Capítulo XIII - Víbora sem veneno
• AVISO DE CONTEÚDO SENSÍVEL •
(assédio sexual)
Benício fumava um charuto junto dos outros homens, na biblioteca. Estava quieto, escutando a conversa banal dos colegas e percebeu que os amigos de Lourenço eram tão chatos e esnobes quanto ele – mas, talvez, não agredissem suas esposas. Sua cabeça praticamente latejava com a força do turbilhão de coisas que se passavam por ela e se resumiam em apenas uma: o assassinato. O plano era bem simples; depois que todo mundo fosse embora, ele e Vitória alegariam estar bêbados demais para dirigir e pediriam para passar a noite. A ideia era que, durante a madrugada, Vitória atraísse Lourenço até o escritório dele, onde Benício estaria escondido, e eles o matariam lá.
Ainda não tinha estabelecido uma relação harmoniosa com sua futura posição de assassino, era fato. Jamais desejara fazer mal a uma mosca, quanto mais matar um homem dessa forma tão traiçoeira, sem dá-lo a chance de se defender ou sem olhá-lo nos olhos e dizer a razão pela qual ele estava morrendo. Mas parte dele não sentia remorso algum por tirar aquele desgraçado da vida de Marieta - e, como não seria possível encarcerá-lo, que fosse a morte a justiça feita. "Um homem sem honra não merece uma morte honrada.", disse a Doutora uma vez enquanto discutiam as implicações do ato tão controverso que estavam prestes a cometer.
Benício preparava-se para retornar à sala quando foi interceptado por ninguém menos que Laurentino Cavalcante.
– Creio que não fomos apresentados. – Disse Laurentino, estendendo a mão. – Laurentino Cavalcante. És o cunhado de Lourenço, não?
– Sou. – Respondeu Benício ao apertar a mão do homem. – Prazer, Benício.
– Soube que namora a Doutora Vitória, certo?
– Sim, por quê? – Perguntou Benício, sem muito ânimo.
– Cuidado com mulheres como ela, filho. São verdadeiras víboras.
– Creio que não conheças Vitória, então. – Disse Benício, sorrindo, sabendo que, de fato, ele não a conhecia. – Se a conhecesse, veria que é uma das mulheres mais doces a pisar na terra.
Laurentino riu, com raiva. Notou que o tom do garoto continha uma certa ironia.
– Não sei se és louco ou cego, rapaz. Mas, cuidado, sugiro que procure saber o que tua querida Vitória andou fazendo na Europa nos últimos anos.
Benício irritou-se com a audácia do homem de se apresentar com o único propósito de dar opinião em um assunto que não lhe dizia respeito. Mas também notou um certo rancor nessa atitude dele, como se, já que Vitória, indiretamente, o havia arruinado e humilhado, ele estava na empreitada de garantir uma vingança tosca e infundamentada por sua dignidade ferida.
Vitória conversava com alguns convidados na sala quando foi em direção a Benício assim que o avistou saindo da biblioteca.
– Tudo bem? – Perguntou ela.
– Sim, sim. – sorriu – Adivinhe quem acabou de vir falar comigo.
– Quem?
– Laurentino Cavalcante, o próprio.
– Puxa. – riu – O que ele queria?
– Nada, veio apenas me aconselhar.
– Aconselhar?
– Sim. Chamou-lhe de víbora e pediu para que eu tomasse cuidado contigo.
– Bem, ele está absolutamente certo. – riu – Eu, de fato, sou uma víbora.
– Uma víbora sem veneno, eu diria. – sorriu.
A maioria dos convidados havia ido embora, restando apenas uns sete ou oito mais íntimos. Vitória convenceu Marieta a tomar um cálice de Crème de Menthe com ela.
– Nossa, tinha me esquecido como isto era bom! – Exclamou a irmã de Benício.
– A última vez que bebi isso foi em Paris! Ah, que saudade.
– Paris! – sorriu – Eu nunca estive em Paris.
– Meu deus, que absurdo! Preciso te levar a Paris um dia, então. Só nós duas, passeando por Montparnasse e fazendo compras.
– Ah, tudo o que eu mais queria!
As duas soavam divertidamente embriagadas. Vitória não se sentia tão alcoolizada quanto a amiga, mas acompanhava-a com prazer na conversa de bêbada.
– Preciso ir ao toalete, Marieta. – Anunciou Vitória.
– Terceira porta à esquerda, querida.
Quando se levantou para ir direção ao corredor, Vitória, sem querer, fez contato visual com Lourenço, que provavelmente a observava há um tempo. Ela congelou por alguns segundos - que olhos bonitos ele tinha. Talvez fosse a bebida, mas, por uma fração de segundo, ela esquecera quem ele era. Permaneceu em sua cabeça apenas os elogios, as homenagens e a admiração que ele dizia ter por ela. Quando baixou a cabeça e desviou o olhar, seu coração acelerou. Ela odiava a si mesma mais do que o odiava naquele momento.
O banheiro ficava em um quarto de hóspedes, um dos cômodos que ficaram abertos apenas para uso dos convidados daquela noite. Quando foi lavar as mãos, Vitória sentiu vontade de jogar água gelada no rosto, mas, como a maquiagem lhe impedia, limitou-se a umedecer o pescoço e as orelhas. Ao sair do banheiro, Vitória deu de cara com Lourenço dentro do quarto.
– O que fazes aqui? – Perguntou Vitória, nervosa.
– Ah, Doutora... – aproximou-se – Não penses que não sei o que está acontecendo.
– Não há nada acontecendo, homem! Volte para a sala, o que vão pensar!?
•
– Quero que se dane o que pensam! – ele a imprensou contra a parede – Não podemos mais evitar o que sentimos. Eu não posso evitar...
Lourenço soava bêbado. Vitória sentiu com clareza seu hálito de álcool quando ele tentou beijá-la.
– Por que não... Por que não nos encontramos mais tarde, hein? No teu escritório, quando todos forem dormir. Agora não é...
– Não sabes o quanto te desejo, Vitória! Vitto... É como te chamam, não é? – ele subiu a saia de seu vestido. – Há tanto tempo sonho contigo e sei que me quer tanto quanto quero a ti! No fundo, somos iguais. És como eu! Uma mulher à altura...
Vitória tinha força o suficiente empurrá-lo, chutá-lo e prevenir que ele a violentasse. Mas quando pensou na confusão que seria caso ela fizesse isso, ele começasse um escândalo – estava bêbado, era completamente imprevisível - e as pessoas se deparassem com tal cena. Apenas respirou fundo e usou seus últimos resquícios de capacidade cognitiva parar abrir o colarinho do homem que jogava todo seu peso contra ela.
– Sabia que não conseguirias evitar, Doutora. – Gabou-se Lourenço, avançando em sua boca, dessa vez ela o permitindo brevemente.
– É. – Disse ela, virando o rosto para o lado, separando suas bocas. – Não consegui evitar.
•
Subitamente, Lourenço tinha uma seringa cravada em seu pescoço.
– Mas o que... – Disse ele ao sentir a picada.
Alguns segundos depois, antes que pudesse ter qualquer reação, seus músculos congelaram. Lourenço ainda tentou manter-se de pé segurando em Vitória, mas acabou por cair feio. Tentava falar, mas não conseguia. Contraía-se no chão, agonizando – já estava cego e inconsciente.
Benício adentrou o quarto. Havia seguido Lourenço quando viu que ele se dirigira aos corredores e estava demorando. Foi correndo até o corpo agonizante do cunhado no chão, que deu seu último suspiro alguns segundos depois. Vitória abaixou-se rapidamente e checou o pulso para confirmar a morte.
– Volte pr'o banheiro, eu cuido disso! – Ordenou Benício, falando baixo.
– O que irás fazer?
– Levá-lo para o corredor. Vá!
Vitória removeu a seringa do corpo e levantou-se, guardando-a de volta na liga de sua meia esquerda. Voltou para o banheiro e fechou a porta, ainda respirando aceleradamente. Enquanto isso, Benício arrastou o corpo até a porta do quarto onde estavam e olhou o corredor para ver se havia alguém. Levou o cadáver até a segunda porta à direita – a suíte do casal –, respirou fundo e gritou:
– Socorro! Um médico, por favor!
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Os pontos • indicam início e fim de cenas que possam apresentar conteúdo-gatilho.
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