Livre
O que é ser livre?
— Você não sabe? A tão esperta e cheia de si, Liv, não sabe?
O lábio dela teve a ponta esquerda a baixar tenuamente.
Agora era certo de ouvir algo que a faria sentir que viveu dotada de alguma crença boba até ali.
Segurou a tentativa do canto esquerdo da boca de subir. A perspectiva do novo era excitante.
Suspiro. Riso breve, baixar e subir da face.
— Fazer o que quer, quando quer... - murmurou, fitando as nuvens passeando à frente do sol, então descendo o olhar a terra. Virando-o a esquerda, soltando um assobio por três segundos. Encontrando homens e mulheres diante de pratos de batata e carne, com palitos feitos de talher. Seis sobre o piso de pedra do tatame largo e longo, três no de madeira da varanda retangular que o rodeava.
Mastigar, engolir e de novo. Nhac, nhum, nhac. Seguido pelo som oco de pés cruzando assoalho para levar as tigelas vazias.
Era um território humano localizado ao sul da licantropa cidade de Semiramis. Duas horas de uma vila agrícola tomada por campos de batata, macieiras e laranjeiras.
— Hehehe - o idoso a direita da garota, encostado no corrimão de madeira. Careca, barba branca e mal aparada. Pele demarcando os ossos das bochechas.
Ela baixou as pálpebras. Vestida em quimono alvo, cabelos cor de breu. Dezessete anos e chifres com pontas marcadas de carmesim.
''Vou matar esse velho metido...''.
Soltou ar pela boca e riu. Fedia a violetas.
— Então o que é liberdade? - perguntou, fitar de soslaio no sujeito esguio.
O mindinho do senhor encontrou a orelha do senhor. Estrela da manhã na metade dos céus, delineando os ladrilhos e deixando apenas resquícios de sombra próximas a borda norte da varanda onde eles estavam.
Odor de suor engolia a atmosfera. Quase assassinava o de carne cozida, chá, violetas e jasmins.
— Provavelmente não é algo que uma pessoa possa conseguir. Talvez deus, o deus primeiro e que pariu todo resto, seja livre - girando o dedo, então o tirou e pôs a frente. Melado de muco marrom. Encarou, com rosto solene e feliz, com olhos estreitos e negros, soprou e sorriu mais. - Viu? No momento em que pensei sobre limpar ou não limpar, eu já tinha sido levado a uma encruzilhada. Pensei na pergunta e independente da ação, seria moldada pelo fato de ter a orelha mal lavada. Todos estamos sendo invariavelmente direcionados por aquilo que nos cerca, cada decisão é uma resposta ao meio externo e interno. Se sentimos fome comemos, se queremos contrariar e não comer é uma resposta levada por algum outro percebimento do que nos cerca... hmmm... por exemplo, se eu sei que está envenenado, ou tem gosto ruim, se quero fazer jejum para melhorar o corpo ou mente, se estou amargurado com as coisas da vida. E estes também tem seus próprios motivadores que tem também os seus e assim por diante.
O encarou. Estavam sentados na entrada ligando varanda e tatame. Canto direito, pés apoiados no segundo dos três degraus que levam acima e abaixo. Descalços contra assoalho frio.
O conhecia há três semanas e o saco de ossos falante... falava. Muito e um tanto mais. Teria ido embora no terceiro dia, mas...
— Mas há escolha, ter escolha é ser livre - era divertido, sorriu. Ele dizia que era preciso sorrir. Depois de um tempo o fazendo pareceu se tornar leve...
A falta dos raros momentos em que a irmã ficava em sua companhia, a falta da nunca tida atenção materna para o que estivesse além de resultados em estudos, dos irmãos menores sendo estúpidos patinhos... fazia dois anos que não os via.
O velhote riu. Humano, fraco demais e, ainda, no recinto era o único cuja energia mágica fora capaz de pô-la um ligeiro toque de preocupação. Oitenta anos, na juventude viajara todo o continente e fora aclamado como o melhor usuário de espada vivo.
''Bom, comparado aos outros fracassados que vi fora de casa, o velho passa a sensação de que poderia ter sido forte antes de virar esse trapo''.
— Menina, você sabia? Para uma pessoa nascer é preciso que seus pais tenham nascido, crescido até a fase onde o corpo pode reproduzir, encontrado um ao outro, copulado e fertilizado com sucesso. Então é preciso passar nove meses, mais ou menos, esperando até cagar o bebê barriga a fora... sabe o que foi necessário para tudo isso?
A oni olhou para frente, folhas caiam da árvore do lado de fora da propriedade.
O vento as derrubara. Depois de percorrer quilômetros e quilômetros. De fazer subir e descer ondas. De ter-se dissipado e reagrupado e dissipado novamente.
Como surgiu o vento, o que era o vento?
''Não sei'' com um estranho excitamento empurrando todo resto para fora e se instalando nas bordas do corpo.
— Comida, água, alguém para consegui-los - respondeu. Duas moças voltavam da cozinha e iam ao centro do tatame. Três vinham e sentavam na varanda. Fios e roupas dançando ao ritmo da brisa. Fresca, leve. - Resistir a doenças, a feras e pessoas que queiram feri-las. Uma casa, caprichos, amizades e inimizades, dores e prazeres. Experiências ruins e boas... uma miríade de coisas acontece...
As pálpebras ergueram-se lentamente a cada palavra, alcançando o limite na última.
Um sorriso subiu a boca da oni e um calor elétrico pareceu tomar a caixa torácica.
''Não sei de nada'', riu.
Admitir isso era estranhamente reconfortante.
— É uma perspectiva divertida, não é? - o velho, Yagyu, com sorriso nos lábios. O quimono folgado que escondia-lhe metade das mãos. - Há muito e ainda mais para cada pequena coisa... o que faz até da menor delas enorme. Traz o estranho pensamento: eu realmente não sei nada. E o ânimo com a antecipação do que ainda precisa saber, do quanto pode saber, ver, tocar, sentir, cheirar, provar... Eu sou um idoso, vi muito e um tanto mais, mas o que sei do que existe é tão pouco que seria exagero comparar até a um grão de arroz...
Suspiro.
— Acho que meus únicos arrependimentos serão não ter visto os continentes além mar, descoberto porque há tantas estrelas e encontrado algum atlanti... e ido a Atlântida, passeado por sua cidade e história, comido e cagado por lá... hehehehe - Yagyu, mindinho subiu e encontrou o nariz. - Conhece a história da princesa Medusa, menina?
Assentiu.
— Ela era filha do pontífice da época pouco antes da primeira Grande Guerra entre as raças - ela disse e cruzou as pernas e pôs as mãos nos joelhos. Peito estufado, vontade de rir e correr mundo a fora entalada na garganta, então balançar suava para frente e para trás. - Os elfos tinham conseguido arranjar um casamento com um atlanti. Tinham a esperança de usar a tecnologia do povo submarino para controlar as demais raças.
O velho balançou uma afirmação com a cabeça.
— E quando os atlantis vieram descobriram que Medusa estava grávida - outra pessoa, vindo por trás com passos surdos na madeira. O púrpura da oni o encontrou. Humano, alto e de um esguio atlético. Segurava duas tigelas com um topo de carne e arroz pairando além da borda. Tinha cabelos e olhos negros, uma mancha escura entre lábio e queixo. - E-então, b-bom, eles v-viram nisso uma ofensa e desmarcaram tudo e transformaram a princesa em um monstro.
Zaza, desviando o olhar para esquerda sob o encarar da oni. Ligeiros dedos de rubor subindo a face.
Ela soltou um risinho. Depois de ontem supora que a timidez o teria abandonado.
''Pensando bem, assim é mais divertido''. Pousou a mão no joelho do rapaz.
— Para mim? - perguntou. ''S-sim'' disse ele e sentou e entregou uma das tigelas e deu outra ao velho.
Comeram.
— Então... - em meio a mastigar e engolir. - A liberdade... não?
— Hmmm... a liberdade... sim - o idoso Yagyu. - O sentimento... esse dá...
— Hum...? - gulp, nhac, gulp. - Como... assim?
— Escolha... objetivo... independente de... maioria dos impulsos... - entregou a tigela a Zaza. Engoliu e limpou a boca na manga do quimono. - Se conseguir alcançar o que escolheu alcançar, mesmo tendo tido que passar por cima de grito interno de cansaço e externo de obstáculo, se sentirá plenamente livre. E isso é o mais perto da liberdade que uma pessoa pode chegar.
A pequena criatura demoníaca deu a vasilha a Zaza. Então ergueu um dedo para os grãos e caldo ao redor dos lábios.
O rapaz pôs as tigelas no chão. Estavam raspadas até branco da porcelana e manchadas por resquícios de marrom. O cabelo do humano era liso e marcado por tênue franja em cima, curto nas laterais.
Fedia a um banho recente. Jasmins? Inspirou um pouco mais vigorosamente. Sim.
Carmim tocou as bochechas do rapaz. A íris foi a esquerda e subiu em arco para cima. A mão subiu, parou, tremeu, rumo ao rosto dela, continuou. Foi agarrada.
— Com a boca - a oni, pressionando o pulso de Zaza. Olhos se encontraram. Ela amou o que viu ali. Desejo, tanto que o rapaz sentia vergonha sob a noção da quantia.
Ele engoliu em seco. Era o filho do falecido Takada Sekishusai com uma vampira... Smith? Não recordava o nome da senhora que fechava o semblante sempre que a via, que perguntava com frequência quando iria partir e respondia-a com o menor número de palavras possível.
Ele se aproximou devagar. Parou, recuou, virou a face ao lado, vermelho beterraba.
O velho riu. ''Hehehe''.
— Vamos, vamos, não deixe a moça esperando.
Alguns dos outros jovens entoaram entre risinhos: vamos, vamos.
Ele engoliu em seco, fitou de esguelha o púrpura no rosto sereno da oni. Fechou os olhos, se aproximou.
Lambeu. Úmido e quente.
Canto esquerdo da boca dela, canto direito. Língua, língua.
— Obrigada - a oni, sob o urro zombeteiro dos outros jovens. Então agarrou a parte de trás do pescoço dele. - Acho que te devo algo.
E o puxou para si e bocas encontraram-se.
Mais aclamações. ''Arranjem um quarto'', ''Olha o inchado'', ''A baixinha é gulosa''.
O soltou. Lilás contra o negro dele, nariz tocando nariz e expiração e inspiração misturando um com a do outro.
— Eu topo arranjar um quarto - ela - E você?
— Éééé... - fechou os olhos, baixou o tom. - Mais tarde?
— Você é tão mau comigo... - o beijou. Língua entrando lábios a dentro e encontrando língua. Dois e três e quatro segundos. - Logo que a noite surgir, certo?
Quando virou para Yagyu, ele roncava e saliva escorria lábios a fora.
— Ele dormiu...
— Ele dormiu - Zaza.
Era um dojo. Pertencia a família Sekishusai que lencionava vinte e cinco jovens, quinze residiam ali, e dez adultos, dos quais sete eram professores e habitantes.
— Então... dia livre? - a oni, voltando o olhar aos demais adolescentes, punho erguido vitorioso.
— Não - Cleberson, um dos moradores. Alto, robusto e com cauda curta descendo a partir da base da coluna. - Vamos continuar normalmente.
Uma onomatopeia de desânimo encheu o tatame circulado por varanda.
O treino começou trinta minutos depois.
A pequena criatura demoníaca praticou com eles. Repetindo o movimento absurdamente lento dos instrutores usando energia mágica para fortalecer o corpo como pedido. Participando de sparrings contra golpes cujo acertar ou desviar não fazia a menor diferença.
Quando terminou, exibia uma gota de suor e bocejos.
''Poderia matá-los em meio minuto... provavelmente menos''.
Desde que saíra de casa, uma menina oni chegara perto de se equiparar em força bruta. Alguns monstros perto de serem mais rápidos do que podia enxergar. Um aventureiro de rank 1 a fez considerar a possibilidade de ser morta.
''Mas estou aqui, não posso dizer o mesmo de todos eles''.
— Za - chamou, braço esticado e mão aberta. - Quarto? Se bem que ao ar livre não me incomoda.
Ouve comoção dos demais presentes. Risos e frases de gozação.
— Hum? - o velho Yagyu. - Já é noite?
A oni o fitou. Baixou as pálpebras. Suspirou.
— Arruma o que uso, já já vou - para Zaza, então se pôs ao lado do saco de ossos patriarca do dojo.
A noite era...
''Escura e cheia de terrores''.
Sempre parecera o melhor lugar para ela. O negro mescla tudo em si, o branco o expele. Quando a luz finda, por um momento, se fizer silêncio o bastante e escutar, tudo se torna um. Da água que rega plantações ao humano que planta e colhe e come e vive. Do sol que aquece as manhãs e traz visibilidade ao mundo ao coelho que saí da toca para atrair a Alice até o buraco.
A sensação de unidade alcançada é uma ilusão... ou talvez a quebra dela.
''O que é a vida? E por quê pedras e água e árvores se movem apenas sob influência de outro...?''
Comemos porque temos fome. Ou não comemos. Para nos rebelar contra fome, por estarmos doentes ou por um jejum em nome de algo.
''Também as pessoas se movem por influência de outro...''
— Ei, o que é tudo isso... o que é a vida? - perguntou para o velho.
— Vida? - ele, bocejo, mindinho subiu ao nariz e girou. Riu brevemente. - Vida com certeza é o que temos à nossa frente. Ah, isso não acho que posso negar. É tudo que conhecemos e de onde tiramos o conceito ''vida'' afinal... hehehe, também queria entender mais, ver mais, ouvir e sentir mais... dói um pouco saber que nunca saberei mais do que é a vida do que esse tanto do que pude testemunhar e escutar e ler.
O púrpura deixou a caraça pálida e enrugada do velho e fitou o reflexo do luar no piso do tatame. Depois o céu, as estrelas nele, as nuvens, a lua. Ergueu na imaginação a varanda e as pessoas ao seu redor.
Era assustador. A vida podia significar tudo ou nada e nunca saberia. Criaturas morriam o tempo todo, ela mesma morreria, se vida significa tudo... arrepio gélido e contorcer do estômago.
Balançou a cabeça de leve.
Estava ali, estava no talvez tudo. Tinha que vê-lo, cheirá-lo, tocá-lo e senti-lo antes que ela acabasse.
— Mal posso esperar para ir dar uma conferida no que existe para conferir - disse e se pôs de pé. - Obrigada.
O velho assentiu e ela partiu.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro