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Capítulo XXVIII - Beijos

Horas e horas de música, bebedeira e algumas lágrimas – de emoção, tristeza ou riso – derramadas pela embriaguez, o serviço de quarto chegou com uma quantia absurda de domos prateados. A pequena sala do quarto de Lili ficou rapidamente repleta de bandejas com tortas de figo, bolos de creme, sorvete de chocolate, manjar com ameixas, pudim de leite condensado e chocolates de todo tipo. As garotas espalharam-se pela saleta - algumas no sofá e outras pelo chão mesmo - enquanto se deliciavam com aqueles doces e, claro, mais mimosas.

– Então, garotas, qual é vossa contagem atualmente? – Perguntou Lorena.

– Cinco. – Respondeu Lili.

– Um, pretendo manter assim. – Respondeu Helena, rindo.

– Dois. – Respondeu Cláudia. – Também pretendo manter assim.

– Como assim "contagem"? – Perguntou Marieta.

– Com quantos homens já dormiste, querida. – Esclareceu Lorena.

– Ah, sim. – arregalou os olhos – Um, também, apenas. – olhou para Helena.

– Três. – Disse Lorena.

– Três também. – Prosseguiu Sabina.

Todos olharam para Vitória, que comia um pedaço de bolo e permanecia quieta.

– E tu, Vitto? – Perguntou Lili, com a sobrancelha erguida.

– Bem... – engoliu o bolo – Nove.

As garotas ficaram chocadas e começaram a rir.

– Um amante em cada país, não é mesmo? – Comentou Lili.

– O que posso fazer? Sou uma solteirona, mas não estou morta! Gosto de variedade. Homens estão disponíveis em tantas cores, estilos... – sorriu maliciosamente – Tamanhos...

As garotas arregalaram os olhos, deixaram o queixo cair e começaram a rir. Helena jogou uma almofada em Vitória como se a repreendesse. Marieta soltou uma risada por nervosismo.

– Será que irás continuar uma solteirona por muito tempo? – Perguntou Sabina, maliciosamente.

– O que queres dizer com isso, hein?

– Eu não sei, Vitto, mas desde quando a Doutora Castro sai distribuindo beijos de boa sorte para um piloto qualquer...?

– E, se aproximando da linha de chegada, Benício de Souza, a mil quilômetros por hora em direção ao primeiro lugar! – Caçoou Lorena, falando como um locutor de rádio narrando uma corrida. – O prêmio dessa edição? O coração da Doutora mais disputada do Brasil, quiçá de toda a América! E a bandeira quadriculada chacoalha... Temos um vencedor!

As garotas caíram na gargalhada por conta da interpretação de Lorena. Vitória segurou o riso.

– Eu não faço ideia do que estão falando. – Vitória revirou os olhos e se fez de desentendida, rindo.

– Ah, Vitto, conte para elas sobre as tuas escapadas românticas nas montanhas. – Implicou Helena.

– Estão dormindo juntos!? – Questionou Lili. – Então é sério mesmo...

– Não era sério com os oito anteriores. – Defendeu-se Vitória, enfiando mais um pedaço de torta na boca.

– Largue de ser mentirosa, garota, estivera noiva duas vezes! – Acusou Helena.

– Pare de me atacar! – Gritou Vitória, lançando uma almofada na cabeça da prima, fazendo as garotas rirem.

– Bem, meninas, agora eu quero saber... – Começou Lili. – Quantas vezes já foram... Beijadas?

– Como esperas que eu saiba? – Questionou Lorena. – Só no teatro foram mais de cinquenta vezes. – riu.

– Lori, querida – Disse Vitória. –, creio que Lili não está falando sobre beijos... Na boca.

As garotas ficaram em silêncio por um momento. Até que começaram a rir.

– Ah, Meu Deus! – Exclamou Lorena. – Este tipo de beijo! Bem, eu também não sei quantas vezes. Felizmente, perdi as contas. Thomás é muito generoso neste aspecto...

– Eis o que eu gostava no meu ex-marido, ele também era... – riu – Generoso. Mas, preciso ser honesta, tive exemplos de generosidade mais interessantes... – Comentou Lili, afundando o rosto na taça com um sorrisinho.

– De que raio de beijo elas estão falando!? – Sussurrou Marieta no ouvido de Vitória.

– Sexo oral. – Respondeu Vitória, sussurrando.

– O quê?

– É quando alguém lhe beija só que... No meio das pernas.

– O quê!?

– Sim, como um beijo francês, porém... Lá.

– Ah, Meu Deus. E isso é bom?

– Muito.

– Isso é certo!?

– Muito!

– Meu ex-marido não gostava. – Disse Sabina.

– Isto explica por que arrumaste um amante. – Comentou Lorena.

– Ah, sim. – riu – Ele sim gostava bastante. Victor nunca fez. Imagino que deveria pedir...

– Ah, querido. – Disse Lili imitando a voz de Sabina. – Eu imploro por tua generosidade! Faça-me o favor de beijar a flor em meios meus.

As garotas riram da encenação. Sabina corou e pôs a mão na cara, mas riu também.

– Felizmente, os dois homens com quem dormi na vida eram, como dizem, generosos. – Disse Cláudia, sorrindo.

– Também casei-me com um homem generoso. – Informou Helena, rindo. – De outra forma, creio que estaria no time das divorciadas. Ou das infiéis...

– Conte para nós, Vitto, por acaso seu piloto...

– Vitória, não se atreva a responder isso! – Gritou Marieta. Helena, Cláudia e Vitória começaram a rir.

– Qual o problema? – Perguntou Sabina.

– Ela é irmã dele. – Esclareceu Cláudia, rindo.

– É, e eu, definitivamente, não preciso escutar uma coisa dessas sobre meu irmão caçula!

– Benício de Souza é teu irmão!? – Perguntou Lorena, perplexa.

– Então, quer dizer que Vitória é tua cunhada honorária? – Brincou Lili.

– Exatamente! – Respondeu Marieta, sorrindo. – Mas, é claro, eu preferiria que ela fosse promovida logo à cunhada oficial.

– Espere sentada, querida! – Exclamou Vitória.

– Bem, para Doutora Vitória estar há tanto tempo com o piloto assim, quer dizer que ela tem sido muito bem beijada ultimamente. – Insinuou Lili.

– Meu Deus do céu. – Marieta virou uma taça inteira de uma vez só. As garotas riram.

– Mas e tu, Marieta? E os teus beijos? – Perguntou Lorena.

– Bem, meu marido nunca me beijou assim. – Comentou Marieta.

– Inspire-se em Sabina e peça. Pode dar sorte. – Sugeriu Lili.

– Ah, não, querida, sou viúva. – Esclareceu Marieta, naturalmente.

– Ah, Meu Deus. Eu sinto muito! Eu não queria... – Desculpou-se Lili, pondo a mão no peito.

– Não te preocupes, meu marido era horrível, estou feliz por ele estar morto. – Disse Marieta, como se falasse algo sem importância.

Um silêncio muito pesado formou-se entre as garotas, todas encarando Marieta – inclusive Helena e Vitória. Até que a própria se deu conta do que havia acabado de dizer.

– Deus... O que eu..!? Me desculpem, eu...

– Querida, não precisa desculpar-se. – Disse Lili.

Marieta levantou-se rapidamente e foi até o banheiro. Sentia o rosto queimar. Como uma coisa daquelas saiu de sua boca assim, sem mais nem menos? As garotas olharam para ela como se fosse louca. Começou a pensar que talvez fosse mesmo.

– Marieta, querida? – Disse Vitória, entrando no banheiro e fechando a porta atrás de si.

– Perdoe-me pela cena, eu...

– Querida, está tudo bem.

– Deus, elas devem estar pensando que eu mesma o matei. – riu – Por que eu disse aquilo!?

– Talvez seja porque é assim que se sentes. Não te preocupes, meu bem. A última coisa que elas fariam seria lhe julgar por isso.

– Me sinto horrível. Mesmo morto, ele ainda é pai dos meus filhos. Ainda lhe devo algum respeito ao nome dele ou...

– Não deves absolutamente nada! Nada além de desprezo. Em vida, aquele homem nada fez para merecer teu respeito. Por que a morte tornaria as coisas diferentes?

– Às vezes, imagino que ele se arrependera. Que, momentos antes de seu último suspiro, ele pediu perdão a Deus por tudo que fez.

Vitória lembrou-se que, minutos antes de morrer, Lourenço estava disposto a estuprá-la no quarto de visitas enquanto sua esposa e amigos estavam na sala. Sentiu uma pontada no coração – não por ela mesma, mas por sua amiga.

– Querida, se, por um acaso, ele tenha se arrependido, isso é entre ele e Deus, que seja. A verdade é que, enquanto vivo, aquele homem lhe arruinou. Tu não deves luto a ele, de forma alguma.

– Eu... Eu me sinto aliviada às vezes. – suspirou – Certo dia, me peguei pensando no que aconteceria se ele decidisse encostar nas crianças. Jamais conseguiria me perdoar por não poder protegê-las...

– Tens todo o direito de não lamentar a morte dele. Assim como tens o de se sentir aliviada.

– Também tenho medo, Vitto. E se eu não der conta?

– De quê?

– De tudo, quer dizer, por enquanto tenho meu irmão, mas daqui a pouco ele irá sair e construir a família dele... Espero que contigo. – revirou os olhos e Vitória riu – Mas, Benício não irá cuidar de mim para sempre. Problemas e situações complicadas sempre acontecem e... Eu não sei. Eu tenho medo de enfrentar tudo isso sozinha.

– Marieta, eu acho que és mais que capaz de enfrentar tudo isso. E não, não estarás sozinha, jamais. Lena viria correndo para ti no momento em que precisasse de algo. Não posso dizer que serei tua cunhada, mas – riu – sempre serei tua amiga, acima de tudo. E, seja lá o que teu irmão for fazer da vida, eu duvido muito que ele te abandonaria por qualquer motivo que seja.

– Sabe – sorriu –, quando batizei minha filha com teu nome, de certa forma, desejei que ela fosse como tu. Tua inteligência, tua coragem, tua independência, tua gentileza... É tudo que eu quero para ela.

– Ah, querida.

Vitória estendeu os braços e envolveu a amiga em um abraço apertado, comovida pelas palavras dela.

– Eu realmente espero que minha pequena não seja fraca como eu, mas forte como tu. – Disse Marieta, ainda abraçada com a amiga.

– Não diga bobagens. Tu és uma das mulheres mais fortes que já conheci. Muito mais forte que eu em vários sentidos.

– Então, por que estou chorando agora? – riu.

– Porque, ao contrário do que os homens pensam, lágrimas não são um sinal de fraqueza. – riu – Não deixe que te convençam do contrário.

– Obrigada, querida. Por tudo.

– De nada, minha amiga. Por tudo.

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