18 - Ele
Antes mesmo que Luan conseguisse pensar direito sobre como Luke havia encontrado o caminho até ele, uma figura conhecida surgiu do outro lado da rua: Dandara!
O impacto de vê-la novamente foi um verdadeiro soco no estômago, deixando-o enormemente constrangido e sem reação, afinal, como se explicar para aquela que tanto havia o ajudado e em troca havia recebido o sequestro do seu irmão?
Percebendo a hesitação de Luan, Dandara se aproximou bem devagar, com um sorriso singelo no rosto.
– Então foi você quem trouxe o Luke para mim? – Luan perguntou retoricamente.
– Achei que você não queria ver ninguém da minha família, mas que ficaria feliz em ver o Luke, seu melhor amigo, não é? – disse Dandara, e continuou: – Tínhamos certeza de que você ainda estaria por perto, mas não imaginávamos que estaria no mesmo lugar... quer dizer, num lugar tão fácil de ser encontrado pela polícia.
Sem comentar sobre o assunto, Luan permaneceu abaixado abraçando o cão, e perguntou: – Foi você quem fez o curativo na patinha dele?
– Sim, encontrei o Luke machucado, mancando pela praça, acho que foi atropelado. Daí corri com ele no veterinário, mas não se preocupe que está tudo bem agora.
Luan, sensibilizado com a ajuda, tentou, mas não conseguiu agradecer, e Dandara prosseguiu:
– Depois levei ele para casa já que não te encontrei, achei que meu irmãozinho adoraria ter a visita do Luke, ele sempre quis um cãozinho, mas minha mãe sempre diz que só quando ele crescer que ela vai deixar. Bom, mas quando cheguei em casa com a surpresa, Ian já havia desaparecido.
Luan, sentindo-se terrível ao ouvir falar sobre o desaparecimento, comentou na defensiva: – Por que você não chama logo a polícia de uma vez?
Nisso, uma risada sinistra ecoou na cabeça de Luan, fazendo-o perceber que Natã vigiava aquela conversa.
– Mais uma chance do destino, só pode ser o destino! – Natã comentou festivo.
Luan, visivelmente nervoso, comentou com Dandara: – É melhor você ir embora, Dandá, você não está segura aqui! Por favor, vá!
– Você vai deixar a garota ir embora e perder mais uma oportunidade que o destino está te dando? – retrucou Natã subtamente irritado, ordenou: – Prenda-a, aliás, acabe com ela! Dessa vez vamos fazer o Elohim ao menos se culpar pela morte dessa intrometida!
– Eu não vou fazer isso! – gritou Luan agressivo, e Dandara perguntou: – Fazer o que, Luan?
– Você precisa sair daqui, Dandá, agora! – Luan suplicou e afirmou em seguida: – Você não imagina o perigo que está correndo estando perto de mim! Eu sou um monstro!
Luan foi colocando Luke para dentro e fechando a porta sem despedidas, mas Dandara segurou a porta antes que esta se fechasse, e destemida adentrou o local.
Natã se comprazia da cena, agora soltando gargalhadas ensurdecedoras aos ouvidos de Luan e mudas aos ouvidos de Dandara. E de forma teatral disse: – Sente-se, senhorita! Gostaria de tomar algo, um cházinho?
– Luan, eu já sei o que está acontecendo! – disse Dandara sentando-se no sofá, parecendo não se importar com a poeira.
– Não, você não tem como saber! Você só precisa ir embora. – respondeu Luan indicando a porta.
– Nós viemos aqui para te ajudar! – afirmou Dandara.
– Nós? Tem mais alguém com você? – perguntou Luan exaltado.
Dandara, percebendo que havia falado demais, confessou sem graça: - Tem.
– Não vai dizer que é o... – Luan gaguejando, tentou dizer, mas foi interrompido.
– Elohim! Ele está no carro lá fora. – completou Dandara.
Enquanto Luan se desesperava com a revelação, Natã se divertia cada vez mais: – Só um maluco como o Elohim para trazer a afilhada para um sequestrador ao invés de chamar a polícia! Realmente esse cara não tem nada na cabeça.
– O que vocês estão fazendo aqui? Vocês precisam ir embora! – Respondeu Luan com medo de não resistir às ordens de Natã e sucumbir ao crime fatal.
– Imaginamos que você ficaria assustado com nossa presença, por isso, pensei em trazer o Luke para que você percebesse que viemos em paz. – disse em tom de confissão.
Observando que Luke rondava seu pote de água que estava vazio e esverdeado, Luan utilizou o restante de água que tinha na caixa e limpou o pote completando-o com água, e com pesar notou que não havia sobrado mais nem uma gota d'água, e nem um farelo de pão para o cão.
– Luke estava melhor com vocês. – comentou com dor no coração, e concluiu: – Se você quer me ajudar, fica com ele e cuida bem dele!
– Luan, olha para você! Você precisa de ajuda mais do que ele! – retrucou Dandara compassiva.
– Afinal, o que o Elohim está querendo comigo? Por que não chamou a polícia? Ele só pode estar querendo fazer justiça com as próprias mãos, como já fez no passado me tratando como escravo! – falou apreensivo, notando seu carro parado mais adiante, mas devido aos vidros escuros, cobertos de insulfilm, não viu ninguém.
Natã, incomodado, com a demora de Luan em agir, esbravejou: – Faça algo, antes que ele venha ver o que está acontecendo!
– Eu não vou fazer isso, Natã! - gritou Luan se esquecendo de que iria parecer um louco aos olhos de Dandara que não o via.
– Natã! "É ele"!? – Dandara deixou escapar.
– O que você quer dizer com: "é ele"? – perguntou Luan intrigado.
– Ele é famoso lá em casa, mas eu ainda sou muito incrédula com o que eu não vejo, para mim Natã é igual ao Papai Noel e o Coelhinho da Páscoa.
– Eu também era cético, até que esse infeliz começou a tirar a minha sanidade! E tudo por causa do Elohim, minha vida se tornou um inferno desde que o Elohim cruzou o meu caminho pela primeira vez, como já te contei nas entrevistas.
– Por isso ninguém contou para a polícia sobre o que você fez, todos só querem que isso acabe por aqui de uma vez por todas. – e após uma pausa, logo concluiu: – E fica tranquilo que o Elohim não passa mais nenhum dia sem tomar as medicações dele, não vai cometer nenhuma insanidade.
Luan concordou com Dandá, deixando claro que não nutria mais desejo algum de vingança. Contudo, Natã não pensava assim, e insistia austero: – Faça o que tem que ser feito! Você precisa equilibrar essa balança!
Quando Natã emitia seus comandos, Luan quase se tornava uma marionete pronta para ser manipulada, mas bravamente estava conseguindo nadar contra a forte correnteza, resistindo a cada ordem para não machucar Dandá.
– Você realmente precisa ir embora. – ele expressou novamente com urgência: – Você não imagina o quanto Natã deseja que eu acabe com você agora mesmo!
Dandara, apesar de seu susto inicial, não se deixou intimidar, e com firmeza confessou: – Luan, também estou aqui a pedido do Ian. Ele mesmo queria vir, apesar do medo que sente de você agora, mas prometi para ele que eu falaria com você.
Luan surpreso com a revelação e ainda mais angustiado, sentou-se ao lado de Danda com suas mãos tensas na cabeça. Enquanto isso, Dandá retirou algo do bolso e mostrou a ele, fazendo-o baixar as mãos: – Foi o Ian que te mandou... ele disse que é para te ajudar.
Luan viu que era uma das cartinhas misteriosas do menino; essa tinha a figura do Sol estampada num dia claro, com as cores vivas da natureza ao redor. Dandá esclareceu: c O Ian disse que quando essa carta aparece é porque no final vai dar tudo certo! E que não é para você perder as esperanças.
Natã emitiu uma gargalhada irônica e sinistra ao ouvir aquilo, interrompendo momentaneamente o sorriso de Luan, inspirado pela inocência da criança. Um arrepio gélido percorreu o corpo de Luan, trazendo-o de volta à realidade e lembrando-o de que a vida não se tratava de um jogo infantil de cartas do destino.
Tentando desviar o foco do desconforto que sentiu, Luan perguntou: – E essa história de que ele é a Ísis?
– Ah! Desde que ele aprendeu a falar, ele diz essas coisas... diz que são lembranças que ele tem. Mas conforme ele cresce isso está passando, e aos poucos já está entendendo que ele precisa ser apenas o Ian.
Apesar da conversa com Dandá, Luan continuava a ouvir Natã sussurrando palavras venenosas, como uma serpente persuasiva enrolando-se em torno de sua sanidade. As imagens sangrentas da ação que Natã desejava aumentavam em detalhes vívidos na mente de Luan, num grotesco pesadelo acordado, que fazia um suor frio escorrer por sua testa.
O impulso de obedecer às ordens sinistras era avassalador, e por um momento, ele quase cedeu, sentindo-se pronto para atacar Dandá e apertar-lhe a garganta até a morte. Parecia tão fácil, afinal, ela era apenas uma menina frágil, incapaz de se defender. Era isso que Luan era induzido a pensar, e essa simples ação seria a chave de sua almejada libertação, como lhe era prometido.
Foi então que Natã chegou ao limite de sua paciência e, não podendo mais tolerar tamanha desobediência por parte de Luan, violentamente arremessou um copo contra eles. O estrondo dos vidros se estilhaçando contra a parede preencheu o ar, sendo um aviso ameaçador e real do que ele era capaz de fazer.
A mensagem era clara: "Imagine o que sou capaz de fazer com você... e com sua mãezinha!". Com um tom ainda mais sombrio e retorcido do que o habitual, ele vociferou: – Minha paciência acabou, Luan!
Nesse momento, Luke acordou num pulo assustado e Dandá deu um grito de pavor. Mesmo ela, que não acreditava muito em coisas de outro mundo, ficou transtornada ao ver o copo se mover sozinho contra a parede.
Luan insistiu novamente para Dandara: – Você realmente precisa ir embora, se ele quer fazer uma vítima aqui, prefiro que seja eu mesmo! Me recuso a cometer mais crimes!
– Não vou te largar com esse demônio sozinho! – ela rebateu firmemente.
De repente, Natã, compreendendo que palavras definitivamente não eram mais eficazes, concentrou seu poder num ponto fixo entre os olhos de Luan, e em seguida, uniu a sua mão à mão direita do infeliz em um aperto gélido, tomando-lhe o controle de seus movimentos.
Apavorado, Luan sentiu seus dedos se movendo involuntariamente em direção ao seu próprio pescoço arrancando com força assombrosa a sua medalha de São Miguel, e arremessando-a para longe.
– Não precisávamos chegar nesse ponto Luan, mas você não me deu outra escolha!
Luan atônito não conseguia emitir nem uma palavra, e Natã prosseguiu: – Achei que já havíamos passado dessa fase, e que não precisaríamos mais fazer dessa forma, como na vez que te fiz dirigir de volta para a casa do Elohim, e lá no hospital quando te fiz pegá-lo pelo pescoço.
Luan viu as cenas citadas passarem em sua tela mental como um horrendo filme, daqueles de exorcismo.
– Não se lembra? Essas não foram provas suficientes de que você deve apenas se submeter? Mas você preferiu assim, ao invés, de ser obediente. – disse Natã inflado em seu próprio poder.
Luke, que não saía de perto de Luan, se afastou com as orelhas baixas e o rabinho entre as pernas. Seus olhos antes brilhantes e cheios de alegria, agora refletiam um temor instintivo, apesar de não compreender a situação.
Dandara angustiada, percebeu a mudança drástica na fisionomia de Luan, aquela certamente não era a mesma pessoa que ela estava conversando. Assustada, levantou-se do sofá, afastando-se de Luan, mas este num impulso se aproximou, levando agora suas mãos em direção ao pescoço da jovem indefesa.
Então, com um semblante demoníaco, a voz metalica de Natã ressoou através de Luan sendo ouvida pela primeira vez por Dandara: – Elohim destruiu minha vida, minha essência, e agora é hora dele pagar. Ele sentirá o sofrimento daqueles que ama, e levará a culpa até o fim da sua vida. E você, doce Dandara, não passará de um mero instrumento nessa vingança que está por vir.
Contudo, antes que a terrível ação pudesse se consumar, um movimento na porta chamou a atenção de todos, especialmente a de Natã, que descendo do trono de sua arrogância, subtamente se desacoplou de Luan e se afastou ao ver que quem havia movido a porta era ele: o próprio Elohim.
Luan voltando à sua consciência ainda atordoado, viu Elohim ali parado, e pela primeira vez essa presença foi bem vinda.
Algo em Elohim agora repelia Natã, ou era apenas o medo? Certamente, por isso, Natã não o enfrentava diretamente, pensou Luan.
O que antes parecia invulnerável, um ser de pura autoridade, recuou como uma sombra dissolvida pelo sol. Então, em questão de segundos, Natã havia desaparecido completamente do local.
Então, quebrando aquele clima tenebroso, enquando Luke pulava festivo dando-lhe as boas vidas, Elohim apenas disse: – Posso entrar?
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