O Caso do Cego
— Conhece o caso do homem que não podia se ver em um bom relacionamento?
— Não.
— Bom, é mais ou menos assim: um sujeito sentado na calçada olha as estrelas pingadas num absurdo breu e suspira. Na face gotas de água, entre os dedos vasilha de café com chocolate e leite há muito frio. Tinha pego os quinhentos reais ganhos da sua última apresentação numa peça do circo e gasto todo naquele dia. E descoberto: era agressor e vítima.
''Passara a manhã nas feiras com cinco colegas de profissão. Jurema, Gerúndio, Firmino, Adelaide e Carminha.
Jurema era uma moça que vivia a sorrir e tinha curvas de uma rua que passa sobre dois morros vizinhos. Mas faltavam-lhe os dentes superiores da frente e isso punha-os todos a acompanhá-la em seus risos.
Gerúndio estendia-se a dois metros e meio de altura e seus braços erguiam com facilidade qualquer um dos colegas. Mas tinha uma cabeça pequena para o corpo e era sempre comparado a limões, laranjas, botões de camisa e qualquer pequena esfera.
Firmino era um sujeito robusto com músculos que fariam ursos famintos questionarem se valia a pena comprar aquela briga. Mas tinha sessenta anos e mais netos do que qualquer de seus colegas seria capaz de guardar o nome.
Adelaide e Carminha, gêmeas com uma memória de recitar a grande enciclopédia das bestas terrestres após uma única noite com ela em mãos. Mas uma perdera o olho esquerdo apartando uma briga de galos e a outra vivia tomada por espinhas e marcas de espinhas estouradas.
E ele. O homem não muito alto ou baixo, feio ou belo, inteligente ou burro. Mas que queria o alto, o belo e o inteligente. Todos em um, assim como almejava o traje mais confortável e elegante. A bebida mais inebriante e a comida mais deliciosa.
A tarde veio, na mesa de um restaurante as palavras vieram e foram. 'Contei sobre o caolho que não sabia ler?'; 'Dio e Platos? Quando Platos disse que o homem era um bípede sem penas, então Dio...'; 'A família de sete irmãos anões que terminou em sangue e aço por causa de uma moça pálida?'.
E no fim dela, ao invés de seguir com qualquer convite deles, foi a um bordel. Deitou-se com Laila dos cabelos cor de mel e Marcio dos dedos ágeis. Bebeu e comeu do bom e não barato. As moedas esvaíram até se ver na calçada após gastar as últimas com uma garrafa de café, chocolate e leite.
Então, sozinho e seco, desejou amor verdadeiro. O não comprado, o ensandecido em sua infindabilidade.
E soube que não se deixava ver as pessoas a sua volta. E que não desejava se aprofundar em pessoas que não atendessem altos padrões. E que isto o afundava.
— Então arrancou os próprios olhos e sangrou até a morte.
— ... quê?
— Ficou cego - ela.
— Morreu - ele.
— É, mas a cegueira veio primeiro - a oni, Morgan.
— E qual o pon... - suspiro. - tá, esquece... - Valdeci, então voltaram a acasalar.
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