Prólogo
Monte Hermom, terra de Canaã, ano 15198 a.C.
Mãos com alguns arranhões faziam mexer as águas cristalinas do poço, essas mãos eram de uma jovem de pele âmbar, trajando um vestido marrom, longos cabelos castanhos e olhos pretos que se sentava sobre ele; parecia distraída, sem rumo, apenas estava ali por estar. Ela enchia o pequeno balde devagar enquanto ouvia o som da natureza noturna; a lua estava plena no céu.
— Tiamat, o que pensa que está fazendo? — perguntou um velho, usando uma roupa de pele de leão que se aproximava — Pare de ficar aí como uma mulher da vida e vá logo levar a água, sua vadia!
— O quê? Ah, me perdoe, papai — responde ela meio sem jeito — E-e-eu estava apenas pensando.
— Espero que esteja refletindo no desrespeito com a aldeia que cometeu agora! — disse o ancião a agarrando pelo braço — Eu vou acabar com a sua raça se você demorar mais tempo aqui, ouviu?
— Papai, para, assim está me machucando — pediu ela, tentando se soltar.
O homem continua a agarrando pelo braço e em seguida a joga forte contra o chão, derrubando o balde cheio de água também, que inunda as vestes de Tiamat.
— Olhe o que você fez, sua meretriz! — diz o velho a agarrando pelo cabelo e a chacoalhando — Você não merece viver mesmo, tenho vergonha de chamá-la de filha — ele completa cuspindo no rosto dela.
O velho se afasta com muita raiva do local e caminha de volta para uma aldeia aos pés do monte Hermom; Tiamat permanece caída e chorando muito pela humilhação.
— E É MELHOR LEVANTAR DAÍ, OUVIU? — grita o ancião irritado a fitando — Se não, eu vou te cortar em pedaços e dar seus restos aos dentes-de-sabre!
Tiamat se levanta, ainda bastante abalada. Ela torna a encher o balde de água e caminha com este sob a cabeça, seguindo o caminho que seu pai fez para a aldeia; passando por uma manada de mamutes que por ali seguia e percebe que está sendo observada por pássaros predadores A aldeia era pequena e a jovem já se aproximava, agora com as lágrimas enxutas mas ainda ressentida, principalmente ao ver os olhares de zombaria de algumas pessoas.
— O que estão olhando? — perguntou ela, na entrada do lugar — Voltem para suas casas e me deixem em paz! - diz em um grito.
Cansada de tudo, ela larga o balde no chão e começa a chorar de desespero, enquanto as pessoas a encaram como se fosse uma prostituta, incluindo sua própria família. Quando alguns velhos vestidos com peles de mamutes se aproximam dela com más intenções, ouvem um barulho estarrecedor ao olhar para cima e verem figuras parecidas com seres humanos, mas com armaduras escuras e asas que batem no ar, segurando espadas nas mãos; toda a aldeia tremeu de medo, estavam prestes a serem atacados por anjos furiosos.
— AGORA! — gritou uma voz forte.
A carnificina teve início. Os anjos atacaram com fúria a pequena aldeia e iniciaram um violento confronto com os homens, que tentavam se defender com armas de madeira, mas estas eram inúteis perante as espadas flamejantes dos alados. Os anjos cortavam e atravessavam os mortais com as espadas, o sangue jorrava no ar e nem mesmo mulheres e crianças eram poupadas daquele terrível destino; morte, sangue, corpos, fogo nas casas, parecia um pesadelo.
— FUJAM, A IRA DO CÉU CAIU SOBRE NÓS! — gritava uma mulher desesperada, com o filho nos braços, enquanto seu marido era dilacerado pelos celestiais.
Os homens lutavam com vontade, mas os anjos os matavam com crueldade; uma pilha de corpos e muito sangue e órgãos internos pintavam o solo da Terra. Os alados invadiam e colocavam fogo nas casas com todos que estavam ali dentro, pegavam as mulheres virgens e as levavam para longe, onde só se ouviam gritos de agonia; as mulheres eram agarradas pelos anjos e tinham as roupas rasgadas, com estes as encurralando e as violentando; estas gritavam por uma ajuda que jamais chegaria. A aldeia estava em chamas, seus habitantes eram mortos com violência extrema e suas defesas sequer arranhavam os celestiais.
— Por favor, tenham piedade, eu faço o que quiserem — dizia um homem, ajoelhado, diante de dois anjos e na frente da esposa e dos filhos.
Um dos anjos o transpassou quatro vezes com a espada, causando um buraco de sangue no mortal e ainda o chutando para longe; o outro foi até a família e matou os filhos um a um, com um único golpe na garganta de todos.
A esposa tentou o enfrentar, mas foi cortada em vários pedaços pelo guerreiro, que ainda teve que retirar seus restos da armadura.
— Saiam da minha casa! — bradava um jovem tentando impedir os anjos, mas que assim como os outros, não teve sucesso.
Os celestiais arrombaram a porta e a derrubaram sobre ele. Depois de matar todos com requintes de crueldade, puseram fogo na casa com seus poderes. Muitos corriam pela rua desesperados tentando fugir, mas os anjos os alcançavam como raios e os matavam; as espadas dos guerreiros estavam encharcadas de sangue e cada vez mais corpos tombavam na aldeia em ruínas.
Tiamat estava intacta. Alguns anjos pousavam ao seu lado e a protegiam do caos que emergia na aldeia, com pessoas e casas pegando fogo e muito sangue pelo chão. Os celestiais celebravam. Estavam muito satisfeitos com o objetivo concluído. Quase todos da vila estavam mortos; alguns com espadas fincadas no peito, outros com buracos cheios de sangue nos corpos feitos pelas armas dos celestiais, outros cortados ao meio e com órgãos esparramados pelo chão, e outros com a garganta cortada e uma cachoeira que parecia não ter fim. Um homem havia sobrevivido, mas não por vontade própria, era o velho pai de Tiamat. Ela o olhava em choque enquanto tentava processar na mente a brutalidade que havia presenciado, quando um anjo de armadura prateada, pele negra em um tom mais escuro, barba cheia e um longo cabelo trançado pousou na frente dela e estendeu-lhe a mão para que se levantasse, o que Tiamat fez ao vê-lo.
— Eu sou Shemihazah, Patrono do Saber e soberano dos vigilantes. Bem-vinda ao meu mundo, minha rainha! — disse ele, a olhando fixamente — Não precisa mais se preocupar com humilhações e desrespeito, hoje tudo isso acabou diante dos seus olhos! — ele alisa o cabelo dela.
Tiamat fica sem reação ao ouvir as palavras de Shemihazah. Este sai da frente e apresenta à ela um dos prisioneiros, um dos rostos mais temidos por ela; o próprio pai, que é ajoelhado de forma forçada por dois anjos e sangra muito no rosto e nos joelhos.
— A sentença é sua, e você tem duas escolhas: Condená-lo ao Inferno e viver uma vida livre como uma rainha ao nosso lado, ou deixá-lo viver e ser atormentada por toda a eternidade — afirma Shemihazah, dando um machado afiado nas mãos de Tiamat — Eu confio no seu julgamento.
Ele a beija no pescoço por trás enquanto ela parece sentir prazer e olha o velho pai com raiva. O homem estava tremendo muito.
— Tiamat, não faça isso, filha! — implora o ancião, se jogando aos pés dela — Pelos deuses, me ajude, meu amor!
Tiamat olhava com nojo para ele; os anjos esperavam ansiosos pelo momento.
— Morra, DESGRAÇADO! — gritou ela, erguendo o machado sob o pescoço do velho.
Em um único golpe, a filha decapitou o pai com vontade e manchou a arma com o sangue do seu sangue. A cabeça do velho rolou pelo chão até os pés de Shemihazah, que com uma pisada forte a esmagou completamente e uma explosão de ossos esmagados do velho, partes de seu cérebro e sangue se deu. Tiamat olhou Shemihazah com um ar de alegria e este sorriu para ela, se aproximando e a agarrando pela cintura, trazendo-a para perto de si. O patrono segurou a face da mulher com as mãos e aproximou seu rosto do dela, seus lábios se chocaram em um beijo fulminante.
Quando o beijo terminou, Tiamat mordeu os lábios; Shemihazah a acariciava na face. O alado se afastou dois passos dela e olhou para seus comandados com a aldeia ainda em chamas. Como um raio, as asas dele se fundiram ao corpo e desapareceram, surgindo a forma humana do anjo; que foi seguido pelos outros no mesmo movimento.
— Uma nova era começa aqui e agora, meus amigos vigias! — bradava Shemihazah, com os braços abertos — Hoje nós fazemos nosso próprio destino. Hoje nós somos livres e iremos viver essa liberdade. E para que essa liberdade seja feita, o mundo precisa ser nosso. Basta de ver injustiças, a paz se inicia. Estes mortais precisam de nós.
Os anjos erguiam suas espadas ao ar e gritavam o nome dele; Tiamat recua e o observava quatro passos atrás.
— Chega de príncipes nos ordenando o que fazer como bois, chega de homens violentos, chega de deuses injustos! — gritava o Patrono do Saber — Vocês viveram como prisioneiros por tempo demais, hoje é hora de sair desta situação e conquistar o que é nosso por direito! Vida longa aos vigilantes.
— Vida longa aos vigilantes! Vida longa ao grande Shemihazah! — gritavam eles.
— Tragam nosso prêmio, ou melhor o prêmio de vocês, pois eu já achei o meu — diz fitando Tiamat, que retribui o olhar.
Um deles, de pele branca e cabelo ondulado loiro, puxa uma fila com várias mulheres virgens acorrentadas, que se ajoelham aos pés de Shemihazah e de Tiamat.
— Eu, Ertael, digo que há muito mais para nós, grande Shemihazah - diz o anjo — Isso é só o começo da Nova Era! Estas ainda não foram defloradas, é o momento.
Shemihazah assente. Os anjos gritam seu nome e as virgens têm suas roupas rasgadas por eles. O Patrono do Saber abraça Tiamat e os dois trocam olhares prazerosos diante da lua.
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