Capítulo 4
Assim que Damiana volta para a sala de jantar, me passa um sermão de como preciso ser mais flexível com as crianças e principalmente com Alice, que perdeu sua mãe quando era bem pequena.
— Minha mãe faleceu cedo também e nem por isso sou mal-educada, eles precisam entender que nem tudo vai ser como eles querem. Desculpe, senhora Damiana, mas não posso ser desrespeitada por eles, ainda mais como babá. Se a senhora não estiver de acordo, eu converso com os Delamont e, se ainda assim, não aceitarem a minha forma de ensino, então, não posso continuar aqui. Sinto muito.
Digo tudo isso sentindo-me verdadeiramente apavorada, porque realmente preciso do emprego, mas também não posso limitar a minha forma de educação porque infringiram que precisava ser dessa forma. Nunca abaixei a cabeça para ninguém, nem quando papai me deixou. Não serão três moleques que irão me comandar.
A governanta assente e informa que, caso seja necessário, eu poderia conversar com os nossos chefes sobre isso. Ela demonstra ser uma senhora muito simpática e parece gostar das crianças, porém, reconhece o quanto elas podem ser difíceis. Ela me informou também a respeito dos horários escolares e cursos. Alice não precisa de ajuda com os deveres de casa, apenas quando for solicitado pela mesma, fato que raramente acontece. Às sextas-feiras, normalmente estou livre, uma vez que as crianças possuem aulas extracurriculares até tarde e, quando chegam em casa, o meu turno já está encerrado. Noto que elas se assemelham a robôs, pois estão sempre estudando. Fico triste ao pensar nas responsabilidades que precisam carregar nas costas, mesmo não tendo idade para isso. Aos sábados, Alice tem aulas de quitação de manhã e de pintura à tarde. Os menores acompanham a mais velha até o Aras e, nesse dia, não preciso estar junto. Domingos e feriados são meus e posso ir para casa. A não ser que o meu trabalho seja solicitado e, caso aconteça, serei remunerada para isso.
Fazemos um tour pela casa, e descubro que temos trinta e dois quartos ao total. O quarto dos Delamont fica no segundo andar, porém, no corredor que dá para o lado esquerdo do saguão. A cozinha fica na parte de baixo e, logo depois, passamos pelos quartos dos empregados. Todos possuem suítes, e há mais três toaletes para convidados. Dami, um apelido que inventei para a mesma, diz que posso usar a área da piscina sempre que quiser, desde que o casal não esteja presente. Posso usar um dos carros caso precise também e combinar com um dos motoristas para que o conduza, uma vez que ainda não tenho carteira de motorista. Ela me apresenta ao quarto dos gêmeos, e observo o quanto é colorido. É bem diferente do restante da casa, e os móveis são bem mais novos. O papel de parede é fofo, um misto de heróis e princesas. O de Alice já é mais para uma mocinha. Há flores de cerejeiras pitadas pelo quarto todo, tornando-o deslumbrante. Seus móveis são brancos, como os dos gêmeos, e há uma parede repleta de livros. Impressionada com a pintura, deixo escapar:
— Nossa, o artista que fez os desenhos deste quarto é muito bom.
Ela assente e sorri.
— O Sr. Nikolas sempre foi muito bom na pintura, mas ele parou há anos. Esse foi seu último trabalho. — Arregalo os olhos ao descobrir que o pintor é justamente o dono da mansão.
— Que pena...
Assim que saímos do quarto de Alice, noto que ela passa direto mais uma vez da porta que já havia reparado antes e não fala nada.
— Dami, você não vai abrir essa porta? — Ela faz que não com a cabeça e apressa-se em continuar seu caminho. Franzo o cenho e a sigo. — Mas tem algum motivo para isso?
Ela para bruscamente e me encara. Vejo seus olhos esbugalhados e sinto a minha pele se arrepiar novamente.
— Nunca, nunca abra essa porta, entendeu? — Seu tom de voz se torna ríspido, e somente assinto com a cabeça. — Sério, menina, ela está trancada há anos e não quero ter que voltar a falar nisso.
— Mas...
— Há coisas que é melhor permanecerem trancadas... — Seu tom de voz é frio e calculado e, na penumbra do corredor, torna-se fantasmagórico. Ela segue seu caminho, e não consigo conter a vontade de olhar novamente para trás, quando chegamos no saguão. O corredor parece ganhar vida, e sinto como se a porta estivesse mais próxima de onde estamos. É como se o lugar se comprimisse. A sensação esquisita retorna, e me assusto quando Dami me chama novamente. Olho para sua cabeça branca e limito-me a caminhar o mais rápido possível.
Após segui-la até o pequeno parque, voltamos para a cozinha, e conheço o restante dos funcionários.
Ela me apresenta a Nana, a chefe de cozinha da casa, e noto que Izabela, sua filha, está junto com ela. Lúcia, Maria Eduarda e Joyce trabalham na limpeza da mansão. Lúcia e Joyce são mais velhas do que eu, assim como Nana. Duda parece ter entre a idade de Iza e a minha. Mesmo usando uma touca, consigo ver o tom dos seus cabelos e noto o quanto são claros. Seus olhos verdes me fitam e, ao ver seu sorriso jocoso, sorrio de volta.
O aroma dos quitutes me traz de volta à realidade, e saboreio com os olhos os bolos de chocolate e laranja; o pote grande que contém doce de leite — que acredito pertencer aos sonhos que descansam em cima da ilha da cozinha —, e os pãezinhos recém-saídos do forno que descansam em cima do fogão.
As meninas comentam também a respeito dos seguranças que moram na casa e sobre os funcionários que trabalham apenas seis horas por dia e vão embora posteriormente. Após Damiana me liberar do tour, continuo na cozinha com Duda, enquanto beliscamos alguns sonhos. Ela me informa que tem vinte e três anos e que faz faculdade de administração à noite. Com o salário que ganha, ajuda sua família, que mora em São Paulo, enviando dinheiro mensalmente para sua mãe e irmãs.
Duda menciona que a senhora Sophia é uma pessoa difícil de se lidar; é fútil, não dá atenção aos filhos e que o relacionamento dela com o marido é estranho, inclusive, o fato de que os dois não compartilham o mesmo quarto desde sempre. Ela diz que o impacto foi grande para os empregados quando ouviram falar sobre a lua de mel que os patrões supostamente iriam fazer, e que o senhor Nikolas parece uma pedra de gelo ambulante que mal para em casa. Parece que a vida dele é somente para o trabalho, e ainda afirma que o homem tem um prazer louco de vaguear pela mansão de madrugada, bêbado. Duda fala também, entre um pãozinho e outro, que preciso ter cuidado com Izabela, porque ela parece ser a protegida do chefe.
— Eles têm um caso? — pergunto perplexa. Ela olha para ambos os lados, como se estivesse com medo de sermos ouvidas pelas paredes, e responde baixinho:
— Ela sempre faz o que quer, na hora que quer. Já a pegaram dando em cima dele diversas vezes, mas nunca ninguém viu nada entre os dois que pudesse comprovar este fato, então, são apenas boatos.
— Nossa! Que safado. Na cara da mulher.
Após nos conhecermos melhor, Duda me convida para passearmos no shopping qualquer dia de nossa folga, e eu aceito. Será bom para me distrair, e não quero ficar muito tempo em casa, de qualquer maneira. Quando as crianças chegam em casa, ajudo os menores a tomarem um banho e, após o jantar, coloco-os em suas camas, porém, pelo visto acabei dormindo antes deles, pois, assim que acordo no meio da madrugada, sinto o meu rosto melado e, ao olhar meu reflexo na tela do telefone, noto que estou toda pintada com tinta guache e há vários nós em meus cabelos.
Levanto irritada e observo-os enquanto dormem em suas camas, tranquilamente. Quem vê até pensa que são anjinhos. Só dormindo mesmo. Sorrio com o pensamento. Cubro cada um, pois noto que estão sem coberta, e dou-lhes um beijo de boa-noite, saindo do quarto em seguida.
Entro no quarto de Alice e noto que está dormindo também. Dou-lhe um beijo de boa-noite e ando em direção à porta, abrindo-a em seguida.
— Boa-noite, mamãe — a menina diz baixinho, e viro-me para ela. Seus olhos estão fechados, e acredito estar dormindo.
Sinto o meu peito se apertar e solto uma lufada de ar. Assim que me direciono para a porta, franzo a testa, pois a mesma está fechada e tenho quase certeza de que a deixei aberta. O mesmo arrepio que senti mais cedo, se alastra pela minha pele, e uma brisa forte entra pela janela do quarto. O frio me assola, e penso em fechar tanto a janela quanto a cortina, porém, antes, encaro os jardins e vejo alguém me olhando lá de baixo. Está um pouco longe e a pessoa um tanto desfigurada, então, esfrego os olhos para que eu consiga enxergar melhor, porém, assim que os abro novamente, vejo que ela já não está mais lá. Observo que as árvores balançam devagar e que o frio passou também. Afasto-me da janela, e a estranha sensação de estar sendo vigiada me incomoda, assim como quando eu era pequena.
Sua mente está pregando peças, Laura! A voz de vó Berta me vem à mente.
Saio do quarto em seguida.
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