O frio se movia para dentro apenas para encontrar o calor do seu sangue. Arrepiava sua pele e tentava diminuir as batidas do seu coração. No entanto, ele nunca seria tão eficaz quanto o medo que a congelava de dentro para fora enquanto caminhava em direção ao Altar da União. Aquele era, afinal, o seu casamento... e seu pior pesadelo.

Se tivesse podido escolher, não seria o sacrifício da oportunidade. Teria dado outro jeito de conseguir uma trégua. Simplesmente porque, embora fosse incrivelmente lindo, seu noivo era a criatura mais poderosa e vil do mundo. Se algo desse errado, era sua cabeça que iria rolar.

Mas a decisão não fora sua. Seus pais, os líderes da grei de Lúmenes do Norte, os Guardiões da Luz Eterna, decidiram que Solara, a mais proeminente e forte da nova geração, era a melhor pessoa para o casamento que representava a paz entre Lúmenes e Ethérios. Então, ela tinha acabado ali, encontrando o imortal Ethério dos Dragões no alto do Monte Álgido, diante de uma mesa de gelo, na qual estavam dispostas as taças de vinho e a fita vermelha.

Seu noivo sorriu quando ela chegou ao seu lado. Uma moça ingênua poderia acreditar que ele estava feliz com a união, mas Solara sabia que era apenas uma demonstração de ansiedade por ter uma Lúmen só dele para torturar. E essa constatação fluiu como um rio borbulhante por suas veias, espantando o frio e produzindo a coragem de cumprir o seu dever.

Quando Aurórastris, o Ethério dos Dragões, se virou para pegar a fita vermelha que representava o fio do destino, Solara desencadeou a magia que aprendera há pouco tempo, fazendo crescer de sua mão uma lâmina luminosa. No momento em que ele se volveu para ela novamente, Solara usou toda sua força para cravar a lâmina em seu peito. Aurórastris ainda estava sorrindo quando a dor começou a se espalhar a partir da cavidade do seu coração, que só não fora perfurado por causa da sua escama mais dura.

Por um instante, Solara vacilou. Não esperava realmente que ele perguntasse o porquê. Mas logo ela se lembrou de tudo o que sua raça e sua família já tinham sofrido nas mãos da raça dele, então usou todo o seu ódio para proferir uma resposta de escárnio:

— Usarei suas escamas para me fazer a armadura mais forte de todas e destruir a sua espécie.

Solara soube o exato instante em que suas palavras o atingiram. Não porque ele segurou com muita força a mão com que ela ainda sustentava a lâmina luminosa, que se desfez quando o aperto lhe causou dor. Foram os olhos amarelos que atingiram uma tonalidade azul, resultado da combustão de sua alma. O rosto que antes demonstrara certa empatia mudou para a completa indiferença emocional enquanto ele afastava a mão dela de seu peito.

O medo, ora transformado em coragem, reinstalou-se em suas veias. E tudo o que Solara conseguiu fazer foi engolir em seco antes de ser lançada para o outro lado do topo do Monte Álgido. Foi como se todos os seus músculos tivessem sido atingidos de uma só vez, mas ela ainda tentou se erguer, mantendo os olhos fixos no Ethério dos Dragões, que descia calmamente os degraus de gelo do Altar da União. Podia ver a morte se aproximando em passos lentos – literalmente –, mas sua mente só a lembrava de que não tinha nutrido sua luz o máximo que deveria.

De repente, surgindo da encosta por todos os lados, o conselho da grei dos Guardiões da Luz Eterna, formado pelos Lúmenes mais avançados na nutrição de sua luz, cercou Aurórastris. Solara viu aquilo como um sinal e, sem se levantar totalmente, mas estabilizando o próprio corpo, esticou as mãos em direção ao noivo. Um instante depois, várias lâminas luminosas saíram de suas mãos, lançadas como flechas errantes na direção do Ethério dos Dragões. As adagas de luz pura, intensa e concentrada cortaram várias partes do corpo de Aurórastris como espadas afiadas.

O que aconteceu a seguir levou poucos segundos, mas Solara sentiu como se durasse uma eternidade. Aquele evento ficaria gravado em sua memória para sempre e seria a força motriz para ela alcançar o seu maior potencial.