X - O Abismo Estelar
A tríade avançou em direção à entrada majestosa da caverna, cuja abertura maciça parecia um portal para um reino escondido.
Aeliana nunca tinha estado ali. Não havia necessidade de seguir além do terreno dos Lúmenes da Aurora. E essa não era uma crença apenas dela. Ninguém além dos que se formavam na Academia já tinha ido até ali, então todos só ouviam as histórias sobre a caverna que ocupava o ponto mais ao Leste do mundo.
À medida que se aproximavam, a aura de mistério se intensificava, envolvendo-os em uma sensação de expectativa. Entretanto, quando estavam prestes a cruzar o limiar da caverna, uma barreira de luz, etérea e imponente, materializou-se diante deles, bloqueando-lhes o caminho.
Aeliana, Víperos e Tris se detiveram abruptamente diante da barreira brilhante que emanava uma luminosidade celestial. A luz parecia pulsar em resposta ao toque do Ethério dos dragões, como se reconhecesse sua presença. As cores dançantes refletiam nos olhos vermelhos de Tris, enquanto Víperos tentava observar a barreira de ângulos diferentes.
— Isso é incrível — sussurrou Aeliana, perplexa, enquanto estendia a mão, sentindo a barreira de luz resistir ao seu toque como se fosse uma parede invisível.
Ela já tinha visto muitos usos da Luz Eterna. Os que mais admirava eram os usos de cura e objetos luminosos. Tinha visto poucas barreiras de luz, apenas quando tinha reunião do Conselho e eles usavam uma barreira para impedir que não-conselheiros entrassem no salão. Só que os conselheiros não usavam tanta Luz nem tanta força. A barreira entre eles e o Abismo Estelar parecia viva.
— É assombroso como algo assim é possível — revelou ela, dessa vez falando alto o suficiente para Tris ouvir.
Ele olhou para ela e achou intrigante o modo como ela admirava aquela magia. Para uma Lúmen de 20 anos, ela parecia uma criança que estava vendo o mundo pela primeira vez. Os olhos dele desviaram para os cabelos dela, vermelhos e lustrosos, que pareciam incendiar diante da Luz Eterna.
— Há muitos usos da Luz Eterna neste mundo. Se um Lúmen ou Ethério realmente quiser, pode fazer o que for. Basta que tenham poder para isso — respondeu ele, afastando-se um pouco da barreira e percebendo que ela diminuía sua intensidade.
— Uau! — Aeliana também percebeu a mudança e ficou olhando de Tris para a barreira. — Foi feita especialmente para você? — Ele negou com a cabeça. — Então por que reage a sua presença?
— Está reagindo ao seu objeto de proteção. É uma parte de mim que está lá dentro, então ela me reconhece como se uma parte do que estivesse lá tentasse sair.
— É preciso alguém muito poderoso para fazer algo assim, não é?
Tris inclinou a cabeça, falando em seguida:
— Sim e não... Deve ter sido Solara.
O nome lhe era familiar. Ouviu uma ou duas vezes os conselheiros dos Lúmenes da Aurora mencionando, principalmente Luminara. A irmã mais velha da conselheira do Salão da Disciplina dos Lúmenes da Aurora era a maior conselheira dos Lúmenes do Norte, Solara. Uma das informações que se tinha sobre ela era que fizera parte do grupo que selara o Ethério dos dragões.
Aeliana se virou para olhá-lo. Os olhos estavam azuis novamente. Mas o que, de verdade, a surpreendeu foi a raiva contida que ouviu em sua voz.
— Senhor.
O chamado de Víperos acalmou o Ethério dos dragões imediatamente, como se a raiva acumulada durante 20 anos não tivesse vindo à tona. Tris e Aeliana se viraram para o Ethério das serpentes, que ainda caminhava ao longo da barreira, olhando para ela.
— Eu não posso quebrar essa barreira completamente — revelou Víperos.
Embora Aeliana ficasse surpresa com aquela revelação, porque tinha entendido que ele seria capaz disso por ser um Ethério tão mais velho, Tris apenas assentiu, como se tivesse previsto aquele obstáculo.
— Eu imaginei — confirmou Tris. — Foi criada por uma Curadora Luminosa, seria preciso ter mais de 500 anos para quebrá-la por inteiro tão rapidamente. Mas eu nunca quis que fizesse isso. Só precisa abrir uma passagem para mim e Aeliana. Não precisamos da sua ajuda lá dentro, apenas aqui fora.
Víperos olhou para os outros dois com o cenho franzido, avaliando Aeliana da cabeça aos pés e depois Tris. Só não se recusou completamente porque sabia que aquela era a única passagem para dentro e para fora da caverna.
— Não se preocupe — disse Tris, entendendo a preocupação do Ethério. — Nesse momento, preciso que você abra um pouco a barreira para nós passarmos. Depois pode fechar e nos deixar lá dentro para fazermos o que temos que fazer. Se você entrar conosco, essa barreira vai impedi-lo de usar a Luz Eterna, o que significa que não poderá abrir outro espaço para nós sairmos. Não podemos ir a lugar algum se você não nos permitir escapar também.
Víperos achava que, depois que Aurórastris recuperasse sua alma imortal, ele seria capaz de romper aquela barreira com facilidade. Não queria questioná-lo na frente da Lúmen, principalmente porque queria acreditar haver algum motivo para ele revelar o quanto seu poder cresceria quando recuperasse outro pedaço de si. Relutantemente, ele assentiu. E a sombra de um sorriso surgiu nos lábios grossos de Tris.
Aeliana não viu a reação dos Ethérios porque estava admirando a barreira de luz de novo, mas, ao ouvir a conversa, achou que seria melhor ficar longe de Víperos. Apesar de ele tratá-la normalmente, ela podia sentir a hostilidade que irradiava dele em relação a ela. Sabia que era por sua natureza Lúmen, mas ela não tinha como mudar nada sobre isso.
— Vamos começar, então — anunciou Víperos.
Tris segurou o braço de Aeliana e a afastou da barreira, que perdeu mais um pouco de sua resistência. Estava reagindo também à Chama Eterna dentro dela.
Víperos, compreendendo a complexidade da barreira de luz, deslizou para mais perto dela com a serenidade peculiar de uma serpente. Seus olhos refletiam concentração à medida que ele canalizava sua afinidade mágica com a Luz Eterna. Lentamente, os padrões de escama da pele de Víperos começaram a cintilar com uma luminescência semelhante à da barreira, indicando a conexão que se estabelecia entre o Ethério das serpentes e o poder resplandecente diante dele.
À medida que Víperos absorvia parte do poder da Luz Eterna, a barreira pulsava em resposta, reconhecendo o toque sutil do Ethério. Uma camada de chamas envolveu sua forma, indicando a assimilação da magia luminosa que permeava o lugar e a sua transformação em energia elementar. Com destreza controlada, Víperos mexeu as mãos, queimando um pedaço da barreira, manipulando a Luz Eterna para abrir uma passagem temporária que permitisse que Tris e Aeliana atravessassem.
Os dois avançaram pela passagem recém-criada, entrando na caverna enquanto sentiam as chamas na borda da barreira acariciarem suas peles como uma brasa fria. Víperos, cumprindo a ordem de Tris, permaneceu do lado de fora. Manteve a passagem aberta apenas alguns segundos enquanto seus olhos de serpente observavam com vigilância a dupla desaparecer na escuridão. O Ethério das serpentes agiria como o guardião da entrada, equilibrando a promessa de proteção com a fidelidade ao comando de seu líder.
A caverna estendia-se como um túnel escuro e sinuoso, com paredes de pedra que pareciam absorver a luz à medida que Aeliana e Tris avançavam. Fragmentos de diamantes estelares e rubis celestiais incrustados nas paredes emitiam um brilho fraco, lançando uma luz etérea que delineava o caminho. A atmosfera era densa, impregnada de uma energia ancestral que sussurrava segredos.
À medida que avançavam, o Abismo Estelar revelava galerias intrincadas, adornadas com estalactites reluzentes que pendiam do teto como joias cintilantes. A sonoridade distante de gotejamentos de água ecoava pelas paredes rochosas, criando uma melodia suave que reverberava na escuridão.
Aeliana, seus sentidos aguçados pela atmosfera carregada de mistério, sentiu um arrepio percorrer sua espinha quando um chamado ecoou pelo labirinto de pedra. Olhou para o lado, engolindo em seco ao encontrar um corredor vazio, que se tornava mais escuro à medida que se aprofundava. Franziu o cenho e ignorou o som, acreditando ser sua mente lhe pregando peças por causa do desconhecido. Continuou andando ao lado de Tris, que não desviou a atenção do caminho à frente.
Então, ouviu de novo. E de novo. E de novo. Inicialmente, o som era apenas um sussurro fraco, mal perceptível, como se as próprias paredes rochosas estivessem murmurando seu nome. Porém, a cada corredor pelos quais passavam, o ar ao redor parecia ficar mais denso e a respiração de Aeliana foi ficando mais rápida. Olhava para os corredores e para Tris, percebendo que ele não estava ouvindo o mesmo que ela e se perguntando se não era mesmo coisa da sua cabeça.
Até que o chamado aumentou em intensidade e a voz, agora mais clara, mais distinta, fez um calafrio de pânico percorrer seu corpo. Era uma voz que ela reconhecia, uma voz que não ouvira em anos, uma voz que despertava memórias enterradas no fundo de sua mente.
De repente, o chamado reverberou em seus ouvidos como um grito estridente, ecoando pelas paredes rochosas e enchendo-a de uma sensação de fraqueza imediata. Ela estava ali, tinha que estar! Os sons ao seu redor pareciam distorcer-se enquanto uma melodia fantasmagórica flutuava pelo ar. Impulsionada por uma mistura de esperança e apreensão, sentiu-se compelida a seguir a voz que a chamava. Não pudera fazer nada quando era pequena, mas agora podia ajudar... Ela não era mais uma menina fraca!
Desviou-se do caminho principal, adentrando um corredor secundário em busca da origem do chamado, mergulhando mais fundo nos mistérios do Abismo Estelar. Escutou a voz de Tris ao longe, mandando-a parar. Mas ela não podia... Não devia! Precisava ajudar!
Aeliana correu em desespero pelo corredor sombrio, seus passos ecoando nas paredes rochosas enquanto se esforçava para alcançar a dona da voz. O ar ao seu redor parecia ficar mais pesado a cada segundo, como se o próprio corredor estivesse se fechando em torno dela, prendendo-a em suas garras de pedra. Como antes, quando a impediram de voltar, quando ela era pequena demais para superá-los. Podia sentir as paredes se aproximando, o espaço se tornando cada vez mais claustrofóbico, mas, ainda assim, ela continuou avançando, ignorando a dor das pedras afiadas que arranhavam sua pele.
Então, subitamente, o corredor se abriu novamente em uma ampla câmara, uma lufada de ar fresco atingindo o rosto de Aeliana. Antes que pudesse recuperar o fôlego, ela sentiu uma mão firme envolver seu braço, puxando-a para trás com força. Era Tris tentando pará-la, mas era tarde demais. A intensidade da corrida não permitiu-lhes parar de vez, escorregando pela borda rochosa do abismo que se abriu diante deles.
Um som oco e um gemido marcaram o esforço de Tris, que conseguiu segurar-se em uma saliência rochosa, prendendo Aeliana firmemente ao seu lado. A mente dela clareou imediatamente ao perceber-se pendendo sobre o abismo sombrio. Seus olhos seguiram para cima, encontrando as orbes azuis ardendo com determinação enquanto Tris a segurava com firmeza.
— Aeliana. — O chamado chegou abafado aos seus ouvidos até ouvir de novo: — Aeliana! — Então percebeu que, dessa vez, era Tris quem lhe falava. — Você precisa segurar minha mão.
— Eu...
— Escuta! — A ordem a paralisou. — Você precisa segurar minha mão. Eu vou te balançar para cima. É a única forma de não cairmos. — Ela estava ouvindo melhor agora, ao mesmo tempo que tentava acalmar a respiração. — Aeliana, segure minha mão!
Assentiu, fazendo o que ele mandou. Assim que sua mão envolveu a dele com firmeza, o aperto ao redor de seu corpo afrouxou, permitindo que ela caísse ligeiramente, seu coração disparando de terror. Por um breve momento, ela pendia sobre o abismo, sustentada apenas pela mão dele.
Com um impulso rápido e determinado, Tris começou a balançá-la para frente e para trás, usando o impulso para lançá-la na direção oposta, em direção à borda segura do abismo. Aeliana sentiu-se voar pelo ar por um instante eterno, o vento zunindo em seus ouvidos enquanto ela se aproximava da segurança.
Com um gemido de esforço, ela alcançou a borda rochosa, suas mãos se agarrando desesperadamente à saliência enquanto ela lutava para se erguer. Aeliana lançou um olhar para baixo, vendo Tris pendendo perigosamente sobre o abismo abaixo, seu rosto marcado pela determinação enquanto ele se esforçava para subir. Com um último empenho hercúleo, ele finalmente alcançou a borda segura, unindo-se a ela no topo do abismo, ambos ofegantes e aliviados por terem escapado da ameaça mortal que os cercava.
Antes que Aeliana pudesse se recuperar totalmente do susto, ouviu o sussurro chamando por ela de novo, vindo do corredor atrás deles. Outro arrepio correu seu corpo e o pensamento de que estava louca a acometeu por um segundo, até Tris colocar a mão sobre sua bochecha e virar seu rosto para o dele.
— O que ouviu? — perguntou com urgência.
— Eu... — Ela podia dizer? Devia revelar a um desconhecido aquela história?
— Aeliana. — O nome passou por seus lábios grossos com firmeza, atraindo o olhar dela para eles, mas depois voltou-os aos seus olhos que estavam voltando lentamente à cor vermelha. — O que você ouviu?
— Tinha alguém... chamando meu nome — era tudo o que podia revelar.
Assim que disse aquilo, ouviu de novo e tentou olhar para trás, mas Tris a impediu.
— Aeliana, não tem ninguém aqui — garantiu, segurando o rosto dela com as duas mãos. — Só nós dois.
— Mas...
— Quem quer que tenha ouvido não está aqui. Eu disse que havia outros motivos para ninguém entrar nessa caverna, lembra? — Esperou que ela assentisse para continuar. — Esse é um deles. O Abismo Estelar, Aeliana, é mais do que apenas um labirinto de pedra e sombras. Ele é um espelho sombrio da alma, um eco dos arrependimentos que carregamos conosco. Cada passo dado dentro de suas profundezas sinistras é uma jornada rumo aos abismos que nossos próprios arrependimentos forjaram. Como estrelas caídas, esses arrependimentos formam constelações escuras em nossas almas, nos guiando para os abismos mais profundos de nossa existência. — Ele fez uma pausa, suspirando.
Deixou uma das mãos cair sobre seu colo, desviando rapidamente o olhar para o abismo atrás de si. Quando voltou a olhá-la, percebeu que Aeliana também observava a profundidade escura. Inclinou um pouco a cabeça, deixando que a mão que ainda segurava a lateral do rosto dela para que não se virasse seguisse em uma carícia até os fios vermelhos que se destacavam na penumbra iluminada pelos diamantes nas paredes. A Lúmen voltou a olhar para ele e viu seus olhos amarelos, franzindo o cenho levemente. No instante seguinte, Tris suspirou e seus olhos voltaram a ficar vermelhos quando a encarou.
— Não precisa me dizer o que causou esse arrependimento em você. Eu tenho minha própria cota de vozes a ignorar. Apenas se lembre, Aeliana, de que um arrependimento não tratado é como uma estrela cadente, deixando um rastro de escuridão em seu caminho. Somente enfrentando essas sombras podemos encontrar a luz que nos libertará dos abismos que criamos.
Talvez se arrependesse de perguntar, mas o que ele tinha dito mexeu profundamente com ela. Seria essa mais uma das lições que ele lhe ensinaria? A pergunta escapou pelos seus lábios finos antes que pudesse responder a si mesma.
— É assim que está enfrentando essas sombras? Recuperando suas partes?
Tris suspirou e deixou que a mão que acariciava seus cabelos escorresse por eles até soltá-los. Depois levantou o queixo e falou:
— É uma parte do processo.
A outra parte é a vingança, completou a mente de Aeliana ao reconhecer a tensão nos músculos perfeitos do seu rosto. Era melhor mudar de assunto.
— Acho que podemos continuar — comentou ela, levantando-se lentamente.
Tris a acompanhou, mas antes que ela se afastasse, segurou sua mão.
— Só para garantir que não sairá em disparada outra vez — declarou ele ao ver a pergunta silenciosa se formando nas feições da Lúmen.
Não houve mais discussão ou conversa. Eles seguiram de volta até o corredor principal, progredindo por ele até seu verdadeiro destino.
Olá, meus arkorzians!
O que acharam dessa caverna? E quais segredos vocês acham que a Aeliana e o Tris escondem?
Me contem o que estão achando! E não esqueçam da estrelinha ;)
Um beijo da sua Conselheira Lúmen,
Débora Corrêa.
P.S.: Esse capítulo tem 2628 palavras.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro