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Eita saudade! Bora de mais Cem chances na quarentena?
🔮
Pandora é um carro bonito. Eu gosto da cor amarela, das curvas suaves da lataria e do conforto dos bancos.
À primeira vista, eu achei que não combinava com Jimin. Hoje, facilmente associo sua imagem ao corpo tatuado sentado no banco do motorista, com o teto de vinil recolhido e o vento jogando seus cabelos escuros para todos os lados enquanto, por trás das lentes dos óculos de sol, seus olhos se atentam ao caminho seguido por cada rua cortada pelo som do motor potente.
Bee, coitada. Já veio semi-nova, com o motor quatro tempos desgastado, potência máxima de 7500 rpm, partida mecânica.
Eu amo Belinda. Me levou um puta esforço para conseguir pagar por ela e eu não sou capaz de menosprezá-la por sua ficha técnica não ter as mesmas especificações de desempenho que um carro como Pandora, porque seria como menosprezar cada sacrifício que fiz para comprá-la.
Ainda assim, preciso reconhecer que, mecânica e fisicamente, ela é incapaz de vencer uma corrida contra o carro de Jimin. Ela tem limitação muito aquém à limitação de um conversível potente como esse.
Por isso, hoje, parece que a corrida que apostei com Jimin no início de tudo isso parece um sonho louco.
Eu estava tão cego de ódio? Tão domado pelo sentimento injustificável que sequer fui capaz de decidir racionalmente por não entrar numa disputa que já estava perdida?
É estranho olhar para trás. Diante de toda a repetição do dia 21 de outubro e da intensidade dos acontecimentos que sucederam o acidente apagado da memória de todos, eu percebo que parece ter se passado uma eternidade desde então. Se não essa, que outra sensação eu teria ao, menos de um mês depois, ver toda a situação inicial revertida e transformada na atual?
Que outra sensação eu teria ao, depois de tanto odiar Jimin e estender esse ódio até mesmo a algo inanimado, como seu carro, me ver saindo de casa em companhia de meu irmão para irmos para a aula com ele?
— Você até botou a jaqueta bonita ao invés daqueles moletons velhos — Junghee diz quando atravessamos o pequeno jardim, até Pandora. — Tá querendo ficar bonito pra Jimin hyung, né?
Eu olho para a jaqueta de couro antes de segurar a nuca desse moleque e apertá-la para que ele ande mais rápido, enquanto ele reclama da dor e eu garanto:
— Nada a ver.
Logo à frente, o conversível amarelo já está à nossa espera. Jimin está no banco do motorista, com os óculos repousados no topo de sua cabeça prendendo as mechas escuras para trás e os olhos pousados em mim enquanto me observa cada vez mais próximo.
A cada passo que dou, seu sorriso pequeno se mantém e intensifica a sensação de nervosismo no fundo do meu peito.
Em simultâneo, minha mente dispara um mantra: eu beijei Jimin. Eu beijei Jimin. Eu beijei Jimin.
Eu beijei Jimin e quero continuar beijando.
Tomado pelo nervosismo, eu pego Junghee de surpresa quando paramos diante de Pandora e, apenas para adiar o cumprimento que devo direcionar a Jimin, agarro a gola da camisa de meu irmão, seguro suas pernas e, erguendo-o enquanto ele ofega pelo susto, jogo o corpo magricela no banco de trás do carro.
— Hyung! — Ele grita, todo desmontado sobre o assento.
Sem dar atenção à sua reclamação, eu passo minhas pernas por cima da porta da frente e sento no banco do carona com o corpo todo rígido, virado para a frente quando deixo minha mochila nos pés.
Ainda evitando olhar para o lado, como se isso pudesse apagar a presença de Jimin no banco do motorista, eu ouço sua risada.
Cacete de risada gostosa.
— Bom dia, gracinha. — Ele diz, sem se ofender por minha reação diante de nosso reencontro.
— Bom dia. — É o que digo, ainda evitando olhá-lo quando me recosto no banco em busca de mais conforto, mas sigo completamente tenso.
— Viu que ele botou a jaqueta bonita, Jimin hyung? — Do banco de trás, Junghee comenta com o óbvio propósito de se vingar. — Se arrumou todo pra você.
— Eu vi. — Jimin ri, permitindo que sua voz se misture ao som do motor de Pandora quando ele gira a chave na ignição. — Ficou lindo.
Eu me encolho ainda mais no banco, abraço meu próprio corpo e arrasto minha bunda sobre o assento como se desejasse ser engolido para sumir daqui.
Lá do banco de trás, Junghee não se aguenta na própria risada. Ao meu lado, Jimin não obtém resultado melhor em retomar a seriedade.
— Anda logo. — É tudo que consigo dizer, usando minha facilidade em soar grosseiro para encobrir a vergonha.
— Gracinha? — Aí, Jimin chama, ainda sem dar partida no carro.
Eu fecho os olhos, respiro fundo, tento virar o rosto ainda mais para o lado oposto, mas mudo de ideia no meio do caminho e finalmente dirijo meu olhar para ele.
Não deveria.
— Você está lindo. Você é lindo todo dia, Jungkook.
Eu travo meu maxilar, incapaz de encontrar a melhor reação — assim me contento em esboçar nenhuma, enquanto, parecendo ávido por me desestruturar de vez, Jimin pisca um olho para mim num trejeito divertido.
Só então satisfeito em me fazer enfrentar a primeira sobrecarga de nervosismo do dia, ele passa a marcha, desliza a mão sobre o volante e começa a dirigir pela rua.
Até a chegada diante da Haeundae, ele e meu irmão me poupam de novos desejos incontroláveis de desaparecer. Quando o carro para em frente à escola, por outro lado, Junghee se posiciona no centro do banco traseiro e se inclina para a frente, com as mãos segurando meu banco e o de Jimin.
— Posso perguntar uma coisa antes de ir? — E lá vem.
— Claro, Junghee-ssi — Jimin responde com o inconfundível tom leve e divertido, virando no próprio assento para poder olhar para o caçula. — O que foi?
Com um sorriso bandido, o safado afasta uma das mãos, pega o celular e posiciona o aparelho entre Jimin e eu, exibindo a tela para nós dois de uma só vez. Por fim, dá um toque no centro do telefone para iniciar um vídeo que me faz perder a cor em menos de dois segundos.
É um vídeo do beijo que eu dei em Jimin, na frente de casa.
Eu sabia que tinha sido intenso, mas não tanto assim. Parece que minha vida dependia de beijá-lo.
Desesperadamente, tento tomar o celular da mão de Junghee, mas ele esquiva mais rápido.
— Que merda é essa, Junghee?! — Eu pergunto, ouvindo os grunhidos emocionados e gravados que ele tentou e falhou em conter enquanto filmava através da janela.
Eu sabia que ele estava fazendo coisa errada naquela hora.
— Eu posso mandar o vídeo pro Tae? — Ignorando meu questionamento atordoado, Junghee faz o seu. — Por favor?
— Claro que não! Apaga essa merda agora!
— Não vou apagar, não. — Ele garante, encolhido no canto do banco quando eu tento alcançá-lo daqui. — Mas eu não quero que você fique bravo, então não vou mostrar pra ninguém.
— Não era nem pra ter filmado, moleque!
— Na verdade... — Jimin vem com esse tom condescendente e desconfiado. — Manda o vídeo para mim, Junghee?
Meu irmão mais novo gargalha, mas logo a risada é encoberta por um grito nervoso quando eu quase consigo segurá-lo pela blusa e ele se desvencilha rápido, pulando para fora do carro, tão desajeitado que cai todo estabanado no chão. Ainda assim, ele ri.
— Obrigado pela carona, Jimin hyung. Pode deixar que eu mando o vídeo!
Ainda fervendo de raiva, eu abro a porta para correr atrás de Junghee, mas meu corpo volta para o assento como um boomerang assim que eu tento fazê-lo sem desafivelar o cinto de segurança.
Ao meu lado, diante da cena humilhante, Jimin gargalha intensamente.
— Fecha a porta, gracinha — Ele pede, tão sorrateiramente que demoro para perceber o momento em que sua mão direita se apoia na lateral do meu banco. Em seguida, se arrasta até tocar minha coxa, apertando-a carinhosamente sobre o jeans. — Não quero me atrasar.
Como atraídos por magnetismo, meus olhos recaem na imagem do toque de Jimin em minha perna, com o polegar miúdo deslizando hesitantemente num carinho que parece até tentar passar despercebido.
— Eu também quero fazer uma pergunta, Jungkook... — Antes que eu diga qualquer coisa ou sequer volte a fechar a porta do carro, Jimin revela.
Eu aperto meus lábios, subindo minha atenção até encontrar seus olhos no meio do caminho, que me observam com paciência e um tanto de expectativa.
— Sobre ontem, — Ele começa, sem esperar uma confirmação verbal. — está tudo bem? Você se arrependeu de ter me beijado ou...? Sabe, acha que foi coisa de uma vez só?
Isso é desconfortável.
A resposta é muito óbvia em minha mente, mas ainda existe esse gargalo natural em minha fala que me impede de dizer tudo que sinto com tanta facilidade. Pelo embaraço da situação, é natural que essa sensação intensifique, mas eu faço o melhor que posso.
— Eu te chamei para um encontro, não chamei? — É o que respondo, finalmente puxando a porta para fechá-la.
— Eu sei. Mas eu ainda não consigo acreditar que o dia de ontem realmente aconteceu, porque foi muito bom. Foi muito bom mesmo, Jungkook...
Meu corpo se remexe em breve agonia, meu olhar se desvencilha do seu e recai novamente em sua mão ainda em minha perna. Movido por um desejo estranho de tocá-lo, eu cutuco o seu dedo mindinho antes de segurá-lo e puxá-lo um pouco, como se para alongá-lo.
É muito pequeno, santo deus.
— Então o encontro está de pé? — Diante da minha desajeitada ausência de resposta, ele questiona. — Você quer mesmo sair comigo?
Minha cabeça se move uma vez para baixo, em uma meia confirmação que não representa o meu sim completo.
Para não deixar dúvidas, ainda brincando com seu dedo menor e ainda evitando seu olhar, digo em voz alta:
— Quero.
A mão de Jimin aperta minha coxa mais uma vez à medida que percebo como estou conhecendo-o melhor. A essa altura, já decifrei vários dos seus sorrisos e, mesmo sem olhar, sei exatamente o tipo de sorriso que ele está mostrando agora.
Da mesma forma, ainda há muito desse cara que eu não fui capaz de desvendar. Muito. E é natural, então, que eu não consiga antecipar várias de suas ações. E, de fato, não antecipo o tom arrastado, suave e necessitado de sua voz quando me chama:
— Vem cá, gracinha...
Minha respiração parece ganhar peso extra a cada vez que inspiro e expiro, tomado pelo nervosismo também crescente quando devolvo meu olhar ao rosto de Jimin, encontrando-o com essa expressão intensa, os olhos ansiosos por mim, a língua fazendo breve aparição quando desliza entre os lábios, umedecendo-os.
— Vem — Mais uma vez, ele chama. O toque em minha perna ganha firmeza, mas a voz continua suave, como uma armadilha para a qual sou atraído quando, incapaz de resistir, inclino meu corpo na direção do seu.
Outra mão de Jimin toca meu rosto, segurando-o pelo queixo antes de me puxar um tanto mais até pressionar sua boca na minha em um selar demorado, seguido por um sorriso seu e finalizado por outros dois selinhos rápidos.
— Nós ainda estamos na frente da escola de Junghee — Relembro, ainda que o pátio frontal esteja vazio. Não quero cometer o mesmo deslize que cometemos em frente à minha casa.
Ainda segurando meu rosto pelo queixo, Jimin deixa uma risada preencher o espaço quase inexistente entre nossas bocas, antes de virar minha cabeça com cuidado até me deixar um beijo na bochecha.
Sua mão solta meu rosto, com cuidado. A outra, deixa minha perna. Ainda vergonhosamente afetado, volto a arrumar minha postura sobre o banco quando ele gira a chave para ligar o carro novamente.
— Eu ainda não acredito que finalmente chegou o momento em que posso te dar um beijo de bom dia — Jimin diz, já com os olhos, por trás dos óculos escuros, atentos à pista.
Os meus, por sua vez, rolam em tédio ao perceber o que até então não tinha notado.
— Eu não acredito é que você colocou esse chaveiro na chave do carro — Digo, percebendo a pelúcia de coelho pendendo atrás do volante.
— Foi o primeiro presente que você me deu, Jungkook-ssi. — Ele poderia dizer com tom de diversão. Apesar da leveza, no entanto, fala sério. Mais uma vez, evidencia o quanto o presente bobo e barato realmente é valorizado. — É claro que vou exibir o máximo possível.
— Não tem nada a ver com Pandora. — Ainda assim, aponto. — Não combina.
— Não? Então vou trocar de carro.
É impossível impedir a risada que vem diante da naturalidade com a qual ele pondera, e não demoro para ver o pequeno sorriso no canto dos lábios cheios de Jimin.
Com uma mão continuamente no volante, ele afasta a outra momentaneamente para deslizar os dedos pelos cabelos, logo retornando-a à direção do carro. E, sempre olhando para a frente, me diz:
— Sua risada é a minha favorita, Jungkook.
— A minha? — Questiono, pouco crédulo.
— A sua. Na verdade, — ele muda a marcha ao fazer a curva para pegar uma subida suave. — tudo em você está na minha lista de coisas favoritas. Sua risada. Seu beijo. Seu jeito... Tudo, gracinha.
Ele sequer pode me olhar enquanto dirige. Ainda assim, a vergonha e a falta de jeito me fazem desviar o olhar enquanto tropeço nas palavras, até conseguir dizer:
— Não são nem oito da manhã, Jimin. Vai com calma.
Ao meu lado, ele gargalha sinceramente. E, em absoluta recíproca à sua última revelação, reasseguro que o som de uma gargalhada sincera de Jimin é um dos pequenos prazeres que descobri em meio a toda essa desordem.
Ainda refém de minha inabilidade social, me leva tempo demais, ele até mesmo já amenizou o riso até se desfazer completamente do som bem humorado, quando digo:
— Eu também gosto da sua risada, Jimin.
Ele não me olha, sequer diz algo. Mas de todos os sorrisos que ele já sorriu por mim, esse é o mais bonito.
— Que músicas você gosta de ouvir, Jungkook? — Já estamos a meio caminho da Hangsang quando ele pergunta, parado num sinal vermelho. Lançando uma breve olhadela para mim, ele demonstra todo seu interesse na resposta, antes de voltar sua atenção ao som do carro conectado ao celular. — Eu sou louco por você e nem sei qual sua banda favorita.
— The killers, eu acho. — Respondo, vendo-o deslizar o dedo pela tela em busca de alguma música específica. — Gosto deles.
— De verdade? — Ele me lança mais uma olhadela, junto a um sorriso. — Inesperado, mas perfeitamente compreensível.
Eu apenas confirmo a tempo de vê-lo dando play numa das músicas da banda. Não demoro para reconhecer a faixa, a minha favorita, sob o olhar afiado e divertido de Jimin, que diz:
— Me diga que Read my mind é sua música favorita deles e eu te peço em casamento agora mesmo.
Mais um riso inevitável, dessa vez encobrindo a resposta que provavelmente faria Jimin me arrastar para o altar.
— Vai para o inferno — Ele pragueja, gargalhando junto. — Você é perfeito.
— Lá vem você com essa de novo...
— Você acha que eu estou brincando? — Jimin devolve, voltando a acelerar suavemente quando o sinal muda para o verde.
— Acho que você é emocionado demais. Nós só descobrimos uma música favorita em comum e você já começou com isso de perfeição.
— Que injustiça. Só estou reafirmando. Os motivos eu dou todos os dias quando digo por que gosto tanto de você, gracinha.
— Você não me deu nenhum motivo enquanto me ignorava com tanto empenho, então pode parar com o fingimento de que diz todo dia.
— Jungkook... — Ele chama, com surpresa forçada na voz, antes de rir. — Você sentiu falta de ouvir os meus motivos?
— Não foi isso que eu disse.
— Não? Mas foi o que quis dizer?
Eu reviro os olhos e apoio meu cotovelo na porta do carro para poder sustentar meu queixo enquanto continuo olhando na direção oposta. Ao meu lado, Jimin ri um tanto mais. Novamente, não dá qualquer aviso antes de disparar:
— Eu gosto do seu jeito meio bruto de me segurar quando me beija.
O jeito bruto é só na hora do beijo, pelo visto.
Agora, eu estou todo frouxo, usando minha mão para esconder minha boca enquanto percebo que, de uma escala de zero a dez de vermelhidão, minhas bochechas já chegaram ao onze.
— Mas tem uma coisa que eu gosto ainda mais, Jungkook — Ele continua falando. Eu continuo com o rosto virado. — E parece impossível, porque seu jeito de beijar... meu deus. Não sei como eu poderia gostar de algo ainda mais do que gosto disso, mas... eu gosto.
— Aposto que sei o que é — Eu respondo, sempre evitando olhar para ele, tão baixo que sequer sei se sou escutado.
Mas eu consigo imaginar que tal coisa favorita é essa. Talvez não saiba com detalhes, mas sei a que se refere: qualquer outro aspecto físico que ele ainda não tenha enaltecido.
Pela proporção de seus motivos majoritariamente ligados à minha aparência, é isso que deduzo com tanta certeza.
Mas num mundo em que o conceito de tempo se perde por trás de loopings temporais, velhas parecem ter poderes sobrenaturais e sequências inexplicáveis de acontecimentos se mesclam num compilado só, é presunção demais acreditar que posso ter certeza de qualquer coisa.
Para reforçar essa verdade, Jimin revela depois de breves segundos de hesitação:
— O que eu mais gosto é o seu jeito de se preocupar com as pessoas, Jungkook-ssi.
Verdadeiramente surpreso, é impossível refrear o movimento involuntário de minha cabeça quando esta vira até encontrar a expressão de Jimin, em busca de qualquer traço de diversão. Ainda com os olhos mirados à frente enquanto dirige, no entanto, eu não vejo nada além de sinceridade mesmo quando ele permite o nascimento de um sorriso frágil.
Mas só pode ser brincadeira.
Eu sou a pior pessoa viva nesse universo quando se trata de demonstrar o que sinto. Quando me preocupo, minha aflição se mistura à brusquidão do tom e gestos e a impressão que passo é de estar sentindo raiva.
Jimin é doido. Não existe qualquer outra explicação. Ele é completamente maluco.
Sei lá se nasceu assim ou se ficou descompensado depois de sua morte no acidente.
Não culpo o coitado. É compreensível que, depois de morrer e subitamente renascer lembrando absolutamente nada da própria morte, a pessoa tenha algumas sequelas imprevisíveis.
Mas ele parece muito sério e convencido sobre seu posicionamento, tão convencido que não perde a firmeza suave na voz, ao completar:
— Sabe o que eu falei sobre seus olhos? — Ele pergunta, fazendo a curva que nos leva à avenida da entrada principal da universidade. — Sobre como eles refletem tão fácil tudo que você está sentindo?
— Hm. Sim. — É a única resposta que consigo dar, ansioso por ouvir o que vem a seguir. — E?
— Sim... — Ele repete, sem pressa. — A contradição é... bonita. Eu acho. Seus olhos mostram o quanto você se importa, mas você tão claramente não sabe como agir, talvez se perguntando qual seria a melhor reação. E aí seu jeito de falar parece bravo e você sempre parece frustrado por não saber também o que dizer. — Um sorriso suave interrompe sua confissão, antes que ele finalize: — Mesmo assim, você tenta. E isso é melhor que saber fazer e dizer a coisa certa.
Eu aperto meus lábios, confuso sobre o que responder.
Jimin genuinamente admira algo natural de minha personalidade, algo que eu sempre vi como uma falha irrecuperável.
E a sensação é estranha, de ter alguém confessando que gosta de mim por algo que eu sempre achei que, na verdade, seria o principal motivo para nunca me enxergarem com tanto carinho.
Mas ele está certo. Eu nunca sei como agir, nunca sei o que dizer, e meu tom sempre acaba carregando uma característica incoerente em relação ao que sinto, como quando resolvo falar:
— Você é esquisito mesmo.
Não pela primeira vez, ele não se ofende. Tudo que vem é mais uma de suas risadas sinceras, gostosas, quando estaciona Pandora numa das vagas entre meu departamento e o seu.
Depois de desligar o carro, seu olhar finalmente volta de encontro ao meu e ele vem com a mão pequena até meu peito, tocando-o do lado esquerdo.
— Entenda que seu coração é enorme, Jungkook — E diz, antes de rir quando dá um tapa suave nesse mesmo lugar. — Deve ser por isso que seu peitoral é tão largo assim.
Eu não entendo como Jimin tem tanta facilidade em me arrancar risadas sinceras, mas aqui está mais uma delas.
— Você é ridículo. — Ainda rendido ao riso que ele me provoca, eu digo.
— Ei! — Ele também ri, arrastando sua mão para cima, até meu pescoço, antes de deslizar os dedos por minha nuca. — Você acabou de me ofender. Hora de dizer algo de que gosta em mim.
Eu me abaixo para pegar a mochila em meus pés. A mão de Jimin deixa de me tocar e, arrumando uma alça sobre o ombro, perco segundos de hesitação antes de dizer algo sincero:
— Eu gosto desse seu jeito meio tosco — Dessa vez, eu lembro de tirar o cinto de segurança antes de abrir a porta para descer do carro. De pé do lado de fora, finalizo: — Me faz rir mais que qualquer outra pessoa, Jimin-ssi.
Minhas habilidades de comunicação são deploráveis. De verdade. É vergonhoso.
Para qualquer um, minha declaração poderia soar um tanto zombeteira, apesar de ser dolorosamente verdadeira. Jimin me faz rir como mais ninguém faz, provocando risadas sinceras atrás de risadas sinceras.
— Isso pareceu outra ofensa — Ele diz, com razão, mas também com o próprio riso garantindo que não se ofendeu verdadeiramente. — Mas eu vou aceitar como elogio. Boa aula, gracinha.
Eu empurro a porta para fechá-la. Em seguida, ofereço mais um de meus gestos desajeitados.
— Boa aula. — Digo, recuando lentamente. — Até mais tarde, Jimin.
Deixando-o para trás, eu giro sobre meus pés e sigo até o departamento de matemática, de costas para ele. No entanto, não me afasto tanto antes de ceder ao impulso de lançar mais uma olhada para trás. E, ao fazê-lo, me deparo com Jimin golpeando o ar com um soquinho vitorioso, sem perceber que vejo sua pequena comemoração e logo em seguida me rendo a mais uma risada.
Ele sim é uma gracinha.
Antes que ele me veja, volto meus olhos à frente e subo a curta escadaria do prédio departamental de dois em dois degraus, logo me adiantando pelo corredor em direção ao auditório.
Mas, antes que chegue à metade do caminho, a voz feminina ecoa pelo térreo:
— Jeon!
Facilmente reconhecendo o tom desinibido, eu paro de andar e mais uma vez olho para trás. Agora, meus olhos encontram Sora vindo em minha direção ao lado de Woo-ri.
— Que? — Disparo assim que elas chegam perto o suficiente.
— Quanto mal humor. — Sora diz, junto a esse sorriso meio ácido. — Nem parece que estava no maior romance ali no estacionamento.
Eu estava em paz, parcialmente recuperado de cada segundo de vergonha que senti dentro do carro de Jimin. Agora, todas as sensações parecem se unir para cair sobre meus ombros de uma só vez.
— Fala logo — Eu insisto, embaraçado.
E não é que eu esteja com vergonha por ter sido visto com Jimin, menos ainda por ele ser um cara. A menção da palavra "romance", nesse contexto, seria desesperadora não importa com quem eu fosse visto.
— Sua roupa — Aí, é Woo quem responde, estendendo uma sacola de papel para mim. — Desculpa por não ter devolvido antes. Eu precisei ter cuidado para meus pais não verem.
— Ah. Tranquilo — Respondo, segurando a bolsa de qualquer jeito, quando capturo. — Ficou tudo certo com eles?
— Aham. — Ela sorri, despreocupada. — Meu pai só reclamou de um bando de jovens bêbados que fez bagunça na frente de casa. Nem desconfiou que fui eu que vomitei lá.
— Show de bola.
— E você um show de simpatia — Sora devolve, parecendo conter a própria risada.
— Para — Woo pede junto à expressão suave, mas ainda tímida. — Jeon me ajudou muito, mesmo sem ter obrigação nenhuma.
Sora revira os olhos em falsa impaciência, mas acaba por suspirar e sorrir.
— Fiquei sabendo — Ela confessa, ao fim, e me dá um tapinha orgulhoso no braço, depois passa o seu ao redor do ombro de Woo, abraçando-a. — Valeu, Jeon. Eu estava meio louca de álcool, mas vacilei demais. Devia ter cuidado melhor da minha bebê.
— Pois é. — É a única coisa que eu digo, pouco interessado em ficar relembrando o assunto da festa.
— Mas você vacilou também! — Sora acusa, comprimindo os olhos acastanhados. — Quando levou Woo para casa, deveria ter usado esse tamanho todo para derrubar a porta para que ela entrasse. Eu tive que sair de casa de ressaca, destruída, para levar a chave que ela tinha deixado comigo!
O tom bem humorado é óbvio. Ainda assim, reviro meus olhos antes de voltar a caminhar em direção ao auditório.
— Agora deu o cacete — Resmungo. Sem demora, ouço a risada das duas quando começam a caminhar ao meu lado.
— Enfim! — Sora parece encerrar o assunto e quase me faz gritar de susto quando encaixa seu braço livre ao meu, mantendo o outro envolvendo o pescoço de Woo enquanto seguimos os três juntos. — Vamos lá, matemáticos. Hora de mais uma aula que vai nos fazer questionar nossas escolhas de vida!
Woo parece se divertir com a brincadeira cheia de fundo de verdade e é com um pouco de surpresa que me percebo esboçando um sorriso discreto também. Ainda com a mesma sensação, me espanto ao perceber que, ao chegarmos na sala, elas sentam ao meu lado, prolongando conversas que me despertam pouco interesse, mas me fazem querer rir a cada comentário rebelde de Sora e reação desajeitada de Woo-ri.
Não é desconfortável, dessa vez. Nem mesmo me impacienta, apesar da quantidade medonha de vezes que fiz meus olhos rolarem em tédio fingido.
Woo ainda parece especialmente tímida quando fala diretamente comigo, mas não há, de sua parte ou da parte de nossa colega, investidas infrutíferas para tentar retomar o que aconteceu entre nós dois.
Assim, a companhia das duas passa a ser até bem-vinda, apesar de inesperada.
— Então, — Quando saímos da fila do almoço, cada um carregando a própria bandeja, Sora dispara: — eu posso perguntar, né?
— O que? — Questiono, seguindo ao lado das duas até uma das mesas do restaurante.
E não é que eu esteja alheio à surpresa de ter ainda mais pessoas com quem compartilhar o horário de almoço, mas, a essa altura, o inesperado não me afeta tanto assim.
Menos quando a causa do inesperado é Jimin.
— Você e o dançarino — Sora explica, apoiando a bandeja sobre a mesa antes de deixar a mochila no chão e ocupar uma das cadeiras. — Estão juntos mesmo?
— Sei lá — E o que mais eu poderia responder?
Ela sorri, sem fazer grande caso enquanto usa a unha para rasgar um sachê de pimenta e despejá-lo inteiro sobre a comida.
— Vou confessar que é meio inesperado — Ela diz, usando os hashis para misturar o molho apimentado na porção de lentilhas servida como proteína aos vegetarianos. — Mas que casal da porra, viu?
Eu pisco demoradamente, desajeitado demais quando deixo um sorriso pequeno tomar parte de minha boca antes de enchê-la de comida. Aí, com todos os bons modos que me faltam, esclareço:
— Não somos um casal.
— Ainda. — Um outro alguém diz logo em seguida.
Pelo susto, a comida desce errado pela garganta e eu me engasgo com o arroz, já ciente sobre o dono da voz antes mesmo de olhar em sua direção. Ainda assim, o faço, rapidamente encontrando Jimin de pé ao lado da mesa com um sorriso miúdo no rosto.
— Posso sentar com vocês? — Como se não tivesse chegado perto de provocar minha morte, ele pergunta tranquilamente.
— E quem sou eu para atrapalhar o casal que não é casal? — Sora responde, simultaneamente dando um chute leve em minha perna por baixo da mesa, só para me provocar. — Senta aí.
Em retaliação, eu tento pisar no pé dela, mas é Woo quem tem um sobressalto assustado ao ser a vítima do meu engano.
Opa.
Com a expressão um pouco confusa sobre a cena, Jimin ocupa o lugar ao meu lado, de frente para Woo-ri.
Parece a fórmula perfeita para gerar uma situação desconfortável, mas o universo não me poupa de surpresas. Por isso, logo escuto:
— Tudo bem, Woo? — Jimin pergunta, olhando cuidadosamente para a garota à sua frente.
— Ah... sim — Ela responde, sorrindo com timidez, mas sinceridade também. — Foi só um susto.
Ainda com a expressão confusa pela aparente proximidade entre os dois, o questionamento vem, com breve atraso:
— Woo? — Repito o apelido usado por Jimin. O mesmo que eu uso para chamá-la, mas porque estudamos juntos desde o início do curso. Até onde eu sei, Jimin e Woo-ri nunca conversaram.
Quando isso mudou?
— Woo estava preocupada sobre o que eu pensei depois de descobrir que ela dormiu em sua casa, — Jimin explica com o mesmo sorriso ressentido, talvez pela lembrança da própria reação. — então me explicou o que aconteceu.
Isso foi definitivamente inesperado.
Ela já tinha dito que explicaria para ele, se preciso. Mas eu não sabia que se preocupou tanto a ponto de tentar fazê-lo mesmo sem meu pedido.
— Eu só queria ajudar — Woo diz, logo em seguida. — Espero que não fique chateado...
— Não — Sou rápido em garantir, pouco preocupado em repreender Jimin quando vejo que ele pega as ervilhas que separei de minha comida para não acabar comendo nenhuma delas por engano. No fim, digo simultaneamente para ela, por ter se preocupado, e para ele, por tirar esse horror verde da minha bandeja: — Valeu.
— Isso é fofo — Sora diz, desleixadamente deitando a bochecha na palma da mão. Com a outra, usa os hashis para apontar para Jimin tirando o pimentão de sua comida e colocando-o na minha. — Coisa de casal.
— Ainda não somos um — Jimin repete junto a um sorriso pequeno. E reforça: — Ainda.
Bochechas vermelhas e olhos revirados. Mais um de cada para a contagem do dia.
Surpreendentemente, no entanto, o almoço foi confortável. Por outro lado, acho que eu estava na expectativa da companhia de Yoongi e Hoseok, também.
Eu queria poder dizer para eles o que aconteceu ontem. Sobre finalmente fazer as pazes com Jimin, sobre nosso beijo e sobre a reação de minha mãe depois de me ver aos beijos com outro cara.
Eu sei que não falaria abertamente. O mais provável é que eu agiria como se fizesse pouco caso, deixando os detalhes por conta de Jimin. E ainda que essa exposição certamente pudesse me causar vergonha em intensidades inimagináveis, a ideia de ter algo bom para compartilhar, e ter com quem compartilhar, é surreal.
Talvez, e reconheço bem a possibilidade, ter amigos não seja nada tão emocionante assim.
Mas é, para mim. Porque durante muito tempo, eu não tive nada além de sentimentos dolorosos sobre os quais desabafar, com ninguém ao meu lado para me escutar. Agora, eu tenho pessoas com quem sinto que, nos limites da minha frágil aptidão social, posso compartilhar esses sentimentos. Foi assim que me senti quando Yoongi e Hoseok me ouviram sobre o que estava acontecendo com Jimin e, além de tudo, me presentearam com o inesperado desejo que tinham de conquistar minha amizade.
Mas eu também quero compartilhar o que de bom acontece comigo.
E não é que eu esteja chateado por não estarem aqui e, assim, precisar adiar o momento das revelações. Eu só estou ansioso.
— O piromaníaco disse que está comendo escondido na biblioteca — Eu anuncio quando, já algum tempo depois do fim do almoço, percebo que o não-bruxo enviou uma mensagem justificando sua ausência. — Tem prova amanhã.
Jimin balança a cabeça numa concordância suave. Agora, somos só eu e ele aqui na mesa, diante das bandejas vazias.
Ele, com o queixo preguiçosamente descansando sobre a palma de uma mão enquanto os dedos da outra fazem desenhos invisíveis sobre a mesa. Eu, desocupando minha mão ao bloquear a tela do celular antes de estalar meus dedos apenas por não saber o que mais fazer.
— E Hoseok já foi para casa. — Jimin explica, virando o rosto sobre a mão para poder me olhar melhor. — Me pediu para te avisar, aliás.
— Você já falou para ele?
— Falar o que, gracinha? — Ele questiona, com o tom meio preguiçoso. O queixo sempre apoiado sobre uma mão, enquanto aproxima a outra de meu rosto, deslizando os dedos por minha testa para afastar os fios mais longos cobrindo meus olhos. Depois, desce o toque por minha bochecha até descansar sua mão em meu pescoço, usando apenas o polegar para acariciar a pele tão receptiva a ele.
— Sobre ele já poder convidar Yoongi para um encontro, já que eu... — Eu suspiro, desajeitado por seu carinho suave combinado ao assunto em questão. — Já que eu te convidei para um.
Jimin sorri suavemente. Seus olhos se fecham um tanto mais, já cheios de preguiça e agora recobertos pelas pálpebras que naturalmente se desenham numa linha delicada enquanto as bochechas gordas parecem ganhar ainda mais destaque.
— Eu não sabia se já podia dizer — Ele confessa, sem interromper o carinho em meu pescoço. — Fiquei com medo de te deixar desconfortável.
— Você? — Disparo, apertando meus olhos num gesto que demonstra desconfiança ao mesmo tempo em que expressa meu esforço para conter o riso. — O que você mais faz é me deixar desconfortável de propósito, Jimin-ssi.
— Não, Jungkook-ssi... — Sem pressa, sem desespero, ele nega. Seu toque mais uma vez sobe de volta à minha bochecha, beliscando-a suavemente. — Eu gosto de te deixar vermelho e nervoso. É diferente.
— Me parece a mesma coisa...
— É só que é algo novo, Jungkook. Você já disse que nunca se envolveu com homens antes de mim. E parece que não está sendo um problema para você, mas algumas pessoas têm dificuldades nesse processo de se entender e se aceitar. Então eu não sei se está tudo bem em ser eu a revelar o que está acontecendo. Não quero que você se sinta pressionado.
— Jimin... — Ainda que eu admire seu cuidado, ele parece esquecer de um fator importante: — Eu te vi morrer depois de um acidente que foi apagado da memória de todo mundo. O dia 21 de outubro se repetiu sete vezes. Eu escuto vozes que não existem e sinto dores dilacerantes provocadas por alguma entidade maior que nos quer cumprindo algum objetivo que não entendemos. Essas coisas me fazem sentir pressionado, não a minha vontade de te beijar.
Me deixa nervoso, inegavelmente. Mas não está sendo um problema colossal.
Jimin mal consegue esconder o sorriso, apesar de tentar ao cravar os dentes no lábio inferior.
Num movimento traiçoeiro, com sua mão ainda em meu rosto, ele desliza o polegar até pressioná-lo em minha boca, lançando seu olhar preguiçoso a ela antes de voltar seus olhos aos meus.
— Você quer me beijar agora, gracinha?
Ele continua na mesma posição, letargicamente deitando a própria cabeça na palma da mão como se não estivesse fazendo loucuras com meu peito enquanto me toca, me olha e fala assim.
Nervoso como quase naturalmente me sinto em sua presença, a melhor resposta que consigo dar, no lugar do "sim" que desejo dizer, é:
— Eu estou com gosto de carne na boca.
Jimin pisca lentamente antes de dar uma gargalhada gostosa, apertando meu queixo num gesto carinhoso antes de afastar seu toque. Em seguida, arruma a postura e estica os braços para cima, espreguiçando-se junto a um suspiro carregado.
— Isso me lembra que eu preciso escovar os dentes, trocar de roupa e voltar para a sala de treino. Ficar aqui pensando no quanto eu quero te beijar de novo não vai me garantir uma vaga na academia de dança.
Subitamente expulsando o sono que parecia começar a tomar conta de seu corpo, Jimin pega sua bolsa no chão, pendurando-a no próprio ombro antes de ficar de pé, empilha sua bandeja sobre a minha e coloca as duas no aparador atrás da mesa.
— Que horas acaba a aula de Junghee? — Antes de ir, pergunta.
— Quatro da tarde. — Anuncio, também pegando minha mochila e jogando-a no ombro ao ficar de pé, seguindo ao lado de Jimin para fora do refeitório. — Se o bandido não fugir da escola antes.
Ele ri, ao meu lado, com a mão tocando suavemente as minhas costas para me guiar através das portas do restaurante.
— Certo. Então eu vou treinar até umas... três e meia? Te encontro, nós buscamos Junghee e eu deixo vocês dois na MoonMoon, para pegar a moto. Pode ser?
— Beleza.
Já fora do refeitório, nós dois paramos. Jimin aponta para a direção do seu departamento, me lançando um último olhar de atenção.
— Já vou para lá. E você?
— Biblioteca, eu acho. Sempre fico lá enquanto espero o horário de ir buscar o moleque.
— É? — Jimin inclina o rosto brevemente, fazendo uma análise breve e silenciosa, antes de sugerir: — Não quer vir comigo, então? Você pode descansar num dos colchonetes... ou me ver dançar. O que preferir.
Eu preciso continuar o trabalho de Redes, além de fazê-lo sozinho já que o universo mais uma vez resolveu me punir ao me sortear como dupla de Jinhei, que certamente não vai fazer absolutamente nada de útil para o seminário.
Por outro lado...
— Pode ser — É o que respondo, procrastinando a obrigação do trabalho para qualquer outro momento em que não estiver recebendo um convite de Jimin.
Ele sorri, contente com minha decisão firme disfarçada por trás do tom de tanto-faz.
— Então vem — E chama, esticando sua mão até fazer seu indicador envolver meu mindinho, exatamente como da primeira vez, antes de deslizar sua palma pequena para cobrir a minha e entrelaçar todos os nossos dedos.
Sem resistência de minha parte, acontece.
Nós andamos de mãos dadas pelo campus, em silêncio, seguindo até o prédio dos rodopiadores, onde me aventuro acho que pela terceira vez desde que entrei na universidade.
— Aqui — Ele diz, fazendo a primeira parada em um dos banheiros. Eu preciso escovar os dentes e ele precisa trocar de roupa.
Sem muita cerimônia, eu tiro minha escova de dentes e o creme dental da mochila, apoiando-a sobre o extenso balcão das pias quando vejo Jimin fazer o mesmo com sua bolsa, deslizando o zíper para abri-la e pegar, ali dentro, uma outra blusa e outra calça.
Não preciso fazer muito caso disso, então logo levo a escova à boca, preguiçosamente apoiando a mão livre sobre o granito úmido até que sinto meu corpo retesar inteiro quando, pelo reflexo do espelho, vejo Jimin começar a tirar a própria camisa.
Eu tento não dar muita bola. Sigo com a escovação, mas meus olhos seguem voltando à imagem refletida de Jimin enquanto ele se livra primeiro da blusa grossa de mangas longas, sem pressa ao dobrá-la com cuidado para guardá-la na bolsa. Intervalo durante o qual, não pela primeira vez, eu vejo seu peito, barriga, costas e braços nus, cobertos por nada além da tinta de cada tatuagem que recobre sua pele juntamente a um cordão que envolve seu pescoço e se estende até o peito, onde exibe um pingente delicado em contraste à coloração preta dos desenhos em sua derme.
Não tem pressa ou desconforto em sua calma de voltar a cobrir o corpo com a blusa de tecido mais leve.
Da mesma forma, ele chuta os tênis para fora dos pés, ficando apenas de meias quando quase me provoca um engasgo violento com a espuma em minha boca assim que vejo suas mãos desafivelando o cinto, sem tirá-lo da calça para desabotoá-la e descer o zíper antes de começar a descer o jeans pelas coxas.
Pouco a pouco, as pernas se revelam para mim, com a blusa comprida cobrindo pouco mais que suas nádegas.
Com um bocejo preguiçoso, ele reforça o quanto sequer percebe meus olhos hipnotizados por seu corpo.
Mas eu estou intensa e completamente enfeitiçado pelo relevo da bunda sob o tecido fino de sua camiseta, pelo desenho dos músculos das coxas grossas cobertas pelos contornos de tantas outras tatuagens, assim como suas panturrilhas.
É no momento em que ele guarda a calça jeans na bolsa e pega a calça de ioga que seu olhar distraidamente percebe o meu observando-o pela imagem do espelho. Sem perder tempo, eu viro meu rosto e me abaixo em direção à pia para escovar minha língua e fugir do embaraço de ter sido pego em minha observação devota.
Apesar do costume de me provocar a cada segundo, eu não ouço qualquer comentário de Jimin sobre esse pequeno momento. Nem quando ele veste a calça limpa, nem quando usa os minutos seguintes para escovar os próprios dentes.
— Vamos. — É a primeira coisa que ele diz, uma infinidade de tempo depois, já com a bolsa no ombro e os pés descalços.
Sem saber se isso é pior que ouvir um de seus comentários que me fazem arder em vermelho, eu apenas agarro minha mochila pela alça, tomando a frente para sair do banheiro e voltar ao corredor. Aqui, deixo que Jimin guie nosso caminho até o segundo andar, pelo qual nos leva até uma das salas de treino com uma lista anexada à porta, preenchida com os nomes dos alunos e o horário reservado para cada um.
Assim que abre a porta, Jimin tateia a parede ao lado e aciona todos os interruptores, que logo acendem as luzes para iluminar a sala vazia.
— Pode ficar aqui — Ele diz, puxando um colchonete de um empilhado no canto e posicionando-o próximo à parede, onde pendura sua bolsa num dos vários ganchos livres.
Constrangido demais para falar qualquer coisa, eu aceito sua instrução em silêncio e sento sobre o colchonete enquanto vejo Jimin puxar um outro para arrumar na sequência do meu.
— O que você vai fazer? — Finalmente sou capaz de dizer algo, curioso ao vê-lo sentar sobre o colchão portátil ao invés de iniciar o ensaio, como disse que assim faria.
— Reassistir a última gravação do meu ensaio. — Jimin explica, apoiando as costas contra a parede antes de dobrar as pernas. Por fim, ele segura o próprio celular na horizontal, apoiando-o sobre o joelho quando dá início a algum vídeo.
Mesmo curioso, eu apenas arrumo minha mochila para poder usá-la como travesseiro antes de deitar sobre o colchonete que ele arrumou para mim, apoiando minha cabeça na extremidade oposta à que Jimin ocupa.
Com os olhos mirados no teto branco repleto de luzes, eu apenas ouço a música que vem da gravação em seu celular, distraído demais para antecipar o momento em que o toque de Jimin me alcança novamente, com sua mão segurando meu tornozelo num gesto distraído e suave, continuamente segurando o celular com a outra.
Eu olho em sua direção e, sob o toque carinhoso e inesperado enquanto sua expressão entrega toda a sua concentração em analisar a filmagem, eu vou me sentindo um pouco inquieto.
Quando a inquietação atinge o auge, eu puxo minhas pernas. Consequentemente, encerrando o contato da mão de Jimin em meu tornozelo antes de ficar parcialmente sentado para pegar minha mochila e apoiá-la ao lado das pernas torneadas. Em seguida, mudo a posição de meu corpo para deitar de bruços com minha cabeça, agora, ao lado de seu corpo, com meu queixo apoiado sobre meus braços dobrados.
— Deixa eu ver também. — Só então peço, diante do olhar confuso, mas alegre, de Jimin.
Com um sorriso pequeno, ele abaixa o celular e reseta todo o vídeo. Uma mão segura o telefone; a outra, vem até minha cabeça, acariciando-a quando desliza seus dedos entre meus cabelos.
— Aqui, gracinha — Ele diz, esticando as pernas para a frente e apoiando um pé sobre o outro, com os olhos novamente atentos à tela pequena.
Eu aproveito o carinho gostoso que ele faz em mim, bem como presto atenção genuína no vídeo que registra uma coreografia ensaiada nessa mesma sala.
— Veja — Ele diz, menos de um minuto depois, e volta a filmagem — Bem aqui. Eu continuo errando esse passo. Não está como deveria.
— Parece perfeito, Jimin — Digo, sob influência da minha análise leiga.
— Não para as pessoas que vão me avaliar para decidir se eu mereço disputar uma vaga, ou não. — Ele suspira, voltando o vídeo para o mesmo passo mais uma vez.
Ele parece completamente concentrado, sério sobre a análise da própria coreografia, com a expressão tão intensa e atenta como nunca vi antes.
Jimin leva a dança tão a sério, com uma paixão tão dedicada. É muito bonito.
— Você vai apresentar essa coreografia na audição — Eu começo, assim que o vídeo se encerra. — E no festival da Hangsang?
— Não — Jimin suspira, deixando o celular de lado. Sua outra mão, no entanto, continua fazendo o mesmo carinho em minha cabeça. — O palco do festival é pequeno. Eu vou apresentar uma coreografia mais... compacta.
— Tem vídeo dela também?
— Tem — Ele sorri, olhando para mim quando aponta o queixo para a frente da sala. — Mas eu posso fazer ao vivo para você.
Eu ainda lembro. Da primeira vez que percebi Jimin, enquanto ele dançava. Lembro de ter me sentido hipnotizado, assim como me senti ao vê-lo ensaiar em sua casa. Agora, ao ver o vídeo, mais uma vez me encanto pela forma como seu corpo se movimenta.
Ver Jimin dançar é um prazer incomparável.
— Ok. — Então é isso que digo, percebendo a forma como seu sorriso aumenta antes que ele tome impulso para ficar de pé num pulo, adoravelmente empolgado.
Para poder ver melhor, eu também ergo meu corpo, até sentar, enquanto ele conecta o celular às caixas de som da sala. Antes de ir para o centro, posicionado de frente para o espelho que recobre toda a parede, ele dá início a uma música.
É como mágica. Num piscar de olhos, o corpo de Jimin assume a postura elegante, mas suave, com os pés nus posicionados com a graça e delicadeza de um cisne.
Os primeiros segundos da música são calmos e sutis, numa batida que parece recriar a suavidade dos sons da natureza, com cada mínima alteração sonora sendo seguida pelo corpo de Jimin em sincronia tão perfeita que me faz associar sua existência ao fenômeno natural que precede o som, representado pela música.
Não parece que Jimin ensaiou para dançar sob ela. De tão fluido, bonito e equilibrado, a sensação que ele desperta é a de que a música foi moldada para ele, para cada trejeito gracioso das mãos, braços, tronco e pernas.
É lindo. Em mesma intensidade, é triste.
Cada movimento se assemelha à batalha de um animal delicado lutando contra alguma força que lhe causa medo e dor, como se Jimin personificasse uma história inteira em sua dança.
Os movimentos não são complexos, mas são intensos, domados por sentimento. Sequer parece ensaiado, de tão natural que me soa a história que ele conta ao longo dos três minutos de canção.
Ao fim, a música perde força. O corpo de Jimin se encolhe, enfraquecendo junto a ela, como um animal vencido. Até mesmo a respiração desregulada parece fazer parte do desfecho, não como um elemento de cansaço de Jimin, dançarino, e sim como os últimos suspiros da criatura que ele representa.
Os alto-falantes se calam. A sala é tomada por silêncio em segundos que se prolongam enquanto ele permanece no mesmo lugar antes de lentamente se reerguer e virar para mim, com esse brilho apaixonado nos olhos.
Jimin é apaixonado por sua dança. E acho que eu me apaixonei também.
— Então? — Ele questiona, sorrindo genuinamente enquanto minha mente continua presa aos últimos minutos, completamente enfeitiçada. — Você vem me assistir no dia da apresentação?
— Sim. — Pela primeira vez, a resposta vem fácil, sincera.
Jimin sorri um pouco mais, fazendo um breve movimento de concordância com a cabeça antes de destinar suas passadas calmas de volta ao celular. Mais uma vez, os alto falantes dão voz a mais uma música, a mesma capturada no vídeo de seu ensaio, e não demora para que mais uma vez seu corpo se entregue imediatamente ao instrumental tão distinto do primeiro.
Sem precisar fazer qualquer anúncio, Jimin se entrega a cada passo que dá, preenchendo a sala com seus saltos, giros e expressões.
Seu preto e branco consome todas as cores, convertendo-as em seus próprios tons acinzentados que cativam ainda mais que um arco-íris.
Jimin é intenso. Sempre. Mas quando dança... é incansável.
Ele repete a mesma coreografia vez atrás de vez, dedicando a ela cada gota de seu suor, aperfeiçoando ainda mais o que já nem pode ser descrito somente como perfeito. Ele não se cansa de tentar e acertar, corrigindo as falhas que nunca se tornam aparentes para mim.
E eu não me canso de olhar.
Eu sei que, em algum momento, até peguei meu caderno na mochila. Com a ponta do lápis deslizando sobre uma folha em branco, a calculadora de um lado e o livro aberto do outro, tentei me desvencilhar do feitiço de Jimin sobre minha mente.
Eu falhei. Desesperadora, vergonhosa e miseravelmente.
— Acho que está na hora. — Ele diz, quase duas horas depois de nossa chegada à sala. Tempo durante o qual Jimin se devotou inteiramente à dança e eu, tentando lutar contra, me devotei inteiramente a ele.
Eu checo a hora em meu celular. Não falta muito para Junghee ser liberado da aula, então concordo com a suposição de Jimin e me preparo para fechar o caderno antes de guardá-lo.
— Conseguiu estudar? — Ele pergunta, ofegando sob o esforço ininterrupto ao tirar uma toalha pequena de sua bolsa para secar um único filete de suor escorrendo pela lateral de sua testa.
Eu olho para a folha inicialmente em branco. O topo é preenchido por dados da questão que me propus a resolver, mas o desenvolvimento dos cálculos é interrompido. Da metade para baixo, o preto do grafite marcou o branco da página com três frases soltas, mas conectadas pela mesma fonte de inspiração.
Bonito e completo como a Equação da relatividade.
As cores de seu preto e branco.
Arte, da cabeça aos pés.
São três dos infinitos pensamentos que dispararam em minha mente ao vê-lo dançar repetida e incansavelmente. Três dos pensamentos que registrei para não esquecer e que, só agora, percebo.
Eu já fiz isso antes.
Pensamentos sinceros traduzidos em frases escritas, mais tarde transformadas em versos.
Foi assim que eu escrevi minha primeira e única música, até hoje. A música para meu pai, nunca cantada para ele e para ninguém. Agora, a arte de Jimin resgata a minha, esquecida e sufocada num lugar de minha mente que não ousei visitar por anos.
Finalmente fechando o caderno e colocando-o junto ao livro, respondo sua pergunta:
— Não.
Eu não consegui fazer nada além de pertencer a ele e à sua dança.
Jimin afasta a garrafa de água da boca, usando a língua para capturar uma gotícula que escorre pelo lábio enquanto mantém o olhar atento a mim.
— O que foi, Jungkook-ssi? — Cuidadosamente, ele pergunta, atento à mudança desproposital e indesejada de meu humor.
Não é que eu esteja com raiva. Não. Jimin me ajudou a lembrar que eu posso sentir mais que isso.
Eu estou assustado.
Por que ele tem tantos efeitos sobre mim?
— Ei... — Diante de resposta nenhuma, ele se agacha em minha frente, deslizando a mão sobre minha perna num carinho firme que parece tentar recuperar minha atenção. — Tudo bem?
Por que eu não quero que esses efeitos desapareçam?
— Jimin...
— Sim? — Com os olhos suavemente arregalados num gesto que me dedica sua atenção, ele continua esfregando a mão sobre minha perna estendida enquanto se agacha entre esta e a direta.
Seu toque não parece carregar segundas intenções. Pelo contrário, me passa a sensação de que tenta me confortar de alguma forma. Então não é ele quem me desperta o desejo já descoberto, agora intensificado.
Não é o toque, mas sim tudo que envolve Jimin e tudo que envolve o que ele é capaz de resgatar em mim, que me faz pedir:
— Me beija.
Eu não posso dizer que isso foi previsto. Eu nunca imaginei que pediria isso a alguém, especialmente nunca imaginei que pediria a ele, com toda essa certeza na voz.
Não é estranho, então, que Jimin também pareça surpreso.
Os olhos bonitos se arregalam um tanto mais, assim como um pequeno espaço se abre entre os lábios cheios para os quais entrego minha atenção ao separar meus olhos dos seus até mirá-los na boca.
Ainda num gesto que demonstra sua ausência de expectativas pela chegada desse momento, Jimin desliza a língua em um movimento ansioso.
Mas, apesar do choque inegável, a surpresa não é suficiente para fazê-lo rejeitar meu pedido.
Ele vem, apoiado sobre os próprios joelhos, entre minhas pernas, e inclina o corpo em minha direção. As mãos se espalmam sobre o colchonete, nos espaços imediatamente ao lado de meu quadril, e seu peito se move devagar, dando forma à respiração pesada.
Com o rosto tão próximo, a primeira coisa que ele faz é aproximar ainda mais sua boca. No entanto, me surpreende ao entregar o beijo à ponta do meu nariz.
— Isso não é do seu feitio, Jungkook-ssi — Ele diz, com suavidade na voz e um sorriso pequeno nos lábios. — Tem certeza de que está tudo bem?
— Sim — Minha resposta vem sem hesitação ou resistência, assim como Jimin não resiste ao toque de minha mão em sua nuca, puxando-o para que me beije novamente. Dessa vez, na boca.
Eu me sinto completamente rendido pela sensação, inebriado por ele e pelo desejo de seu beijo. Tão entregue que me falha qualquer planejamento antes de prender os lábios de Jimin entre os meus, perdido na maciez de sua boca capturada pela minha, que mantém seu lábio inferior unido ao superior enquanto sinto ambos sob minha língua, massageando-os intensamente antes de me dedicar somente ao de cima, sugando, sentindo e lambendo o volume irresistível.
Sem me impedir de continuar devotando os toques mais intensos de minha boca alternando entre superior e inferior da sua, Jimin suspira arrastado, subindo uma mão até meu peito, onde agarra o couro da minha jaqueta, pressionando ainda mais forte quando prendo seu lábio entre meus dentes, puxando-o inteiro antes de permitir que escape aos poucos até sua boca pairar diante da minha, sem tocá-la.
— Caralho, Jungkook...
Ainda mais atiçado por sua voz atordoada, minha outra mão viaja até o quadril de Jimin, segurando-o com firmeza antes de puxá-lo para sentar sobre minhas pernas, coisa que ele faz de imediato, logo subindo suas palmas até meu pescoço e pressionando os polegares em meu queixo até forçar minha cabeça a se inclinar mais para trás, expondo-a para a sua, posicionada mais acima.
Não demora para seu dedo subir até meu lábio, pressionando-o suavemente antes de aplicar mais força, puxando-o para baixo antes de empurrar seu polegar para dentro, até tocar a ponta de minha língua, puxando-a até o limite de minha boca quando delicadamente me induz a abri-la um tanto mais.
Logo o dedo se afasta e os lábios se aproximam, mal tocando os meus quando, aproveitando a abertura induzida entre eles, Jimin desliza sua língua sobre a minha, massageando-a lentamente, intensificando o toque de músculo no músculo a cada vez que repete o movimento que me faz refém.
Minha mão já está em sua cintura, agarrando a pele que recobre suas costelas enquanto tento aliviar a sensação de meu próprio corpo ao apertá-lo assim. Mas Jimin parece aprovar a falta de sutileza na forma como aperto e enterro minhas unhas na derme sob a blusa fina, e os efeitos em mim se intensificam.
Minha respiração parece pesar uma tonelada, incapaz de se normalizar mesmo quando a boca de Jimin volta a se afastar da minha e repousa à frente enquanto ele luta para respirar com calma.
Ao lado, uma vibração repentina pouco me afasta do meu estado atual, apenas atraindo a atenção de meus olhos, que recaem sobre a tela de meu celular indicando uma ligação de Junghee.
Eu fecho minhas pálpebras, deitando minha cabeça contra a parede antes de permitir que minha mão escorregue pelo corpo de Jimin até se apoiar em sua coxa, que abraça meu próprio quadril.
— Nós estamos atrasados — E anuncio, quando encontro força para dizer.
A vibração da chamada é interrompida, piscando na tela agora como uma ligação perdida.
— Sim — Ele diz, também atordoado, sem firmeza alguma na voz.
Insatisfação pura toma meu ser quando, sem pressa, ainda afetado, Jimin se apoia sobre os próprios joelhos mais uma vez antes de sair de cima das minhas pernas para sentar ao lado por um instante, tempo que me desperta breve desespero ao confirmar minha desconfiança.
Apressado, sem sutileza alguma, eu puxo minha mochila ao lado até cobrir meu quadril, apertando os olhos com ainda mais força por saber que Jimin não vai demorar para entender.
Eu estou duro.
Por ele.
Para provar que estou certo, não leva muito tempo até que eu escute sua risada suave, ao meu lado.
— Vai pro inferno — Eu praguejo imediatamente, o que potencializa seu riso.
Com um movimento rápido, ele se aproxima até deixar um beijo demorado em minha bochecha. Em seguida, se recosta à parede, com desleixo, ciente de que eu não posso sair daqui no exato momento.
Junghee que espere mais uns minutos.
— Quer água, Jungkook-ssi? — Jimin oferece, segundos depois.
Ainda concentrado, tentando pensar em todo tipo de desestímulo sexual, eu sussurro um "fica quieto" que lhe diverte ainda mais, enquanto eu continuo preso a uma ereção indesejada, mas sem sentir tesão, a essa altura.
Eu só sinto o doloroso embaraço de ter chegado a isso com tão pouco.
— Talvez não seja a melhor hora para perguntar, — Ainda sentado desleixadamente ao meu lado, Jimin começa, com o bom humor sempre por trás de seu tom. — mas... o que você planejou para o nosso encontro? Eu estou surpreendentemente ainda mais ansioso, agora...
— Não planejei nada. — Eu digo, segurando minha mochila no mesmo lugar como se minha vida dependesse disso. A dignidade talvez dependa. — Decida você.
— Você quem me convidou! — Ele rebate, dando um soco suave em meu ombro. — E eu vou estar ocupado com o ensaio para a audição. Você vai ter que assumir essa, gracinha.
— Pelo amor de deus... — A reclamação vem, impaciente. — Depois eu penso nisso, Jimin. Se você não percebeu, eu estou ocupado tentando não morrer de vergonha.
Mais uma gargalhada, tão gostosa quanto seu beijo.
— É natural, Jungkook-ssi. Não precisa de vergonha. — Ele diz, ainda em meio ao riso.
— Sim. E é por ser tão natural que você está se espocando de rir desde que percebeu.
— Eu não estou rindo por você ter ficado duro. Estou rindo da sua reação. É diferente.
Eu apenas balanço a cabeça para os lados, numa situação delicada demais para ter calibre para me meter numa discussão contra sua língua afiada.
Por algum tempo, ele me dá o direito do silêncio desconfortável, mas não demora tanto antes de perguntar novamente:
— Tudo bem aí? — E o faz com o riso se misturando à voz. — Já podemos ir?
Eu tento alimentar a raiva diante de sua risada, mas falho mais uma vez no dia quando me percebo rindo junto em meio ao embaraço, até rolar com meu corpo para o lado e ficar de costas para ele. O que, sem surpresa, aumenta a intensidade de sua gargalhada.
— Anda, Jungkook — Ele chama ao me balançar pelo quadril, mais alguns instantes depois. — Seu irmão está esperando.
Eu suspiro e afasto a mochila impiedosamente pressionada contra minha virilha para checar que, visualmente, já está tudo dentro dos conformes.
Incapaz de esconder o alívio, eu deslizo meu corpo até deitar completamente sobre o colchonete, mas não demora para Jimin dar um tapinha em minha perna antes de ser ele a guardar minhas coisas.
— Junghee. — Ele diz, simplesmente, quando eu suspiro com impaciência e tomo impulso para ficar de pé, sem demora em tomar a mochila já arrumada quando Jimin a entrega para mim.
A última coisa que ele faz é o procedimento padrão de limpeza dos colchonetes antes de empilhá-los sobre os outros, enfiar os pés nos sapatos, pegar a própria bolsa e me acompanhar até a porta, ao lado da qual desliga todas as luzes da sala para me acompanhar pelo corredor, de volta às escadas.
Nada mais é dito até que chegamos ao estacionamento, Jimin joga a bolsa no banco traseiro e ocupa o do motorista, enquanto eu logo me sento ao lado.
— Avise a Junghee que já estamos a caminho — Ele pede, encaixando a chave com o chaveiro de coelho, na ignição. — Ele deve estar preocupado.
Eu suspiro pesado, arrastado, puxando o celular para fora do bolso. Sem demora, digito uma mensagem e envio para o moleque antes de escorregar meu corpo pelo banco e tomar a liberdade de esticar a mão para ligar o som e conectá-lo ao meu celular, para escolher a música.
Apenas uma breve olhadela me é lançada antes que Jimin ria sozinho e me deixe responsável pela trilha sonora.
Deslizando o dedo pela tela, eu passeio por uma sequência ilógica de músicas que vão desde a proposta agressiva do anarcopunk à melodia suave da IU.
— Pode ser Disturbed? — Questiono, antes de selecionar uma das faixas da banda.
— Pode ser o que você quiser, gracinha.
Eu ainda lanço alguns segundos de atenção para ele, vendo-o destinar toda a sua à pista pouco movimentada antes que a introdução pouco sutil de Stricken ganhe volume nos alto-falantes de Pandora, parecendo despertar uma análise curiosa por parte de Jimin, que leva apenas alguns segundos para arquear as sobrancelhas num gesto satisfeito.
— Você gosta? — Eu pergunto, curioso sobre sua reação.
— Não conhecia. Gostei.
Meus olhos voltam à tela do celular, mas sem se atentar a ela. Minha mente se distrai um pouco, arrastada por pensamentos improváveis sob algo tão comum quanto ouvir música.
— Jimin? — Eu chamo, sem olhar em sua direção. Um murmúrio curioso é o que vem em resposta, ao que a pergunta é feita em tom inseguro: — Lembra do que Junghee falou no boliche?
— Ele te expôs bastante, naquele dia. O que exatamente?
— Ele expõe demais, sempre. — Corrijo, ansiosamente girando o celular entre minhas mãos. — Mas é o que ele disse sobre eu ser uma pessoa mais artística antes de... você sabe.
Eu percebo o impulso que ele tem de me olhar, resistindo por um fio, antes de voltar a falar.
— Sim. — Ele diz, permitindo que o tom fique ainda ainda cuidadoso. — Você até escreveu uma música para seu pai, não foi?
— E depois nunca mais. — Relembro, assim como me vem a lembrança do que, de forma tão inesperada, iniciei em meu caderno diante de sua dança apaixonada. Na sequência, questiono: — O que você diria sobre alguém que, todo esse tempo depois, me fez pensar numa nova canção?
Ele parece confuso sobre o questionamento, mas não demora para dizer:
— Acho que seria alguém que você deveria valorizar e manter por perto, não? Se é capaz de te inspirar tanto. Por que?
Eu faço um movimento para os lados, me recusando a dar voz à resposta que ecoa em minha mente quando volto minha atenção à pista.
Porque esse alguém é você, Jimin.
É estranho. Completamente assustador me perceber alimentando sentimentos assim logo por alguém que, por tanto tempo, não me fazia sentir nada além de raiva. É assustador, mas é como Jimin disse.
Ele é alguém que eu devo valorizar e manter por perto.
— Finalmente! — Destoando de meus pensamentos silenciosos, Junghee comemora assim que estacionamos em frente à Haeundae mais uma vez.
Não me surpreende descobrir que ele não está sozinho, mesmo que eu esteja quase vinte minutos atrasado para buscá-lo.
Taehyung está com ele.
— Oi, Jimin-ssi, Jungkook-ssi! — Ele cumprimenta, aproximando-se do carro em companhia de meu irmão, que vai logo colocando a mochila no banco de trás.
Junghee mal conhece Jimin e já está cheio de ousadia, se achando dono do carro.
— Oi, Taehyung. — Jimin cumprimenta, sorrindo gentilmente enquanto eu apenas empurro a mão do moleque-ssi para longe quando ele vem me cutucar. — Por que ainda não foi para casa?
— Não queria deixar Junghee sozinho — Ele responde, exibindo mais um dos sorrisos retangulares. — Vou agora! Acho que meu ônibus passa em uns quinze minutos.
Junghee fica meio inquieto, ainda do lado de fora do carro, parecendo pedir algo com o olhar. Quando percebo e me viro para traduzir o pedido, Jimin é mais rápido ao entender:
— Nada disso. Entra aí. Eu te dou uma carona.
— Não quero incomodar, Jimin-ssi!
Eu suspiro, impaciente, ao me preparar para tirar o cinto de segurança, sair do carro e jogar os dois moleques para dentro, mas Junghee antecipa meu movimento e passa a perna para dentro, puxando o amigo junto.
— Vem logo antes que Jungkook hyung arremesse a gente pra dentro do carro!
Ao meu lado, Jimin gargalha da percepção certeira de meu irmão, que não precisa de muito mais que isso para convencer Taehyung. Ainda assim, ele diz:
— Não precisa mesmo. Mas obrigado, Jimin-ssi.
— Vou só levar Jungkook e Junghee até a MoonMoon e depois você me explica como chegar na sua casa, certo?
Moleque-ssi se empolga todo, ali atrás, e eu olho para ele antes de lançar o olhar para meu irmão, encontrando-o com a expressão mais suave e feliz que aquela apática que eu via em seu rosto diariamente, durante os últimos três anos.
Eu sei que a minha mudança o afetou diretamente, assim como sou ciente de como minha reaproximação também pareceu fazer minha mãe recuperar o sorriso bonito que eu sempre admirei tanto.
E não foi planejado, mas já aconteceu uma vez. Eu ainda não esqueci o sorriso dela, ao me ver na MoonMoon depois de tanto tempo. Por isso, sem pensar tanto se devo sugerir ou não, acabo decidindo pelo sim:
— Nós poderíamos parar para comer alguma coisa na MoonMoon, antes.
Eu percebo a expressão surpresa de Junghee, antes que ele pergunte:
— Sério, hyung?
— Sério. — Com satisfação, consigo responder sinceramente. Diante disso, o sorriso cresce, destacando as rugas que se formam ao redor de seus olhos, exatamente como acontece com os meus quando sorrio assim.
— Então está decidido. — É Jimin quem anuncia, voltando a dirigir em direção ao próximo destino.
— Ok. Mas pode trocar a música? Essa é ruim — Moleque-ssi, com toda sua cara de pau, reclama do banco de trás. Em resposta, eu apenas aumento o volume, o que gera drama suficiente por todo o caminho.
Quando os pneus de Pandora deslizam para o estacionamento de pedregulhos, eu imediatamente respiro aliviado ao ver Bee inteirinha, no mesmo lugar onde a deixei.
— Mãe vai ficar tão feliz! — Junghee quase grita, pulando para fora do carro. E anuncia, antes de se adiantar para o interior da lanchonete: — Vou dizer pra ela que você quem me chamou pra vir!
— Espera, Hee! — Taehyung grita, saltando para fora de Pandora logo em seguida.
Jimin ri da afobação enquanto desliga o motor e o som, muito mais contido ao abrir a porta para descer, com a chave e, consequentemente o chaveiro, pendurados num dos dedos.
Tão sereno, sem saber que foi ele quem me fez descobrir ser capaz de voltar nesse lugar depois de três anos evitando-o.
Com um último suspirar para tentar juntar coragem, eu também desço de Pandora, dando a volta no carro amarelo até encontrar Jimin no meio do caminho.
Ainda parado, ele estende a palma para mim.
— Eu já posso segurar sua mão na frente de sua mãe? — E questiona, junto a um sorriso leve e divertido.
Minha resposta seria iniciada por um revirar de olhos, seguida por meus dedos entrelaçando-se aos seus. No entanto, meu corpo perde completamente qualquer impulso de reagir à pergunta de Jimin quando meus olhos se atentam a algo além.
No outro lado da rua, de frente para o estacionado. De pé, na calçada.
Ela deveria estar na ala psiquiátrica do hospital para o qual levamos Hoseok dias atrás. Mas ela está aqui, nos olhando como se já nos esperasse.
— Jimin... — Eu chamo, apontando meu olhar vidrado na avó de Yoongi. — Lee Seon Yeong está aqui.
A mesma mulher que parece saber mais que todos nós. Que me fez visualizar todas as realidades em que Jimin e eu estamos juntos. Que, mesmo sabendo o que devemos fazer, se recusou a nos encontrar uma segunda vez para nos ajudar.
Ela está aqui.
Subitamente tenso, Jimin assume a frente, caminhando em direção à velha doida que continua parada no mesmo lugar, com o pijama do hospital cobrindo o corpo e os olhos angustiados acompanhando nossas passadas tensas em sua direção.
— Senhora Lee? — Jimin chama, cuidadoso apesar da tensão. — O que a senhora está fazendo aqui? Quer que eu ligue para Yoongi?
Ela nega, sôfrega.
— O que...
— Está errado. — Ela me interrompe.
Eu busco o olhar de Jimin, que parece tão confuso quanto o meu.
— O que está errado, Seon Yeong? — Ele questiona, com muito mais cuidado que eu teria, se o fizesse. — Eu vou ligar para seu neto. A senhora não deveria estar aqui, não é?
— Está errado. — Ela repete. — Um de vocês está cometendo o mesmo erro.
A declaração vem como um soco no estômago. E antes que minha mente se aventure em uma busca por entendimento ou minha voz se altere em um questionamento confuso, ela diz:
— O tempo está acabando. Vocês não vão conseguir.
↬ Continua no próximo capítulo.
Com tanta começão de frango, vocês talvez tenham esquecido do universo colapsando :~
Mas hoje a gente teve frango frito E berinjela do Jungkook dando as caras pela primeira vez 🍆🍆🍆 no mesmo esquema do beijo, se forem falar sobre o jk ficando duro lá na #belindaepandora, por favooooor, censurem falando sobre berinjela pra eu poder interagir com vcs sem dar spoiler pra quem ainda não tiver lido D:
Aproveitando o surgimento da primeira cena assim em cem chances, pergunto: vocês leram os avisos da história? lembram o que eu falei sobre não revelar se será jk bottom, top ou flex? Por favor, tenham isso em mente, tá? eu gostaria mesmo de evitar dor de cabeça por algo como isso :/
Gente, me deu muito dó de deixar essa cena nesse capítulo. Eu lutei demais contra a vontade de acabar tudo na paz e deixar o tombo pro próximo, mas isso inevitavelmente bagunçaria a divisão planejada dos capítulos, então ): a gente que lute
Aliás, eu lutei foi contra a saudade! O que foi isso???? A última att de cem chances foi há duas semanas, o tempo normal, mas parece que passou uma eternidade de lá pra cá?? Vocês também sentiram isso?
Só espero que o wattpad esteja ok hoje e todo mundo consiga ler sem problema, pra gente matar a saudade!
Aproveitando a chance, entre a última atualização e essa, eu comecei uma shortfic nova. Chama "O beijo de libra" e ela já tem 8 capítulos, mas 2 e será finalizada. É um clichê colegial bem gostosinho e fica aqui o convite pra quem quiser ler!
AH! VIRAM A CAPA NOVA QUE ESPETÁCULO?????? eu to apaixonadaaaa!! Foi um presente da @CookieLovJM lá no twitter, muito muito muito obrigada pelo mimo, neném! <33
Ok, nenês, acho que por hoje é isso. Último parágrafo reservado para teorias: quem vocês acham que está cometendo o erro que seon yeong citou? e que erro vcs acham que é? Beijos e até o próximo ou até a #BelindaEPandora <3
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