Epílogo
— Eu superestimei eles, de fato — A voz de Lúcifer se faz ouvir — Foram meses para conseguir se ocultar dos olhos de Ziz, mais alguns anos para que Mordred pudesse capturar as criaturas e segurar Chama das Trevas. E mais algumas horas para aprimorar o feitiço de deterioração da Realidade de forma que nem meu irmãozinho pudesse contestar.
O Rei dos Demônios usa um longo sobretudo escuro e se mantém de costas com as asas coladas. Atrás dele, Mordred e Nahemah se mantém ajoelhados. Abaddon, uma figura musculosa e alta com armadura cinza fica de pé ao lado deles. Ele segura Chama das Trevas. Azazel, por sua vez, está ao lado de Lúcifer, mas encarando Mordred e Nahemah. Dois outros demônios se posicionam mais ao fundo.
— Eu já sabia que não seriam capazes de vencer, por isso os convoquei — Lúcifer visualiza uma cachoeira de magma através de uma abertura — Existem outras formas de vencer além da tradicional, eu mesmo lhes disse isso — completa passando a mão esquerda em seu cabelo longo, liso e negro.
— Vocês fizeram um ótimo trabalho, não era para vencê-los fisicamente, e sim quebrá-los, e para isso o idiota do Vigilante serviu bem — Ele quebra um crânio humano que segurava com a mão direita — Separar e Conquistar, o princípio básico do sucesso. Eu sabia que a ophanim iria superar Shemihazah, também sabia que ele falharia e meu irmãozinho o mataria friamente, quebrando o Código de Conduta e despertando a justiça no coração da Vermelha. O feitiço para simular uma Realidade Caída foi só uma justificativa que Miguel encontrou. Milênios podem se passar, mas ele sempre cairá nos meus truques, como um bêbado ao ver mais uma garrafa.
Mordred e Nahemah se levantam satisfeitos. Lúcifer ainda não vira para olha-los, mas percebe o movimento.
— Meu senhor, e quanto à Excalibur? — Mordred dá um passo a frente — Eu a vi quando fui à Avalon, estava numa fossa abaixo do santuário, dentro da cripta de Arthur.
Lúcifer ergue a mão direita e toca em uma imensa presa de behemoth acima da cabeça e fixada na parede. A presa arrancada de Kaimortus.
— Não é necessário — A Estrela da Manhã responde — O que é importante já foi feito, esqueça a antiga arma de Marax, é bom que assim o legado de Paimon é esquecido.
A espada que os humanos chamam de Excalibur possui origem demoníaca. No passado, ela pertenceu à Paimon, um dos duques do Inferno, antes de ser executado acusado de traição. Seu último portador demônio foi o batedor Marax, que acabou morto em batalha pelo ex-coronel querubim Benadiel. Desde então, a espada se perdeu no mundo e Lúcifer nunca fez questão de recupera-la, mesmo após a ascensão de Arthur.
— De qualquer forma, o tsunami que ele provocou no Atlântico e atingiu a Grã-Bretanha, a península ibérica e a França deve dar conta de terminar com o que restou da cripta de Arthur e de Excalibur — Azazel fita o longo cabelo preto de Lúcifer —, além de manter a raça ocupada com os danos.
Ao aniquilar Avalon, Mordred provocou um tsunami no Atlântico Norte, que atingiu a costa da Europa na madrugada.
— Você está livre, Mordred — Lúcifer libera — Retorne e reconstrua Avalon à sua imagem e semelhança. A alma de Morgana ainda está em minha posse, caso queira reve-la.
— Não será necessário agora, eu agradeço, milorde — Mordred abaixa a cabeça e a levanta rapidamente.
Antes de ir, ele se vira para Nahemah e dá um beijo rápido nela. A filha de Lúcifer o encara por alguns segundos. Eles se abraçam.
— Lembre-se: Eu o liberei para reconstruir seu lar, mas no dia que se colocar contra mim — Ele provoca um pequeno tremor enquanto fala —, terá o mesmo destino da mãe dela — fala de Nahemah.
Mordred assente e os demônios abrem caminho para ele passar. Nahemah fica triste com a cena. O humano some alguns instantes depois.
— Você o ama, não é? — Azazel questiona em tom de zombaria — Criança tola, foi se apaixonar justo por esse imundo — ele ri.
Nahemah se irrita e toma Chama das Trevas das mãos de Abaddon. Ela aponta para o pescoço de Azazel, que continua provocador.
— Eu já tenho quase três décadas, Azazel, não sou uma criança e muito menos tola! E isso ainda não acabou! — Ela alisa a espada com as mãos.
Lúcifer continua evitando contato visual, porém, ouve o ruído do metal.
— Papai, me dê Abaddon e Bael e deixe-me ir atrás da ophanim, juro que lhe trarei a cabeça dela em uma bandeja! — disse apontando a arma na direção do pai.
Todos a observam curiosos. Para a surpresa dos presentes, Lúcifer finalmente vira o rosto.
— Não! — O Rei do Inferno é ríspido.
— Não? — questiona Nahemah — O que falta para...
— Eu mesmo vou cuidar desse assunto, e farei isso pessoalmente! — Lúcifer é duro na resposta — E caso não tenha percebido, filha, eu preciso da celestial viva. Agora, saiam da minha presença. Estão liberados.
Os demônios obedecem e saem dali, assim como Azazel, que os segue; Nahemah se vira e faz o mesmo movimento, ou ia fazendo. Lúcifer fica totalmente de frente.
— Você fica, Nahemah!
Nahemah o olha meio desconfiada, mas obedece e fica há quatro passos dele, ajeitando o cabelo e sua roupa. Quando ela olha para uma porta na esquerda, vê um homem alto entrando
— Ah, agora eu entendi. Se minha mãe estivesse viva, eu diria que é uma reunião de família — disse a infernal — Bem vindo, irmão!
— Bem vindo, Alexander! — saúda Lúcifer — Estamos aqui para cumprir nosso propósito primordial — ele se vira novamente — Porque a Era dos Homens...a Era dos Homens acabou!
**
Luzes de tochas iluminam um amplo salão dominado pelas trevas. Três anjos com vestidos na cor bege, faces cobertas e asas brancas em exibição, surgem e caminham até se aproximarem do destino: Um grande tronco de árvore, não qualquer árvore, mas a Árvore da Vida. Os anjos tiram os capuzes e exibem suas faces: O primeiro tinha pele negra, era careca e possuidor de olhos castanhos; Gabriel. Ao centro, uma mulher também negra, mas com cabelo ondulado e olhos verdes; Lisael, a sábia líder das virtudes. Ao seu lado, Rafael, olhos pretos e cabelo castanho e volumoso; sua aparência lembrava a de um homem terreno do leste asiático, mais precisamente do Japão.
— Onde está Miguel? Ele deveria estar aqui acalmando os civis e preparando os guerreiros — Rafael começa.
— Ele ainda não voltou, aliás, eu sinto que há algo errado lá embaixo! — suspeita Gabriel.
— Shemihazah — Rafael percebeu a ausência da aura dele — Ele está morto. Quem fez isso? Podemos estar diante de um Crime de Guerra.
— Há algo além desse possível assassinato — Agora é a vez de Lisael — Sim, pela forma que sua aura partiu, não foi durante uma batalha.
Lisael nota uma mecha de cabelo ruivo no chão, ela se abaixa e pega.
— Eu não sinto ela! — disse a virtude, novamente de pé
— Quem? Auriel? — pergunta Gabriel, preocupado — Se não sente, então quer dizer que...
— Não! — responde Lisael — Ela está viva, mas sumiu do nosso alcance. Não conseguimos sentir sua energia em lugar nenhum, é como se estivesse morta, mas sabemos que não está, pois sua aura não migrou para o Cosmo.
— Ela é a melhor em esconder sua aura, não há ninguém que se iguale neste quesito — Rafael dá um passo a frente — Mas por que esconderia agora? O que aconteceu?
A virtude se aproxima mais do tronco e começa a tocá-lo, como se estivesse decifrando algum código, enquanto Gabriel e Rafael apenas a observam. Eles notam alguns símbolos na madeira: Quatro cavalos de um lado, uma serpente no meio e a figura de um anjo grande do outro.
— O que há? — Gabriel diz aflito.
Lisael passa a mão nos símbolos e, de repente, suas vestes ficam encharcadas de sangue, com feridas profundas se abrindo em sua face e corpo. Seu braço esquerdo cai diante deles e ela se ajoelha.
— LISAEL! — os dois dizem ao mesmo tempo.
— Não se aproximem! — pronuncia ela, respirando com dificuldade — Eu estou bem. Eu...estou bem.
Lisael se levanta, ainda ferida, e se apoia em um pequeno monumento.
— Seu braço — Gabriel aponta —, não vai regenerar?
— Não ter um dos braços não muda nada em mim, isso não é importante — Ela apenas cicatriza os outros ferimentos do corpo e rosto com a regeneração — O importante é que eu vi os próximos anos, esqueça o braço.
Ela se vira para olhar os dois patronos.
— O que aconteceu? — questiona Rafael.
— A majestosa Árvore da Vida, e seus galhos que se estendem até os confins da existência! — disse ela, voltando sua atenção para a árvore — O extenso Universo, maior do que qualquer criatura mortal jamais sonhou, finalmente alcançou sua plenitude, agora, ele inicia seu processo de degeneração.
Rafael e Gabriel se olham. O tom melancólico da voz de Lisael preocupa muito os dois patronos.
— A profecia irá se cumprir, os quatro guerreiros lendários voltarão à superfície em busca de vingança, com sede de sangue, unidos ao Filho da Perdição! — A virtude caminha de um lado para o outro — Ao lado deles, virá a mais temida criatura do Universo, a serpente de fogo, o titã que se equipara ao gênesis dos seres vivos com seu exército rastejante. Os portões do Abismo já estão se rompendo, nada e nem ninguém poderá detê-los em seu reinado de terror. A Realidade está condenada.
Os três sentem um pequeno tremor no salão, tremor este sentido em todo o Paraíso.
— Assim está escrito, e assim será feito! — Ela finaliza.
**
No Oceano Atlântico, em um lugar entre a Irlanda e a Espanha, uma cripta cinza boia em direção ao Oeste. Além de não afundar mesmo com o peso, a velocidade com que é levada pelo mar impressiona.
Dentro da cripta, um homem de aproximadamente 57 anos com vestes medievais, cabelo preto meio grisalho até os ombros e barba cheia adormece ao lado de uma espada brilhante.
— Você é...a última esperança...da humanidade! — Uma voz se manifesta e o faz abrir os olhos.
**
Quase quatro semanas depois, no Nepal, uma mulher com vestes de frio caminha pelo Everest até avistar uma pequena vila murada, onde guardas humanos a observam. Ela dá mais alguns passos e chega mais próxima, fazendo um sinal de paz.
Após uma pequena negociação, o portão do lugar se abre diante da mulher, que retira seus óculos de proteção, revelando olhos completamente brancos, que mudam para íris azuis.
CONTINUA...
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