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23 - O Morcego



Na terça-feira da semana seguinte Luan acordou sob as cobertas quentes, sentindo o ar gelado do lado de fora penetrar pelas frestas, algo bem atípico para a época. Luke, enrolado a seu lado, também parecia relutante em sair do conforto do cobertor. Luan esfregou os olhos, espreguiçou-se e sorriu para seu fiel amigo de quatro patas.

Com esforço, levantou-se da cama e caminhou até a janela. Luan observou o céu nublado que teria de enfrentar para seguir com Luke em direção ao refeitório, onde compartilharia o reconfortante café da manhã com os outros internos da clínica.

Pouco depois de Luan chegar ao refeitório, Jasmim apareceu, cumprimentando a todos gentilmente, e lembrou-o:
– Não se esqueça da sua consulta comigo daqui a pouco, hein?

Estarei pontualmente! – afirmou Luan, concentrado, enquanto cortava seu segundo pão.


Nas refeições em grupo, que faziam parte da terapia de Luan, ele era encorajado a se socializar, embora preferisse ficar no seu quadrado. Durante esses momentos, Luan sempre fazia um esforço para conversar com quem estava ao seu lado ou com qualquer pessoa que passasse por ele e puxasse conversa, como Jasmim o orientou. No entanto, naquele dia, ele não conseguiu manter esse personagem quando uma interna novata se aproximou dizendo: - Posso me juntar a você, gatinho?

Luan, encabulado, fez um gesto afirmativo com a cabeça, mas permaneceu em silêncio.

A interna perguntou provocativamente: – O gatinho sabe falar ou só mia?

Luan respondeu educadamente: – Agradeço pelos elogios, obrigado.
Ele então baixou a cabeça, voltando ao silêncio.

A insistência da interna continuou: – Ah, você não quer se divertir um pouco? Vamos começar bem o dia!

Luan balançou a cabeça e disse em tom neutro: – Desculpe, não é o que estou procurando.

Outro interno, que ouvia a conversa, interveio com um comentário malicioso: – Esse cara não curte mulher, mas eu curto!

Luan decidiu encerrar a situação: - Com licença, pessoal, tenho uma consulta agora. - respondeu limpando sua boca com o guardanapo de papel.

O que disse era verdade, seguiu em direção ao consultório da Jasmim, apenas fez uma pausa para escovar os dentes no banheiro coletivo mais próximo.

- Licença Jasmim, posso entrar?
- Sente-se Luan. Quais as novidades desde a última consulta?

Luan, com uma expressão pensativa, esforçou-se para organizar seus pensamentos após tudo o que havia vivenciado recentemente, sentindo-se um pouco perdido. No entanto, ele começou a falar com hesitação:

– As experiências daquele ritual que fizemos juntos e... depois, na jornada espiritual que fiz com Elohim, mexeram profundamente comigo. É difícil ser o mesmo após vivenciar tantas experiências impactantes.

– Você acha que mudanças podem ser algo positivo? – indagou Jasmim, fazendo-o refletir.

– Mudanças são importantes, mas não vou mentir, Jasmim, elas estão mexendo comigo de um jeito assustador. Às vezes, parece que estou num quebra-cabeça sem fim, tentando juntar todas essas peças confusas... As imagens que vi não saem da minha cabeça, até nos meus sonhos o Natã aparece... Sinto uma culpa que mal entendo de onde vem, e às vezes me sinto perseguido por algo invisível e nefasto – confessou Luan, com uma expressão carregada de preocupação.

Jasmim ouviu atenta e respondeu em tom confidencial: - Luan, essas jornadas que fazemos no chalé são sempre incrivelmente intensas, e é por isso que as mantemos em segredo. Só convidamos quem está realmente capacitado a enfrentá-las. Confiamos em você!

- Mas o medo de pirar não me falta. - confessou Luan rindo de si próprio.

- Você está indo bem, e não está mais sozinho. - disse Jasmim fitando-o profundamente nos olhos, e repetiu: - Você não está sozinho!

Após um breve silêncio, Luan desabafou em tom sério: - Tudo isso desafia tudo o que eu pensava que conhecia sobre mim mesmo e sobre a vida... é confuso, estou em busca de respostas, mas ainda não sei exatamente quais perguntas fazer!

Luan pegou o copo de água à sua frente e tomou, respirando profundamente como se buscasse equilibrar suas emoções, e continuou: - Além dessa confusão do passado, há a insegurança em relação ao futuro. Como vou lidar com a vida lá fora depois de toda essa loucura? Não se trata apenas das experiências sobrenaturais, mas também da vida traumatizante de morador de rua e até mesmo do sequestro do seu filho!! - finalizou com um peso enorme sobre os ombros.

Jasmim silenciou até notar que Luan havia realmente finalizado, pois cada palavra dita era muito significativa. Ela sabia que tinha sido um processo difícil para ele se abrir, especialmente considerando que nas primeiras sessões o paciente mal conseguia falar e quando falava, suas falas eram repletas de confusão.

- Percebo e compreendo que o passado e o futuro estejam gerando uma grande ansiedade em você... é importante lembrar que a busca pelo autoconhecimento é um processo gradual. Portanto, não é necessário se apressar para tentar entender tudo de uma só vez. Em vez disso, concentre-se nos pequenos avanços que você está fazendo. - e abrindo um sorriso, Jasmim comentou, emocionada: - E quantos avanços, hein? Você se lembra de como chegou aqui? Nem parecia esse Luan que está aqui falando comigo!

Luan sorriu fazendo um gesto afirmativo com a cabeça, e Jasmim prosseguiu em tom amigável: - Procure ser gentil com esse novo Luan, que já superou tantas coisas, que travou tantas batalhas e que merece um tapinha nas costas. - Luan marejou seus olhos ao buscar se ver com compaixão.

E num tom teatral, Jasmim repetiu pela milésima vez: - E procure sempre ser útil!

Luan concluiu no mesmo tom: - "Mente vazia é a oficina do diabo." - e voltando ao tom normal prosseguiu: - Estou fazendo tudo o que é recomendado, aliás, você viu que terminamos de pintar o muro?

- Isso é ótimo, infelizmente tem internos que não querem participar das tarefas coletivas, pois não entendem a importância de ser útil. Alguns nos acusam de querer trabalho escravo. - disse Jasmim sentida.

Luan fez uma pausa para mais um gole de água, e prosseguiu: - Eu percebo a importância disso tudo, mesmo assim, confesso que às vezes me sinto inútil. Não era isso que o jovem Luan sonhava para si aos quarenta anos. - expressou com pesar.


Jasmim balançou a cabeça em sinal de compreensão, e perguntou: - Você está tomando apenas os florais e as homeopatias que a Bella te indicou, certo?

- Sim... e os chás também, isso tem me ajudado a dormir. - afirmou Luan.

- Ótimo, tem certeza que não quer passar com o doutor para que ele te recomende um remédio controlado para te ajudar a passar por esse momento de ansiedade? - Jasmim já sabia a resposta, mas resolveu oferecer pela terceira vez.


- Gostaria de tentar ver até onde consigo ir sem mais essas drogas, já fui muito viciado nessas muletas, como te contei.


- Está certo, Luan, se sentir necessidade me informe. - concluiu Jasmim: - E hoje, somente hoje, como você se sente?

Luan, relembrando o fato ocorrido no refeitório, disse: – Confesso que estou me estranhando. Hoje, uma moça muito bonita ficou me... – Luan, constrangido por contar para a mãe de Dandá o que houve, se calou por um instante. Jasmim esclareceu:

– Lembre-se de que essa conversa é totalmente profissional, Luan!

- É que... a moça estava dando em cima de mim e eu nem liguei, se fosse há uns anos eu certamente teria me aproveitado da oportunidade.

Jasmim sorriu contida, pois já havia ouvido os comentários sobre os olhares de Luan para Dandá, mas isso não era assunto para a "profissional" comentar.

- O que você achou dessa sua mudança? - perguntou ao paciente.


- Intrigante no mínimo, mas o pessoal agora acha que não gosto de mulher. - riu Luan de si mesmo.


- Isso te incomoda? - averiguou Jasmim.


- Na verdade, incomodaria o antigo Luan, mas eu não me senti afetado pelo que ouvi. Como o sábio Ian disse, quando vemos as coisas de ponta cabeça vemos diferente como os morcegos no parquinho. - concluiu rindo.

- Ai... Essas coisas Elohínicas que ele aprende... - disse Jasmim rindo, e observando que o tempo se findava concluiu: - Luan, lembre-se passo-a-passo. E procure, "só por hoje" focar no presente. Continuamos na próxima terça?


- Claro! Muito obrigado. - disse já se retirando, quando Jasmim o chamou novamente: - Ah! Luan, hoje às 17:00 teremos uma arteterapia em grupo, eu gostaria muito que você participasse.

Luan que não curtia as terapias em grupo, fez uma cara esquisita e perguntou: - É realmente necessário?

- Não é obrigatório para você, mas seria muito bom se você viesse! Aliás, a Dandá que vai me ajudar a organizar esse grupo. - disse Jasmim astutamente.


- A Dandá vem hoje? - disse Luan com um sorriso tímido. - Já faz uma semana que ela não aparece por aqui.

Jasmim achou engraçado seu constrangimento e confirmou com um gesto: - Você está convidado!

Com um aceno de cabeça e um agradecimento a Jasmim, Luan retornou ao chalé em companhia de Luke que o esperava ansioso na porta do sobrado.

Ao chegar no chalé, Luan, ansioso, já separou o conjunto de moletom azul-marinho novo que usaria na terapia grupal, um que sua mãe havia lhe enviado. Também passou um pano em seu tênis branco. Então, olhou para o espelho e viu que precisava fazer a barba e ajeitar os cabelos para ver Dandá... quer dizer, para participar da terapia.

Porém, ainda estava cedo, deixou isso para mais tarde e foi para o trabalho comunitário. Seria bom para fazer o tempo passar mais rápido, pensou. Reuniu-se com os outros internos em torno do canteiro que estava sendo criado ao longo da extensão quilométrica do muro recém-pintado. Certamente, seria um serviço para o mês todo.

Alguns internos mais fortes e experientes revezavam-se no serviço de cavar os buracos, enquanto outros colocavam as mudas de espadas de São Jorge e flores cujos nomes Luan não fazia ideia, depois cobriam com terra. Outros internos vinham regando com regadores de plástico, embora o dia cinza indicasse chuva em breve.

Luan, prestativo, ofereceu-se para cavar um pouco e dar uma pausa a outro interno que fazia o trabalho pesado, mas ao pegar a pá, percebeu que ela era mais pesada do que pensava e mal conseguiu fazer um buraco razoável.

O mesmo cara que havia provocado Luan no refeitório pela manhã não perdeu a oportunidade de tirar sarro, dizendo, sarcástico: – Ei, Luan, parece que você não tem ido à musculação, hein? Acho que você deveria se juntar a nós aqui mais vezes!

Luan, sem graça, mas sem querer se irritar, entrou na brincadeira e respondeu: – Você tem razão, cara, preciso melhorar meu treino. No entanto, Luan nunca havia realmente treinado, pois sempre focou em exercitar apenas seu cérebro. De qualquer forma, ele se sentia bem mais forte do que quando chegou à clínica, após ter enfrentado a escassez de alimentos nas ruas.

O mesmo cara, num ato de exibicionismo, puxou a manga da camiseta, deixando seus músculos bem definidos em evidência, e cavou um buraco em velocidade recorde. Luan observou, um pouco impressionado, enquanto voltava a colocar as mudas na terra.

Mesmo assim ficou exausto após poucas horas de trabalho no canteiro e apreciou a chegada das internas, que sempre ofereciam sucos aos rapazes durante os serviços pesados. No entanto, logo notou entre elas a moça que havia flertado com ele no refeitório, o que o fez franzir o cenho enquanto voltava a encarar as plantas.

- Oi, gatinho, não quer suco? - a jovem disse com uma nota de insinuação na voz. Luan suspirou e decidiu aceitar o copo que ela lhe serviu com um simples: - Obrigado.

- Não vai se cansar muito, viu gatinho? - disse com uma piscadinha.

Ele ignorou totalmente o comentário, mas o sujeito musculoso não perdeu a oportunidade de comentar: - Já falei que ele não gosta de mulher, princesa!

A paciência de Luan estava se esgotando, mas controlando suas emoções, ele disse: - Obrigado pelo suco... agora quero me focar no trabalho. Vamos continuar, pessoal, antes que chova? - disse Luan, fazendo os outros realmente perceberem que era melhor concluir logo a parte que estava planejada para o dia.

Logo, as geladas gotas de chuva começaram lentamente, fazendo-os parar o serviço um pouco antes do que o planejado. Os internos correram para o sobrado, menos Luan que seguiu a passos largos para o chalé, indo imediatamente para um banho caprichado.

A água quentinha naquele dia frio acolheu Luan como um abraço reconfortante. Ele deixou o vapor encher o banheiro, criando uma atmosfera de tranquilidade. Depois, deixou a água escorrer sobre seu rosto, lavando o suor do trabalho, e sentiu a tensão se dissolver à medida que a água massageava seus ombros e costas.

Com uma expressão de alívio, Luan espalhou o sabonete pelo corpo com movimentos suaves, quase ritualísticos, como se estivesse lavando não apenas a sujeira física, mas também as preocupações e o estresse acumulado.

Observou, então, seu reflexo no pequeno espelho, vendo o rosto cansado sendo rejuvenescido a cada vez que o barbeador lhe tocava. Com o rosto liso, algumas cicatrizes apareciam lembrando-o de algumas de suas lutas.

Seus cabelos, agora mais curtos do que quando vagava pelas ruas, mas não tão curtos quanto o dos executivos, receberam a atenção do shampoo. Luan massageou o couro cabeludo com um toque de carinho, lembrando do que Jasmim disse com um sorriso: "Procure ser gentil com esse novo Luan que já superou tantas coisas, que travou tantas batalhas e que merece um tapinha nas costas."

O aroma dos produtos de banho preencheu o ambiente, trazendo uma sensação de frescor e renovação, e depois de um tempo que pareceu um tanto longo, Luan desligou o chuveiro.

Sentindo-se revigorado e com a mente mais clara, saiu do banheiro disposto a ver Dandá e aproveitar aquela terapia grupal à qual nunca se adaptou. Afinal, não iria abrir-se diante de outros.

Vestiu, então, seu novo moletom azul e percebeu que sua mãe tinha um ótimo senso sobre o que ficava bom para ele, pois a roupa ficou perfeita, tanto no tamanho quanto no estilo. Luan se olhou no espelho do quarto e ficou satisfeito com o que viu.

Ao ver Luke se aproximando, preocupado com a roupa, disse: - Não pula, não pula... e colocou comida para o amigo. Em seguida, preparou algo para si também.

Após se sentir pronto, chamou o amigo para seguirem juntos: - Agora vamos, Luke?

Abriu o guarda-chuva preto e correu para que Luke não se molhasse muito. Chegando no sobrado, Luke logo se acomodou em um dos tapetes da varanda, e Luan entrou em direção à sala grande de terapias, que ficava ao lado do consultório de Jasmim.

O ambiente se revelava espaçoso e acolhedor. A luz baixa de cor violeta, criava um ambiente interessante e a pouca luz que entrava pelas janelas também clareavam um pouco.

Luan escolheu uma das várias mesas, uma das com altura reduzida, em que podia sentar no chão para usá-la. Cada mesa estava abundantemente abastecida com papéis e uma extensa variedade de ferramentas de pintura.

Logo mais dois internos vieram compartilhar a mesma mesa, para sua sorte, eram pessoas agradáveis e não os que causavam incomodo. O fortão estava no outro canto da sala e a moça oferecida não compareceu.

Jasmim chegou pontualmente, irradiando serenidade, e dirigiu-se ao grupo com uma voz calma e acolhedora. Ela explicou o funcionamento da sessão terapêutica, destacando a importância da expressão criativa no processo de recuperação de cada indivíduo. Jasmim ressaltou que não era necessário ter habilidades artísticas, mas sim permitir que as emoções fluíssem através das atividades propostas. Ela enfatizou que a terapia proporcionaria um espaço seguro para explorar sentimentos e pensamentos, ajudando-os a acessar o subconsciente, e que estava ali como guia e apoio durante esse processo de autodescoberta e crescimento emocional.

- Peço desculpas pelo atraso, pessoal. Tive um pequeno imprevisto. - Dandá chegou dizendo afobada.

Luan sorriu de volta quando seus olhares se cruzaram, notando a surpresa nos olhos sorridentes de Dandá. Ela claramente não esperava vê-lo ali, e Jasmim, disfarçadamente, acompanhou a dinâmica.

- Dandá, quando estiver pronta, por favor, explique o procedimento de hoje. - Jasmim solicitou, dando continuidade à sessão. Dandá, um tanto perdida, tirando seu casaco úmido, ligou o pequeno rádio e começou a explicar o que estava planejado para aquele dia.

– É... bom... como podemos começar... Ah! sim, primeiro boa tarde a todos. Fico feliz em vê-los aqui novamente. Percebi que, no começo, alguns estranharam, mas se voltaram é porque, de alguma forma, vocês se beneficiaram, certo? – disse Dandá, aguardando a confirmação nas expressões dos doze presentes na sala.

Dandá estava um pouco insegura, mas buscava disfarçar e prosseguiu: - Para quem não me conhece, meu nome é Dandara, mas pode me chamar de Dandá. Eu sou estudante de psicologia, estou seguindo os passos da minha mãe. - disse indicando Jasmim com os olhos, e prosseguiu: - Estou no quinto semestre do curso e faço estágio aqui sob a supervisão dela.

A maioria dos internos já estavam acostumados com o fato de que Dandá era filha de Jasmim. Os olhares preconceituosos haviam perdido força com o tempo, mas ocasionalmente, novatos ainda se surpreendiam e expressavam algum desdém.

Preconceitos aconteciam não apenas em relação a Dandá, mas também em relação ao fato de Jasmim ser casada com Belle, e por Elohim ter um filho com Jasmim, sendo que os dois já eram casados com outras pessoas quando o fato ocorreu.

E, claro, não faltavam insinuações sobre práticas de bruxaria na clínica. Boatos sobre a família não faltavam, calúnias sobre a família não faltavam...

No entanto, à medida que conviviam com a moderna família que os acolhia com carinho e cuidado, muitos daqueles que antes caluniavam acabavam se simpatizando com eles, e os comentários maldosos diminuíam.

Dando prosseguimento à arteterapia, Dandá disse, um pouco emocionada: – Bom, estive ausente porque precisei parar meus estudos e tranquei a faculdade por motivos pessoais, mas agora estou retornando, assim como aos estágios aqui.

Luan observava Dandá com o olhar fixo enquanto ela falava. Seus cabelos estavam envoltos em um turbante vermelho que combinava harmoniosamente com o batom que destacava seus lábios. Seus olhos negros, profundos e expressivos, cativaram sua atenção, enquanto um grande brinco de argola prateado balançava sutilmente. A bata branca bordada e a calça jeans clara contrastavam com o tom de sua pele, formando uma imagem que prendeu a mente de Luan por um momento, fazendo-o se perder em pensamentos antes de voltar a se concentrar no que ela estava dizendo.

- Bom, mas sei que vocês não estão aqui para saber sobre mim. - disse Dandá sem graça, e começou a explicar sobre a arteterapia: - Hoje eu trouxe umas músicas clássicas bem suaves, esse estilo de música nos ajuda a ficar mais introspectivo e desacelerar os nossos pensamentos, facilitando assim a expressão do nosso subconsciente.

Jasmim interveio: - Lembrando que o importante não é gostar do estilo da música, mas sim, procurar sentir a música e observar as sensações que emergem.

- Exatamente, mãe! Nosso primeiro passo é acalmar a nossa mente buscando esse lado mais profundo dentro de nós, depois vamos pegar os papeis e expressar esses sentimentos da forma como desejarmos, pode ser desenhando qualquer tipo de desenho ou mesmo apenas riscando o papel, ou até mesmo escrevendo palavras soltas, frases, poesias... ou até mesmo dançando.

- Temos que nos soltar e nos expressar da forma como sentirmos vontade, e... sem ter vergonha do que os outros irão pensar, afinal, cada um deve estar focado em sua própria expressão, não no que o outro está fazendo. - completou Jasmim.

Após certificar-se de que todos haviam compreendido, Dandá ligou o som, baixou um pouco mais as luzes e lançou um suave perfume de capim limão em spray no ambiente, trazendo uma atmosfera calma e introspectiva.

Luan tentando voltar a sua atenção para a terapia, respirou profundamente várias vezes, sentindo-se envolvido pelo aroma refrescante. Então, de olhos fechados colocou sua atenção plena na música que o convidava para um passeio, porém após alguns minutos notou que todos estavam fazendo alguma coisa com os papéis, mas ele não fazia ideia do que fazer.

Constrangido, levantou a mão e Jasmim foi até ele, e já imaginando qual era o problema, sussurrou: - Pegue essa folha e esse carvão. - Luan estranhou o carvão, achou que seria melhor um lápis.

- Eu realmente não sei fazer arte. - murmurou sem graça, e Jasmim instruiu como faria à uma criança: - Luan, pegue esse carvão e apenas risque esse papel, pode ser?

Luan, desajeitado, pegou o papel grosso e, de olhos fechados, foi sentindo a música e começou a riscar com o carvão. Às vezes, eram riscos superficiais, outras vezes, eram riscos feitos com uma força raivosa, sem entender o porquê.

Após alguns minutos, abriu os olhos. Luan olhou, olhou, e logo percebeu que realmente não tinha talento para as artes; aquilo era apenas um monte de borrões de carvão. Virou a folha de lado e pensou: "Talvez isso se pareça com um morcego... não, acho que só fiquei com o que Ian disse na minha cabeça."

Continuou observando e notou que o "morcego" borrado tinha uma face distorcida que foi ganhando sua atenção. Ele ficou absorvido pela imagem, quase entrou no desenho, quando se deu conta que: "Não é o rosto de um morcego, é perfeitamente o rosto de Natã, como no dia em que ele arremessou o copo!" - pensou com horror, como se Natã estivesse se manifestando.

Muitos insights vieram à sua mente numa retrospectiva de tudo o que já havia vivido com Natã, e apesar do pânico que Natã lhe causava, sentiu algum tipo de compaixão.

"Está claro que o ódio que Natã demonstra é insignificante quando comparado com a intensidade de sua dor." - concluiu relembrando as sensações de Natã enquanto este se manifestava em seu corpo na sessão de cura.

Olhando um pouco mais para o papel, Luan notou ao redor da figura de Natã outros borrões que representavam perfeitamente a caverna, aquele buraco aterrorizante que ele visitou no umbral. O cheiro repugnante daquela podridão logo veio à sua mente, causando-lhe um mal-estar psicológico.

"Sim, o ódio foi a forma que Natã encontrou para suportar toda a agonia, tormento e revolta que sentia; era um grito de socorro." Ele concluiu isso ao notar que, lentamente, Dandá começava a aumentar as luzes e diminuir a música até desligá-la.

Com voz baixa Dandá disse: - Quem gostaria de compartilhar alguma experiência?

Todos pareciam sem coragem para compartilhar, apesar de demonstrarem em suas fisionomias que o processo havia os afetado de alguma forma, até que uma das mulheres com os olhos cheios de lágrimas ergueu sua mão, e disse: - Eu comecei desenhando essa flor, por que gosto de desenhar flores, simples assim... mas quando reparei que eu havia colocado essa flor num copo, percebi que me sinto longe das minhas raízes, como se eu estivesse sido podada e colocada num copo.

Seus olhos logo se avermelharam mais intensamente e o choro foi inevitável ao dizer: - Sei que as drogas sempre foram um substituto para essa falta da presença dos meus pais.

Jasmim levou um lencinho de papel e um copo de água para a moça, agradecendo por sua partilha, e perguntou: - Mais alguém poderia compartilhar?

Um cara de uns dezessete anos, bem magro, alto, que sempre usava roupas largas e boné, disse: - Escrevi um rap aqui, se a chefia permitir, eu gostaria de compartilhar.

Todos olharam surpresos e após a permissão, ele começou a cantar fazendo uma batida com o pé, com as mãos e com a boca.

"No fundo do poço, eu caí, sem saída,
Drogas me consumiam, noite e dia,
Mas decidi mudar, enxergar a luz,
Largar o vício, buscar minha cruz.

No grupo de terapia, encontrei abrigo,
Amigos na jornada, solidariedade comigo,
Hoje, sou livre, renasci das cinzas,
A sobriedade é minha paz, minhas linhas."

- É isso! – concluiu, confessando: - Ainda não me livrei, o processo tá osso, mas um dia quero cantar esse rap, sem medo de cair no poço. - finalizou cantando.

- Muito bom Maurício, agradecemos profundamente a sua partilha, mais alguém? - perguntou Dandá sorridente, e vendo que ninguém se manifestava sugeriu. - Vocês que fizeram desenhos poderiam dar um nome para ele?

A moça que havia desenhado a flor no copo, disse: - Sem raízes é o nome do meu.

- Ótimo, quem mais? Você Léo? - disse apontando para o rapaz que estava à sua frente.

- Eu desenhei minha ex-mulher, minhas duas filhas, meu cachorro, meu gato, minha casa... isso poderia se chamar: Tudo o que perdi. - respondeu Léo, angustiado.

- E você Luan? - perguntou Dandá.

Luan encabulado preferia ser um avestruz para colocar sua cabeça num buraco, mas fitando atentamente o papel respondeu: - Inferno... é o nome.

E assim prosseguiram até que todos se expressassem, ao menos com uma palavra. Finalizando, Dandá disse: — Agora, quem tem desenhos que são doloridos, pesados ou que não trazem boas lembranças, pegue esses desenhos e rasgue-os, amasse-os com força, como se estivesse tirando isso de vocês.

Apenas alguns, incluindo Luan, fizeram isso; outros preferiram guardar. Então, Dandá passou com um cestinho de lixo recolhendo os papéis e disse: — Agora, para encerrar, peço que fechem os olhos e ouçam essa música. — Ligando uma música alegre e motivadora em um volume um pouco alto, continuou: — Imagine agora essa música contagiando a alma de vocês e substituindo os pesos que sentem por esperança e alegria.

Nesse momento, uma das moças levantou-se e começou a dançar de olhos fechados, levando a que estava ao seu lado a fazer o mesmo. Os outros, tímidos, ficaram apenas observando, achando graça; mesmo assim, o ambiente se contagiou com a alegria delas.

Em seguida, agradecimentos ecoaram no espaço acolhedor enquanto Dandá encerrava a sessão terapêutica, e todos saíram com a expectativa de retornar. No entanto, Luan não se apressou em deixar o local; em vez disso, esperou ansioso para ajudar com os equipamentos e objetos, aproveitando a oportunidade para conversar um pouco mais com Dandá, enquanto Jasmim, sabiamente, se retirou para sua sala.

Juntos, Dandá e Luan desceram até o primeiro andar, seguindo em direção ao estacionamento para guardar tudo no carro de Jasmim. No entanto, foram barrados pela moça inconveniente que havia flertado com Luan em outras ocasiões, ignorando totalmente a presença de Dandá e dirigindo-se a Luan com um ar sedutor: - Você de novo no meu caminho! Vamos aproveitar a noite pelo menos?


Luan, agora ainda mais constrangido devido à presença de Dandá, respondeu friamente: - Passe bem, moça! Colocando as mãos nos ombros de Dandá, apressou-a em direção ao carro para sair logo daquela situação, ainda ouviu a jovem responder: - Moça não, pode me chamar de Jessy.

Aproveitando a trégua que a chuva havia dado naquele início de noite, e agora seguidos por Luke, chegaram no carro e guardaram os objetos. Dandá enciumada, após alguns minutos de silêncio entre eles, comentou: - Moça bonita, né? Parece aquelas loiras de comercial de cerveja.

Luan tentou responder de forma descontraída: - Eu prefiro brigadeiro do que beijinho... quer dizer, não que eu não quisesse um beijinho, se fosse seu... quer dizer... Ah! Eu me enrolei todo, não sei lidar com as palavras como o cara do rap.

Dandá deixou escapar um riso, apreciando a tentativa desajeitada de Luan em expressar seus sentimentos através da analogia entre os doces de cores opostas. Então, brincando, abriu sua própria mão e deu um beijo nela, depois soprou o "beijinho" etéreo para Luan, que fingiu ter dificuldade em pegá-lo no ar, até que finalmente capturou-o, guardando-o no coração.

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