[f(10) = 4x - 30] Mesmo time
🔮
— Durma. — Jimin ordena. Dessa vez, no entanto, a ordem é direcionada a mim. Nas últimas oito vezes, toda sua atenção esteve focada em Hoseok.
Agora, Jung está dormindo na cama de Park. Eu, continuo aqui sentado no chão com os olhos focados em Jungoo, tentando não pensar demais sobre a situação atual. E com situação atual eu quero dizer: estar no mesmo cômodo que Jimin e Hoseok, prestes a compartilhá-lo com eles por toda a noite.
Acontece que, depois de separar meu caminho de Yoongi e explicar para eles dois qual a minha estratégia para convencê-lo a nos ajudar — mesmo que sua ajuda não me pareça tão valiosa agora —, nós nos pusemos a pensar sobre o que fazer enquanto esperamos.
Nenhuma ideia verdadeiramente útil foi dada, então estávamos prestes a separar nossos caminhos. Então, Hoseok sugeriu que ficássemos juntos.
Não.
Sugerir não foi exatamente o que ele fez. Ele... implorou.
E eu acho que entendo, apesar de não ser lá o melhor em interpretar os sentimentos alheios.
Acontece que eu e Jimin tivemos um ao outro durante as últimas horas. Independente do quão tortuosa pareça a ideia de tê-lo ao meu lado, pelo menos eu sabia que não estava sozinho. Para Hoseok, essa certeza não existiu até o nosso encontro na biblioteca. Ele viu o mesmo dia se repetir vez atrás de vez, sozinho. Acreditando que mais ninguém percebia. Numa situação assim, a sensação de solidão é o último passo que nos separa do completo colapso emocional. Isso até mesmo explica por que ele parece tão mais abatido que Jimin e eu.
Então, sim, eu entendo. Ele está apavorado com a ideia de ficar sozinho novamente, então seu pedido desesperado para que apenas continuássemos juntos.
Bastou seu olhar assustado para convencer Jimin. Bastou seu olhar e o de Jimin me repreendendo pelo silêncio para me convencerem.
Então, viemos os três para sua casa. Jimin em Pandora; eu, em Belinda; Hoseok, em Naruto.
Naruto não é realmente o nome de seu carro, que sequer tem um nome, mas o tom laranja berrante da lataria me torna incapaz de não compará-lo ao personagem. Claro que o nome não foi aprovado, e ainda precisei ouvir Jimin suspirar e dizer que, agora, parece que sua garagem está ocupada pelo elenco de um novo filme dos Transformers, de tantas máquinas com nomes que foram parar lá. Eu apenas revirei os olhos.
Do lado de dentro, encontramos sua mãe, que mais uma vez foi gentil comigo e com Hoseok. O padrasto de Jimin não apareceu até a hora em que subimos para o quarto, mas não é como se eu estivesse ansioso para conhecer o homem.
E certamente existem quartos de visita o suficiente para que possamos dormir todos em um cômodo separado, mas o mesmo motivo que nos trouxe juntos até aqui nos fez decidir que o melhor seria compartilhar o mesmo quarto. Mas isso não quer dizer que estamos nos dando excepcionalmente bem. Na verdade, fomos cercados por um silêncio desconfortável, sufocante, enquanto todos entramos em consenso de que olhar para Jungoo era o melhor que poderíamos fazer.
Pouco tempo depois, Hoseok não conseguiu mais negar o próprio cansaço. Seus olhos fechavam, mas segundos depois ele acordava assustado como se tivesse encontrado o Freddy Krueger em seus sonhos.
— Vem, Hoseok. — Jimin o chamou, afastando a coberta da cama para que ele deitasse. Seu tom de voz foi suave, assim como pareceu ser seu toque quando o guiou até que o mais velho de nós todos estivesse deitado. Ainda acariciando-o no topo da cabeça, Jimin insistiu: — Você pode dormir agora... nós vamos ficar aqui, do seu lado.
Demorou algum tempo até que Hoseok cedesse. Enquanto isso, eu mantive meus olhos na coelha de manchas pretas, tentando ignorar o tom calmo de Jimin, bem como tentando não dar atenção demais à forma como todo seu carinho direcionado ao seu veterano me deixou inquieto.
Agora, ele também quer me convencer a dormir, mas seu jeito de pedir não chega nem perto do tom cuidadoso que usou com Hoseok.
— Nós precisamos descansar para que nossas mentes funcionem bem. — Ele diz, arrumando um colchonete ao lado da cama. — Então durma. Pode dividir a cama com Hoseok, eu durmo no chão.
Ainda sentado no chão, eu volto a olhar para a coelha enquanto Jimin arruma um dos travesseiros sobre o colchonete.
— Eu não gosto de dormir com outras pessoas me tocando. Durma na cama. Eu prefiro o chão. — Digo, usando o mesmo tom distante que ele.
Eu ouço seu suspiro, mas nenhuma reclamação.
— Tudo bem. — É tudo que ele diz. Em seguida, percebo que ele se movimenta pelo quarto: — Vou tomar um banho. Tente descansar.
Eu não respondo qualquer coisa, apenas relaxo meu corpo contra a parede e ouço seus passos até que ele entra no banheiro. Aos poucos, meus olhos abandonam Jungoo e se focam no céu além da varanda de Jimin, onde o sol começa a se pôr. Tudo fica marcado pelo tom alaranjado que reflete no pelo da coelha gorda e no chão claro do quarto.
Tão bonito, mas tão sufocante.
Porque é o mesmo pôr do sol há cinco dias.
Sentindo o peso de todo esse caos começar a se abater sobre mim, eu engatinho pelo piso de porcelanato até me deitar sobre o colchonete. Mesmo com a jaqueta, sinto um pouco de frio, então puxo minhas pernas contra meu corpo.
Eu só quero que isso acabe.
Eu só quero que minha vida volte ao normal.
Eu quero voltar para quando eu era normal. Quando eu tinha meu pai, antes de perdê-lo para o acidente na obra. Quando minha mãe sorria. Quando tudo estava bem.
Por que isso está acontecendo? Por que o universo deseja tanto assim me punir? Por que ele me tira a pessoa que eu mais amava, me transforma num poço de sentimentos ruins e me faz reviver o mesmo maldito dia ao lado da pessoa que mais gostaria de manter longe?
Não é justo. Nada disso é justo e eu estou cansado. Tão cansado de nunca conseguir sentir nada bom. Cansado de me sentir vazio quando não sinto raiva. E raiva quando não sinto tristeza.
O dia 21 de outubro está na sua quinta repetição consecutiva, mas parece que eu estou preso num ciclo de raiva, tristeza e medo há muito mais tempo.
— Jeon? — De repente, os sons turbulentos de minha mente são sobrepostos por uma voz assustada, mas cuidadosa.
Eu percebo Jimin parando ao meu lado, os cabelos úmidos pingando sobre os ombros recobertos por uma blusa limpa, e me pergunto há quanto tempo estou preso em meus próprios pensamentos para sequer perceber o momento em que ele saiu do banho.
Diante de sua imagem borrada por minha visão corrompida pela sensação ruim que sinto agora, eu fecho meus olhos e viro sobre o colchonete até dar as costas para ele, incapaz de deixá-lo me ver num momento tão quebradiço.
— Jeon... — Ele volta a chamar. Agora, seu tom parece mais com aquele usado com Hoseok. Manso, cuidadoso. — Você está tremendo...
Eu aperto meus olhos com ainda mais força.
Saia daqui. Apenas saia daqui. Me deixe em paz, minha mente grita ao mesmo tempo em que uma pontada no fundo de minha consciência me faz pensar que não aguento mais me sentir sozinho.
Eu não entendo o que está acontecendo. Não entendo por que meu coração está tão disparado, por que essa sensação de sufocamento sobe por meu peito e por que eu me sinto tonto mesmo estando deitado. Meu corpo treme, mas minhas mãos suam, e minha mente vaga por pensamentos borrados que fazem meu coração descompassar cada vez mais.
Ao redor, nada mais escuto. Jimin não me chama outra vez e, mesmo com os olhos fechados, eu percebo que ele se afastou, assim como percebo que isso me deixa cada vez mais desesperado.
Eu me encolho mais contra meu próprio corpo, resfolegando em sofreguidão com o caos que se instalou em mim tão repentinamente. A cor laranja do pôr do sol ainda ilustrando minha mente, desespero correndo em minhas veias somente por lembrar do choque inicial que senti ao ver o tom refletindo em tudo à minha volta.
Minha mente dá mais um passo em direção ao total descontrole quando, de repente, eu sinto algo pousar ao lado de minha cabeça, sobre o travesseiro. Em seguida, eu sinto cócegas quando pelos finos se aproximam de meu rosto, e meus olhos se abrem com dificuldade para que eu encontre Jungoo com seu nariz próximo a mim, parecendo curiosa a meu respeito. Quando involuntariamente me movo, ela recua alguns centímetros e seu corpo gordo fica parado na mesma posição antes que ela corra desastradamente para longe como uma criança pega no flagra.
— Ela é minha cura quando eu me sinto assim — Mais uma vez, eu ouço a voz de Jimin. Com um pouco de surpresa, percebo que ele voltou para perto de mim, dessa vez com um cobertor nas mãos.
Eu o olho com confusão, ainda sufocando com minha própria bagunça, e não sei como reagir quando Jimin desdobra a coberta até arrumá-la cuidadosamente sobre meu corpo.
— Eu não sei descrever o quanto uma mordida de coelho dói, e Jungoo já me mordeu muito mais vezes do que eu gostaria — Ele segue falando, agora sentado ao meu lado enquanto eu me mantenho deitado, de costas para ele. — Mas quando eu me sinto sufocar pela ansiedade, ela simplesmente se aproxima e fica quieta. Ela não me morde, não bate as patas em irritação como sempre faz. Só... fica comigo. Pode parecer bobo, mas significa muito para mim.
Eu quero perguntar por que ele está me dizendo isso, mas as palavras não parecem encontrar o caminho para fora, então eu apenas fico calado, envolvido pelo silêncio até que Jimin volta a falar.
— Ela é mesmo como você. Brava, meio agressiva e impaciente... mas ela não é má. E você também não é, Jungkook. Eu sei que não é, mesmo que às vezes seja difícil continuar acreditando nisso.
Eu ainda não entendo por que Jimin está falando tanto, mas o som constante de sua voz parece pouco a pouco funcionar como uma âncora para minha mente turbulenta.
— Quando minha mãe ainda trabalhava na MoonMoon... — Ele continua, sempre com um tom manso, cuidadoso. — e eu costumava ficar lá com ela, sentado numa mesa escondida para fazer minhas atividades da escola... eu esperava ansioso pelas segundas-feiras, porque era quando você sempre aparecia lá com seu pai e seu irmão mais novo. E você nunca me via, mas eu sempre prestava atenção em você — Confessa, sem parecer precisar de muitos esforços para fazê-lo. — Eu te observei por muito tempo, Jungkook. Eu vi como de repente você, que era menor que eu, estava quase do tamanho de seu pai. Seus ombros ficaram mais largos e você começou a aparecer com as primeiras tatuagens... mesmo assim, ainda parecia exatamente o mesmo menino tímido que eu vi pela primeira vez. Agora é difícil enxergar, mas eu gosto de acreditar que esse menino ainda existe aí dentro e só tem medo demais de se mostrar outra vez.
Meu peito ainda parece pesado, uma sensação estranha cutuca o fundo de meu estômago. Mas, quando me dou conta, minha respiração parece ter retornado parcialmente ao meu controle.
Silêncio se segue. Eu tento digerir tudo que Jimin falou, mas ainda não consigo entender suas motivações. Depois de muito relutar contra, ainda de costas para ele, eu pergunto:
— Por que você está me dizendo essas coisas?
Jimin não responde de imediato. Com os olhos abertos à espera, eu percebo que o alaranjado do sol já se foi, dando lugar à penumbra da noite. Quando quase um minuto se passa, ele finalmente me responde:
— Respirar está mais fácil, agora? — Eu estranho sua pergunta, mas balanço a cabeça numa afirmativa silenciosa. — Esse foi meu motivo. Você parecia precisar de um pouco de distração.
Outra vez, eu percebo que ele se move. Quando ele fica de pé, eu finalmente viro sobre o colchonete outra vez, até encará-lo. Então Jimin fica parado, olhando-me de volta, e eu pisco desajeitadamente quando não consigo negar que me sinto grato a ele.
— Eu vou pegar um pouco de água para você. — Ele avisa quando nossos olhares se prolongam no silêncio.
Ao vê-lo começando a se afastar, eu sequer acredito no que foge por minha garganta, tão baixo que ele talvez sequer escute:
— Park... obrigado.
O silêncio quase completo é a única coisa que vem em resposta. Hoseok, na cama, está ressonando baixo e eu logo sinto o mesmo nariz pequeno se aproximar curiosamente de meu rosto. Ao mover meus olhos em sua direção, eu vejo Jungoo me cercando mais uma vez, sem correr quando me percebe olhando para ela.
Na escuridão agora que o sol se foi, eu continuo olhando-a, sem fazer qualquer movimento brusco enquanto a coelha anda sobre o colchonete até se acomodar ao meu lado, encostada em minha barriga. E aqui ela fica, com as patinhas de trás estendidas para o lado e as orelhas levemente caídas.
Um pouco incerto, minha mão se move hesitante, pousando alguns centímetros acima de Jungoo antes que eu a toque, acariciando o corpo gordo e peludo. Ela não demonstra qualquer reação ao meu toque desajeitado, mas também não o repele.
Sem perceber, um sorriso sem força se abre enquanto continuo acariciando-a, sentindo os pelos finos massagearem minha mão e vendo seu nariz se mover repetidamente.
— Sabia que vocês iriam se entender — De repente, a voz de Jimin me alcança novamente. Eu viro meu rosto apenas para olhá-lo. Mais uma vez, ele se agacha ao meu lado, mas agora com um copo de água. — É claro que dois coelhos se dariam bem um com o outro.
— Cale a boca.
Ele ri suavemente, sempre cuidadoso para não fazer barulho demais.
— Sua água. — Ele diz. — Levante para não molhar tudo.
Com um som mal humorado, eu paro de acariciar a coelha para me sustentar em minhas mãos ao me pôr sentado, me recostando na base da cama ao lado do colchonete quando aceito o copo que me é oferecido.
Enquanto eu lentamente bebo a água, Jimin continua atento a mim durante cada segundo, vez ou outra brincando com os próprios dedos antes de voltar a me olhar.
— Pare com isso. — Eu peço, rabugento. O copo quase vazio está entre minhas mãos e minhas pernas estão levemente dobradas, repuxadas contra meu corpo, enquanto Jimin cruza as suas tranquilamente, sorrindo diante do meu pedido e apoiando as mãos atrás do quadril ao se inclinar um pouco para trás.
— Parar com o que, Jeon?
— Com isso de me olhar tão fixamente. — Ainda mantenho o tom incomodado, assim como Jimin mantém o sorriso. Com as sobrancelhas arqueadas, ele nega suavemente.
— Eu gosto de olhar para você.
Eu rolo os olhos, me inclinando para deixar o copo no chão apenas para fugir de seu olhar intenso.
Algo que nunca consegui negar foi a forma como o olhar de Jimin é violento, mas de um jeito sutil. Ele arrebata e intimida sem precisar dizer qualquer coisa. Talvez isso seja o que eu mais odeio nele.
— Achei que tinha me dito para ir dormir — Eu digo ao perceber que ele continua sentado à minha frente, continuamente me olhando.
— Você vai dormir? — Pergunta.
— Não consigo.
Ele assente.
— Eu estou cansado. — E confessa, parecendo acreditar que quero conversar. — Mas também não consigo dormir.
— Aham. — É a única resposta que dou. Penso em me deitar com Jungoo mais uma vez apenas para não precisar dar atenção a Jimin, mas continuo exatamente na mesma posição, sem saber o que me impede.
— Você não quer mais conversar, não é? — Ele percebe, então. — Você até me disse um "obrigado" uns minutos atrás, então pensei que poderíamos falar um pouco. Me enganei, pelo que parece.
Então ele ouviu.
Apesar de um agradecimento não ser nada demais, eu me sinto envergonhado por descobrir que ele ouviu o meu. E, sem muita reação, apenas desvio o olhar.
— Você ama pensar o pior de mim, então quero deixar claro que eu não tentei te ajudar porque queria te fazer criar mais simpatia por mim. Eu te ajudei porque sei como é se sentir como você estava se sentindo... como provavelmente está se sentindo até agora, mesmo que com menos intensidade. — Ele diz, apoiando-se no próprio joelho para ficar de pé. — Eu vou deitar, mas pode me chamar se precisar de qualquer coisa.
Eu apenas o observo em silêncio, despreparado para ouvir sua justificativa. Quando ele senta na ponta de sua cama, eu umedeço meu lábio e me sinto ridículo ao sentir minha voz esganiçar como a de um garoto na puberdade.
— Jimin?
Ali de cima, ele me olha sem muito alarde. — Sim?
— Aquela regra ainda está de pé?
— Que regra?
— De precisarmos dizer algo de que gostamos no outro quando dissermos algo ruim.
— De minha parte, está. — Ele balança os ombros suavemente. — Mas eu sei que você não vai fazer isso, Jung...
— Eu gosto de como você se preocupou em me ajudar mesmo que eu não mereça. — Eu o interrompo, quase entrando em desespero com a sensação que sucede minha declaração impulsiva.
É quente, estranho. Diferente. Como uma ponta de sol que aquece alguém que esteve com frio por tempo demais. E o que me desespera é sentir esse calor intensificar quando percebo o sorriso que Jimin lentamente abre junto a uma expressão surpresa.
— Nossa, Jungkook... eu realmente não esperava. — Ele diz, uma breve risada no fundo de seu tom, mas percebo que não é uma risada de deboche.
— Só porque eu te disse coisas muito ruins, mais cedo. — Me defendo como se, na verdade, tivesse feito algo de errado.
— Eu não acho que te disse nada de ruim desde a última vez, mas não vou me privar do direito de dizer mais algo que gosto em você — Ele diz, e eu me odeio por me sentir ansioso pelo que irei escutar: — Eu gosto de como você é surpreendentemente adorável mesmo com esse tamanho todo.
— Adorável? — Repito, em choque.
— Sim. — Ele continua sorrindo. — Não estrague o momento ficando com raiva disso, velho rabugento. É um elogio de verdade.
Me assusta como, ao invés de sentir raiva, eu sinto vontade de rir com sua forma de me chamar de velho rabugento.
O universo está, certamente, colapsando.
Diante disso, Jimin ainda sorri um pouco mais, se movendo pela cama.
— Boa noite, Jungkook. Não esmague minha filha enquanto dorme.
Meus olhos descem até Jungoo, que continua deitada no mesmo lugar.
Ainda com uma sensação inesperada no fundo do peito, eu me movo até me deitar com cuidado o suficiente para não espantá-la, puxando o lençol para me cobrir mais uma vez.
Com a cabeça apoiada no travesseiro, eu olho para cima, me surpreendendo ao perceber que eu estou sorrindo.
Sorrindo.
Por Jimin.
Como isso é possível?
Em choque, eu apenas tento não gastar muita energia com isso e fecho meus olhos com força, esperando que minha mente e os resquícios das sensações ruins em meu corpo me abandonem e me deixem dormir.
E acontece, eventualmente. Enquanto Jimin ronca ao lado e Hoseok ressona baixo, eu mesmo caio no sono, pouco a pouco, tão lentamente que sequer me dou conta de quando minha mente deixa de estar presa à realidade para viver um sonho no qual reencontro meu pai. Onde minha mãe sorri e onde Junghee tem um irmão mais velho que realmente pode cuidar dele como deveria, e não ao contrário.
E o sonho é bom, mas tortura mais que um pesadelo. Porque logo acordo e descubro que nada daquilo é real.
Meu pai continua morto. Minha mãe continua infeliz. Junghee continua tendo um irmão de bosta.
Frustrado, eu me sento no colchonete e passo as mãos pelo rosto e cabelos, jogando-os para trás antes de olhar para o lado. Com o rosto na altura da cama, eu vejo Jimin ainda dormindo, assim como Hoseok.
Sem perceber o porquê, eu me demoro um pouco mais olhando para Jimin. Ele ainda ronca baixo, seu rosto está amassado contra o travesseiro, os lábios parecendo ainda mais cheios que o normal e os olhos de predador suavemente fechados, tão distantes daquele olhar intenso e intimidante.
Eu engulo em seco ao notar o que estou fazendo, analisando-o tão minuciosamente. Mas sem testemunhas do momento atual, eu não me impeço de continuar, e desço meus olhos por seu pescoço, depois por sua blusa de mangas longas cobrindo seus braços, como sempre.
Quando a lembrança me atinge furiosamente, eu sinto a curiosidade se misturar a uma sensação de culpa quando aproximo meus dedos da costura de uma das mangas, puxando-a para cima com tanto cuidado quanto me é possível para não acabar despertando-o.
Quase sem respirar, eu olho para seu rosto para ter certeza de que seus olhos ainda estão fechados. Ao ver que sim, volto a olhar para seu braço.
De um lado, estão as tatuagens.
Do outro, acima do pulso, estão cicatrizes.
Linhas quase paralelas, em relevo mais alto, marcando um pedaço inteiro de pele.
O motivo de Jimin sempre usar mangas longas, que eu jurava estarem ali para esconder suas tatuagens. Na verdade, ele esconde os cortes.
Eu não sei explicar como me sinto diante disso. Um bolo enorme se forma em minha garganta e meus olhos continuam vidrados nas cicatrizes, me sentindo como um criminoso por estar violando um segredo de Jimin dessa forma. Mas quando eu penso em arrumar a manga e esquecer que isso aconteceu, seu braço se move até ser escondido contra seu peito.
Por um instante, eu penso que foi um reflexo, mas sinto meu coração falhar completamente quando olho para seu rosto e o vejo com os olhos abertos, mas não olhando para mim.
— Eu não gosto quando encaram. — É a primeira coisa que ele diz, ainda com a voz carregada com o sono.
— Desculpa — É o que digo, ainda horrorizado com o que acabei de fazer.
Não importa o quanto o odeie. Eu sinto que ultrapassei limites demais.
— Jungkook... tudo bem.
— Não... eu não deveria ter feito isso...
Jimin continua deitado, os olhos pousados no próprio pulso marcado com as cicatrizes e um sorriso letárgico e ressentido nos lábios.
— Você está se desculpando tanto assim porque realmente acha que me ofendeu ou porque preferiria não ter visto? — Pergunta.
— O que? — Questiono, inegavelmente em choque. No fundo, essa reação vem como fruto de entendimento de sua sugestão, não o contrário.
— Ver as cicatrizes te deixa confuso sobre como agir comigo agora, não é? Por isso você preferiria não ter visto? — Ele insiste.
Apesar de querer negar, algo me impede. Porque talvez ele esteja certo. Talvez todo o meu arrependimento seja mais consequência da minha incapacidade de reagir agora que sei sobre os cortes, que qualquer outra coisa.
Antes que Jimin pressuponha algo mais uma vez, o movimento no outro lado da cama chama nossa atenção e logo nós dois olhamos para Hoseok, que desperta depois de dormir a noite inteira como uma pedra. Ainda grogue, olhando ao redor em breve confusão, o veterano de dança demora algum tempo olhando para mim e para Jimin antes de perguntar, com a voz arranhada pelo sono prolongado:
— Que dia é hoje?
Jimin pega seu celular, checando a data ainda na tela de bloqueio. Com um suspiro, ele apenas nega com a cabeça, o que basta para que tanto eu quanto Hoseok entendamos perfeitamente.
21 de outubro. De novo.
— Precisamos falar com Yoongi. — Jimin relembra, agora sentado sobre a cama. Hoseok se senta ao seu lado, coçando os olhos miúdos e inchados.
Aqui, ainda sufocado com a sensação de seus questionamentos, tudo que faço é assentir. Não posso perder tempo me preocupando sobre coisas assim antes de descobrir como solucionar esse maldito lapso no tempo.
— Eu decorei o número, mas meu celular ainda está em casa. — Aviso. O papel com o telefone que Yoongi me deu já não está mais no bolso de minha jaqueta, mas felizmente nunca tive problemas em decorar números. — Me empreste o seu.
Jimin assente, sem demonstrar qualquer ressentimento quando coloca seu celular sobre minha mão estendida.
Um pouco sem jeito, eu tento olhá-lo para avaliar melhor sua expressão, mas ele já não está mais olhando para mim. Sua atenção voltou a Hoseok, tocando-o e perguntando o que ele quer para o café da manhã.
Com um suspiro, eu digito o número que salvei em minha mente, discando-o ao final.
O toque da chamada se repete incansavelmente até que é substituído pelo som da ligação caindo na caixa postal. Insistente, eu ligo mais uma vez. Na terceira, ele atende.
— Pelo amor de deus, são cinco e meia da manhã! Quem é e o que você quer? — É o que ouço quando a chamada é completada.
— Jeon Jungkook. — Anuncio. Ao ouvir minha voz, Hoseok e Jimin se calam, olhando em minha direção com expectativa.
— E você está me ligando porque...? — Ele pergunta. — Aliás, como você tem meu número?
— Você me passou.
— A primeira pergunta continua sem resposta.
— Deixa eu falar com ele. — Jimin pede, ansioso. Eu apenas gesticulo em negação e com alguma dificuldade fico de pé, me afastando um pouco.
— Escuta. Você vai achar que eu estou tentando te sacanear ou qualquer coisa assim, mas preciso que você acredite em mim ou pelo menos me ouça até o final.
Do outro lado, ele suspira tão pesado que eu escuto. — Certo. Estou ouvindo. É melhor que isso não seja uma brincadeira.
— Não é. Acredite em mim — Digo, começando a caminhar pelo quarto. — Ontem eu te encontrei na biblioteca e...
— Ontem foi domingo. — Ele me interrompe.
— Exato. Você acha que foi domingo, mas o domingo foi há seis dias. Hoje é segunda-feira, dia 21, pela sexta vez.
— Wow. Esse é um novo tipo de trote.
— Yoongi, é sério. Eu te expliquei essa mesma história ontem, por isso você me deu seu número e riu de mim quando eu disse que queria sua ajuda porque achava que você é um bruxo. Então você disse que não é, mas que sabe de alguém que pode me ajudar.
— Você sabe que não existe a menor possibilidade de qualquer pessoa sã acreditar nisso, não sabe? Pelo amor de deus, que brincadeira mais ridícula para se fazer a essa hora da manhã!
— Espera. Você também me disse outra coisa. No domingo à noite, você fez um kimbap para levar para o almoço. Certo?
Ele hesita por um tempo. — Como você sabe disso? Você está me stalkeando?
— Não. Você literalmente me disse. Mas ontem, você deu esse kimbap a Hoseok. Ele estaria na sua geladeira, agora, se você tivesse comido ou dado a qualquer outra pessoa que não ele, Jimin ou eu.
— Cara... isso é perturbador. Você é meio desequilibrado, não é?
— Eu vou te explicar tudo melhor, mas preciso ter uma chance de que você vai acreditar em mim. Vai até sua geladeira.
— Eu juro por deus... — Ele resmunga. Em seguida, a ligação fica em silêncio. Eu até afasto o telefone para checar se a ligação não foi encerrada, mas logo ouço sua voz novamente, agora num choque irritadiço. — Cadê o meu kimbap?!
— Ele não estar aí faz parte de toda a confusão que estou tentando te explicar. Hoseok, Jimin e eu estamos presos nesse loop. A forma como nós sofremos as consequências é diferente... nossos corpos acumulam os efeitos de tudo que está acontecendo, por isso quando comemos, a comida é absorvida por nosso metabolismo.
— Eu vou te interromper aqui e perguntar mais uma vez: cadê o meu kimbap?! Você invadiu minha cozinha, por um acaso?
Isso vai ser mais difícil do que eu imaginei.
Na cama, Jimin espera com impaciência, enquanto Hoseok parece pálido de ansiedade. Incomodado pelos pares de olhos tão atentos a mim, eu fico de costas, voltando a caminhar.
— Eu não invadi. Eu juro. Me dê a chance de explicar do início. Você disse que sabe de alguém que pode nos ajudar e essa é nossa única esperança.
Silêncio vem em resposta. Meu coração está martelando meu peito, descompassado até o momento em que ouço sua voz novamente:
— Eu estarei na biblioteca central pela manhã. Me encontre lá se isso for realmente sério.
— Ok. Ok, nós te encontraremos lá. — Respondo, ansioso. — E Yoongi...? — O chamo. Quero perguntar mais sobre a pessoa que supostamente pode intervir em nosso favor, mas logo percebo que a ligação foi encerrada. Eu suspiro, olhando para a tela do celular de Jimin. — Babaca. — E resmungo sozinho.
Mesmo assim, ele irá nos ouvir com mais atenção, então acho que posso chamar isso de boas notícias. Mas antes que eu me vire para compartilhá-las com os outros dois, eu escuto um ofegar violento e surpreso seguido de um grito de Jimin:
— Meu deus, Hoseok!
Em alerta, eu volto a olhar para eles tão rápido quanto consigo, sentindo meus olhos arregalarem involuntariamente quando vejo Hoseok tentando ficar de pé, pálido como uma folha de papel e com sangue escorrendo pelas narinas.
Sua mão está apoiada na parede, parecendo tentar buscar algum sustento, mas logo seus olhos piscam numa rapidez incomum e sua palma desliza pela superfície de concreto à medida em que seu corpo desfalece.
E com um baque oco, o corpo de Hoseok cai desacordado no chão.
↬ Continua no próximo capítulo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro