Prólogo
Vinte e um anos atrás
Se ele continuasse olhando pela janela, talvez começasse a nevar.
Talvez, se ele desejasse bem forte, as ruas amanheceriam cobertas por uma camada branca e espessa, igual aos filmes de Natal que assistia com sua irmã gêmea.
Mas, por enquanto, a única coisa que sentia era o calor insuportável de mais uma noite de verão.
Gustavo bufou, virando de um lado para o outro na cama.
Era injusto não nevar na sua cidade na véspera de Natal.
Já estava com nove anos e ainda não vira um único floco de neve.
O ventilador, girando em um zumbido constante no teto, não aliviava o calor. Se ele escancarasse a janela, haveria uma chance de uma brisa mais fresca entrar e fazê-lo pegar no sono.
Gustavo se sentou na cama, piscando no escuro; tudo o que seus ouvidos conseguiam captar era o rangido do ventilador.
Ele pulou para fora do colchão e foi até a janela, soltando o trinco, esperando sentir a carícia do vento no rosto.
Ou talvez ver a neve caindo.
Cruzou os braços sobre o peitoril da janela, os olhos contemplando o pedaço da lua em meio a nuvens. Dali, enxergava as casas dos vizinhos, os pisca-piscas que coloriam a noite da véspera do Natal.
Seus pais não comemoravam a véspera de Natal, nem faziam uma grande ceia como as famílias dos seus amigos. Apenas preparavam um almoço no dia 25 de dezembro — às vezes só para eles e para os filhos, às vezes, com a família da sua mãe ou do seu pai.
Mas nada grandioso ou festivo.
O menino se inclinou sobre a janela, e então seus olhos captaram um movimento no terraço, no jardim.
Gustavo contraiu os lábios.
Era seu pai.
O coração dele bateu mais rápido.
Será que seu pai estava indo buscar os presentes para deixá-los embaixo da árvore?
Ora, já tinha nove anos — sabia que Papai Noel não existia.
Uma euforia tomou todo o corpo de Gustavo.
Será que seu pai o deixaria abrir o presente agora? Adoraria ver a cara de Giovana no dia seguinte quando descobrisse que ele havia ganhado o presente primeiro do que ela.
Agitado e animado, Gustavo correu para fora do quarto, atravessando o corredor silencioso e escuro, descendo as escadas degrau por degrau.
Olhou embaixo da árvore.
Ainda não havia presentes ali.
Certeza que os presentes estavam no carro.
Contendo um risinho travesso — céus, Giovana iria surtar tanto no dia seguinte — Gustavo avançou para fora da casa, decidido a surpreender o pai no meio do jardim e pedir seu presente.
Estava quase chegando ao terraço quando ouviu vozes.
— O que você está fazendo aqui? — seu pai perguntou.
Gustavo deu um pulo para trás.
Como seu pai o tinha visto?
— Queria te ver, Cláudio. É véspera de Natal.
Gustavo parou de andar e piscou.
A pergunta não havia sido para ele.
E aquela voz de mulher...
Não reconhecia aquela voz.
Ele deu um passo para a frente, escondendo-se atrás de uma das pilastras para observá-los melhor.
— Já falei para você não aparecer aqui, Ju. Minha mulher e meus filhos estão dormindo.
— Aquela sem graça e estúpida da sua mulher não perceberia nada nem se esfregássemos a verdade na cara dela.
Gustavo não gostou de ouvir aquilo sobre sua mãe.
Esperou que seu pai a defendesse e enxotasse aquela outra mulher para fora da casa deles.
Mas tudo o que saiu da boca do seu pai foi um riso baixo.
— Você me enlouquece, Ju.
— É por isso que você me ama. Vem cá. — Ela o puxou. — Me dê meu beijo de Natal e eu vou embora.
O menino piscou, não acreditando quando a boca do seu pai se colou à boca daquela outra mulher.
O que sentiu causou um nó na garganta e um aperto no peito, uma vontade de gritar e de chutar alguma coisa.
— Gu? — Uma voz pairou atrás dele. — Por que você está aqui fora a essa hora da noite?
Ele olhou por cima do ombro, abrindo a boca ao ver a mãe.
— Eu...
Mas, antes que pudesse responder, sua mãe ergueu o rosto na direção do portão de entrada da casa.
E ofegou.
Foi a primeira vez que Gustavo escutou vários palavrões saindo da boca dela.
Seu pai e a outra mulher se viraram, sobressaltados.
— Sílvia!
— Que merda é essa, Cláudio?!
— Sílvia, eu...
A discussão tomou proporções estrondosas, ecoando pelo jardim, tirando Giovana da cama, chamando a atenção dos vizinhos.
E Gustavo soube que o Natal nunca mais seria o mesmo.
E aqui estou de volta com mais um livro dos Bodini! Aproveitando que hoje é o lançamento, o capítulo 1 também será liberado! Segue em frente ♥
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