Capítulo XVII: Nahemah
Em Salvador, Miguel permanece deitado desacordado na maca enquanto é observado por Leonardo. O jovem toca no peito dele e percebe que as cicatrizes estão desaparecendo. Periel está apoiado na entrada da cozinha enquanto Zaniel se senta no sofá com os pés sobre uma pequena mesa e assiste televisão. Já Auriel, se mantém sentada sobre a janela e com as mãos em volta dos joelhos; pensativa, como se esperasse por algo. Eram 14:00 da tarde.
— Nos Estados Unidos, o líder da Unidade teve um encontro inédito com os senadores e elogiou a política americana — dizia um jornalista — No fim do dia, Félix Nabbajon se encontrou com alguns fieis e juntos celebraram um culto em honra à Tavesu, no Templo Único.
— Em honra a quem? — questionou Periel ao ouvir o último nome.
Leonardo o observa antes de responder. Zaniel joga uma bolinha para cima e para baixo e chama a atenção de Larry, fazendo o pinscher amarelo ir até ele.
— Tavesu, é a divindade cultuada pelos membros da Unidade — responde Leonardo — Esse cara, Félix Nabbajon, era um bispo da Igreja do Santo Sepulcro, até enlouquecer e ser afastado — aponta para a TV — Quando voltou, dizia que a verdade havia sido revelada e que as grandes religiões eram uma farsa, até trouxe supostas evidências disso. Ele é conhecido pelo discurso exacerbado, incendiário e com tendências antissemitas, islamofóbicas e sexistas. Inclusive, foi expulso de Israel, da Palestina e de mais alguns países do Oriente Médio.
— Ah sim — respondeu Periel —, já ouvi falar nesse maluco.
— Deixa eu adivinhar, então ele saiu da igreja e fundou sua própria religião — diz Zaniel, fazendo um carinho em Larry.
— Exato — confirma Leonardo — A Unidade cresce ano a ano, já é quase a maior religião do Oriente Médio e da Europa. Inclusive, muitos membros dela são figuras conhecidas, como Alexander Salvatore. Nabbajon tem um currículo bem controverso, mas mesmo assim é reverenciado por milhões de pessoas, até aqui no Brasil, além de ser amigo de vários líderes mundiais. Em alguns lugares, é até mais bem recepcionado que o próprio Papa. Enfim, a Unidade acredita ser a verdadeira religião.
— Como todas as outras — dá de ombros Periel — Aliás, Léo, lembro que você gostava desse Salvatore. Nos conhecemos falando dele.
Leonardo ri sem graça.
— Por favor, não me lembre disso — pede o mortal —, é muita vergonha-alheia já ter gostado de um bilionário.
Ele volta suas atenções para Miguel, que se recupera muito rápido.
— Ele está melhorando rápido demais para a gravidade do ferimento, é uma regeneração absurda! — afirma Leonardo — Ele realmente é incrível!
Periel vai até ele e observa Miguel também.
— Ouviu isso, Auriel? — perguntou Periel para ela — Agora vê se para de chorar e nos lidere da forma certa!
Leonardo o fita sem entender o ataque. Zaniel se levanta com um semblante nada amigável e não gosta do que ouve, mas Auriel ignora e permanece sentada sem olha-lo.
— Vai me ignorar mesmo? — insiste Periel.
— Será que dá para você parar de ser chato pelo menos uma vez na vida? — retruca Zaniel, o empurrando no peito de leve.
Leonardo se afasta. Periel fica frente a frente com ele.
— Ah, para, você sabe que tenho razão! — rebate Periel — Estamos sendo deixados pra trás por um mortal mágico, um golem e uma demônio que ninguém nunca viu, e o que a nossa líder faz? Vai chorar pelos cantos porque o namorado se machucou.
Zaniel o agarra pela camiseta e o encurrala na parede. Os dois se encaram furiosos.
— Ela passou mal e você acha que não é nada? Sabe que Auriel sofreu muito, essas coisas mexem com ela — argumenta Zaniel.
— Eu também perdi muitas pessoas e nem por isso estou na janela CHORANDO COMO UMA CRIANÇA! — aponta o potência.
Zaniel perde a paciência e o derruba com um soco. Periel se levanta e o acerta também. Os dois se enroscam no chão e Leonardo corre para tentar separar.
— Por favor, não façam isso! — brada o mago tirando Periel de cima de Zaniel.
Periel se solta com raiva e caminha para o quarto. Zaniel limpa sua boca e está ofegante.
— VAI SER ESSE MANSO NO INFERNO! Quer saber? Auriel é uma péssima líder! — desabafa Periel — Enquanto isso, Mordred está invocando Shemihazah e ela está aí nos ignorando!
— LIMPE SUA BOCA ANTES DE FALAR DELA! — grita Zaniel, contido com dificuldade por Leonardo — Belo amigo você é.
— Tá com pena? Casa com ela! — rebate Periel — Ah, esqueci, você nunca vai conseguir isso.
Zaniel ameaça avançar e Leonardo se desespera. Periel entra no quarto e fecha a porta com força. Auriel lança um olhar e Zaniel percebe. O dominação se solta de Léo, caminha até a janela e toca o braço direito dela.
— Me desculpe, eu perdi a paciência com ele — disse Zaniel — Periel está louco e...ele não compreende você, mesmo que tenham passado muito tempo juntos.
— Bem, ele está certo! — afirma Auriel — Eu falhei e deixei meus sentimentos me dominarem.
— Não diga isso, foi difícil para todos nós, mas sabemos do seu caso, você não teve culpa nisso — responde Zaniel, alisando suas mechas rubras enquanto ela observa as pessoas na rua — Isso não é uma fraqueza.
— É sim, infelizmente é — disse ela, respirando fundo — Eu poderia ter salvado Miguel da armadilha, deveria ter previsto isso. Zan, eu senti os ataques, mas não fiz nada.
Zaniel acaricia o rosto dela; esta fecha os olhos sobre a mão do dominação.
— A culpa não é sua, nada disso é culpa sua, agora eu vejo — consola Zaniel — E além do mais, ainda podemos impedir Mordred, ora, somos mais poderosos. Não ligue para as palavras dele, vai se machucar ainda mais.
— Já estou machucada por dentro há muito tempo, Zan — responde Auriel — Me sinto impotente, por mais que me esforce, alguém sempre paga com a vida pelos meus erros. Pessoas que contavam comigo enterradas dentro de covas. Estou cansada disso.
— Eu cuido de você, mas por favor não se culpe mais — pede ele.
— Eu vou tentar! — promete ela, segurando firme a mão do amigo.
Eles se olhavam quando Auriel sente um chamado. Ela ergue sua mão esquerda e um portal pequeno aparece diante deles. Uma mulher usando um vestido branco com detalhes dourados, cabelo ondulado, pele negra, olhos esverdeados e asas aparece.
— Lisael, e então? — questiona a ophanim.
— Olá, Auriel. Fiz o que você me pediu, vasculhei toda Zódia a procura de evidências de Nahemah — relatou a líder das Virtudes — Olhamos livros, pergaminhos, poemas, poesias, anotações, registros de habitantes do Céu antes e depois da queda de Lúcifer, registros de encontros com demônios, decretos e...nada. Me desculpe.
— Compreendo — respondeu Auriel — É estranho não ter absolutamente nada sobre ela.
— Nós, Virtudes, temos a função de ver e registrar tudo o que acontece, por bilhões de anos é assim, mas não temos um único registro de um anjo ou demônio chamado Nahemah em nossos arquivos — disse Lisael — Esta é a primeira vez que ela aparece, e eu estou tão surpresa quanto vocês.
Zaniel se aproxima do pequeno portal.
— Vocês tem acesso de alguma forma ao que os demônios registraram também? — perguntou o dominação.
— Temos sim — confirma ela — Auri, se lembra da vez que os querubins capturaram um escriba que era próximo de Lúcifer?
— Sim, isso foi recente, não deve ter nem 10 anos — respondeu Auriel.
— Pois então, nós fomos até Tenebris interrogar o tal escriba sobre Nahemah — conta a virtude.
— Deu algum resultado? — quis saber Zaniel.
— Infelizmente não, pelo contrário — continua Lisael —, o escriba estava tão surpreso quanto nós. Ele relatou diversas vezes que não conhecia e nunca tinha ouvido falar em Nahemah, mesmo frequentando todos os dias o palácio de Lúcifer e sabendo de muita coisa que o próprio Rei do Inferno lhe contara e ele via e ouvia — prossegue — Comprovamos que ele realmente dizia a verdade, e também conseguimos autorização para olhar seus registros que foram apreendidos. Nada também. É como se ela simplesmente não existisse.
Auriel e Zaniel se entreolham encucados. Leonardo se aproxima deles e Zan toca seu ombro.
— E a aura dela é nova, bem diferente das outras, o que atesta que é alguém nova — disse Auriel — Mas se ela é tão poderosa, por que nunca ouvimos falar dela e não há registros dela nem mesmo entre os demônios?
— Isso é um mistério — respondeu Lisael — Minha teoria é de que Nahemah pode ter fugido do Inferno quando ainda era infante, o que explica que nem mesmo o escriba da confiança de Lúcifer saber dela. Ela é diferente dos outros, é fácil notar isso. O difícil seria saber como ela fugiu e como conseguiu sobreviver todo esse tempo antes de conhecer Mordred.
— Ou ela pode ter sido escondida no próprio Inferno todo esse tempo — sugere Léo.
— Ah, Lisael, esse é o Leonardo, meu amigo humano — apresenta Auriel — Ele é um mago treinado pelo próprio Merlin.
— É um prazer conhecê-lo — diz Lisael.
— Igualmente — responde Léo.
— Bem, sobre sua teoria — Zaniel aponta para Leonardo —, é interessante, mas como estaria escondida, por que estava e por quem? E se nem mesmo Lúcifer sabe sobre ela?
— Só existe uma pessoa que Lúcifer realmente revelaria todos os seus planos, e Auriel sabe quem é — disse Lisael.
— Azazel — respondeu a ophanim.
— Mas mesmo assim, por que ele não contaria sobre Nahemah, supondo que eles tem alguma relação, para os outros? — teoriza Lisael — E se Zaniel estiver certo e nem mesmo nosso pior inimigo a conhece direito? Eu fico com a minha teoria de que ela fugiu de lá antes de ser conhecida. Como disse, Nahemah age diferente dos outros demônios, não parece seguir ordens de algum.
— São tantas perguntas sem resposta — afirma Auriel — Mas é muito, muito difícil, sair do Inferno. Abaddon e seus subordinados guardam as entradas e de lá não saem enquanto o chefe não mandar. Já ouvi relatos de fugas mal-sucedidas, mas não parece ser o caso de Nahemah. Nossa inimiga da vez é diferenciada.
— Seja como for, precisamos detê-la antes que apronte mais coisas — fala Zaniel.
— E Miguel? — pergunta Lisael.
— Está melhorando, o ferimento foi muito grave, por pouco não atingiu o coração, mas ele está se recuperando — responde Auriel.
— Que bom, fico feliz por isso — disse Lisael — A espada que o golem usou é outro mistério. Devia ser uma arma celeste, precisamos investigar como chegou até ele.
— E nós vamos, mas depois que terminarmos com tudo — garante Auriel — Lisael, obrigada mais uma vez pela ajuda.
— Eu que agradeço, boa sorte na batalha — diz a virtude antes de desaparecer.
Auriel desce da janela e é seguida pelos olhares de Leonardo e Periel. A garota-anjo brinca um pouco com Larry e vai até Miguel.
— Periel já se acalmou? — perguntou ela.
— Talvez, já quer chamá-lo? — questiona Leonardo.
— Não, só para saber mesmo — respondeu Auriel — Deixa ele esfriar a cabeça, vocês precisam disso também.
— Estamos estressados, e não devíamos ter feito aquela cena ridícula, fato — sentencia Zaniel.
— Em outros tempos, eu estaria espancando Periel pelas coisas que me disse, mas entendo a revolta dele — disse a ophanim.
— Nada justifica esse ataque, ele deixou o ódio o consumir — responde o dominação.
Zaniel senta ao lado dela no sofá. Larry pula no colo de Auriel e recebe carinhos da dona. Leonardo sorri ao ver a cena. Eles começam a conversar sobre outros assuntos, quando Miguel começa a se remexer na maca, mas ainda desacordado. Eles correm até o General Celeste. O clima muda drasticamente e uma aura de titã é sentida forte.
— O que está acontecendo? — perguntou Zaniel.
— Ziz! — responde Auriel — A Águia Sagrada sofreu um ataque. Está nos alertando.
— Mordred! — chuta Leonardo.
— Consigo sentir, é a aura de Nahemah — disse Zaniel — Ela está se movendo rápido para o...
— Monte Hermon — complementa Auriel — Eles estão com as rochas. Vamos!
— E Miguel? — questiona Periel, saindo do quarto.
— Ele vai ficar bem, mas precisamos ir, e rápido! — afirma ela.
Leonardo abre um portal com sua magia direto para a região. Auriel o olha e ele entende.
— Sim, eu sei que podem se mover em não sei quantos muitos ilhões de vezes a velocidade da luz e se teletransportar — disse Leonardo —, mas deixem eu testar esse poder que aprendi em Avalon.
Eles assentem e entram no portal, que se fecha quando os quatro aparecem diante do Hermon, cuja noite domina a região.
— Espalhem-se, eles podem estar ocultos em qualquer lugar — ordena Auriel.
— Agora está melhor para nos liderar? — pergunta Periel, em tom de zombaria.
— Você não dá uma trégua nem aqui? — rebate Zaniel.
— É proibido perguntar? — retruca Periel.
Auriel apenas o fita sem dizer nada.
Os quatro se separam pela região e chegam até uma pequena vila aos pés dele. Periel entra em algumas casas, mas não encontra ninguém; Zaniel faz o mesmo e percebe que o poço está seco.
— Será que alguém ainda mora aqui? — pergunta Zaniel.
Auriel caminha pela vila e tudo que vê são casas aos pedaços. A ophanim dá mais alguns passos e para diante de um crânio humano envolto em um círculo místico com um hexagrama no centro. Ao olhar para trás, vê mais ossos pendurados e carne podre no chão.
— Meu Deus — diz um pouco perplexa.
Leonardo examina alguns ossos e se abaixa no chão. Ele percebe algumas marcas ocultas pelo tempo na areia.
— Pessoal, tem algo muito estranho aqui — disse ele.
— Eu sei — responde Auriel — Esse lugar está estranho.
— E nenhum sinal de Mordred aqui — afirma Periel — Auriel, você nos trouxe para o lugar errado!
— Não, eles estão aqui, Periel — responde Zaniel —, eu posso sentir. Eu sinto a energia das rochas.
— Só se for na sua cabeça oca, Zan. Não há nada aqui! — rebate o potência — Parece que nossa líder está perdida.
Auriel permanece sozinha observando uma casa quando nota movimentações. Leonardo, do outro lado, percebe movimentos através dos ossos. O mago se aproxima quando um vulto passa por ele e o derruba.
— Tem alguém aqui! — grita Leonardo.
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