33. Torahk
Os olhos pesados vagarosamente se abriram ao primeiro sinal de luminosidade do dia, que adentrava por baixo da lona da tenda em que Caiden dormira.
O homem revirou-se na cama, espreguiçando-se. Viu-se nu e sozinho, aconchegado em um colchão e bem aquecido pelo cobertor de Frey. Ela, entretanto, não estava ali.
Ele sentou-se no sofá e riu para si mesmo. Se dissessem que aquilo tudo aconteceria em questão de um dia, diria para a pessoa se tratar.
Com dificuldade, Caiden se levantou, ainda sentindo a dor recente da perna machucada.
Vestiu as roupas largadas e não hesitou em abrir a tenda.
Caiden viu a clareira amanhecendo. Os primeiros raios de sol do dia eram de um tom alaranjado que iluminava parcialmente a extensão daquele território.
O homem sentiu o frio da manhã. Fez uma nota mental de conseguir mais roupas.
Algumas pessoas já estavam acordadas, indo de lado a lado. Ele perdeu-se na visão delas, andando como formigas operárias que acordavam mesmo antes do sol para fazer o trabalho duro. Ele precisava se encontrar ali.
Seus olhos rapidamente passaram de lado a lado e, desatento, viu uma figura que lhe tirou o fôlego. Ele rapidamente voltou a olhar. Do outro lado da clareira, ainda encoberta pela escuridão que ía embora, Carú o olhava. Não, não era Carú. Aqueles olhos negros podiam ser vistos de qualquer distância. Ele estremeceu.
- Ei - uma voz o assustou.
Caiden sobressaiu-se e olhou para seu lado. Frey aproximava-se. Ele voltou os olhos para a clareira, mas a figura sombria que personificava a irmã havia sumido.
- Está tudo bem? - Frey indagou. Parecia estar acordada há um bom tempo, ou tempo o suficiente para já estar animada antes mesmo do dia oficialmente começar.
Caiden balançou a cabeça.
- Sim, está - ele concordou, voltando-se para ela. - Na verdade, estou um pouco ofendido.
- Ofendido?
- É. Dormi com uma mulher bonita e acordei pelado e sozinho.
Frey riu. Ela lhe estendeu uma xícara de chá e ele só então percebeu que ela também tinha uma para ela.
- Vim te trazer um desjejum.
Caiden aceitaria algo mais consistente para forrar seu estômago, mas não reclamou da bondade da garota.
O homem tomou um gole caprichado do chá quente, sentindo um gosto amargo descer por sua garganta. Ele fez uma careta.
- Gostou? - Frey indagou.
- Sim, ótimo! - mentiu.
A garota gargalhou.
- Vai se acostumar. É chá de própolis e gengibre.
- É horrível - ele admitiu.
- Faz bem pra imunidade!
Ele inspirou profundamente o aroma do chá e o cheiro ardido pareceu limpar suas vias respiratórias.
- Qual é, Caiden? - Frey viu sua feição preocupada. - O que aconteceu?
Caiden soltou um riso sem graça.
- Me conhece há um dia e acha que já me decifra bem assim?
- É, eu te vi no seu momento mais vulnerável.
- Nu?
- Dormindo. Mas nu também.
Ele sentou-se na grama, rindo. Evitava olhar para além dos olhos de Frey. Tinha medo do que poderia ver.
A garota sentou-se ao seu lado.
- Vai me achar maluco.
- Caiden, - ela começou. - eu já vi de tudo aqui. Não vou te achar maluco. Anda, fale. Posso ajudar.
Caiden hesitou por apenas um segundo, fitando o chá com cor terrosa.
- Eu vejo minha irmã. E meu sobrinho e minha mãe. O tempo todo. Perdido na floresta, admito que foi frequente, e eu esperava que fosse só um delírio de fome ou falta de sono e vitamina, mas... eles ainda me assombram.
- E como eles são? - pacientemente, Frey indagou.
- São iguaizinhos à minha família. Só na aparência. Tirando os olhos. Os olhos são...
- Negros?
Caiden rapidamente virou a cabeça em direção a Frey, que lhe dirigia um olhar compreensivo.
- O que está acontecendo comigo, Frey?
- Eu conheço as histórias, apenas. São chamados de Réus - Frey começou a história, tamborilando os dedos na caneca em suas mãos de modo impaciente e ansioso. - São os filhos de Pouri, o Deus das trevas e da escuridão, nascidos dos gritos de pavor dados pelas vítimas abruptas da morte, sofredoras em seus últimos minutos.
Caiden estremeceu.
- Réus?
Frey concordou.
- São espíritos vagantes. Vivem pelos quatro cantos do Vale de Awa se alimentando do medo, atraídos pelo mais puro remorso.
Remorso. Culpa.
O peito de Caiden doeu. Sentiu vontade de chorar, de gritar.
- Como assim se alimentam do medo? - o homem questionou.
- Caiden, olhe pra mim - com receio, Frey tomou o rosto do garoto para si, fitando seus olhos. - Eu percebi, mas... não pensei que...
- O que, Frey? - ele perguntou, impacientemente.
- Seus olhos. No direito, no canto... um ponto negro.
Caiden instintivamente levou a mão ao olho direito, cobrindo-o.
- Vai se espalhar. Eles se alimentam da sua alma, Caiden. Não pode deixar que te consumam mais e mais desse jeito.
O lábio inferior de Caiden estremeceu.
- E como eu paro isso?
Frey acariciou as costas da mão do homem com delicadeza. A resposta era óbvia, mesmo que ele não a visse.
- Tem que dar um jeito de se perdoar.
- E serpentes gigantes!
- E dragões que cospem fogo!
- E árvores que falam!
- E rios de água doce igual açúcar! - a pequena Azura sonhou, jogando-se finalmente nas areias macias e brancas como a neve da praia de Petrichor.
Estava com seus doze anos, o cabelo negro solto e embaraçado e os pés descalços cheios de terra de tanto correr pelas plantações de käfi para finalmente chegar ao seu refúgio.
Düran deitou ao seu lado, afundando-se na areia fofa. Sua voz ainda fina era empolgada e sonhadora, como sempre.
- A gente vai conhecer o mundo, não vai, Azura? - Düran indagou, fechando os olhos para que o sol de Sonca não machucasse sua visão.
A pequena petrichoriana sorriu.
- Eu gosto daqui!
- Eu também gosto daqui, mas aqui não tem serpentes gigantes e rios de água doce igual açúcar.
Azura riu.
- Tá legal! Quando a gente for mais velho, então - a garotinha concordou. - Aí eu vou ser adulta e vou saber lutar bem igual ao meu pai. E vamos conhecer o Vale de Awa.
- Até Crisântemo. Vamos pichar o muro do rei e voltar correndo.
Azura gargalhou, refletindo logo depois.
- Vamos voltar, né?
- Para cá?
- Sim, pra Petrichor.
Aquela viagem, em sua cabeça, era apenas uma passagem. Petrichor era sua casa.
- É claro que vamos, Azura! - Düran prometeu.
Azura deitou-se ao lado dele e cobriu os olhos sensíveis do sol.
Sorriu ao inspirar o aroma profundo que só Petrichor tinha.
Sorriu por ter para onde voltar.
A petrichoriana acordou com os olhos cinzentos pesados. A lembrança que lhe viera em sonho lhe causou uma dor inesperada.
Por todo aquele tempo, evitara pensar em Düran. Onde ele poderia estar e o que poderia estar fazendo. Se ainda vivia ou se tinha sucumbido junto com Petrichor. Se vivia a vida suja que ela nunca imaginou que ele fosse capaz de levar. Mentiu para si mesma que não se importava, mas se importava. Não conseguia apagar o homem que amara por toda a vida de um dia para o outro.
Ela sentou-se na grama molhada vagarosamente.
- Acorde, petrichoriana - Alaric a saudou. Já estavam todos de pé.
O homem negro e forte estendeu-lhe uma das mãos, a qual Azura tomou de bom grado para se levantar. Ela limpou a terra úmida das roupas.
Alaric deu meia volta e ameaçou voltar para onde estavam seus irmãos e noiva, retornando em seguida em direção para Azura.
- Eu não agradeci ainda.
Azura cerrou as sobrancelhas em dúvida.
- Por ter voltado por mim. Por nós. Eu e Viorica.
- Você e Viorica salvaram minha vida - ela simpaticamente sorriu.
- É, eu só queria... deixar claro que estamos no mesmo barco.
Azura abriu um sorriso mais evidente.
- Sabe como pode me retribuir, por mais que não precise?
- Manda - Alaric sorriu, de modo travesso.
- Me ensine como usar esse arco e flecha aí.
Alaric sorriu. Prometeu ensiná-la assim que se estabelecessem em algum lugar melhor.
Continuaram andando por horas a fio.
O rumo começou sendo as terras da Pedreira. Mas, mesmo que nenhum deles verbalizasse, já estavam sem bússola desde antes de começarem a jornada daquele dia que parecia vir a ser quente, contrastando com a noite fria.
Em dado momento, estavam em completo silêncio.
Azura mergulhou nos sons da mata, em um estado meditativo ativo, ousando ouvir todos os sons ao seu redor, apurando os sentidos ao máximo.
A petrichoriana ouvia claramente os passos de cada um dos amigos atrás de si ao quebrarem galhos e folhas secas em uma travessia pouco discreta. Ouvia as cigarras, os pássaros cantando com vozes melodiosas em uma sinfonia atropelada, o vento soprando por entre as árvores do Bosque das Lamúrias e chegando aos seus ouvidos. E um rangido.
A petrichoriana parou.
- O que foi? - Ginevra quase trombou com suas costas, distraída pelo livro de feitiçaria que já não ousava soltar.
- Escute - Azura pediu.
Ela ouviu novamente. Um gemido, um choro baixo de um animal.
- Escutar o que, Azura? - Azriel indagou.
Ela seguiu o som, vindo diretamente de sua diagonal direita.
- Ei, Azura! - Kohan chamou. - Diga o que está ouvindo e pare de ser teimosa.
Ela não o respondeu. A garota guiou-os novamente para um pequeno barranco, ouvindo cada vez mais alto o ruído agudo de uma súplica.
Azura não pensou duas vezes em escorregar a encosta do barranco, pisando calculadamente nas formações de terra até encontrar novamente a terra planificada aos seus pés.
Kohan bufou.
Viorica foi a primeira a ir atrás dela. Os outros acompanharam.
Azura encontrou-o ali, à beira de uma extensa poça enlameada.
Seu queixo veio ao chão.
Viorica soltou um grito baixo de exclamação, com uma distância segura.
- É o que estou pensando?
As duas se entreolharam antes dos outros chegarem.
Em frente a elas, um pequeno filhote de dragão chorava.
Eram tempos difíceis para os homens que viviam e sobreviviam nas até então inférteis terras do Vale de Awa.
Uma constante luta por poder fora cravada há anos atrás, quando nada era de ninguém e o caos e as calamidades rondavam soprando o cangote de todos os viventes.
Os bárbaros queriam adentrar naquela terra que Torahk, o homem mais forte de seu vilarejo, protegia com todo seu afinco.
Ele podia ter músculos, mas sua mente era seu atributo mais avantajado.
Torahk, o líder dos ancestrais dos cinzentos, ajoelhou-se nas terras cinzas de seu território e orou naquela noite por proteção. Chamou por Ahi, o Deus do fogo ao qual tinha afeição, e pediu para que o Deus lhe concedesse poder. Ele precisaria disso para a batalha que travaria.
Quando o dia amanheceu, Torahk liderou seu povo para o campo de batalha com uma tocha acesa em mãos, apontando-a para o céu e para seu Deus.
Prostrados no campo de batalha, os cinzentos esperaram.
Quando os bárbaros chegaram, os cinzentos viraram que aquele grupo era pelo menos o triplo dos seus. Viram suas ruínas ali.
Torahk não recuou. Acreditou em seu Deus. Ele apontou sua tocha para o céu e correu em direção aos bárbaros, pronto para lutar.
Ahi, sentindo o bom coração do homem e suas boas intenções, soltou dos céus um raio que cortou o campo de batalha lado a lado, fazendo com que chamas subissem até os céus e separassem bárbaros e cinzentos.
Os bárbaros pararam e nada viram.
Torahk sentiu algo transformar-se dentro de si. O homem caiu de joelhos e sua visão escureceu.
Em tons de preto e branco, ele viu um homem parado à sua frente. Não sabia como tinha aquele conhecimento, mas sabia que a figura era Ahi, o Deus do Fogo.
Ahi deu um passo adiante e colocou a mão direita sobre a cabeça do homem.
Torahk renasceu. Seu corpo forte transformou-se em um animal temeroso, com escamas negras e cintilantes e garras maiores que as espadas dos bárbaros. Torahk içou asas e voou por entre as chamas do campo, despejando sua fúria sobre todos os bárbaros que ousavam tentar invadir suas terras.
Os céus ganharam um protetor. O temido Torahk, o dragão que soltava fogo ao enfurecer-se e protegia os desavantajados em batalha e puros de coração.
- Azura! - Azriel protestou quando a petrichoriana aproximou-se do animal.
Um dragão. Um dragão negro. Ela não conseguia acreditar.
A espécie estava extinta desde a época do Velho Mundo.
Aquele pequeno animal não tinha mais de sessenta centímetros de comprimento, um filhote ferido que gritava por ajuda.
Azura aproximou-se vagarosamente ao ponto que o animal tentava afastar-se dela, mas pouco conseguia, preso por um tronco que caíra sobre uma de suas patas, provavelmente durante a chuva da noite anterior.
- Vai esperar pra conhecer a mãe dele? - Kohan provocou a uma distância segura.
- Ele está sozinho... - a petrichoriana estendeu uma das mãos para o animal, abaixando-se ao lado dele. O pequeno dragão protestou, mas não tinha para onde ir.
Quando Azura conseguiu finalmente tocar em sua cabeça, o animal acalmou-se e enroscou-se em seus dedos, fazendo carinho em seu próprio pescoço.
Azura sorriu.
- Essa mulher é maluca - Alaric foi o primeiro a aproximar-se, apesar do argumento. Dirigiu-se à Azura em seguida. - Vamos tirar seu novo amigo daí?
Azura concordou sem tirar os olhos do animal fantástico que buscava carinho nas falanges de seus dedos.
Kohan bufou, mas aproximou-se para ajudar. Os dois homens puxaram o tronco que prendia a pata traseira do animal, ao ponto que Azura delicadamente envolveu o animal nas mãos e o puxou dali sobre altos protestos da pequena criatura.
O dragão se viu livre quando os dois arandianos jogaram o pesado tronco longe e livraram-no de sua prisão.
O dragão tentou voar, mas viu uma de suas grandiosas asas quebrada. Ele procurou novamente refúgio, encontrando apenas Azura. O animal parou ao seu lado, como se pedisse por ajuda.
- Ei, garotão - ela sussurrou para ele, analisando seus ferimentos. - Vamos cuidar disso?
A petrichoriana, em um gesto arriscado, tomou o dragão nos braços, que apenas acomodou-se ali.
- Azura, você é insana - Kohan protestou.
- Por quê? Por que quero ajudar uma criatura indefesa?
- Porque essa criatura veio de algum lugar e se a mamãe dela, provavelmente muito maior e com dentes afiados, quiser comer nossas cabeças, eu vou dar a sua primeiro!
Enquanto discutiam, Viorica viu uma movimentação de canto de olho.
Ela procurou pelo que poderia ser e encantou-se com a visão de uma pequena criatura alada que a chamava.
Nenhum dos outros prestava atenção nela.
Sendo assim, a arandiana seguiu floresta adentro o animal fantástico que acreditava existir apenas em contos de fadas. A própria fada. Ela queria aproximar-se, olhar de perto, ver se seus olhos a enganavam.
- Espere! - ela gritou para a pequena criatura antes de escorregar e deslizar por um desnível até uma poça de água que dava na altura de sua cintura. A arandiana gritou durante a queda, assustada, banhando-se completamente da água da chuva barrosa e acumulada ali.
- Vio! - Alaric não demorou um segundo para encontrá-la, desesperado. - Aonde ía, mulher?
Ele ajudou-a a sair da poça, segurando uma risada.
- Achei ter visto... esquece - ela balançou a cabeça, envergonhada.
- Uma cabana? - Alaric indagou.
- Não, por que eu veria uma...?
O homem a virou para o outro lado. Viorica viu com arfar uma cabana grande de dois andares que misturava-se perfeitamente ao Bosque. Ela quase não a percebeu ali. Viu o brilho da fada voar em uma de suas laterais antes de sumir. A criatura alada lhes mostrara o caminho.
Nem de longe aquela fora a melhor noite de sono de Gisèle, mas ela acordou como se tivesse dormindo em nuvens e não no colchão duro e esburacado que lhe fora cedido.
Estava quente, abrigada, Cöda estava seguro. Nada podia tirar sua paz.
Caiden não dormira ali com as duas, deixando espaço suficiente para que ela e Tereza pudessem dormir esparramadas pela tenda que orgulhosamente construíram, mesmo que tivesse tido toda a ajuda da já experiente Frey.
Gisèle sorriu ao ver Tereza dormindo como um anjo. Seus cabelos ruivos e bagunçados caíam sobre seu rosto enquanto ela mantinha-se encolhida no próprio abraço.
A loira riu para si mesma, vendo onde chegaram. A primeira coisa que fez foi ameaçar Tereza com uma faca de cozinha. Agora, a cobria com a fina coberta que os Kinos lhes deram.
Cöda ainda estava mergulhado em sonhos profundos.
Gisèle decidiu por explorar sozinha aquele lugar que lhe acolhera.
Sentiu a ressaca ao levantar-se e sair da tenda. O enjoo bateu-lhe fortemente, assim como as lembranças da noite anterior.
Ela arregalou os olhos e cobriu os olhos, envergonhada.
- Bom dia, Gisèle - uma voz travessa a chamou.
Ela olhou para o lado e reconheceu o homem com quem conversara na noite passada, o outro novato.
- Ai, Deuses, o que eu fiz ontem?
- Nada demais - Düran riu, aproximando-se. - Mas eu sei de toda a sua vida e te salvei de vários tombos.
Gisèle corou.
- Eu geralmente não sou assim - ela riu, escondendo-se de si mesma. Sua cabeça estalou de dor.
- Engraçada?
- Bêbada - ela tirou os fios loiros do rosto.
Düran riu. Estava organizando a própria tenda quando a viu.
- Ressaca? - ele indagou.
- Das bravas.
- Acho que sei quem pode te ajudar com isso.
Ela olhou por cima de suas mãos. Düran sorriu e misteriosamente afastou-se, convidando-a a segui-lo. A loira o fez.
- Dante? - Düran reconheceu entre os Kinos seu amigo que fez na noite passada.
Dante, o garoto de pele negra e bonita que reluzia à luz do sol, sorriu um sorriso de alegrar o dia de qualquer um, rasgando seu rosto de orelha a orelha.
- Diga, meu amigo Düran! - Dante abriu os braços. Parecia que nada podia estragar seu dia.
Dante viu que timidamente a novata loira aproximava-se alguns passos atrás, parecendo atordoada.
Düran sorriu e arrumou os cabelos, cochichando ao se aproximar do homem.
- Disse que se eu tivesse qualquer tipo de problema, você podia dar uma ajuda.
- E seu problema é...? - Dante indagou, olhando por cima de seu ombro para Gisèle.
- Aurèlia disse que ia arrumar um trabalho pra mim e não quero dar mancada com aquela mulher. Ajuda a loira aí a sobreviver ao dia?
- Bebedeira?
- Pós-bebedeira.
- Essa é das minhas - Dante riu. - Sei o que ela precisa. Deixa comigo.
Düran afastou-se e reverenciou o amigo em agradecimento, como faziam em Petrichor. Ele deu um breve empurrão nas costas de Gisèle e a deixou em boas mãos.
Gisèle corou de vergonha.
Dante apenas riu de sua cara e passou o braço por seus ombros.
- Venha, nova amiga.
Dante levou Gisèle para sua tenda e ofereceu a ela um lugar para descansar. Em outras ocasiões, ela não aceitaria, mas rapidamente agradeceu e sentou-se em um amontoado de folhas que ele usava como uma confortável almofada.
Gisèle observou sua tenda. O lugar era pelo menos o triplo do que ela construíra com Tereza e, aparentemente, aquele lugar era só dele.
Não demorou muito a Dante voltar ao lado dela com um preparado de ervas quentes.
- O que é isso? - ela indagou, tirando as mãos da cabeça.
- Nem pergunta, loira. Só vira.
Ela fez uma careta com o cheiro, que a enjoou.
- Vai ajudar? - ela duvidou.
- Sempre me ajudou - Dante simpaticamente sorriu, sentando-se no chão ao lado dela.
Gisèle prendeu a respiração e tomou em um gole só a mistura, fazendo uma careta ao terminá-la.
- Com todo o respeito, credo! - ela reclamou.
Dante riu.
- Prometo que vai estar melhor em algumas horas.
Gisèle concordou, devolvendo-lhe a xícara.
Dante olhava-a de soslaio.
- O que foi? - Gisèle indagou.
Dante balançou a cabeça.
- Você me intriga.
- Isso é bom?
Gisèle pouco sabia sobre Dante.
Ele educadamente pegou em uma de suas mãos e virou a palma dela para cima.
- Sabia que podemos dizer muito sobre uma pessoa apenas olhando a palma da mão dela? - Dante questionou, passando as pontas dos dedos sobre a mão da garota, causando uma sensação de cócegas gostosa.
- Não sei se acredito em linhas da vida.
- Não isso - ele respondeu. - Não posso ler seu futuro, quem o faz é você. Mas... posso dizer muito sobre seu passado e presente, se me permitir.
Gisèle o olhou, curiosa.
Dante cruzou as pernas e acomodou-se em frente a ela. Ele fechou os olhos e esfregou as mãos uma na outra, esquentando suas próprias palmas. Em seguida, colocou as pontas dos dedos sobre seus olhos e ali deixou por certo tempo.
Olhou para Gisèle e tomou sua mão direita nas dele.
Ele sorria e ficava tenso com certa frequência ao analisar cada linha das mãos da garota.
Gisèle sentiu seus dedos formigarem.
Dante deixou seu olhar repousar em seus olhos azuis no final.
- O que foi? - Gisèle indagou. Dante parecia preocupado.
O homem engoliu em seco.
- Eu sou bom em ler as pessoas, Gisèle. Raramente erro - ele fechou a palma da mão da garota e a acariciou com carinho. - Aquela garota que chegou com você, Tereza. De longe eu vi medo, solidão, logo encobertos pelo sentimento de amor que ela desenvolveu em tão pouco tempo. Düran, o garoto que lhe trouxe até mim, estava tentando findar a própria vida até se encontrar. Tem um passado difícil em que magoou pessoas que ama e isso lhe ronda em todos os aspectos a cada segundo do dia. Já você...
Gisèle procurou por seus olhos, mas eles estavam perdidos na mão da loira, em que ele ainda acanhava.
- Você tem um passado que não conhece - ele falou o que lera em sua palma. - Um passado importante e difícil. Seus pais...
- Estão mortos - ela completou.
- É. Acho que eles não disseram-lhe tudo antes de partirem.
As sobrancelhas de Gisèle cerraram.
- O que quer dizer?
- Eu vejo... alguém importante para você. Alguém próximo, da família. Um irmão, uma irmã, um amigo próximo... perdido.
- Perdido?
- É. Seu passado é forte. Esse alguém, quem quer que seja... é importante para você de alguma forma. E esse alguém vai mudar o mundo.
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