3. Marin e Vera
A pedido da pequena Ava-Lee, Azura trançou os cabelos loiros da menina como os da princesa Marama, na história.
Ela ouviu a movimentação na casa, os passos no piso de madeira se aproximando do quarto da menina.
Não demorou muito para que uma mulher de cabelos castanhos encaracolados aparecesse na porta. Seus volumosos cachos delineavam um rosto jovem. A mulher sorriu ao vê-la ali. Azura quase não percebeu o pequeno ser vivo que ela carregava nos braços - um bebê recém nascido, pequeno e quieto, que mal conseguia abrir os olhos.
- Oi, tia Marin! - A pequena a cumprimentou, colocando suas melhores vestes na cama para que Azura a ajudasse a escolher. - Essa é a Azura, a minha amiga.
Azura se levantou rapidamente e a reverenciou com as palmas das mãos unidas.
- É um prazer conhecê-la, Marin.
- O prazer é meu, Azura. Seu nome é familiar... Você não é filha de...?
- Sim, de Nero.
- O curandeiro! Aquele homem é fantástico. - Ela tirou o pedaço de pano que cobria o rosto da criança embrulhada, mostrando-lhe o bebê em seus braços. - Esse é Arin.
- Arin, filho de Marin. - Azura acariciou a cabeça da criança, que tentou erguer as sobrancelhas, mas foi impedido pela luz forte que entrava pelas janelas. - Muito prazer, Arin.
Marin sorriu para Azura, vendo a garota fissurada por seu filho.
Sentiu confiança em pedir-lhe um favor.
- Azura, filha de Nero, sei que não é de sua obrigação... Inclusive já está aqui ajudando minha sobrinha a se vestir, mas...Se importaria em olhar Arin por alguns minutos? Eu preciso muito tomar um banho e comer alguma coisa...
- Não me importaria nem um pouco! - Azura exclamou. Ela era fascinada por crianças, desde as do tamanho de Arin até a pequena Ava. - Mas eu estou suja...
- Não tem importância, querida.
Azura ajeitou o xale vermelho ganhado por seu pai de modo que ficasse em seu colo. Com cuidado, tomou o pequeno Arin nos braços. Marin parecia cansada.
- Aceita um chá, Azura? - A mulher ofereceu antes de sair do quarto.
- Não, muito obrigada, não quero incomodar.
- Não me incomodará! Pelo contrário. Vou colocar a água no fogo antes de entrar no banho.
Azura sorriu em agradecimento, sendo deixada no quarto com as duas crianças. Ela sentou-se novamente na cama, fascinada pelo pequeno Arin em seus braços.
- Ele é lindo, né? - Ava debruçou-se sobre ela nas pontas dos pés, procurando o rosto de seu primo.
- É mesmo, Ava.
- Eu posso segurar ele? - Os olhos azuis grandiosos de Ava-Lee imploraram.
- É, claro. Sente-se na cama aqui comigo, vêm.
Ava se ajeitou na cama, encostando suas costas na cabeceira. Azura colocou o garoto em seus braços, que apenas resmungou.
Azura apenas observou Ava brincar com o pequeno Arin, rindo quando o garoto apertava-lhe o dedo.
A garota sentiu algo, como uma sensação estranha em seu peito que lhe dizia que Arin e Ava não eram primos. Tinham uma relação forte, uma energia íntegra e tesa que os rodeava.
Foi então que ela percebeu.
Azura entrou na cozinha com Arin nos braços quando Marin serviu as xícaras de chá.
- Ava não quer nos acompanhar?
- Ela dormiu. Disse que queria descansar para aproveitar a noite inteira.
Marin riu.
- É, ano passado ela dormiu antes mesmo da festa começar, o pai dela contou. Eu estava fora cuidando da minha irmã. Acho que ela se lembra bem do quanto ficou chateada. - Marin riu, mas Azura não conseguiu forçar um riso. - Está tudo bem, querida? Não gosta de chá de cravo? Eu adocei com mel do apiário...
- Não, não é isso! Eu amo chá de cravo. - A garota sentou-se na cadeira em frente a uma Marin preocupada. - É que... Posso lhe fazer uma pergunta?
O rosto de Marin mudou de expressão. Agora, parecia preocupada e inquieta.
- Pode.
- Arin não é seu filho, é?
Ela viu o peito de Marin arfar e seus olhos se arregalarem. A mulher tremeu.
- Temo que devo pedir que saia, Azura.
- Marin...
- Por favor, vá embora e pare de falar asnice.
Azura se levantou sem ao menos dar um gole no chá de cravo. Marin voou até ela e tirou Arin de seus braços, como se Azura pudesse derrubá-lo.
Ela atravessou a cozinha em direção à porta, mas parou. Precisava de respostas.
- Arin é filho de sua irmã, mãe de Ava. - Ela concluiu.
- Vá embora!
- Não! - Azura bateu de frente com ela. - Posso ajudá-las a continuar com essa farsa... Vocês vão precisar.
No instante seguinte, uma mulher entrou pela cozinha com um sorriso que desfez-se ao ver a tensão em sua casa. Azura concluiu que era Vera, a mãe de quem Ava-Lee tanto falava.
- Azura, Marin... O que aconteceu aqui?
As três se entreolharam.
O chá esfriou na mesa quando elas fecharam as janelas e se reuniram na sala, no canto mais isolado da casa, para conversar.
- Primeiro eu preciso saber como descobriu. - Vera tentou manter-se razoável. Ela era pouco mais velha que Marin, com os cabelos um pouco mais escuros e curtos, mas tirando isso, as duas eram iguais, cópias exatas.
- Eu... Senti. - Azura comentou. - Não sei explicar, a ligação dos dois é forte, de Ava e de Arin, como se tivessem saído do mesmo ventre...
Ao dizer tais palavras, Marin caiu no choro, segurando os soluços com a mão sobre a boca.
- Estou certa, não é? Arin não é seu filho, é filho de Vera, irmão de Ava.
Vera engoliu em seco, tentando segurar as lágrimas que se refletiam do desespero da irmã.
- Vou te contar uma história porque confio em você, Azura. Posso continuar confiando?
- É claro que pode.
- Bom, então deixa eu te contar como eu fingi estar doente por um ano. Ava-Lee tinha quatro primaveras e eu a deixei com o pai, o Bru, que está ajudando no Campo agora. Nós sempre fomos muito prevenidos, mas... Os Deuses quiseram que eu engravidasse novamente, querida. Como eu poderia contrariá-los?
"Temíamos que pudesse nascer um homenzinho, então sumi por um ano, indo para a casa de Marin, para lá do Rio Ma'h, longe de Petrichor e... tive uma gestação tranquila. A todos, eu estava de cama com uma forte pneumonia".
- Voltamos semana passada quando Arin nasceu. - Marin se recompôs. - O plano sempre fora esse. Se Arin nascesse um homem, eu o trataria como meu filho, meu primogênito e único filho. Cheguei até a acreditar que fosse. Ele é. Ele é meu filho, porque ninguém nunca poderá saber que Vera ousara ter sua segunda cria.
Azura compadeceu-se das duas irmãs. Queria abraçá-las.
Pensou na recompensa que uma delação de segundo filho valia. Era tentador a qualquer um.
- Ninguém mais pode saber disso, ok? - A garota comentou. - Não podem confiar em ninguém. As pessoas se corrompem por riquezas. Não resistiriam a entregar vocês ao Rei Sohlon por promessas de pecúlio.
- E por que vamos confiar em você, Azura, filha de Nero? - Marin provocou.
- Porque eu não ligo para riquezas. Me importo com Ava, com o pequeno Arin e com essa família em formação.
- E se mais alguém perceber, assim como você?
- Neguem. Fujam. Eu darei cobertura daqui, tudo bem?
O pequeno Arin espreguiçou-se nos braços de Marin, da mãe de criação.
As duas mulheres sorriram timidamente para Azura em agradecimento.
Marin limpou as lágrimas e se levantou, olhando nos olhos cinzentos de Azura. Viu confiança e honra em suas palavras. Sentiu-se protegida e tentou esquecer o episódio intenso, oferecendo à menina:
- Ainda quer aquele chá?
Quando finalmente Azura conseguiu ser liberada por Ava-Lee - que a alugou o dia inteiro - já era noite.
A garota viu que os petrichorianos já rumavam em direção ao Campo. Famílias andavam de mãos dadas, arrumados e ansiosos pelas festividades, pela comemoração das Bodas e pelo ano que viraria.
Azura andou no contrafluxo em direção à sua casa. Quando chegou, as luzes das lamparinas nas ruas foram acesas uma por uma. Ela viu Shiro a esperando na porta de sua casa, alimentando-se das frutas que Durän deixava para ele diariamente.
A garota acariciou o pescoço do cavalo, que inclinou a cabeça com o agrado.
Seu pai a esperava na varanda.
- Está tarde, filha. Não vai se arrumar?
Azura percebeu como estava maltrapilha.
- Eu vou, pai. O senhor, por outro lado...
Velho Nero estava impecável. Passara seu melhor perfume e penteara os cabelos brancos úmidos para trás. Ele passara a tinta de urucum vermelha no rosto, fazendo duas faixas que cortavam os olhos, como tradicionalmente fazia.
Sua camisa era dourada e suas calças de um tom arroxeado. Em seus braços exibia os adornos cintilantes afamados das Bodas de Sonca e Marama.
O Velho Nero beijou a testa da filha.
- Estou indo para o Campo. Nos encontramos lá?
- Com certeza.
Assim que seu pai saiu, Azura decidiu que merecia mimar a si mesma.
A garota apagou as luzes da casa e acendeu uma vela aromática em seu quarto.
Tomou um banho com pétalas de camélias e lavou as energias ruins de si com sal grosso.
Ela pintou as unhas de vermelho sangue e abriu seu armário. De lá, tirou suas melhores vestes - um vestido de alça vermelho com detalhes em dourado que chegavam até seus pés, com um corte ao lado que mostrava-lhe as pernas, deixando-a livre. Em conjunto com o vestido, ela enrolou o xale que ganhou de seu pai em seu pescoço e colocou suas mais belas botas pretas.
Deixou os cabelos negros soltos e prendeu apenas duas pontas atrás da nuca com um enfeite dourado que pertencera a sua mãe.
Ela olhou seu rosto limpo no espelho e sorriu. Estava diferente a cada ano. Mais adulta e mais forte.
Ela alcançou a tinta de urucum preparada por seu pai e molhou o dedo médio da mão direita no líquido vermelho.
Azura pintou uma faixa que desenhava-se de seu lábio inferior ao queixo e acrescentou um ponto em sua testa, onde se concentrava seu sétimo chakra. Para finalizar, ornou-se dos mais grandiosos brincos que lhe pertenciam, os quais usava apenas em ocasiões especiais e olhou-se no espelho por inteiro.
Sentiu-se bem.
Estava pronta para celebrar e agradecer.
(ilustração autoral - Azura)
(inspirada na atriz Anya Taylor-Joy)
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