35. Daisy
Quando os dias tornaram-se agradavelmente livres, em que tinham todo o tempo do mundo para viverem em paz naquela cabana, os arandianos e a petrichoriana estranharam. Apenas à princípio.
Nada parecia querer tirá-los daquela bela e agradável redoma onde encontraram tudo. Abrigo, conforto, amor.
Ginevra, entretanto, conhecia as histórias da cabana do Bosque e dos encantos do Deus Puipuiga e cansara de contá-la, por mais que a chamassem de pessimista.
Um dia, a cabana sumiria. Ginevra era apenas realista. O refúgio só estaria ali enquanto precisassem. Quando Puipuiga decidisse, seria hora de partirem.
- Certo, pronto? - Viorica indagou com a faca amolada em mãos.
Azriel, sentado de costas pra ela, fechou os olhos, preparando-se para ter o cabelo cortado.
- Eu estou com medo - ele admitiu.
Kohan segurava uma risada enquanto assistia à cena com uma maçã mordida em mãos.
- Vai, confia em mim! - ela ajoelhou atrás dele e passou os dedos por seus cabelos, que já começavam a cair em seus olhos.
Azriel fechou os olhos. Quando Viorica cortou o primeiro maço das pontas do cabelo do garoto, Kohan gargalhou.
- Vá se foder, Kohan! - Azriel esbravejou, levantando-se.
O irmão mais novo passou as mãos pelo cabelo, não encontrando nenhuma falha. Viorica revirou os olhos e Kohan engasgou com a maçã.
- É o carma - ela reclamou com Kohan. - Agora sente aqui, Azriel! Eu vou cortar esse cabelo!
Ginevra irrompeu pela porta com um sorriso cansado no rosto.
- Ei - ela saudou.
- Ei, onde estava? - Viorica indagou simpaticamente, recomeçando a cortar os cabelos de Azriel, cujo rosto contorcia-se em uma careta de medo.
- No riacho - Ginevra mostrou uma jarra com água que fizeram com barro e fogo, agora cheia da água cristalina do riacho que ficava há pelo menos dois quilômetros deles, mas ainda bem localizado. Na outra mão, Ginevra balançou um pequeno embrulho de pano que provocou pequenos estalidos. - Peguei algumas pedras também.
- Pedras? - Kohan levantou uma das sobrancelhas, tentando aos poucos parar de rir da cara do irmão mais novo.
- É. Estou estudando uma magia nova - ela depositou suas coisas na bancada improvisada da cozinha.
- E vai precisar de pedras pra quê? - Azriel perguntou.
- Vai ver. Onde estão os outros dois?
- Alaric está cortando lenha. Hoje é dia de fogueira - Viorica sorriu ao se lembrar, sem desviar os olhos do cabelo do homem em sua frente.
- Quase me esqueci.
A fogueira. A tradição que seguiram e não pretendiam abrir mão. Era como mantinham os pais por perto.
- E Azura? - a bruxa questionou.
- Não faço a menor ideia - Kohan deu de ombros e engoliu o último pedaço tragável de sua maçã.
Ginevra deu-lhes as costas e subiu as escadas do casebre. Sabia onde encontrá-la.
No telhado daquele pequeno casebre, Azura meditava.
Com as pernas cruzadas e as costas eretas, mantinha as palmas das mãos apontadas para cima e prontas para receberem as bênçãos dos Deuses.
O sol de Sonca batia perfeitamente em seu rosto naquele horário, de um modo que lhe trazia um agradável calor e uma sensação boa.
Com frequência, Azura transportava-se para o Rio Ma'h. Sentia falta da beleza pintada nas translúcidas águas do rio. Sentia falta do aroma das flores soprados pelos espíritos em seu rosto. Sentia falta de cavalgar com Shiro até as plantações de käfi. De roubar as jabuticabas maduras e distribuí-las para as crianças que brincavam no lugarejo que chamava de lar.
Com frequência, Azura se perguntava se um dia aquela dor passaria. Petrichor estava fincada em seu peito como uma estaca. Ela não queria que sumisse, mas as lembranças a torturavam.
Azura sentiu Sonca tocar seu sétimo chakra. Ela ouviu o sopro dos Deuses costurando as árvores do Bosque. Ouviu o farfalhar das folhas anunciando que logo a noite chegaria e o dia findaria.
Entretanto, Azura não conseguia ignorar a sensação que lhe crescia na boca do estômago e que não lhe vinha de hoje. Era uma sensação ruim, um amargor com gosto de que algo mau os esperava. Um pressentimento.
A petrichoriana pressionou seus olhos com força e distraiu-se. Os passos de alguém ao lado da janela onde se sentava diariamente a despertou.
Ela abriu os olhos e de soslaio viu Ginevra a encarando com um sorriso.
- Desculpe, não queria incomodá-la - a bruxa sorriu.
- Não incomodou - Azura retribuiu-lhe o afeto.
- Está tudo bem?
Azura estava sentindo a cor faltar-lhe na pele. Uma leve tontura a acometeu.
Ginevra pulou a janela e caminhou pelo telhado até aconchegar-se ao lado da amiga.
- O que foi? - a arandiana insistiu.
- Não sei - Azura balançou a cabeça. Desmanchou sua postura e puxou as pernas para perto, acomodando-se melhor. - Estou com uma sensação ruim.
Ginevra preocupou-se.
- Eu sei.
Azura a observou.
- Como assim?
- Sinto que algo está para mudar - a bruxa admitiu. - Só ainda não sei o que. Nem as consequências.
A petrichoriana fechou os olhos cinzentos novamente, incomodados pelos fortes raios do sol que penetravam as copas das árvores.
- Acha que tem a ver com aqui?
- A cabana?
- Sim.
- Não sei - Ginevra desabafou. - Mas acredito que sim.
Azura abriu um sorriso triste.
- Sabíamos que não ficaríamos para sempre.
- É. Só... eles não sabem disso - Ginevra indicou com a cabeça telhado abaixo. Os quatro encontravam-se ali ao redor de uma pilha de lenha cortada. Alaric puxou a mulher que amava pela cintura e a depositou um beijo no pescoço, arrancando-lhe uma risada amável. Kohan e Azriel aprontavam-se para acender o fogo.
- Você já lhes contou.
- Eles não acreditam. Isso aqui é... tudo o que temos. É uma casa palpável, segura. Um refúgio que nos tirou da lama.
Azura repousou sobre os cotovelos, jogando o corpo para trás e aproveitando das últimas horas do dia.
- Vamos aproveitar, então. Enquanto pudermos.
- Enquanto Puipuiga nos permitir - Ginevra concordou.
Azura se levantou e espreguiçou-se. Ela estendeu uma das mãos à Ginevra. A bruxa recusou sua ajuda.
- Vou ficar por aqui mais um pouco.
- Tudo bem - Azura concordou e pulou de volta pela janela.
Ginevra a observou quando chegou lá embaixo. Ela juntou-se aos outros. Kohan acendeu a fogueira enquanto Azriel começou a tocar a melodiosa flauta que conseguiu moldar com um tronco oco e um facão afiado.
O casal feliz rodopiava. Azura ousou segui-los, seduzida pela música que lhe fazia falta. Kohan sorriu. Ginevra sentiu um aperto dentro do peito. Sabia que algo estava errado.
Por mais que tentasse evitar, as palavras de Dante nunca saíram da cabeça de Gisèle.
"Seu passado é forte".
"Um irmão, uma irmã, um amigo próximo".
As mãos da loira suavam apenas com o pensamento. A ideia de não conhecer o próprio passado, a própria história, lhe deixava com o estômago embrulhado.
"Esse alguém, quem quer que seja... é importante para você de alguma forma. E esse alguém vai mudar o mundo".
Ela esforçava-se para acreditar que aquilo não passava de um mal entendido. Seu sono já não era o mesmo. Não comentou sequer uma palavra sobre isso com Caiden ou mesmo Tereza. A loira se perguntava o quanto o xamã sabia da boca de Dante.
- Está bem? - a voz de Tereza ao seu lado a despertou.
Gisèle voltou sua atenção para o que fazia. Viu as plantas de hortelã que colhia do pé sendo esmagadas em suas mãos.
- Ai, merda.
A loira sentou-se no chão, estressada.
Tereza pouco entendeu. A ruiva arriscou uma dúvida que estava engasgada.
- Isso tem a ver com Caiden?
O rosto de Gisèle rapidamente virou em direção ao de Tereza, como se a amiga acabasse de lhe perguntar um absurdo.
- Como assim? - incrédula, Gisèle questionou.
- Okay, não, não tem.
- Não, agora fale! - Gisèle inclinou-se sobre ela.
Elas não estavam sozinhas, mas os outros Kinos mantinham-se bem distribuídos pela plantação de hortaliças.
Tereza esboçou um sorriso travesso.
- Está com ciúmes? - a ruiva arriscou.
- De quê? - Gisèle ergueu uma das sobrancelhas.
- Ah, pare com isso - Tereza cochichou. - De Frey!
Gisèle riu.
- Por que eu teria ciúmes de Frey?
- Bem, veja bem - Tereza ergueu a postura. Era uma boa analista com tempo de sobra para pensar. - Antes eu achava que você e Caiden tinham alguma coisa além da amizade, mas pelo que pude ver, são só grandes amigos.
- E?
- Deixa eu terminar - Tereza jogou as madeixas alaranjadas para trás. - Se são grandes amigos, não teria problema de ele se envolver romanticamente com alguém, certo?
- Certo? - impacientemente Gisèle a respondeu. Queria entender aquele raciocínio e como a cabeça de Tereza funcionava.
- Mas, quando ele e Frey se tornaram só grandes amigos que eu tenho certeza que ocasionalmente se pegam...
- Sob efeito de álcool - Gisèle completou.
- Vê onde quero chegar?
- Não tenho ciúmes de Frey, Tereza.
- Eu teria - a ruiva provocou.
Gisèle revirou os olhos.
- Sabia que eu tinha certeza que você tinha uma queda por Caiden?
Tereza arregalou os olhos, mas evitou olhar para Gisèle, focada no trabalho que fazia pela primeira vez no dia. Suas bochechas coraram.
- Eu?
- É!
- E por que?
- Via como olhava pra ele.
- Eu não olhava diferente pra ele, Gisèle.
- Claro que olhava! Você me fuzilava quando estávamos juntos.
Tereza mordeu o canto da boca. Um sorriso singelo esboçou-se em seus lábios ao ouvir aquelas palavras. Sentimentos e lembranças de um passado recente voltaram-lhe à tona. A daviliana não conseguiu sustentar os olhos azuis e penetrantes de Gisèle, que aguardavam por uma resposta. A ruiva riu, sem graça, e deixou as palavras saírem de sua boca sem pensar em consequências. Antes de se levantar e deixar Gisèle com suas conclusões, Tereza encerrou a conversa:
- Talvez não fosse para Caiden que eu olhasse diferente.
Odile não conhecia mais a vida de rainha. Não acordava mais com um café da manhã digno dos Deuses a esperando em uma bandeja de ouro e um banho de banheira quente. Entretanto, quando Lili vinha pentear seus cabelos e orná-los com flores colhidas do campo, voltava a sentir-se como tal.
- Daisy, seus cabelos são tão lindos! - a garotinha não cansava de elogiá-la.
- Não tanto quanto os seus, Lili - de olhos fechados, a rainha gostava de sentir os delicados dedos da garota passearem por suas madeixas.
O sol já se punha em um bonito colorido arroxeado sobre as cabeças das duas.
Odile estava no lugar que lhe fora cedido. O celeiro. Apesar de escuro e frio, ela estava acostumada a ficar ali. O feno era uma cama boa em que ela se afundava e se acomodava. Odile não pode negar: nas primeiras noites, chorou. Sentiu falta de sua cama. De seu marido. De seu bebê. Até dos bajuladores que não saíam de seu pé.
- Não devia estar trabalhando? - a voz a despertou.
Odile abriu os olhos para ver quem cobria-lhe o restante da luz do sol.
Fin estava com a voz grossa e os ombros largos, passando da transição de adolescente para homem. O garoto estava em seu encalço todas as horas do dia.
A mulher abriu a boca para defender-se, mas Lili debruçou-se sobre seus ombros para defendê-la.
- Ela machucou as mãos, Fin! - a pequena Lili esbravejou para o irmão.
- E isso lá é desculpa?
- Não - Odile defendeu-se sozinha, olhando para os calos agora abertos nas mãos. - Não é. Mas já fiz minhas tarefas, Fin.
Fin voltou-se para trás e viu as plantações de milho prontas e aguardando para a temporada de colheita. A enxada estava encostada ao lado da rainha, na porta do celeiro.
- Então arrume mais o que fazer, Daisy - o garoto esbravejou, quase envergonhado e frustrado por não ter pelo que repreendê-la.
Lili enfureceu-se com o irmão, Odile percebeu. A rainha voltou-se para a pequena enquanto Fin adentrava o celeiro, distanciando-se.
- Não ligue, minha princesa - a rainha ganhou a atenção daqueles lindos olhos azuis. - Deixe que eu falo com seu irmão.
Lili parecia triste.
- Não sei porque ele não gosta de você, Daisy! Você é maravilhosa!
A rainha sorriu. Gostava da pureza e inocência daquela pequena criatura.
- Me faça um favor, Lili? - Odile cochichou, próxima a ela. - Eu adoraria um chá agora.
- De hibisco? - Lili animou-se.
- Sim, com muito açúcar!
Lili colocou-se de pé e bateu o excesso de terra e feno no vestido.
- Eu já volto!
Odile observou-a desaparecer pela fazenda, correndo quase meio quilômetro de volta para sua casa.
A rainha viu-se sozinha com Fin. O garoto armazenava no devido lugar os grãos da colheita que rendera naquele dia. A mulher tirou de seus cabelos as flores de Lili e as deixou em um canto, tentando passar seriedade.
Odile chegou onde chegou por seu encanto, acima de qualquer beleza física. Podia persuadir um garoto de dezesseis anos.
- Fin? - sua voz melodiosa o chamou. - Quer me contar qual o seu problema comigo?
Fin nem ao menos voltou-se para ela. Continuou seu serviço, cabisbaixo.
A rainha sentou-se em um caixote ao seu lado, entrando em seu campo de visão.
O garoto bufou.
- Não acho que devesse estar aqui - comentou, por fim.
- E por que não?
Ele balançou a cabeça, finalmente a encarando.
- Porque...
- Tem a ver com o bebê de sua mãe?
Fin ficou em silêncio. Odile aguardou pela resposta que ele claramente formulava.
- Se for um menino... eles vão querer levar ele da gente. Meus pais nunca deixariam. Nem eu.
- E onde me encaixo nisso?
Fin soltou uma risada debochada.
- Nem ao menos sabemos quem você é, Daisy. Apenas seu nome e nada mais! Meu pai te encontrou perdida na cidade e sem um tostão. Sabe o preço que pagam pela delação de um segundo nascido homem?
- Sei - ela ajudou a decidir.
Seu passado a assombrava. Fez de tudo o que pôde para deixar Sohlon em segurança, no poder, governando enquanto os Deuses lhe permitissem. O peso da coroa subiu sua cabeça, ela sabe. Demorou a admitir. O poder nas mãos mais puras pode vir a ser uma ruína. Tantas vidas perdidas por causa dela. Aquele fardo ela carregaria para o resto da vida.
- Não confia em mim, é isso? - a rainha indagou. - Sabe que as leis não se aplicam à essa criança, independente de a que sexo ela pertença.
- Não, não confio - os penetrantes olhos de Fin focaram nos dela. - Esses reis são genocidas. Se lhes for conveniente, vão matar meu futuro irmão.
- E o que quer que eu faça, Fin? Ir embora não vai mudar nada.
Fin viu seu peito doer.
- Quanto tempo vai ficar aqui, Daisy? - ele indagou.
- Até as fronteiras da Pedreira se abrirem.
- E qual seu rumo?
- D'Ávila.
- O que vai fazer em D'Ávila? É uma zona de guerra agora.
- Tenho família lá - ela realmente acreditava nas próprias palavras.
- Isso pode ser em meses. Semanas.
- Dias, quem sabe? - ela sorriu, otimista.
Fin, entretanto, não caiu em seus encantos.
- Fin - ela calmamente começou sua sentença -, nunca faria mal à família que me tirou do fundo do poço quando eu mais precisei.
O garoto inspirou profundamente.
- Sabe o que pode fazer, Daisy? Que vai me fazer confiar um pouco mais em você?
Odile o fitou com os olhos esmeralda vibrantes.
- Me diga.
Fin recostou-se no caixote ao lado dela e cruzou os braços.
- Pode me contar sua história.
Nafré não gostava de ficar ali. Naquela casa, naquela terra. Queria voltar para Crisântemo. Todavia, quando se lembrava do rumo que sua cidade natal levava, não sabia mais onde preferia estar: nos braços da mãe em uma guerra civil, protegida pelos cobertores e as quatro paredes do quarto em que cresceu, ou fugindo da coroa com um bebê roubado em uma terra que tinha tudo para ser a próxima a sucumbir.
A garota loira sentia-se confortável naquele quarto. Dali, com a porta fechada, não ouvia os berros de Kaha e Osi não a procurava para incomodá-la. Ela sentia culpa de pensar assim. Sabia que mais perdida que ela, apenas o garoto. Entretanto, era uma figura que lidava bem com a solidão.
Encontrou refúgio ali, tentando conhecer os que deixaram a casa para trás às pressas apenas pelos pertences. Admirava a força que tinham tido por desaparecer com um bebê recém nascido, até perceber que essa era sua situação atual.
O que mais gostava naquele quarto era o arco e flecha esquecido em um canto. Não sabia o porquê, mas tinha uma sensação boa sobre ele. Torcia para que o dono estivesse vivo. De algum modo sabia que estava. O destino precisava guardar-lhes algo a mais que isso.
- Onde está Gine? - Alaric indagou.
A noite já caía sobre eles há muito. As chamas acesas da fogueira os aqueciam naquela noite gelada. Não era tão grande e esplendorosa como as que Tron fazia em Arande, mas ainda era o suficiente para manter a tradição viva e mantê-los ali, próximos, por menor que fosse o tempo. Não costumavam reunir-se, mesmo sendo tão poucos. Por isso, o irmão estranhou quando a irmã não apareceu.
- Disse estar cansada hoje - Azura rodava um graveto no fogo, brincando com as chamas que se acendiam na extremidade oposta à sua mão.
- Que sem graça, que viesse dormir perto do fogo - Viorica brincou.
Azriel, perdido nas hipnotizantes chamas da fogueira, passou as mãos pelo cabelo recém cortado. Estava impecável, ele tinha que admitir.
Sua boca secou. Percebeu-se triste. A saudades de casa lhe batia fortemente no peito com certa frequência. Aqueles encontros não eram os mesmos sem Tron e Honda, seus pais de criação. Não eram os mesmos sem bebida caseira e barata ou mesmo os peixes fritos e cheios de óleo da mãe. Ele nunca admitira aquilo em voz alta, por mais que soubesse que aquela era sua família e ninguém o compreenderia como eles. Azriel preferiu sofrer em silêncio.
Estavam quietos há tempos. O mais novo não estava mais confortável para ficar ali.
Azriel levantou-se.
- Acho que vou acompanhar ela, então - ele levantou os ombros, como se tivesse sido vencido.
- Já, Azri? - Azura questionou.
- É - ele riu, sem graça. - Sem clima pra hoje.
- Foi o cabelo? - Viorica questionou. - Eu juro que achei que ficou bom.
Azriel soltou uma gargalhada cansada, seguido pelas risadas dos outros.
- Só estou cansado.
O garoto mais jovem despediu-se e rumou para dentro.
Kohan observou o irmão mais novo adentrar a casa antes de dizer o que se passava por sua cabeça.
- Ele não está bem, não é?
- Acho que não - Alaric fitava a porta de entrada da cabana, agora fechada. - É pedir muito que esteja.
Azura soltou uma risada debochada.
- O que foi, petrichoriana? - Kohan a provocou.
- Ele só não finge tão bem quanto a gente - ela deu uma golada demorada no jarro com água.
Os quatro rapidamente se entreolharam. Sabiam que ela estava certa. Por mais que estivessem melhores do que quando decidiram entrar no Bosque, não estavam realmente bem.
Viorica distraiu-se com os próprios dedos, tentando arrancar as cutículas das unhas que não fazia há tanto tempo. Suas sobrancelhas se cerraram quando ela ouviu um som distante.
A arandiana olhou em frente, procurando pela origem do som. Nenhum dos outros três parecia ouvir. A mulher levantou-se, como se o ato a ajudasse a apurar os ouvidos.
- O que foi, Vio? - Azura a questionou.
Ela ouviu claramente agora, como se estivesse próximo. O choro de uma criança.
Viorica olhou para os três ao redor da fogueira.
- Não estão ouvindo?
Eles, por sua vez, a olharam como se estivesse maluca.
- Ouvindo o quê, meu amor? - Alaric aproximou-se.
Viorica sentiu um certo desespero. Aquela criança estava em perigo. Aqueles berros não eram de qualquer ser que se encontrasse são e salvo. Seu ar lhe faltou por um segundo.
A arandiana irrompeu pela mata.
- Ei, Vio! - Alaric correu atrás dela, vendo-a desaparecer pela escuridão da mata.
Azura e Kohan se levantaram. Algo ali estava errado.
Não deu tempo de pegarem as armas em mãos.
Assim que saíram de seus postos, o fogo se apagou.
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