[f(34) = 2x - 34] Por vocês
Todo mundo pronto?
🔮
Dia primeiro de dezembro. Às três e cinquenta e dois da tarde. Nosso tempo acabou.
Quantas vezes é possível cometer o mesmo erro?
Eu não sei até onde se estende o limite numa situação generalizada. Mas sei quantas vezes eu e Jimin erramos.
Noventa e oito.
Não.
Noventa e nove.
Em todas as chances que nos foram dadas, nós cometemos o mesmo maldito erro e agora tudo fica tão claro, em minha mente bombardeada por lembranças que não existem na memória de mais ninguém.
Por um segundo, minha visão parece se tornar completamente escura. Eu não enxergo. Ao mesmo tempo, finalmente vejo tudo.
Eu relembro da primeira linha do tempo, antes de tudo colapsar. Relembro de como me envolvi com Jimin.
De como tudo deu errado.
De como ele morreu.
Relembro de não ter aceitado sua morte. De ter implorado por uma nova chance com ele, ainda que nosso destino fosse exatamente aquele.
Nós nunca fomos destinados um ao outro.
Mas eu prometi que seríamos. Em outra vida, em outro universo, eu prometi que nos encontraríamos. Que nos amaríamos e ficaríamos juntos.
Eu escolhi Jimin como meu destino. E foi assim que tudo começou.
Agora, é assim que essa chance acaba.
— O tempo acabou — Eu anuncio, em voz alta, as mesmas palavras que ecoam em minha mente.
Nada acontece. O tempo acabou, nossa chance noventa e nove chegou ao fim, mas tudo continua exatamente igual.
E eu entendo o porquê.
Eu entendo tudo.
Jimin, por outro lado, não entende sequer uma coisa.
— O que? — Seu questionamento vem, desesperado.
Os olhos bonitos continuam abertos em espanto, aterrorizados, o rosto manchado pelo choro contínuo, pelas mágoas e medos que o perseguem desde antes do fim.
Meu corpo inteiro dói. Mas meu coração é o que mais machuca.
— Amor... — Ele chama, horror em cada letra pronunciada.
Acabou.
Acabou, Jimin.
— Você escondeu a verdade — Eu digo.
Era esse o erro. Desde a primeira vez, é a verdade que nos impede de ficar juntos.
A expressão dele denuncia tanta confusão quanto é suposto sentir nesse momento.
Tudo deu errado de uma só vez.
A descoberta sobre seu envolvimento indireto na morte de meu pai.
O fim do tempo.
Essa mágoa que me consome por dentro.
Em desespero, ele tenta se aproximar. Mas eu recuo.
Minha mão pressiona meu peito, em desespero, e minha cabeça se agita para os lados em negação constante.
Eu estou sendo soterrado por sentimentos que não quero ter, sentimentos trazidos com as lembranças de cada chance perdida.
— Amor... Jungkook, por favor...
Mais uma tentativa de aproximação. Mais uma vez, recuo.
Perco a força nas pernas por um instante, ao fazê-lo, e sou levado ao chão. Caio com um estrondo sonoro e um resfolegar desesperado de dor e medo.
— Me desculpa por não ter dito antes — Ele pede, desesperado, ajoelhando-se em minha frente, mas ainda com distância entre nós dois. Chora como eu nunca o vi chorar antes.
O rosto se torna completamente vermelho, banhado em lágrimas, banhado em dor.
— Você sabe — Ainda tentando falar, engasgando-se no próprio choro, ele segue em meu silêncio, em meu choro inconformado. — Eu te contei. Eu te disse, Jungkook... meu pai nos deixou, mas meu maior medo sempre foi que ele voltasse. Sempre foi que minha mãe o aceitasse de volta.
Eu lembro de tudo, mas não sei por que Jimin se envolveu. Por que ele pediu que as obras continuassem. E sei que é o que está fazendo agora. Ele está tentando explicar.
Eu nunca dei a ele a chance de explicar.
Sempre, ao descobrir, eu me enchi de ódio; ele, enchi de culpa.
Mas ainda não quero ouvir. Eu mal consigo acompanhar tudo que se passa em minha mente, então cubro meus ouvidos e me curvo contra minhas pernas dobradas, incapaz de parar de chorar.
— Amor, eu tenho medo dele. Eu tenho medo do meu pai. Mas minha mãe conheceu Hajoon e ele sempre foi um homem tão bom... eu sentia que estaríamos mais seguros com ele...
— Para de falar...
— Eu preciso! — Jimin perde o tom, em meio ao choro. A voz morre, mas retorna depois de soluços e fungadas atrapalhadas. — Minha mãe sempre dizia que nunca conseguiria casar novamente. Que já era uma mulher de mais idade, com um filho crescido. Mas Hajoon estava lá, contra todas as possibilidades. E eu queria que ele continuasse. Eu queria ser um filho perfeito. Queria ser mais um motivo para que ele ficasse com minha mãe e não um motivo para que ele nos deixasse. Então eu comecei a demonstrar interesse nos negócios dele, me mostrava alguém muito mais maduro que realmente era. Eu só queria que ele visse vantagens em me ter por perto, como um filho.
Eu me curvo mais. Não quero ouvir. Não agora.
— Mas Hajoon ama minha mãe. Ele me ama como se ama um filho. Nada daquilo era necessário, mas eu ainda não sabia, Jungkook. Eu estava determinado a abrir mão do meu sonho de dançar. Para proteger minha mãe, eu abriria. Então eu comecei a conhecer a Sohbong & Ryong. Hajoon não me forçava, mas me deixava entender a empresa o quanto eu quisesse.
— Hyung?
O relato de Jimin é interrompido. Meus olhos, cheios de lágrimas, viajam à porta de meu quarto.
Junghee está ali. Taehyung, logo atrás.
Mas nada disso faz Jimin parar. É sua primeira chance de me explicar e, ainda que ele não saiba disso, parece se apegar ferrenhamente à oportunidade.
— Jungkook... ele ia me levar para acompanhar uma obra pela primeira vez. Mas Seon Yeong apareceu no dia anterior, na conferência, falando sobre um acidente. Hajoon ficou com medo. Eu também fiquei. Mas eu não queria parecer um menino assustado. Eu queria me mostrar acima daquilo, queria parecer gente grande, queria continuar sendo aceito por ele sem saber que ele já me aceitava. Então eu disse que era besteira. — Ele ri, quase desacreditado, no caos do próprio choro que não para. — Eu disse que, no mundo dos negócios, não se poderia deixar levar por bobagens assim. Que eu ainda queria ir na obra no dia seguinte, que não tinha medo.
— Hyung? — Junghee chama mais uma vez, ainda no mesmo lugar, ainda desesperado.
Eu, nada digo. Jimin, diz tudo.
— Mas o que eu sabia, Jungkook? Eu estava morrendo de medo. Minha mãe também. De última hora, ela não me deixou ir. Eu chorei de raiva, mas a decisão de Hajoon já tinha sido tomada. A obra seguiria normalmente, mesmo que eu não fosse. E ela seguiu.
São tantas lágrimas, tantos soluços, que eu não sei mais quais são meus ou dele.
— O acidente aconteceu, amor. Como Seon Yeong disse.
Ele tenta me tocar, mas eu recuo completamente até chocar minhas costas contra a parede.
— Para! — E imploro, desesperado.
— Hyung! — Dessa vez, Junghee não apenas me chama. Ele vem. Corre, desesperado, até se colocar em minha frente, como se tentasse me proteger. Para Jimin, destina sua fúria recém desperta: — O que você fez com meu irmão?!
— Se eu soubesse... — É o que Jimin diz. — Se eu soubesse, amor, eu faria diferente. Eu juro que faria.
Seon Yeong tentou avisar. Foi em vão.
Porque agora finalmente percebo.
Meu destino nunca foi ficar com Jimin porque isso estava traçado para nós desde o início.
Para proteger a própria família, as atitudes dele levaram à destruição da minha.
Uma coisa pela outra.
Minha felicidade pela sua. Sem que soubéssemos, sempre foi assim.
— Vai embora — Junghee pede, para Jimin. Seu corpo pequeno ainda tenta criar barreira para o meu, os braços estendidos para impedir que Jimin se aproxime. — Vai embora, Jimin hyung.
Sei que ele não ouviu tudo que Jimin disse. O que ouviu, não é suficiente para fazê-lo entender.
Junghee faz isso por mim. Pelo irmão, para tentar me proteger, ainda que não entenda o que está acontecendo.
— Hee... — Taehyung chama, ainda na porta, sem reação.
— Tira ele daqui, Tae!
— Hee! — Taehyung insiste.
Os papéis se inverteram completamente. Era eu, horas atrás, quem queria proteger meu irmão de um coração partido. Agora, é o oposto.
Junghee não se mexe. Taehyung, de fora da situação, é quem mais mantém a calma.
— Jungkook-ssi, você quer que Jimin vá embora?
Eu não respondo de imediato. Meus olhos encontram os olhos de Jimin, que me imploram silenciosamente por apenas uma resposta à pergunta feita.
Mas o que eu quero responder?
Eu sinto tudo isso dentro de mim. A raiva de noventa e oito chances perdidas corrompendo meu coração.
Mas o meu eu de agora, o meu eu da chance noventa e nove, esse eu sente raiva?
Não.
O que eu sinto é medo. É desespero pelo que vem pela frente. É tristeza profunda.
O que eu sinto é pavor de ser dominado por essa raiva que sequer me pertence. Não mais.
Eu não quero sentir isso.
Eu prometi que não sentiria.
Eu prometi que nunca mais o odiaria.
Em outra situação, eu diria para Jimin ir embora. Sozinho, lidaria com todos esses sentimentos antes de buscá-lo.
Mas sequer temos tempo.
Então decido. Com a voz fraca, trêmula e desesperada, anuncio.
— Jimin fica.
Junghee olha para trás, para mim, com a expressão ainda preocupada.
Eu toco em meu irmão, puxando-o pela blusa até que ele se agache em minha frente, e mantenho uma mão em sua cabeça quando pressiono um beijo demorado em sua testa.
— Obrigado, moleque. — Consigo dizer, acariciando-o quando pressiono minha testa contra a dele. — Não sabia que você podia me defender assim.
— Hyung... — Ele pede, ainda nervoso.
— Vá ficar com Taehyung. — Devolvo. — Me deixe aqui com Jimin. Ok?
— Ele te fez chorar...
— Não foi ele — Eu tento dizer. — É mais complicado que isso. Não fique com raiva de Jimin. Entendeu? É seu irmão que está pedindo.
Ele se afasta. Ainda ressentido, mas com uma concordância incerta.
— Vem, Hee. — Taehyung chama, como o último ponto de calma. — Eu te faço cafuné.
Ainda bem que ele está aqui. Pelo bem do meu irmão.
Ainda que talvez, daqui a menos de vinte e quatro horas, tudo volte para o vinte e um de outubro e todos esqueçam de tudo isso.
Não.
Não. Eu não vou deixar.
Tem que existir outro jeito.
Junghee vai. Me lança olhadelas constantes, inseguras e receosas até alcançar Taehyung na porta. Dali, me olha mais uma vez.
— Vamos deixar vocês conversarem. — Taehyung diz, cuidadosamente puxando a porta para que ela se feche.
Sozinho com Jimin, eu vejo os olhos castanhos buscarem minha imagem. Sempre desesperados, implorando por algo que sei o que é.
Perdão.
O perdão negado em cada chance anterior a essa.
O perdão que, ao invés de existir, deu lugar a um acúmulo de ódio que transcendeu a perda das minhas memórias. Que me fez odiá-lo ainda que sequer pudesse entender o motivo.
De mesma maneira, meu ódio, minha reação a cada descoberta, deve tê-lo enchido de medo irracional. Acumulado-se de uma chance à outra.
E então nós nunca tivemos chance de acertar, porque já estávamos condicionados ao erro.
Mas e agora?
— Eu lembrei de tudo. — Sem saber o que mais dizer, com a voz trêmula, revelo.
— Como — Jimin questiona, confuso, perdido na própria complexidade de pensamentos. — Como assim? Tudo?
— Desde a primeira chance. Eu sei de tudo.
O peito de Jimin sobe e desce devagar. Eu vejo o impulso de seu corpo em tentar se aproximar, mas ele resiste. Talvez por respeito, talvez por receio.
— E... o que acontece agora?
Você morre. Em menos de vinte e quatro horas.
Eu ainda não consigo dizer em voz alta. As palavras não se formam. É doloroso demais.
— Jimin.
— Oi... — Ele responde, alerta a cada mínima palavra minha. — Oi, amor...
É tanta coisa que precisa ser dita. Tanto sentimento ainda não verbalizado. E eu sequer sei por onde começar.
Meu silêncio enquanto as lágrimas secam em meu rosto parece desesperá-lo mais uma vez. E então sua expressão se torna chorosa novamente, dolorida. Com tanta dor que me machuca.
— Jungkook... me perdoa... por favor... eu nunca quis te causar nenhum mal. Não logo a você. Eu te amo tanto, amor, me perdoa...
— Jimin...
— Eu não sei o que vai acontecer agora, mas eu preciso que você saiba que eu sinto muito. Eu sinto tanto, tanto, meu amor...
— Jimin-ssi...
O chamado parece suficiente para dizer algo além, a ele. Assim que ouve, os olhos brilham com novas lágrimas e ele volta a tentar se aproximar.
Para exatamente em minha frente, sentado sobre as próprias pernas, mãos no chão como se preparado para avançar e findar a última distância.
E pergunta, receoso o suficiente para não vir de uma vez:
— Eu posso te tocar?
Eu expulso todo o ar de mim. Junto com ele, gostaria de expulsar muito mais. Gostaria de me livrar de todos os sentimentos que não pertencem à chance noventa e nove. Gostaria de dar fim a essa raiva que não quero sentir.
É mais complicado que isso, no entanto.
Entre nós dois, tudo sempre foi e sempre será complicado. Porque não somos compatíveis.
Mas eu o amo.
Dentre tudo que sinto, o amor segue vivo. Então como posso negá-lo, agora que as coisas chegaram a esse ponto?
Minha hesitação, por outro lado, é demorada. Para Jimin, parece tortura. A cada segundo de espera, eu vejo a dor em seus olhos, em seu choro continuado. Vejo a pouca esperança que tem, sumir.
Quando ele parece prestes a iniciar uma nova sequência de pedidos desesperados por perdão, eu não quero mais ouvir.
— Vem. — É tudo que digo, tocando-o nos braços que tremem, puxando-o para mim.
Tomando, nesse instante, o que o universo tenta me tirar toda maldita vez.
E Jimin vem. Engatinha apressado, em desespero, o choro ganhando força quando senta em meu colo e me abraça como se nunca mais quisesse soltar.
Eu o abraço de volta. Envolvo seu corpo com meus braços, segurando-o com a mesma força com a qual sou tomado. Escondo meu rosto em seu pescoço, umedecendo-o com as lágrimas que retornam, fortes.
Porque é amor. É definitivamente amor.
Eu estou confuso. Meus sentimentos são caos puro. Nosso tempo acabou.
Mas é amor.
Eu colapsei todo o universo por Park Jimin. E eu o amo.
Contra meu coração, eu sinto o dele bater forte. Seu peito conversa com o meu, enquanto nossas bocas permanecem caladas, em conversa alguma, e nosso choro se compartilha.
Os dedos curtos, que tantos arrepios já me provocaram, sobem à minha cabeça. Se entrelaçam aos meus cabelos, tocam em minha nuca, descem por minhas costas, me apertam os braços.
Jimin me sente inteiro. Como se não acreditasse que estou aqui. Ou como se soubesse que em breve não estarei.
— Você é o amor da minha vida, Jeon Jungkook.
Eu fecho meus olhos com força, abraçando-o com ainda mais intensidade.
— Eu nunca vou me perdoar por ter te causado tanta dor. Nunca.
Minha respiração se torna dolorida diante de suas palavras, que relembram quanta coisa poderia ser diferente se ele simplesmente tivesse ficado calado, se não tivesse dito nada ao padrasto.
No entanto, eu me pergunto se sua opinião bastaria para convencer Hajoon a seguir com as obras. E todos os outros envolvidos na construtora? Os acionistas e sócios? Como posso saber se não foram eles, no lugar de Jimin, que o convenceram a ignorar o aviso de Seon Yeong?
E, ainda que Jimin tenha influenciado, como posso culpá-lo inteiramente se toda sua história de vida o levou a fazer o que fez? Como posso culpá-lo se foi exatamente aquilo que o destino tinha guardado para nós?
Eu não posso culpá-lo, tampouco desejo.
Negar que sinto mágoa e que penso em como tudo poderia ter sido diferente é hipocrisia. Estarei mentindo, se o fizer.
Mas não foi culpa de Jimin. Eu não aceito que seja.
Eu não aceito que ele se sinta responsável pela pior coisa que já me aconteceu.
— Jimin-ssi.
Ele resiste quando tento afastá-lo, talvez interpretando erroneamente minha intenção. Então tento novamente, segurando-o pela cintura, vencendo sua resistência até ter seus olhos diante dos meus.
Apenas quando o tenho assim, beijo sua bochecha que é um caos de vermelhidão e lágrimas secas e frescas. Seguro sua nuca. Contra sua testa, deito a minha.
E refaço a promessa que, assim como as outras, não permitirei que se quebre:
— Amor sempre acima da dor, Jimin.
Ele não tem reação imediata. Nada além de seu peito estremecendo o meu, em uma nova onda de choro que traz suas mãos ao meu rosto. Tocando-me assim, ele me beija.
— Amor acima da dor — E diz, com a boca tão perto da minha. Me beija novamente. — E eu te amo.
Nos instantes seguintes, somos uma confusão de beijos e confissões suas.
É desespero um pelo outro, necessidade de nos termos, de sermos nós por quanto tempo possível.
É mais língua que lábios, dentes se chocando na agonia de um beijo desesperado, sal de lágrimas, mãos segurando um ao outro tão forte a ponto de doer.
É dor, mas é também amor tentando ser maior.
— Eu não quero perder você — Ele diz. — Eu não quero perder nós dois.
O beijo se interrompe bruscamente. Nossas respirações erráticas se perdem uma na outra e eu balanço a cabeça em negativa.
— Eu vou dar um jeito. Não importa o que eu tenha que fazer.
— Eu acredito em você. Eu acredito em você como nunca acreditei em algo ou alguém, Jungkook.
Dessa vez, faço uma confirmação. E farei sua confiança valer a pena.
Mas, por ora, eu preciso de um pouco mais dele. Um pouco mais de amor, no lugar de tudo de tão ruim que sinto.
Então volto a beijá-lo. Ele também me beija. Segurando seu corpo, vou levando-o para trás, até fazer suas costas deitarem sobre o chão. Eu me deito sobre ele, entre suas pernas, sendo abraçado por elas, nunca separando nossas bocas.
— Eu quero você... — Ele diz, quando tento continuar beijando-o.
E eu o quero.
Não somente agora. Quero sempre.
Mas enquanto Jimin infiltra suas mãos sob meu moletom, eu lembro de todas as vezes nas quais fez isso. Lembro de todas as vezes que nos beijamos, das poucas, mas inesquecíveis vezes que fomos além.
Então eu seguro sua mão, impedindo-o de seguir em frente. Paro de beijá-lo.
— Não agora — E digo, ao mudar de ideia.
Jimin não entende o porquê. Os olhos inchados por todo o choro se tornam confusos, perdidos, e eu beijo sua testa para acalmá-lo.
— Tocar você é a melhor coisa que já experimentei, Jimin. Eu sou completamente devoto a você.
— Então... por que...?
— Meus sentimentos estão confusos. Eu estou com raiva. Não de você, mas estou. E não quero sentir nada disso enquanto te toco.
— Mas pode ser a última vez, Jungkook...
— Nós temos até amanhã. Eu só preciso de um pouco mais de tempo. Só isso, Ji. E então você vai ser tocado do único jeito que merece... com amor.
Jimin pisca repetidamente, em sua mania que hoje me é tão familiar, antes de segurar as pálpebras fechadas e se desfazer num longo suspiro.
— Não acredito que eu não consigo parar de chorar... meu deus, Jungkook...
Meus lábios se desenham em um sorriso mínimo, que carrega alegria alguma, antes de serem pressionados contra sua testa num beijo demorado e sincero.
— Pode chorar, Ji...
— Eu também não consigo parar de dizer que te amo...
— Não para. Nunca.
Os olhos se abrem, numa confusão de lágrimas nos cílios curtos, vermelhidão e dor. Ainda assim, existe beleza no olhar do meu Jimin.
E ele me olha demoradamente, por longos instantes dentro dos poucos que ainda temos.
Assim, me diz não somente que me ama. Mas diz, sem qualquer palavra, a dimensão desse amor.
Também sem verbalizar, eu declaro o meu. Busco sua mão com a minha e entrelaço nossos dedos antes de tocar nossos lábios em mais um beijo puro e delicado demais para nós dois.
— Você sempre foi meu frango frito. Em todas as chances, em todas as vidas, Jimin.
Ele sorri, dentro de toda a dor e medo que compartilhamos.
— E eu não vou desistir de você, Ji. Não vou desistir de nós dois. Eu vou fazer dar certo.
— Promete?
— Eu já fiz promessas demais.
— E vai cumprir cada uma delas. Eu sei que vai.
Eu vou. Não sei como, tenho pouco tempo para descobrir. Mas eu vou.
— Eu prometo, Jimin.
Ele, diante de minha garantia, usa a mão livre para me tocar pela nuca e guiar minha testa à sua.
— Então vai ficar tudo bem, amor.
Vai. Porque eu me recuso a abrir mão de Jimin, nossos amigos, minha família e tudo que conquistamos juntos nessa chance.
Eu não vou deixar tudo se perder assim.
Antes que eu me perca em ponderações lunáticas sobre como vencer o destino do qual desejamos fugir, no entanto, a vibração de meu celular me desperta para um novo temor.
Pressentimento ou não, meu coração acelera assim que percebo uma nova chamada recebida. Quando vejo o nome de Yoongi na ligação, o desespero só cresce.
Atrapalhado, eu recuo sobre o corpo de Jimin até me colocar sentado mais uma vez, dedos tremendo quando deslizo sobre a tela para aceitar a chamada.
— Yoongi?
— Hoseok. — Ele dispara, do outro lado, em pânico. — Alguma coisa aconteceu com Hoseok!
— O que? Onde vocês estão?!
— Jungkook, ele não acorda — Yoongi chora. Eu sinto seu choro entre cada palavra. — Pelo amor de deus! Me ajuda, Jungkook, faz alguma coisa. Por favor. Por favor!
— Onde vocês estão?! — Repito, desesperado. — Me diz, Yoongi, por favor...
— Em minha casa. Estamos em minha casa. Faz alguma coisa! Eu imploro!
— Estamos indo. — Garanto, já ficando de pé, também findando a chamada.
Ainda no chão, com os olhos arregalados, Jimin me olha à procura de respostas e tudo que posso fazer é puxá-lo pela mão, quando estendida para mim, para ajudá-lo a ficar de pé.
— Precisamos ajudar Hoseok — É o que digo, desesperado o suficiente porque eu posso ter lembrado de tudo, mas isso não quer dizer que estou ciente sobre o que acontece com nosso amigo.
Em nenhuma outra das chances, ele esteve presente.
Em nenhuma das outras noventa e oito chances, estivemos envolvidos dessa forma, fomos amigos, ou vimos Hoseok e Yoongi se tornarem um casal.
Saber de tantas coisas me corrompe em desespero. Mas o não saber é o que ainda me causa mais pânico.
O problema maior, no entanto, é que as surpresas não param de chegar.
Quando termino de ajudar Jimin a ficar de pé, ele perde a força. As pernas fraquejam, um gemido de dor escapa por sua garganta e os olhos se arregalam em surpresa e medo crescente, quando quase vai ao chão.
Não fosse meu próprio corpo amparando-o em velocidade suficiente, Jimin cairia, parecendo incapaz de se sustentar de pé.
— O que foi isso? — Ele pergunta, aterrorizado, mesmo quando consegue recuperar a força e equilíbrio. — Por que meu corpo...?
É o universo lembrando que em menos de vinte e quatro horas tentará tirar Jimin de meus braços e de minha vida.
Eu aperto Jimin com meus dois braços, abraçando-o desesperadamente, o pânico me consumindo de maneira que não posso permitir.
Eu preciso manter a calma. Preciso pensar. Preciso encontrar uma saída para todos nós.
— Passou? — Ainda que meu impulso seja o de manter Jimin aqui, protegido comigo, eu preciso agir.
— Acho que sim — Ele responde, ainda atordoado, e ao fim balança a cabeça em uma concordância atrapalhada. — Passou.
— Nós precisamos ir. Me desculpa, Jimin-ssi. Mas precisamos fazer isso.
Ele concorda novamente, dessa vez com mais certeza e confiança. Tanta quanto é possível ter quando o universo está a um último passo de colapsar de vez.
— Hoseok. — Ele diz, então. — Vamos ajudar. E talvez Yoongi nos ajude também.
— Isso. — Ele verbaliza minha intenção, então beijo sua testa uma última vez, demoradamente. E repito, acelerado: — Isso, Ji.
Sem mais demora, eu pego sua mão e, no caminho para fora, as chaves de Belinda e os capacetes.
Garanto que Jimin está seguro, quando montamos, e então acelero de uma vez em direção à casa de Yoongi.
Enquanto Bee corre pela pista, cortando caminho entre carros, meu coração se acelera ainda mais que seus pneus sobre o asfalto.
O capacete parece funcionar como uma prisão sem ar, enquanto luto para respirar em meio ao pânico, que ainda reivindica seu lugar, e para nos manter vivos até estacionar diante da casa na qual já estive hoje.
Assim que o faço, desço em disparada de Belinda. Ajudo Jimin, com mais cuidado, a descer. Tiramos os capacetes e eu grudo minha mão à dele, assustado com a possibilidade de que ele seja levado antes do que penso saber.
Assim que paramos diante da porta, golpeio a madeira branca furiosamente até ser aberta.
— Você de novo? — É Seokjin quem nos recebe, confuso ao me ver aqui novamente.
— Yoongi está no quarto? — É tudo que respondo, me adiantando para o lado de dentro.
E ainda que o universo esteja colapsando, Jimin tem o cuidado de dizer:
— Licença — Ao ser puxado para dentro.
— Está com o namoradinho dele — Seokjin não dá muita bola para minha falta de educação, mas alerta: — Bata na porta antes de entrar. Vai que você vê alguma coisa traumatizante...
É provável. Não no sentido que ele está pensando, no entanto.
Sem novas pausas, eu trago Jimin comigo até anunciar nossa chegada com batidas que são imediatamente seguidas por minha mão girando a maçaneta para que a porta do quarto se abra.
E ali, do lado de dentro, eu vejo o que visualizei ao ouvir a voz desesperada de Yoongi.
Ele, se desfazendo em lágrimas, desespero corrompendo seus olhos e gestos enquanto tenta tocar Hoseok como se fosse se partir a qualquer instante.
— Ei... — É Hoseok quem diz.
Ele está acordado, mas parece prestes a dormir e nunca mais abrir os olhos.
Eu nunca vi alguém tão fraco como ele está agora.
— Seu hyung está um pouco mal, Jungkookie...
Meu coração se despedaça quando ele tenta sorrir, quando ouço as palavras que me diz.
— O que aconteceu? — Yoongi questiona. Parece querer gritar, mas contém o tom por Hoseok. — Por que ele ficou assim?!
Eu continuo parado no lugar.
Hoseok é quem mais sente dor, mas é o único de nós que não tem lágrimas, frescas ou secas, no rosto.
Me dói precisar dizer. Mas digo.
— O tempo acabou.
— E o que isso quer dizer? — Yoongi pergunta, agitado, continuamente abraçando o corpo frágil de Hoseok. — Nós vamos voltar para o dia vinte e um? Vamos passar por tudo isso novamente? Esquecer uns dos outros?!
Hoseok continua encolhido, sentado entre as pernas de Yoongi, dividindo a cama com ele e com o violão usado para acompanhar a letra da música que sequer pôde ser mostrada para Jimin.
Assim como a primeira música que escrevi, para meu pai, essa parece não poder ser ouvida por quem me inspirou.
— Ji... — Eu o chamo, tentando guiá-lo à cadeira para que se sente. — Senta.
Eu tenho muito a dizer. Sei de coisas que eles jamais saberão, se não for por mim, então preciso começar a falar.
Mas Jimin nega. Ele me abraça e continua grudado a mim, como se tivesse medo de me soltar.
Ao entender seu receio, eu aperto suavemente seu braço, para assegurá-lo de que continuarei perto, e o trago comigo à cama.
Nos sentamos de frente para o outro casal, do qual parte espera com pânico em cada expressão e o outro mal consegue manter os olhos abertos.
Sem mais tempo a perder, vou direto ao ponto.
— Eu já sei por que tudo isso começou. Sei o que precisávamos fazer e sei por que a data limite era hoje. Também sei por que o pior ainda não aconteceu.
— Por favor, comece a falar. — É Yoongi quem pede. — Nós precisamos pensar em alguma coisa!
Eu concordo com um gesto afoito, tomando o corpo de Jimin em um abraço para senti-lo perto.
Eu preciso disso e sei que ele vai precisar, também, quando ouvir o que tenho a dizer.
Sem tempo a perder, começo.
— Nada disso era para ter acontecido. As coisas nesse universo deveriam seguir a linha de tempo lógica, sem loopings e chances.
Antes de dizer o motivo exato, eu preciso explicar todo o início. Então retomo as lembranças dolorosas que tenho de cada chance perdida, quando no fundo gostaria de deixá-las escondidas.
— No que seria a chance de número um, eu e Jimin começamos a nos aproximar no dia vinte e um de outubro. Foi quando ele, pela primeira vez de todas, confessou que estava interessado em mim. Por isso o dia vinte e um é o início de cada chance. Porque foi o início de tudo entre nós.
Eu pauso. É mais difícil que imaginei, verbalizar a dor de noventa e oito chances perdidas.
É difícil verbalizar a história de noventa e oito chances que sempre terminam com a vida de Jimin sendo levada.
Mas preciso.
— Eu não o odiava. Não tinha motivos. Mas eu era lento demais, vocês sabem disso, e não percebia todas as vezes que ele tentava chamar minha atenção. Então ele começou a fazer isso me provocando... e conseguiu, então não era minha pessoa favorita, mas eu definitivamente não o odiava. E foi no dia vinte e um que ele deu fim às provocações e tentou conversar comigo de verdade.
— Eu consegui? — Jimin questiona, como quem ouve uma história inédita.
E é, para ele. Apesar de ter sido protagonista dela.
— Você conseguiu, Ji. Eu não resisti a você em nenhuma chance.
— Então... o que aconteceu? O que deu errado entre nós dois?
— Eu descobri sobre o acidente de meu pai.
— O acidente... — Yoongi parece finalmente perceber. Mas tem medo de verbalizar a pergunta seguinte: — O que minha avó previu. Jimin teve... culpa?
— Não. — Eu digo de imediato. — Jimin não teve culpa.
Eu percebo os olhos pequenos de meu namorado crescendo em espanto.
Não sei se minha afirmação tão ferrenha tem o intuito de convencê-lo ou a mim, mas repito.
Porque ele não teve culpa.
Foi o destino. Aquilo aconteceria de qualquer forma, por mais que a dor me dilacere por dentro. Eu não posso tolerar que Jimin carregue o fardo de uma culpa que não teve.
Ele já fez isso por tempo demais.
— Não foi culpa de Jimin. Nunca foi. — Repito, então. — Mas ele tem ligação com a empresa para a qual meu pai trabalhava e quando descobri... eu o culpei. Eu culpei Jimin. E então tudo deu errado.
— Como, Jungkook?! Por favor, nós não podemos perder tempo!
Eu entendo a agonia de Yoongi, mas não posso me culpar por sentir tanta angústia em precisar anunciar os eventos seguintes.
— Nós brigamos feio por isso. Eu briguei com ele. Era último dia de novembro e eu o deixei para trás. No primeiro dia de dezembro... ele tentou conversar comigo.
— E você não perdoou.
— Não tive a chance. Eu só recebi uma mensagem dele dizendo que estava indo até minha casa, que sentia muito. Mas foi isso. Jimin nunca apareceu naquele dia.
Os olhos de lince são tomados por pavor, quando ele entende a hesitação e a dor em meu tom.
Jimin liga todos os pontos.
— Eu morri.
— Você sofreu um acidente. Pouco depois das três da tarde. E depois disso... nunca mais abriu os olhos, Ji. Você não voltou para mim.
— Por isso a data limite é hoje. Agora. O mesmo dia e horário do acidente dele?
— É. Mas Jimin não morreu na mesma hora... — Minha garganta queima em desespero, por precisar verbalizar tantas vezes a primeira vez em que ele partiu. Mas preciso dizer. — Ele ficou hospitalizado por quase vinte e quatro horas, até o coração parar de bater.
— Mas o primeiro de dezembro foi o último dia em que eu estive consciente. A última oportunidade que tivemos. Mas amanhã... dia dois...
— Sim...
— Nosso tempo acaba hoje. E amanhã eu vou morrer.
Não é surpresa o que predomina agora. É melancolia pura. Uma tristeza profunda que, não em intenção de minimizar o que eles sentem, não se compara ao que estou sentindo.
A dor de ter noventa e oito lembranças de Jimin partindo é indescritível. Surreal.
Mas ainda há muito a ser explicado. Então assim como estou fazendo desde o momento em que as lembranças retornaram, calo minha dor para tentar encontrar um meio de não sofrer ainda mais.
— Foi por isso... eu não aceitei que você partisse, Ji. Então eu implorei para que pudesse fazer diferente. Eu implorei por uma nova chance, sem saber que tinha poder o suficiente para isso... e consegui.
— Então absolutamente tudo retornou ao vinte e um de outubro, como se os dias seguintes nunca tivessem existido nesse universo. Você literalmente rebobinou o tempo. E assim começou a chance número dois — Apesar do pânico que obviamente sente, Yoongi ainda consegue acompanhar a linha de pensamento que estou tentando construir para eles. — Não foi?
— Sim. Foi isso.
Meu peito dói. Por quanto tempo vou precisar lidar com essa dor?
Por quanto tempo vou conseguir silenciá-la para conseguir dar voz a cada descoberta dolorosa que tenho acumulada em minha mente?
— Mas nada é de graça — Ainda tento. Só mais um pouco. Preciso tentar. — Eu tive poder o suficiente para alterar a linha contínua de tempo, mas precisei sacrificar algo em troca. Eu precisei dar o equivalente a uma nova chance... e o equivalente era absolutamente todas as memórias criadas a partir daquele dia.
— Então na chance dois você sequer sabia o que precisava fazer. Sequer lembrava de ter se envolvido com Jimin.
A essa altura, Yoongi é o único que diz alguma coisa.
Hoseok está fraco demais.
Jimin está quase catatônico. Não esboça nada. Absolutamente nada.
Mas o que se espera de alguém quando uma pessoa descobre que irá perder a vida em menos de vinte e quatro horas?
É para evitar que isso aconteça que eu tento e tento e tento.
— O pior não foi isso. Iniciamos a segunda chance do zero... mas a mágoa... aquela que eu senti quando descobri sobre o acidente de meu pai... de alguma forma, ela me seguiu.
— E além de pagar o preço com todas as memórias, a segunda chance ainda tinha um obstáculo maior. Sua raiva por Jimin.
Eu apenas concordo.
— E por que o vinte e um de outubro se repetiu em looping? Isso aconteceu em todas as chances?
— Sim. Era um aviso. Um alerta para nos mostrar que algo estava errado.
Meus olhos sobem aos pequenos de Yoongi, que se dividem entre desespero por Hoseok e um esforço descomunal para se concentrar em tudo que digo.
Ele é excepcional. Yoongi sempre foi, mesmo quando tudo que eu sabia sobre ele não passava de boatos.
— E foi por isso que nós sempre procuramos sua ajuda. — Revelo, enfim. — Em cada chance eu procurei você. Eu acreditei nos boatos de que você era bruxo, paranormal, qualquer coisa assim. E você sempre nos ajudou, Yoongi, em todas as chances.
— Você não pode dizer que eu não sou um bom amigo, filhote...
As palavras carregam humor que seria óbvio, não fosse o tom de derrota do qual também compartilho.
— Não, não posso. Você é o melhor amigo que alguém poderia ter.
Ele não sorri. Eu, menos ainda. Tudo que Yoongi faz é redesenhar o abraço ao redor do corpo de Hoseok, tomando-o com ainda mais cuidado quando sente a face pálida se esconder contra seu pescoço.
— Continua, filhote. Eu preciso entender tudo para pensar em algo.
Eu já entendi, mas ainda não encontrei nenhuma saída.
Ainda assim, continuo tentando.
— Em toda chance, eu ouvia a mesma voz sem som me alertando sobre o tempo estar acabando. E ela não tinha som porque era algo dentro de minha consciência. Era minha própria voz, meu próprio alerta.
— Certo. — Esse é o pedido agoniado para que eu prossiga.
— O que nós precisávamos fazer antes do fim era provar que faríamos diferente. Na primeira chance, nosso erro foi Jimin não ter coragem de me contar a verdade e o meu foi culpá-lo e odiá-lo quando descobri. Tudo que sempre precisamos fazer era o oposto disso. Acertar o que não acertamos antes. Corrigir o erro que levou à morte de Jimin.
— E vocês nunca conseguiram? Nunca?
— Nunca. A cada nova chance parecia ainda mais impossível, porque eu acumulava a raiva de cada chance anterior... e Jimin também parece ter acumulado o medo.
— Então era impossível. Sempre foi impossível.
— Sim. Nós estávamos lutando contra o inevitável, tentando reescrever nossos destinos.
Dessa vez, Yoongi não sabe o que dizer.
Jimin, continua calado. Calado demais. Olhos focados sempre em um mesmo ponto, quase incapazes de piscar, a despeito de sua reação mais comum.
— Jimin-ssi — Eu não aguento mais. Preciso confortá-lo, ainda que ninguém possa confortar minha dor.
— Jungkook. — No entanto, Yoongi chama minha atenção. — Rápido.
Eu suspiro. De qualquer forma, aperto meu abraço ao redor de Jimin e o impulsiono a vir para mais perto, até tê-lo entre minhas pernas. Assim, descanso meu queixo sobre sua cabeça, suas costas contra meu peito e o abraço e o protejo, da mesma maneira que Yoongi incansavelmente faz por Hoseok.
— Não tem muito mais o que dizer sobre as outras chances. É basicamente isso. Nós nos aproximávamos enquanto tentávamos descobrir o que estava acontecendo... e é claro que eu me apaixonava por Jimin. Toda vez, eu me apaixonei por ele.
— E, perto do fim, tudo desandava.
— Sempre o mesmo erro. — Confirmo o que Yoongi facilmente percebe. — E então, no dia dois de dezembro, Jimin sempre foi levado. E eu nunca consegui aceitar, mesmo entendendo quantas vezes falhamos. Eu sempre pedi uma nova chance. Um novo vinte e um de outubro, para começarmos novamente. Eu nunca consegui desistir dele.
— E Hoseok? — O questionamento vem, ansioso. — O que você sabe sobre ele?
Com pesar, revelo:
— Nada.
Os olhos frágeis de meu amigo pousam em mim. Ele não consegue esboçar medo, ansiedade... nada. É somente fraqueza.
— Hoseok nunca aconteceu antes. Ele sequer deveria ter se envolvido nessa chance. Foi literalmente um erro.
— Espera — Yoongi parece pensar em algo, de repente. — Isso quer dizer que o que acontece em cada chance é tão diferente assim? Elas não são iguais?
— Algumas têm similaridades, mas nenhuma é igual à outra. Efeito borboleta, eu acho.
Todas as condições do início de cada chance pressupunham o mesmo roteiro a ser seguido para elas. Mas se o bater de asas de uma borboleta pode alterar o curso inicial das coisas e provocar um tufão, como diz a teoria, o ressentimento cada vez mais intenso que guardei em todo novo vinte e um de outubro parece ter provocado uma sequência única de acontecimentos.
Então eu tenho noventa e nove histórias diferentes vividas com Jimin.
Noventa e nove chances nas quais me apaixonei por ele.
Todas perdidas.
Na chance noventa e nove, o ódio era tanto que nos levou a causar um acidente. O acidente trouxe Hoseok para esse caos.
E a presença de Hoseok como variável inédita parece ter causado uma mudança de rumo ainda mais abrupta para essa chance.
Porque eu tenho noventa e oito lembranças e em nenhuma delas tive o que tenho agora.
Em nenhuma delas eu consegui me reaproximar tanto de minha família ou de meus amigos.
Em todas elas, eu me apaixonei por Jimin.
Mas essa é a primeira vez que o amo.
— Essa chance é única, Yoongi. — Eu confesso, então. — Ela é a que guarda minhas memórias mais felizes.
Hoseok tenta sorrir. Jimin continua calado.
Eu, digo:
— Hoseok foi um erro porque não deveria ter se envolvido e porque não sabemos o que acontece com ele de agora em diante. Mas a presença dele mudou muitas, tantas coisas para melhor...
— Então eu fui um bom hyung — Ele finalmente diz, com a voz fragilizada.
Eu aperto o abraço ao redor de Jimin, mas é para Hoseok que ofereço meu sorriso.
E confesso:
— Apesar de tudo, você foi nosso maior acerto, hyung.
Hoseok sorri novamente, encolhido contra Yoongi, puro o suficiente para perceber:
— Você finalmente me chamou de hyung...
— Como você consegue ficar feliz agora, por tão pouco? — É o piromaníaco quem questiona, mas não em repreensão. É mais encanto, surpresa, um carinho dolorido que se expressa pelo olhar e pelo beijo que deixa no topo da cabeça de Hoseok. — Você é único demais, Hobi...
Ele é.
Nós chegamos perto, dessa vez. Tão perto de conseguirmos. Sei que a presença de Hoseok teve grande influência nisso.
Fisicamente, ele foi quem mais sofreu desde o início. E ainda assim nunca deixou de sorrir, nunca deixou de se esforçar para ser um bom hyung e nos dar esperança.
Mas agora ele está aqui... frágil, sem saber o que acontecerá com ele nas próximas vinte e quatro horas.
O universo é um grande filho da puta.
Uma coisa pela outra, sempre.
Nos deu Hoseok, mas nos tirou a possibilidade de vê-lo bem.
— E agora? — Yoongi finalmente questiona. — O que acontece agora?
Eu balanço a cabeça para os lados em uma negativa.
— Eu não sei. Mas vou pensar em algo. Eu tenho algumas horas para tentar reverter o que parece inevitável.
— E se você não conseguir, filhote? E se Jimin... se ele não resistir, você vai tentar novamente, não é? Mais um vinte e um de outubro...
— Não.
Não sou eu quem respondo. Porque minha resposta é, na verdade, um sincero sim.
É Jimin quem nega.
Depois de tanto se calar e esboçar reação nenhuma, ele finalmente fala. Os olhos não têm brilho, derrotados e conformados como se ele tivesse passado todos esses instantes tentando aceitar algo.
E parece ter conseguido.
— Não. Já chega. Sem mais vinte e uns de outubro.
O que ele está dizendo?
— Então você acha que eu vou simplesmente aceitar perder você?!
— É nosso destino, Jungkook.
— Mas eu não quero esse cacete de destino em que você deixa de viver! Eu escolhi você como meu destino, Jimin, o que o universo planejou para nós pouco me importa. Eu não tentei tantas e tantas vezes à toa.
— E o que você conseguiu? Nós falhamos noventa e nove vezes. Noventa e nove, Jungkook! Só temos mais uma chance e sequer sabemos o que acontece quando falharmos nela. O que te faz acreditar que vamos conseguir?
— Nada. Absolutamente nada. Mas eu preciso acreditar e eu vou tentar até não poder mais. Eu não vou desistir.
Jimin nega. Ele desfaz meu abraço, se afasta de mim.
Nesse momento, esse gesto machuca. Porque parece definitivo demais.
— Não. Já chega. Nós só vamos falhar novamente.
— Mas, se não tiver outra saída, eu vou tentar.
— Não! — Ele parece sentir raiva, mas sei que é desespero. — Você disse que essa chance guarda suas melhores memórias. E eu sei que guarda as melhores memórias de todas as pessoas que estão com você. Sua família e nossos amigos também têm lembranças felizes, Jungkook. Não é justo tirar isso deles por uma coisa que não vai dar certo.
Nisso, ele tem razão.
Minhas memórias são o que de mais precioso tenho, nessa chance. Mas enquanto eu tenho a possibilidade de recuperá-las, no fim, nenhum dos outros poderá lembrar de nada disso.
Nossas memórias dessa chance, nossas memórias mais felizes, estarão condenadas a existir em mais ninguém além de mim.
Mas isso não é suficiente. Não vai me fazer desistir de Park Jimin.
— Nós agora sabemos que as tatuagens continuam em nossas peles mesmo de uma chance para a outra — Revelo, então. Em nenhuma das anteriores, descobrimos isso. — Eu vou tatuar um texto explicando o que precisa ser feito, porra, eu deixo uma mensagem em meu próprio corpo. Mas eu não vou simplesmente aceitar que você seja levado. Eu não vou.
Enquanto Yoongi e Hoseok se mantêm em silêncio, Jimin nega.
Meu coração se despedaça.
Ele perdeu completamente a esperança.
E deixa isso claro, ao se preparar para ficar de pé e repetir:
— Já chega, Jeon.
— Jeon é o cacete! Já chega é o cacete! Não cabe a você decidir!
— É a minha vida! Eu quem vou morrer! Se eu posso aceitar esse inferno de destino, por que você não aceita?!
Porque eu te amo.
Porque eu te prometi, em outra vida.
Porque eu te escolhi como meu destino.
De pé, Jimin espera a resposta. E eu, furioso por vê-lo desistir, revelo todas as afirmações anteriores em uma só.
— Porque eu não quero viver num mundo em que você deixou de existir, Jimin.
— Mas é isso que vai acontecer. Se não for nessa, na próxima chance. Aceite que você não pode mudar isso, Jungkook.
O olhar de Yoongi busca o meu. Consigo perceber. Ainda assim, minha atenção recai inteira em Jimin, ali de pé. Ali, desistindo completamente.
— Pense em um jeito de salvar Hoseok. — Então ele diz. — É mais importante.
Não é proposital, mas inevitável. Meu corpo se curva em derrota e minhas mãos esfregam a pele do rosto em gesto de desespero, porque nada disso fica mais fácil se Jimin simplesmente desistir.
Então eu fico irritado. Bravo mesmo, feito o cacete.
Tudo em mim está prestes a transbordar, entrar em erupção. A única coisa que me impede de verdadeiramente sentir tudo o que sinto, de gritar, chorar, esmurrar algo até perder a força, é a esperança. O desejo irremediável de encontrar uma solução.
Então eu calo tudo dentro de mim. Cada dor e medo e desespero, silenciados para que eu pense.
— Eu vou pensar em como salvar os dois — É tudo que digo, então, quando na verdade meu corpo e mente imploram por uma válvula de escape para tudo isso que estou sentindo.
Jimin recua um pouco mais. Parece desistir de me convencer do contrário, mas não parece mudar de ideia sobre a decisão tomada.
Me agarrando aos últimos instantes de controle emocional, eu esfrego as mãos no rosto mais uma vez.
— Yoongi. — Chamo, enfim.
— Fala, filhote... — A resposta é dada. Sua atenção, é de Hoseok.
— Cuida dele. Tenta pensar em alguma coisa, eu também vou pensar... mas preciso sair daqui. Respirar um pouco. — E conversar com Jimin. — Me ligue se pensar em algo.
Ele apenas confirma com um gesto frágil. Eu olho para ele por mais um instante, antes de olhar para Hoseok que se encolhe no abraço protetor que recebe.
De coração apertado demais, eu me aproximo para tocar o ombro de Hobi, receoso demais, com medo de machucá-lo somente com isso.
E, sem certeza alguma, garanto:
— Vai ficar tudo bem, hyung.
Ele faz um breve movimento com a cabeça. Sorri, com os olhos laminados por uma camada espessa de lágrimas ainda não derramadas. A primeira, no entanto, escorre assim que ele fecha os olhos em reflexo, parecendo sentir dor.
— Shh... — Yoongi sussurra, sei que prestes a chorar também. Com cuidado, desliza o polegar sobre o rosto pálido de Hoseok e seca a lágrima que escapou. — Já vai passar. Jungkook vai dar um jeito.
Eu sei que não é a intenção de Yoongi. Mas, quando ele diz isso, quando me olha implorando para que eu faça das palavras dele verdadeiras, o peso em meu coração cresce. Meu medo, também.
Está em minhas mãos. O que acontece de agora em diante depende de mim e de ninguém mais.
Sem dizer mais nada, eu recolho os capacetes deixados ao lado da porta do quarto e olho para Jimin, à espera que ele entenda meu chamado. Quando o faz, parece tentar dizer algo para nossos amigos, mas falha. E desiste, como vem desistindo de todo o resto.
Em silêncio, ele me acompanha. Mal nos despedimos de Seokjin, que também mal esconde a preocupação ao ver a derrota em nossas auras.
Saímos da casa. Paramos diante de Bee, onde apoio meu capacete muito antes de usá-lo, e o silêncio parece um acordo mutuamente imediato. O aceitamos, um de frente para o outro.
Ele, de frente para alguém que noventa e tantas vezes sacrificou muito para salvá-lo.
Eu, diante do destino que o destino me nega.
— Jungkook... — Ele chama, mas não vai além. É somente isso que faz. Chama, desesperado.
E eu balanço a cabeça para os lados, em negativa, mas nunca negando seu chamado. Eu nego o que, com esse olhar desistente, Jimin me pede. Nego, sentindo sua imagem se tornar turva e inconsistente diante de meus olhos.
Por uma fração de segundo, entro em pânico. Em estado de alerta desigual, tenho medo de que o universo esteja levando-o antes da hora. Mas não machuca menos quando percebo que são apenas novas lágrimas distorcendo minha visão.
— Não, Jimin — E repito o que tantas vezes já disse. — Eu não vou desistir de você sabendo que ainda posso tentar mais uma vez.
Diante de minha própria visão conturbada, eu vejo os olhos bonitos de Jimin tornarem-se cativeiro de lágrimas que antecedem seu passo hesitante em minha direção.
Ele tem medo de me abraçar, mas sei que é o que quer e o que precisa agora. Sei porque, para mim, é o mesmo. Então eu não aceito seu receio em se aproximar, em me tocar, e dou fim a essa hesitação quando o seguro com firmeza pelos braços e trago seu peito ao meu antes de abraçá-lo com força, prendendo-o até sentir seu corpo estremecer com um soluço antes que o capacete em sua mão caia no chão, ao lado de nossos pés.
— A culpa foi minha — Com a voz quebradiça e os dedos agarrando minha blusa, ele diz. — É tudo culpa minha. Me perdoa, amor, por favor...
— Para de pedir perdão. Não tem o que ser perdoado, Jimin.
— Eu preciso... é só disso que eu preciso. Por favor. Me perdoa por ter influenciado Hajoon. Me perdoa por ter escondido isso por tanto tempo... por não ter confiado mais em você antes...
— Ji — Eu o chamo, agora subindo minhas mãos até segurar seu rosto que, mais uma vez, é manchado por lágrimas. Olho no olho, confesso: — Em nenhuma chance você teve coragem de me contar. Eu descobri de outras formas.
Ele parece se machucar ainda mais por minha confissão, mas eu seguro seu rosto com mais firmeza quando seu olhar foge do meu, em vergonha.
— Mas nunca foi por culpa sua. Nunca. O medo que você tinha... não era culpa sua, Ji.
— Ainda assim, Jungkook...
— Ainda assim, dessa vez você tentou. Você tinha o medo de noventa e oito chances acumulado dentro de você e ainda assim confiou em mim. Você confessou, Jimin-ssi.
— Se eu tivesse dito um pouco antes... só um pouco antes...
— Sim, as coisas poderiam ser diferentes. Mas isso é o que temos agora. Nós chegamos tão longe... e eu ainda não desisti. Eu não vou desistir.
Ele expulsa o ar, os lábios tremem não pelo frio que faz, mas pelo choro que se torna cada vez mais incontrolável, machucado por possibilidades.
Porque, sim, muito poderia ser mais fácil. Se ele tivesse dito um pouco antes e eu tivesse tempo para processar sua confissão e perdoá-lo. Ou se eu o tivesse perdoado no exato instante em que descobri.
Talvez se eu tivesse revelado que sabia que ele precisava me confessar algo... talvez. Mas, isso, Seon Yeong fez. Agora, lembro com clareza. Ela disse para Jimin não demorar a revelar. Por muito tempo, seu conselho ficou perdido em minha mente, mas agora faz todo o sentido. Todas as pontas se ligam e eu sei, por isso, que bem nenhum faria se eu pressionasse Jimin para me revelar o que escondia.
Ele já sabia.
E eu sempre soube que não deveria pressioná-lo; hoje, sei mais ainda. Sei que ele precisava fazer isso por confiar o suficiente em mim. Por vencer o medo torturante que sentia. Por mostrar para o destino que não importa o que ele tenha planejado para nós, poderíamos fazer diferente.
E Jimin o fez. Ele confiou mais que sentiu medo. Mas, por uma questão de segundos, não foi o suficiente para o universo.
— Eu sinto muito — Ainda assim, ele se culpa. — Por tudo, amor. Você jura que me perdoa?
Não preciso perdoar metade das coisas pelas quais ele pede perdão. Mas, se ele precisa disso, eu digo, unindo minha testa à sua:
— Eu te perdoo, amor.
Ele estremece mais uma vez, em um novo soluço, e pressiona sua boca na minha. Me dá um, dois beijos demorados, que não se aprofundam, mas que facilmente revelam seu desespero e, simultânea e contraditoriamente, seu alívio.
— Vamos sair daqui, ok? — E relembro. — Eu preciso pensar.
Jimin concorda. Se abaixa para pegar o capacete, funga sonoramente e seca as lágrimas antes de encaixá-lo na cabeça.
Quando montamos em Belinda, eu não sei para onde estou nos levando.
A princípio, o trajeto é o que faço de volta para minha casa, mas eu ainda não quero voltar. Então, nos levo sem rumo pela cidade.
Percorro as ruas de Busan com Jimin abraçado ao meu corpo, rajadas de vento nos envolvendo intensamente, o motor cantando alto e encobrindo todas as palavras não ditas.
Somos nós, em Bee. Na liberdade que ela proporciona no encarceramento de nossos próprios destinos já traçados.
Somos nós em nossa cidade, na qual vivemos tantas coisas, mas que tão pouco exploramos juntos.
Quantas coisas mais poderíamos experienciar? Quantos novos lugares poderíamos conhecer? Quantos encontros, beijos e conversas profundas poderíamos ter por aí?
Tempo demais, mas ainda tão pouco, se passa até que reduzo a velocidade para parar em uma das muitas experiências que poderíamos ter, mas não tivemos.
Não foi planejado. Mas foi aqui que viemos parar.
Jimin tira o capacete assim que desce de Belinda. De pé, um ao lado do outro, eu vejo o sorriso entristecido que se desenha sem que ele pareça perceber.
Lá na frente, depois da generosa faixa de areia vazia, as ondas do mar de Busan se aproximam e se quebram antes de serem puxadas para o fundo mais uma vez, repetidamente.
— Nós nunca viemos juntos na praia... — Assim como eu, ele percebe. — Não acredito que perdemos a oportunidade...
Eu respiro fundo. A brisa gelada que vem do mar faz meus pelos eriçarem sob as mangas longas das minhas camadas de roupa, mas eu não recuo.
No lugar, encontro a mão de Jimin com a minha. A dele, está despropositadamente encoberta por meu moletom que fica grande demais em seu corpo. Ainda assim, seguro com cuidado antes de puxá-lo comigo até o banco mais próximo de nós, na orla.
Jimin vem sem resistência. Quando sentamos no banco sem encosto, no entanto, olha somente para a frente, para o mar, com a expressão conformada, mas ainda dolorida.
— É como nós, não é? — Ele pondera, ainda sem olhar em minha direção.
— O mar?
— Sim... parece calmo, na superfície. Mas no fundo... — Ele finalmente traz os olhos bonitos aos meus e sorri um tanto mais, sempre triste. — Existem coisas que ninguém sabe explicar. Como nós, eu acho. Parecemos um casal normal, mas estamos longe de ser.
É. Temos lá nossas particularidades que desafiam os conceitos naturais de tempo.
Mas...
— Mas você me fez muito feliz, Jimin-ssi.
Os olhos dele não esboçam espanto completo, mas alguma surpresa leve diante de minha confissão repentina, que não passa por várias e várias camadas de pensamentos e hesitações.
— Eu não sei como alguém poderia ser feliz vivendo no caos que vivemos, mas eu fui feliz com você. Eu sou feliz com você, Ji.
A surpresa se prolonga por mais alguns instantes, até que ele se desfaz em um riso desajeitado e desvia o olhar mais uma vez.
— Eu não aguento mais chorar, Jungkook. Por favor...
Eu também sorrio. Mais um sorriso sem felicidade alguma. Ainda segurando-o em meu rosto, eu viro meu corpo sobre o banco. Passo uma perna para o outro lado e fico de frente pra a lateral de Jimin, antes de me aproximar ainda mais, encaixando-o em minhas pernas.
Quando minha mão toca sua barriga, Jimin suspira pesarosamente.
— Quando você diz essas coisas... eu não acho que faz ideia do que acontece com meu coração, gracinha. Você não sabe o quanto uma declaração sua mexe comigo. Meu peito sempre parece que vai explodir...
Sem pensar muito, apesar de precisar pensar, eu me entrego ao impulso de subir minha mão da barriga à face de Jimin. Segurando-o pelo o queixo, faço seu rosto virar de encontro ao meu.
Mas, antes mesmo que nossos olhares se reencontrem, minha boca toca a sua.
Jimin suspira em surpresa imediata, mas nem por um instante se afasta.
A mão pequena, protegida por sobras do tecido grosso de meu moletom, segura meu braço enquanto minha mão ainda segura seu rosto e minha boca se entrega inteira à sua.
É beijo lento, intenso, como nós dois gostamos. É beijo de promessa, nunca de despedida.
E enquanto Jimin ainda se afeta inteiro por minhas declarações desajeitadas, eu tenho muito a dizer.
Mas uma coisa não pode mais esperar.
Então interrompo nosso beijo para tocar minha testa na sua. Não preciso olhar em seus olhos para que ele saiba que é verdade, o que digo.
— Eu te amo.
Jimin não se mexe. É quase como se o tempo, ao invés de ir, voltar, se repetir e fazer tudo outra vez, parasse completamente.
Ainda assim, ouço o barulho que vem do mar. Ouço o som dos carros e motos na avenida antes da orla. Só não escuto Jimin. Não até que as mãos dele me tocam a cintura, aventurando-se sobre meu corpo como quem não acredita que estou realmente aqui.
Com a respiração tornando-se cada vez mais desastrada, rostos ainda próximos demais para que nossos olhares se encontrem, ele pergunta:
— Você me ama?
E eu, sabendo quase nada de amor, tenho certeza demais ao responder. Porque disso, ao menos, sei:
— Eu te amo, Jimin. Então não me peça para desistir agora. Eu não vou desistir.
Ele expulsa todo o ar. Puxa as pernas para cima do banco, empurra seu corpo contra o meu. As mãos deixam de se aventurar para que ele me abrace, com o rosto escondido em meu pescoço, onde também deixa beijos a cada vez que me abraça com mais força.
— Eu te amo, Jungkook. Meu deus, eu te amo tanto...
— Eu sei, Ji. Mas eu quero sua confiança também. Confia em mim. Eu vou fazer dar certo.
Ele se encolhe cada vez mais contra meu corpo. Eu o abraço cada vez mais forte, para que nunca mais seja levado de mim.
Com o queixo apoiado no topo de sua cabeça, digo:
— Nós vamos aproveitar um dia juntos na praia. Vamos comer frango frito e pão com carne. Vamos acompanhar de perto o namorico de Junghee e Taehyung, vamos adicionar novas músicas à nossa playlist e vamos assistir Desafio em Tóquio. Nós ainda vamos fazer muitas coisas juntos, Jimin.
Diante de mais uma de nossas inúmeras promessas, o pôr-do-sol se inicia. Com ele, o lembrete de que nosso tempo está acabando. Que o dia primeiro está chegando ao fim e, com ele, nos aproximamos do último limite.
Com o céu alaranjado colorindo nosso preto e branco, eu afasto o corpo de Jimin um tanto mais. E só deus sabe como consigo rir, mas eu rio, sem força, quando vejo o rosto de meu namorado.
— Não acredito que você estava chorando de novo, Jimin-ssi.
— Você disse que me ama. — Ele relembra, como se eu pudesse esquecer. Ao mesmo tempo, permite que eu seque suas lágrimas. — Eu sou apaixonado por você há três anos, Jungkook. Três. E você acabou de dizer que me ama.
Usando quatro dedos de uma vez para esfregar a bochecha gorda e secá-la, eu dou uma balançada de ombros.
— Grande bosta. Eu baguncei a linha de tempo por você, Jimin. Dizer que te amo não é nada.
— Você é horrível com palavras, Jungkook. E você disse. Nem gaguejou — Com uma breve análise, ele percebe: — mas ficou vermelho.
— Obrigado pelas palavras gentis. Sempre bom ouvir meu namorado dizer que eu sou um merda em alguma coisa. E nem fiquei vermelho coisa nenhuma.
O olhar de Jimin ainda carrega medo e tristeza. É inegável. Mas seu sorriso, esse mínimo, verdadeiro, entrega outra coisa que renasce por trás de todos os sentimentos angustiantes.
Esperança.
Ele tem esperança novamente.
E para isso eu só precisava dizer que o amo? Tipo, três palavras são realmente mais eficazes que eu literalmente voltando no tempo por ele?
Depois eu que sou o esquisito.
— Anda. — Eu o chamo, segurando a mão pequena quando fico de pé, para trazê-lo comigo. — Esse lugar não está me ajudando a pensar. Voltamos aqui depois que eu der um jeito nessa bagunça.
Ele olha para o mar. Para a faixa de areia ocupada por ninguém. E balança a cabeça numa concordância quando volta a me olhar.
— Voltaremos, amor. Mas... — Com uma breve pausa, ele confessa: — assistir Desafio em Tóquio, não.
Eu reviro os olhos furiosamente, já puxando-o com mais força até ter suas costas contra meu peito enquanto andamos juntos até Belinda. Prendendo-o em meus braços, com força, eu também aperto meu queixo no topo de sua cabeça até ouvi-lo reclamar.
— Eu não estou lutando contra o cacete do universo inteiro para nem poder assistir meu filme favorito com meu namorado depois. Vai assistir Desafio em Tóquio comigo, sim!
Apesar do meu abraço dolorido ser mais punição que demonstração de afeto, Jimin segura meus braços com ternura, junto a um riso sem muita força.
— Vamos ver, Jungkook-ssi.
— Exato. Vamos ver Velozes e Furiosos, Desafio em Tóquio.
Ele ri um pouco mais, finalmente liberado de meu abraço quando paramos diante de Belinda e começamos a recolocar os capacetes.
E eu ainda não encontrei a solução. Mas o cacete que vou desistir dessa risada gostosa.
O cacete que vou aceitar viver num mundo sem o riso de Park Jimin.
Isso aqui só me faz ter ainda mais força para seguir, ainda sem saber em que direção estou indo. Mas, enquanto meus pensamentos se perdem em rumos indistintos, Bee me leva a um destino já tão conhecido.
Quando paramos diante da minha casa mais uma vez, não dizemos nada. Seguimos para o lado de dentro e logo encontramos minha mãe e os dois moleques dividindo o sofá, assistindo algum filme ruim na TV.
Sexto sentido, percepção aguçada, fofoca por parte de Junghee ou talvez seja a derrota óbvia em nossas faces. Não importa. Assim que nos vê, minha mãe nos olha e não demora para sua expressão se encher de preocupação.
— Fedorento... tudo bem com vocês?
Minha mãe... meu irmão... toda a reaproximação que tivemos nessa chance. Dói saber que, talvez, eu não consiga encontrar outra solução. E então precisarei abrir mão de tudo isso para tentar novamente, sem saber se nos reaproximaremos mais uma vez.
Não. É claro que não está tudo bem. Mas como eu poderia explicar, para ela, qualquer coisa sobre isso?
— Só estamos cansados. Vamos ficar no quarto.
— Boa noite. — Jimin diz, sem o carisma usual. Diante dos três olhares curiosos e preocupados, ele tira os sapatos antes de me acompanhar. — Com licença.
De tão confusa, minha mãe sequer faz seu lembrete para deixarmos a porta do quarto aberta. E eu não deixo.
— Você acha que eu deveria contar para eles? — Quando estamos sozinhos, Jimin me surpreende ao perguntar.
Eu sei sobre o que ele está falando, mas me preservo no silêncio enquanto tiro o moletom de meu corpo. E ele insiste:
— Talvez sua mãe e seu irmão devam saber o que eu fiz...
— Você não fez nada. — Garanto, apenas de calça e camisa quando me junto a ele na cama. — Para de falar como se tivesse culpa, Jimin.
Ele suspira. Parece pouco convencido, mas não insiste. E eu decido:
— A única coisa que acho que você deveria dizer é que Hajoon é seu padrasto. Uma hora ou outra eles vão descobrir. Mas nada além disso, Ji.
Jimin fecha os olhos por um instante, assim como fecha o abraço ao redor de meu corpo quando senta em meu colo.
Eu o seguro assim e nunca mais quero soltar.
— Em alguma outra chance eles descobriram? — Questiona, depois de muito tempo de silêncio.
— Não. Nunca. Mas é questão de tempo.
Mais silêncio. Mais e mais e mais. Mas, durante cada segundo, eu percebo que Jimin quer perguntar algo.
— Jungkook?
— Hm?
— Dói? — Enfim, questiona. — Lembrar de tudo... de todas as chances perdidas... dói?
Eu poderia dizer que não. Poderia ser fiel ao papel ao qual me presto agora, que mantém silenciada cada dor dilacerante que tenta chegar à superfície.
No entanto, meu desejo de ser sincero com ele é maior.
— Parece que meu coração está sendo destroçado, Jimin. É tortura. A pior de todas.
— Eu queria poder tirar essa dor de você, amor...
— Eu sei. — Digo, abraçando-o com um pouco mais de força. — Mas só fica assim e não vai embora nunca mais. Te perder nessa chance vai doer como não doeu em nenhuma das outras.
— Eu quero ficar. Eu quero muito ficar, Jungkook.
E eu vou dar tudo de mim para que fique. Eu vou pensar em uma solução até o último segundo. Antes dele, não vou desistir. Não vou nos condenar a um novo vinte e um de outubro. Eu vou tentar.
Mas, enquanto minha mente se acelera em mais e mais pensamentos, minha fala traz algo que sequer precisaria ser mencionado.
— Aliás — Tocando-o na região da escápula, revelo: — eu finalmente sei por que você tem a equação da relatividade tatuada aqui.
— Sim? Era alguma mensagem codificada?
— Não. — Eu revelo, beijando-o no ombro. — Na chance passada, eu também disse que você era bonito e complexo como essa equação. E você tatuou por isso.
— E eu achando que era algum código genial...
— Código nenhum. Só você sendo emocionado pra cacete, como sempre.
— E você que repetiu a mesma cantada matemática em duas chances diferentes?
— Em mais de duas. Eu disse várias vezes. Mas só em uma delas você tatuou.
— Então eu sou mesmo bonito e complexo como ela.
— Você é. — Pouco a pouco, eu seguro seu corpo e o trago comigo quando começo a deitar sobre a cama. Ele, deita com a cabeça em meu peito. — E se Einstein não desistiu até encontrar as equações da relatividade geral, eu não vou desistir de você.
Mais uma onda de silêncio. Dessa vez, interrompida por uma longa risada de Jimin.
— Por que eu precisava me apaixonar por um matemático, meu deus?
— Porque nós prometemos.
— Prometemos?
— Sabe os sonhos que temos? As realidades de outros universos que conhecemos? E como parece existir uma janela entre o nosso universo e todos eles?
— Sim...
— Essa janela realmente existe. Todos os universos em que nós existimos simultaneamente se interligam, Jimin. E em todos eles nós nos apaixonamos.
— Caramba, gracinha. O conceito de alma gêmea foi levado a sério, entre nós.
— Foi. Sempre vai ser. E não é o destino arrombado desse universo que vai fazer isso mudar.
Ele traz os olhos em minha direção. Depois de me olhar por instantes demorados, se aproxima com um beijo suave. E diz, em seguida:
— Então eu sou seu destino. E seu amor.
— Em todas as vidas.
Nada mais é dito. Jimin mais uma vez se aconchega mais em meu corpo e, no quase completo escuro e no silêncio, eu aprecio seu corpo tão próximo do meu enquanto penso e penso como nunca antes.
Um gênio, sempre disseram. Mas incapaz de encontrar a solução para o pior problema que poderia viver.
Em algum momento, Jimin pergunta se podemos ouvir nossa playlist. Ouvimos. E eu penso.
Junghee vem nos chamar para jantar, desconfiado. Eu nego, sem fome, também certo de que sequer conseguirei manter algo em meu estômago cada vez mais agitado.
A playlist chega ao fim. Ouvimos Read my mind novamente.
Jimin nada diz. Eu, inquieto demais, preciso ficar de pé. Jimin senta, me observando. De um lado ao outro, penso, mas meus pensamentos se tornam cada vez mais embaralhados. Numa tragédia de lembranças dolorosas e medo, eu não consigo concluir sequer uma linha de raciocínio, sob o tique taque imparável do relógio.
O tempo passa. Casa silenciosa. Coração em pânico.
A ansiedade começa a tomar conta de mim. Cada minuto a mais é um minuto a menos e cada minuto a menos me faz sentir o desespero corromper cada sentido meu.
Uma coisa pela outra. É o que consigo pensar.
Uma coisa pela outra.
Eu quero Jimin vivo. Quero Hoseok bem. Quero nossas memórias. Quero minha família e tudo que vivemos nessa chance. Quero que eles lembrem de mim.
Mas se sempre preciso dar algo em troca, o que pode ser equivalente a tudo isso?
— Jungkook — Jimin me chama, de repente. Eu olho para ele, mas não consigo responder. Meu coração está acelerado demais, bate forte contra o peito. Minhas mãos estão suadas e eu sinto calafrios constantes. — Amor... você está assim há horas.
— Eu não consigo pensar — Finalmente, revelo. Percebo que o pânico alcança até minha voz. — Jimin, meu deus, eu não consigo. É impossível. É impossível...
— Amor... — Ele se aproxima. Me faz sentar na minha cadeira de estudos e, na sequência, se ajoelha em minha frente. — Respira, gracinha. Comigo. Por favor.
Em outras crises, ele me ajudou. Sua respiração conseguiu ditar o ritmo da minha. Dessa vez, no entanto, a cada segundo eu me sinto pior, mais desesperado, acelerado.
Minha respiração se torna ruidosa, rápida e incompleta. Não consigo encher meus pulmões, que parecem pesados demais, e as batidas de meu coração ecoam em meus ouvidos.
— Eu vou pegar um pouco de água para você. Talvez um chá? — Numa tentativa desesperada, Jimin fica de pé. Me toca o rosto, com a angústia que não deixou seus olhos sequer por um momento nos últimos dias, e repete: — Vou pegar alguma coisa para te acalmar. Eu já volto.
E ele vai, na casa já silenciosa e escura sob o sono de minha mãe e meu irmão.
Jimin vai, mas não volta.
Em desespero quando tempo demais parece ter se passado e eu sinto que algo muito errado, ainda mais errado, está acontecendo, me forço a ficar de pé. Eu sigo à cozinha que, através do arco, ilumina fracamente o corredor e a sala.
Quando a ela chego, vejo o copo sobre o balcão, sem água. A luz parece falhar, tremeluzindo no teto em oscilações espaçadas, quando se apaga por milésimos de segundo antes de permanecer acesa novamente.
Eu vejo tudo isso, mas nada é processado por minha mente.
Porque a única coisa que verdadeiramente me afeta é a visão de Jimin caído no chão, sem força, respirando com dificuldade.
— Ji — Eu me apresso, em alerta imediato. — Jimin...
Ele não me olha. A respiração é tão ruidosa quanto a minha e seu corpo todo reage à forma como ele tenta puxar o ar numa última lufada antes de fechar os olhos e se desfazer num soluço que faz escapar um pouco de saliva quando sua boca se abre e seus olhos se fecham.
— Minhas pernas... Jungkook... eu não estou sentindo minhas pernas...
Minhas lágrimas nascem de imediato. Jimin continua repetindo que não sente as pernas, desespero crescente a cada sílaba, seu choro ganhando força a cada vez que ele bate nas próprias coxas, tentando despertá-las.
— Jimin — Eu peço, imploro, segurando as mãos dele para que pare de se golpear assim. Ele tenta se livrar de meu toque, mas eu o seguro com mais força, enquanto se debate e me empurra, até abraçá-lo inteiro.
Jimin treme. Jimin chora, cada vez mais alto.
— Por que isso está acontecendo comigo?!
Eu olho para o relógio. É perto de meia-noite. O dia dois não está longe. O fim definitivo, também não.
Nada digo, nada consigo dizer. Jimin estremece com um novo soluço.
— Eu estou com medo... amor...
Eu quero dizer que vai ficar tudo bem, mas me vejo cada vez mais mentiroso. Cada vez mais incapaz de cumprir as promessas que fiz.
Então tudo que posso dizer é a verdade.
— Eu também, Jimin. Eu também estou com muito medo.
As mãos dele me seguram, o choro continua, sempre intenso. E, de repente, faz uma negativa, os olhos inchados mirados em mim quando percebe:
— Nós não vamos conseguir, não é?
Tudo indica que não, não vamos. Mas eu ainda não consigo aceitar. Eu não posso aceitar.
Uma coisa pela outra.
— Eu ainda não desisti. — É o que digo, segurando-o perto. — Eu disse. Até o último segundo, não vou desistir.
Jimin toca meu rosto com as duas mãos, em desespero. Os lábios estão úmidos por saliva e lágrimas, inchados como seus olhos, quando se abrem para que ele me diga:
— Eu não quero que você esqueça que eu te amo. Nunca. Jungkook, não esqueça, por favor. Se eu partir... quando eu partir...
— Não.
— Jungkook... gracinha. Meu amor, eu juro — É choro, cada vez mais forte. — Dói tanto. Dói muito. Mas eu juro que meu amor por você é maior. Até o fim, amor acima da dor. Não esqueça.
— Cale a boca! Ainda não acabou.
Não acabou.
Uma. coisa. pela. outra.
Não acabou.
— Venha — Eu digo, ainda com coração e pensamentos disparados. Seguro o corpo de Jimin contra o meu, carregando-o quando fico de pé e nos trago de volta ao quarto.
Eu o deixo na cama. Ele me segura antes que sequer exista a possibilidade de me afastar.
— Fica comigo. Fica aqui perto, por favor. Não me deixa sozinho.
Eu balanço a cabeça numa concordância desesperada. Rapidamente, encaixo nossos corpos na cama de solteiro, a mesma que nunca quis dividir com alguém e que agora sei que vai parecer vazia demais se Jimin não estiver aqui comigo.
Amar Jimin mudou coisas dentro de mim. E não há sequer uma delas que eu desaprove.
Tudo que em mim mudou, ou despertou, eu amo tanto quanto amo o homem que tenho em meus braços.
Amar e ser amado por Jimin é assim. É cor em nosso preto e branco.
E ele não para de repetir que me ama. Não me solta, agarrado a mim como se quisesse estar exatamente desse jeito até o último instante de seu último suspiro.
Enquanto isso, eu me machuco cada vez mais, ainda tão distante da solução.
Mas eu daria tudo. Para preservar o que temos nessa chance, eu daria absolutamente tudo que puder dar. Mas sequer minha vida é suficiente para pagar o que quero.
O silêncio do quarto ganha espaço e tempo. Se arrasta por instantes que, repentinamente, são interrompidos pela vibração de meu celular.
Com cuidado, eu alcanço o telefone, já sem esperança quando vejo que é Yoongi quem liga.
É medo, que sinto. Medo de que algo pior tenha acontecido com Hoseok.
— Jungkook — Assim que atendo, permaneço em silêncio; ele, se acelera em me chamar.
— Cadê Hoseok?
— Comigo. Dormindo. — Ele se apressa e, sem demora, diz: — Jungkook... algo equivalente.
— Eu sei.
— Algo equivalente à chance de seguirmos a linha do tempo que estamos vivendo nessa chance, com Hoseok e Jimin vivos.
— Sim, Yoongi. — Diferente dele, que parece ter um fio de esperança na voz, eu me sinto completamente derrotado. — Eu não tenho como dar o equivalente a isso. Sequer minha vida chega perto de cobrir o preço.
— Sua vida, não. Não estou falando de sua vida.
Então ele está falando de algo já pensado. Ele já descobriu uma solução.
— Você tem algo maior, Jungkook.
Algo maior que minha própria vida. Algo que pode equivaler a tudo que quero.
Algo que vai preservar tudo que aconteceu nessa chance.
Uma coisa pela outra.
Meu deus.
Eu tenho.
Meus olhos se arregalam e meu peito se acelera ainda mais, quando minha mente se alinha à de Yoongi.
— Vai funcionar? — Questiono, com uma nova e intensa dose de esperança.
— Talvez. É possível. É muito possível.
Eu olho para Jimin, ainda agarrado em meu corpo mesmo durante o sono. Parece ter dormido depois de chorar à exaustão, mas sequer assim é capaz de me soltar.
Ele me pediu para ficar. Mas eu preciso ir.
Preciso quebrar essa promessa para cumprir todas as outras.
Com dificuldade e cuidado para não acordá-lo, eu me desvencilho de seu abraço e fico de pé. Me ajoelho ao lado da cama e olho o rosto bonito, adormecido, mas ainda marcado por toda a dor do dia de hoje.
— Yoongi?
— Vai tentar?
— Vou. Mas preciso que você faça uma coisa.
— Qualquer coisa. O que?
— Termine a música. A música que eu fiz para Jimin. Se algo der errado... mostra a música para ele. Eu quero que ele ouça.
— Não vai dar errado, Jungkook.
— Se. Prometa que vai fazer isso.
— Prometo.
— Obrigado.
— Filhote?
— Sim?
Ele nada diz, por algum tempo. Ao fim, confessa:
— Você é meu primeiro amigo de verdade. Salve Jimin e Hoseok, mas fique bem também. Quero todos nós juntos.
Eu sorrio, com o celular contra a orelha, olhos em Jimin.
Minha vida, de fato, é muito pouco para o que estou pedindo ao universo. Então não é ela que será dada como moeda de troca.
Eu vou ficar bem. Estou indo, mas irei voltar.
— Preciso ir, Yoongi. — É o que digo.
— Boa sorte.
Eu dou fim à ligação. Deixo o celular na mesa de cabeceira e perco mais alguns instantes olhando para Jimin.
Toco o rosto do destino que escolhi para mim, antes de me aproximar para deixar um beijo na testa exposta.
— Você sempre vai ser meu frango frito. Você é o amor da minha vida.
Ainda adormecido, ele não ouve o que digo. Mas, um dia, espero poder dizer novamente, repetidamente.
Finalmente, me afasto.
Sigo à minha mesa de estudos e, sem me sentar, pego uma de minhas canetas. Com a ponta posicionada em uma página em branco de meu caderno, escrevo um lembrete direto para mim.
99.
E escrevo um recado para meu Jimin.
Por você.
Eu arranco o pedaço com a mensagem que escrevi para ele e o deixo ao lado da cama. Mais uma vez olhando-o, eu me encho de coragem para fazer o que parece ser a única saída e, com cuidado, saio do quarto depois de pegar a chave de seu carro.
Sem me preocupar em me agasalhar melhor, eu paro diante da porta de casa e calço minhas botas, desejando sair sem ser visto por qualquer um. No entanto, assim que me viro para pegar o capacete e as chaves de Belinda sobre o móvel da entrada, vejo que não estou sozinho.
Ele está ali, no escuro. De pé, a alguns metros, com a feição confusa.
Junghee.
— Pra onde você vai a essa hora, hyung?
Eu umedeço os lábios. Meu coração pesa ao ver meu irmão assim, sonolento, mas preocupado.
— Preciso resolver uma coisa, moleque.
— Agora? Hyung, já é madrugada... E você nem está agasalhado o suficiente. Desse jeito vai congelar...
— Não preciso de mais agasalhos, Junghee. Preciso mesmo ir.
— Não... deixa eu pegar um casaco pra você...
Eu vejo meu irmão se virar para ir até meu quarto, mas não posso esperar que ele volte. Então logo pego meu capacete, as chaves de Bee, e abro a porta.
Dou um passo para fora. Meus ossos doem de imediato com o frio que sinto.
— Hyung! — Junghee chama, ao perceber, mas eu não espero. Continuo andando até Belinda, mas paro quando sinto a mão de meu irmão segurar meu braço.
— Junghee, vá para dentro.
— Por que? — Agora, ele parece ainda mais preocupado. — Por que você não pode nem esperar que eu pegue um casaco? E por que você tem algo pra resolver agora?!
Eu gostaria de poder explicar. Gostaria mesmo, mas não posso.
Por isso, deixo o capacete sobre o assento de Bee e a chave na ignição, mas logo me viro para segurar Junghee pelo braço e guiá-lo de volta para dentro, coisa que ele não faz voluntariamente, tentando resistir.
— Jungkook. — Então ele chama, sério, os olhos grandes corrompidos por medo. — O que você vai fazer?!
Eu respiro fundo, impedindo-o quando ele tenta correr para o lado de fora mais uma vez, provavelmente para pegar a chave de Bee e me impedir de ir.
— Me solta, hyung!
— Shh. — Peço, me controlando até o último instante para não desmoronar mais uma vez. Não na frente dele. Junghee não merece, sei que ele vai sofrer e se desesperar ainda mais. — Não é nada, moleque. Volte a dormir.
— Não. — Ele nega, balançando a cabeça num gesto desesperado. — Você está muito esquisito. Eu não vou deixar você sair!
Eu o empurro um pouco mais para dentro, enquanto ele ainda tenta fugir de casa para me impedir de ir.
— Você não vai! — E repete, com a voz oscilando entre raiva e medo. — Fica em casa, hyung. Por favor. Por mim.
Isso é por você, Junghee. Por você, nossa mãe, por Jimin. Por vocês.
— Escuta. — Eu preciso de algum esforço para contê-lo, quando meu irmão se debate para se soltar. — Junghee, me escuta.
— Não. Eu não quero escutar nada, só depois que você entrar e ficar em casa com a gente!
Eu fecho os olhos com força. E, ao invés de continuar tentando controlá-lo, puxo meu irmão para um abraço sincero.
Sua cabeça ainda fica na altura de meu peito e eu quero ver quanto ele ainda vai crescer. Quero que ele o faça, feliz, e viva assim por muito tempo.
Mas quero também que ele nunca mais esqueça de uma coisa.
— Moleque.
— Hyung, por favor... — A essa altura, ele já percebeu que não vai me fazer mudar de ideia. E ele sequer entende, mas sabe que algo está muito errado.
— Junghee, eu preciso que você lembre do que eu vou te dizer agora. — Insisto, segurando meu irmão no abraço que não quebro.
Dessa vez, ele nada diz, mas eu percebo que está começando a chorar.
Então, eu digo:
— Eu sei que eu não fui um bom irmão nos últimos três anos e eu sei que fiz você acreditar que não gostava de você. Mas nunca mais pense assim. Eu te amo do dia um até o dia final. Eu sempre te amei, sempre vou te amar e você sempre vai ser o melhor presente que nossos pais me deram.
Junghee soluça, antes de se render a um choro sonoro.
— Eu te amo, hyung. Você sempre vai ser o melhor irmão do mundo. Então não vai, por favor, eu tô implorando.
— Eu realmente preciso fazer isso, moleque.
— Eu vou gritar. Eu vou chamar mãe, vou chamar Jimin hyung e eles não vão deixar você sair!
Eu nego, beijando o topo da cabeça do meu irmão antes de ouvir um ofegar surpreso quando eu repentinamente o levanto do chão para deixá-lo de pé, no meio da sala, antes de abrir passadas largas de volta à porta.
Pego a chave do carro de minha mãe, assim como peguei a chave do carro de Jimin para que eles não corram o risco de se acidentar ao me seguir, e pego também a chave de casa que estava encaixada na porta.
Assim que passo para o lado de fora, eu tranco a porta e ouço Junghee tentando abri-la, antes de começar a estapear a madeira e a me chamar. Sem demora, começa a gritar por nossa mãe.
Sem tempo a perder antes que ele a acorde e eles abram a porta com uma das chaves extras, eu monto em Bee, encaixo o capacete e, na madrugada do dia dois de dezembro, faço minha moto cantar alto mais uma vez.
Ela, que esteve comigo por todo esse tempo. Que erroneamente valorizei mais que valorizei minha família. Ela, que esteve comigo no início de todo esse caos e está comigo no que espero ser o fim dele.
Belinda me acompanha em minha tentativa final.
Tudo que eu preciso é encontrar Seon Yeong e perguntar como posso fazer o que pensei, com Yoongi. E Bee me leva até ela.
Belinda, minha Bee, já com suas partes gastas, me leva e leva toda a dor que, finalmente, começa a rasgar o caminho para a superfície.
A dor de cada uma das noventa e oito chances. A dor de perder tudo repetidamente somente para tentar mais uma vez. A dor de ver Jimin partir. Ela rasga o caminho.
Ela rasga minha voz.
Junto ao motor de Belinda, quando acelero cada vez mais, eu grito. Nas ruas vazias de Busan, eu finalmente me entrego a toda a dor que calei até agora. Grito como nunca gritei, sinto a dor como nunca senti.
Acelero mais um pouco. Fecho os olhos para dispersar as lágrimas que tornam minha visão embaçada demais, mas mantenho-os fechados para expulsar o último grito.
Então levanto minhas pálpebras. E vejo.
As ruas vazias de Busan não estão tão vazias. Assim que abro os olhos, um par de faróis e uma buzina alta me recepcionam no caminho e Bee é lançada para fora da pista quando tento evitar a colisão.
Eu ouço o som de Belinda derrapando antes de se chocar contra um poste. Quando sou lançado para fora dela e minha cabeça atinge o chão, ouço também outra coisa.
Ouço a voz sem som. A minha própria voz.
De tudo que me diz, apenas três letras ecoam em minha mente.
Cem.
Mas eu não me desespero. Com a dor que lateja e se espalha por todo meu corpo, com a tontura imediata e a visão se tornando escura, eu não me desespero.
E, antes de ceder completamente à escuridão, antes de perder completamente meus sentidos, eu sei.
Sem novos vinte e uns de outubro.
A chance de número cem começa, mas ela não é como as outras. Ela será como quero. Como estou pagando para que seja.
Eu finalmente consegui.
↬ Continua no próximo capítulo.
Eu to ansiosa pra saber como foi a leitura desse capítulo, porque pra escrever o fio da gota foi brabo
Como vocês estão? <3
O tempo acabou, mas ainda tinha uma tolerânciazinha ali pro jk pensar no que fazer. E nosso gêniozinho da matemática pensou. Agora resta ver as consequências :x meus nenês estão nervosos?
E ah! Sim, ele finalmente perdoou o Jimin. Porque bora lá, né, é compreensível que o JK fique muito afetado com a descoberta, mas pensando racionalmente: não é culpa do Ji de maneira alguma. E ele finalmente percebeu isso!
Mas entenderam pq eu disse muito tempo atrás que entender o trauma do Ji com o próprio pai era importante pra entender as atitudes dele? Não só as atitudes em relação ao JK, mas tb a esse evento isolado que fez o coitado se culpar por tanto tempo!
Esse capítulo foi o que mais teve respostas! As coisas ficaram mais compreensíveis na cabecinha de vocês?
Ainda restam algumas poucas pontas soltas pros próximos capítulos, mas acho que o geral foi explicado!
Falando em próximos capítulos ): CC tá cada vez mais perto do fim. Em 7 ou 8 capítulos nos despedimos dela ):
Mas vamos falar de coisa boa! Por exemplo, como somos fãs de um grupo #1 na Billboard Hot100! É orgulho que não cabe meu deus!!!!
E por hoje é só. Pra teoria da vez: qual o preço que vocês acham que o JK pagou para ter a chance cem do jeito que ele queria? O que ele tem a ser oferecido em troca de tantas coisas?? Beijo, até o próximo ou até a #BelindaEPandora <3
teorias
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro