6 - Ilusão etérea
O teste de elenco consistia em uma rápida entrevista e apresentação de uma cena para que a equipe do filme pudesse selecionar os atores e as atrizes que iriam interpretar os personagens da trama.
Era um dos processos mais importantes da pré-produção, e uma das etapas preferidas de Gustavo.
Ali, a magia da ilusão começava.
Sentado entre os produtores de casting, os diretores de cena e os assistentes de direção, Gustavo se preparou para a longa manhã que teria pela frente.
Precisava manter a mente limpa e livre.
Embora não conseguisse parar de pensar na garota dos olhos de mel e fogo. Que estava ali. Em algum lugar do estúdio. A mesma garota do bar.
Não conseguia acreditar naquilo.
A probabilidade era uma em um milhão.
E, ainda assim, ela estava ali.
E, outra vez, não conseguira descobrir seu nome.
Seus olhos caíram sobre ela, atônitos e surpresos, no mesmo instante em que toda a equipe fora convocada para iniciar o teste de elenco.
Fora puxado por Valentim e Marta, os donos do estúdio, enquanto a garota desaparecia no meio dos demais.
Nem tivera chance de questionar se ela era uma funcionária terceirizada, algum membro da produção ou alguém que viera fazer os testes.
Mas ela estava ali.
Era insano demais afirmar em voz alta que conseguia sentir o perfume dela pairando no ar; o mesmo cheiro que ficara grudado em suas roupas na noite anterior.
Gustavo puxou a gola da camisa, sentindo uma gotícula de suor escorrer do alto da testa, o tecido se grudando ao corpo.
Meu Deus, estava mesmo perdendo a razão.
Culpa de Blumenau.
Culpa daquela cidade que sempre bagunçava sua vida.
— Posso mandar a primeira garota entrar?
— Pode — ele respondeu, a voz mais rouca do que pretendia.
— Iniciando teste de elenco para a personagem Verônica Cesarini.
Gustavo tomou fôlego e preparou seu olhar analítico.
E assim, ele assistiu a uma infinidade de testes.
Não viu nada surpreendente ou marcante ou memorável.
A maior parte das candidatas não tinha expressão e carisma, e algumas atuavam tão mal que pareciam mais "falsas do que nota de três reais", como diria Giovana.
— Próxima.
Não estava procurando apenas uma "decoradora de texto"; ele queria uma artista que fosse capaz de criar e dar vida ao roteiro, não se moldando à trama, mas encaixando a trama em seu ser.
— Próxima.
E ansiava por um rosto novo.
Alguém que pudesse absorver e refletir todas as nuances do seu trabalho de direção e produção.
— Minha vez — Suzana Oliveira entrou sem ser anunciada, dando início a performance antes que alguém lhe pedisse para começar.
Teria a liberdade com a escolha da personagem que faria Verônica. O investigador seria representado por Uriel Campos, filho dos donos da produtora que estava por trás do filme. Gustavo tentara negociar aquilo com Valentim e Marta, mas eles foram irredutíveis: o filho estaria no elenco principal.
Em outros tempos, teria recusado o trabalho. Mas sempre sonhara em dirigir e ser parte da produção de um suspense noir nacional. Então, e cedeu aos donos do estúdio, recebendo a promessa de que teria total liberdade para escolher a atriz protagonista.
Mal percebeu quando o teste de Suzana acabou.
Um dos colegas o cutucou discretamente.
— Hã, obrigado, Suzana — ele disse de forma mecânica, limpando a garganta e ajeitando a postura.
— Eu que agradeço pela atenção, senhor diretor — ela gracejou, sem notar sua distração, alargando o típico sorriso de atriz que já não carregava mais nenhuma nota de espontaneidade, e deixou o set.
Gustavo inspirou fundo.
Suzana Oliveira era boa.
Ora, a quem queria enganar?
Era uma das melhores atrizes da atualidade.
Mas não era sua Verônica.
Faltava algo nela, por mais profissional que Suzana fosse. Algo que nem mesmo Gustavo sabia nomear. Mas sentia que faltava.
— Próxima.
Ele sentiu o cheiro do perfume primeiro.
E soube que era ela antes mesmo de erguer o rosto.
As mangas da camisa pareceram mais apertadas ao redor dos músculos dos seus braços.
Então ela era atriz.
E estava ali para o teste de elenco.
— Bom dia — ela cumprimentou a equipe com educação.
Segurando a ficha em mãos, Gustavo baixou os olhos e leu o nome escrito na parte superior do papel.
Alice Vieira.
Então este era o nome dela. O lábio inferior de Gustavo estremeceu por baixo de seu rosto sério e enrijecido. E ele soube que precisaria dizê-lo, senti-lo, experimentá-lo.
— Pode começar, Alice.
Quase teve impressão de que ela prendeu o ar ao ouvir o próprio nome na boca dele.
A pulsação de Gustavo acelerou sem que ele esperasse.
Alice tomou fôlego.
E deu início ao teste.
As falas fluíam naturalmente de sua boca. Dava para ver que ela tinha compreendido a essência da personagem.
A sensação era de que ela não estava atuando.
Estava apenas sendo.
Como no bar, quando ela abraçou o papel e se passou por minha namorada.
Tão diabolicamente natural que, por um momento, enredado pela ilusão etérea, ele quase achou que aquela garota era mesmo sua namorada.
Gustavo limpou a garganta, afastou aqueles pensamentos nada profissionais e voltou a focar na atriz diante dele.
Diferente da noite anterior, ela estava menos produzida, o que era ideal para um teste de elenco. Alice vestia uma camiseta básica de mangas curtas, calça jeans, tênis e uma maquiagem neutra. Os cabelos, soltos e livres, emolduravam e acentuavam os traços naturais de seu rosto.
E os olhos...
Sentado na cadeira, Gustavo puxou o ar mais fundo do que deveria.
Mais fundo do que pretendia.
Os olhos dela ainda eram os mesmos que vira sob a luz do bar.
Vivos. Ardentes. Grandes. Expressivos.
Olhos que falavam tanto quanto os lábios.
Até mais.
Alice andou pelo set, fingindo se apoiar em uma janela imaginária, onde a chuva estava caindo na história. Na trama, o investigador tinha acabado de deixar a casa de Verônica e causado um impacto na personagem.
— É tão estranho. Mesmo assim, acho que jamais poderei confiar em um homem outra vez. — Com um olhar longínquo, ela levou a mão ao peito, suspirando. — Nasci solitária. Uma gota de chuva entre tantas outras, que cai, se perde e se despedaça.
Gustavo entreabriu os lábios.
Nunca tinha visto tanta expressividade em toda a sua carreira como diretor e produtor.
Baixou o olhar rapidamente para a ficha dela.
Como aquela atriz nunca estivera em uma grande produção?
Ergueu o rosto, voltando a analisar sua performance.
Tudo bem, ainda havia pontos crus, que precisavam ser moldados e aperfeiçoados.
Mas, que ainda assim, eram vivos.
E silenciosamente intensos.
Como a femme fatale Verônica Cesarini.
Algo que mais nenhuma das outras candidatas, nem mesmo Suzana Oliveira, possuía.
Quando ela terminou a pequena atuação, Gustavo ficou em pé e soltou o ar que não percebeu que estava prendendo.
Os olhares curiosos da equipe se voltaram para ele.
Merda.
Quis xingar a si mesmo pela própria atitude.
Ele não era um homem impulsivo ou expansivo.
Por que estava tão fora de si?
Mantendo o semblante o mais profissional possível para disfarçar os próprios gestos, fitou Alice.
— Obrigado pela participação — foi tudo o que sua voz rouca, quase ofegante, conseguiu dizer.
— Eu que agradeço pela oportunidade.
E, com um sorriso gentil, Alice se despediu da equipe e deixou o set.
Ele ficou parado, em pé, até ela desaparecer completamente de sua vista, deixando no ar apenas o rastro feminino e delicado de seu perfume.
— Gustavo? — Valentim o cotovelou de leve.
Agitando a cabeça, ele se voltou para o dono de estúdio.
— O que foi?
— Podemos continuar com os testes? Posso mandar a próxima garota entrar?
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