banco de trás sem dizer uma palavra. Dimitri, sem esperar instruções, acelerou cortando as ruas da cidade.
— Alguma atualização? - perguntei, minha voz saindo mais baixa do que eu pretendia, o ódio por Nikolai ainda fervendo no fundo da minha mente.
— Estamos analisando possíveis esconderijos, senhor. Há algumas rotas que ele poderia ter usado para evitar nossas patrulhas. - ele hesitou por um segundo, antes de continuar. — Mas... ainda estamos com dificuldades. Ele é... cuidadoso.
Enquanto o carro cortava as ruas de São Petersburgo, os meus pensamentos voltaram para Alyn. Não era só a vulnerabilidade dela que me perturbava. Era o fato de ela estar com ele. Nikolai não fazia nada sem um propósito, e o propósito dele com Alyn... isso me deixa inquieto. Inspirei profundamente, tentando acalmar a raiva crescente.
— Se Nikolai a mantiver viva, é porque ele quer algo, Dimitri, ele não teria levado Alyn se não tivesse um plano. - minha voz estava fria, quase mecânica. — Descubra o que ele quer. - Dimitri assentiu, acelerando dirigindo contra o tempo.
Ela estava nas mãos de alguém que não tinha o direito de sequer tocá-la. O carro parou bruscamente diante da mansão Damarov, desci antes mesmo de Dimitri desligar o motor e caminhei até a entrada, dois guardas abriram as portas para mim, suas expressões sérias, mas respeitosas. Passei direto pelas salas de monitoramento, até chegar à sala de controle, onde telas de segurança piscavam, monitorando cada canto da cidade. Imagens das câmeras nos pontos estratégicos em São Petersburgo passavam rapidamente pelas telas, mas não havia sinal deles.
Um dos analistas olhou para mim, ansioso.
— Senhor, estamos monitorando as principais saídas da cidade e os pontos de interesse, mas até agora... nada. - ele hesitou, como se soubesse que essa notícia não era o suficiente.
— Continue rastreando as rotas alternativas. Nikolai está tentando se esconder, mas ele vai errar. Todos erram. - minha voz é um sussurro áspero. Dimitri se aproximou, segurando um tablet em mãos.
—Senhor, encontramos algo... uma fazenda fora de São Petersburgo. Um local que está há anos sem uso. Há atividade recente por lá. Pode ser ele. - me virei lentamente para ele, sentindo o sangue esquentar nas minhas veias. O sorriso frio voltou aos meus lábios.
— Vamos.- dei a ordem e saí sem olhar para trás, com Dimitri logo me seguindo, se Nikolai realmente estivesse lá, essa caçada acabaria mais rápido do que ele esperava. Eu encontraria Alyn. A Irmandade irá arcar com essa falha, e ele pagaria caro por ter ousado tocá-la.
⸸
— Senhor... ele pode estar jogando com o tempo, enquanto nos faz buscar às cegas. - ele falou com cautela, a hesitação em sua voz é quase imperceptível. Dimitri apertou as mãos no volante, o som de seus nós estralando foi a única resposta por um tempo. O medo estava claro nele, mas ele sabe que a última coisa que preciso agora era um subalterno titubeante. Se Nikolai acha que pode brincar comigo, ele não conhece a profundidade da minha paciência.
Chegamos à fazenda, o lugar está apagado pelo abandono, Dimitri me lança um olhar nervoso antes de sair do carro, ao por os pés no chão, o vento frio cortou o ar, trazendo consigo o cheiro da terra molhada e o leve toque de sangue, o sangue dela.
— Entrem em silêncio. - a ordem de Dimitri para os outros, foi um sussurro autoritário.
quando alcancei o segundo andar da casa, o cheiro dela fica mais forte, inconfundível. Me aproximo da porta entreaberta, empurro a porta revelando o interior do cômodo, o cômodo mal iluminado , mostrava sinais de uma luta recente, móveis tombados, marcas na parede, e o corpo de guarda estirado no chão e o sangue ainda fresco.
No canto do quarto está Alyn, seus olhos fechados e sua pele pálida parece ainda mais translucida sob a luz fraca que infiltra pela janela quebrada. Ela esta amarrada a uma cadeira, Nikolai não está aqui. Me aproximei devagar.
— Alyn... - ela não se mexeu, apenas respirando de maneira irregular. O cheiro do sangue dela misturado com esse ambiente abafado é quase sufocante, me ajoelhei diante dela, ela não tem cortes em parte alguma do corpo, mas o pequeno arroxeado em seu braço esquerdo, quem teria ousado tirar sangue dela?
— Te salvando... como sempre. - murmurei, mais para mim mesmo que para ela enquanto desamarro seu pulso.
— Dimitri.- rosnei, meus olhos se estreitando. - Fique com ela. - ordenei antes de me levantar, me virando para o corredor, Nikolai quer um confronto.
— Nikolai... - chamei, minha voz reverberando pela casa. - Sei que esta ouvindo, seu bastardo.
O silêncio que seguiu é quase irritante.
— Sempre tão previsível, não é, Raphael? - a voz dele é baixa, NIkolai aprece na porta principal, com um sorriso arrogante no rosto. — A Irmandade solicitou a sua morte. Eu não fiz mal nenhum a ela. - o som da voz dele, faz meu instintos aflorassem, a raiva crescendo dentro de mim como fogo, queimando cada parte do meu ser, desci as escadas, com os olhos fixos no homem à minha frente.
— Você não fez mal nenhum a ela? - minha voz saiu ironicamente controlada.
— Eu não sou seu inimigo, Raphael. - Nikolai ergue as mãos como se estivesse se rendendo. — A Irmandade decidiu seu destino. Alyn não está segura com você, estava fazendo um favor ao mantê-la viva.
— Um favor? - me aproximei, o ódio transbordando na minha voz. — Tira sangue dela é um favor? Amarrá-la, sequestrá-la e usar isso contra mim? - minha paciência está no limite. Ele sabe que não consegue se justificar, e mesmo que tentasse, não importaria. Nada que ele disser vai mudar o resultado dessa noite.
— Você realmente acha que pode protegê-la? - Nikolai deu mais um passo à frente, agora está a poucos metros de mim. — Você, de todo, deveria saber - Ela faz parte da Irmandade.
— Vai pro inferno! - avancei em sua direção, meu punho fechado atingindo o rosto dele com uma força que o faz cambalear para trás, ele cai contra a parede com um grunhido de dor, Nikolai riu, um som fraco e dolorido, cheio de desprezo, ele cuspiu sangue no chão e olhou para mim, de maneira desafiadora.
— A Irmandade não vai parar. - Dimitri apareceu ao meu lado, puxando uma arma, pronto para terminar o trabalho. Mas eu impeço.
— Não... - eu falo com fúria. - Ele vai nos dizer tudo que sabe antes de morrer. - ele apenas riu, um riso doentio.
— Boa sorte, Raphael... Boa sorte.
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