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Capítulo IX - Trampolim do Diabo

A alta sociedade carioca estava reunida em tendas luxuosas armadas na Marquês de São Vicente para ver a largada de uma das corridas de rua mais aguardadas do ano: treze pilotos, de diversas nacionalidades, disputariam o Circuito da Gávea ou, como era popularmente conhecido, o Trampolim do Diabo, um circuito de rua de 11 quilômetros com mais de cem curvas que contorna o Morro Dois Irmãos. É famoso por ser extremamente perigoso, ao mesmo tempo que oferece aos competidores uma das vistas mais deslumbrantes do Rio de Janeiro.

O filho de Marieta e os filhos de Helena brincavam animadamente pelas tendas com outras crianças, tornando o trabalho de suas babás mais difícil. Helena, que passaria a semana na casa dos pais, estava sentada com o marido Sebastian ao lado de Marieta e Lourenço. Os dois esposos conversavam com outros homens por perto enquanto as mulheres engajavam em seus próprios assuntos saboreando seu champanhe.

– Onde está Vitória? – Perguntou Marieta para a amiga. – Achei que fosse vir contigo.

– Ela já vem. Foi resolver alguma coisa na Importadora.

Marieta olhou para o irmão, já vestido em seu macacão de pilotagem enquanto conversava com os mecânicos da escuderia que preparavam os carros.

– Benício disse-me esta semana que estava ansioso para vê-la. Comentou até sobre pedir a ela um beijo de boa sorte antes da corrida. – Comentou Marieta, animada.

– Eu sabia que o coração dele seria mais fácil de derreter! – Exclamou Helena. – Ela, por outro lado, ainda se faz de desentendida quando pergunto sobre.

Poucos minutos depois, Vitória chegou dirigindo seu próprio carro – um Citroën B14 customizado em azul-marinho. Quando um dos manobristas abriu a porta e ofereceu-lhe a mão para descer, a Doutora exibiu um belíssimo vestido de alças, combinando perfeitamente com o calor do dia e ostentava um chapéu no estilo carthwell, sem muitas flores, ao contrário dos tradicionais cloches usados pela maioria das moças. Cumprimentou a prima, a amiga e seus respectivos maridos, sendo introduzida a umas pessoas ao redor.

– Vitto, estás linda! Por que trocaste de roupa? – Questionou sua prima.

– Sujei a outra roupa de graxa no cais, tive que passar em casa para trocar. Sofia que escolhera esta para mim.

– A alemãzinha fez bem! – Comentou Helena.

– Só sei que estou desapontado contigo, Doutora. – Introduziu-se Lourenço. – Disseste-me que eu seria o primeiro a comprar o B14 em solo brasileiro.

– Primeiro, não primeira! – Brincou Vitória. Lourenço riu. – E, de qualquer forma, não o comprei, pelo menos não ainda. O carregamento chegara ontem, permitiram-me usar o carro para experimentar. Estarão à venda a partir da semana que vem!

– Doutora! – Exclamou Benício ao se aproximar do grupo.

– Olá, Benício!

Os dois se cumprimentaram com breves beijos no rosto. Helena e Marieta já se olhavam engraçado.

– Já estava achando que não fosses vir. – Disse o piloto, divertido. – Servida?

Benício fez sinal para o garçom que serviu para a Doutora uma taça de champanhe.

– Queres conhecer a escuderia? A corrida não deve demorar para começar.

– Claro, pode ser. - sorriu.

– Acompanhe-me.

Benício estendeu o braço para Vitória e ela riu diante de sua formalidade.

– Temos três carros competindo pela escuderia Palo-Souza hoje. – Comentou Benício.

– Este é o seu? – Perguntou Vitória, alisando a lataria de seu Dodge customizado, dessa vez ostentando o número 6.

– Sim. – sorriu – Uma beleza, não? Miranda! – Gritou Benício, chamando pelo amigo.

Um piloto negro, vestindo um macacão da mesma escuderia de Benício, apareceu. Tinha um bigode fino e um jeito galanteador.

– Miranda, esta é a Doutora Vitória, de quem lhe falei. – Introduziu Benício. – Vitória, este é José Miranda, um dos pilotos da nossa escuderia.

– Esqueceste de acrescentar que sou teu amigo, mas tentarei não sofrer muito por isso. – Comentou Miranda, divertido. – Muito prazer, Doutora.

– O prazer é meu! – Disse Vitória ao apertar a mão de Miranda. – Apenas Vitória, por favor.

– Então, cá está a queridinha de Souza! – Exclamou Miranda, Benício deu-lhe um tapa de leve no ombro.

– Queridinha? – Vitória riu.

– Eu já imaginava que era coisa da cabeça dele, moça. Se quiser fugir, saiba que dirijo muito mais rápido! - Brincou Miranda.

– Dependendo de como isso suceder... Manterei tua proposta em mente! – Continuou Vitória. Os dois riram. Benício revirou os olhos e deu um sorrisinho. – Sem garotas competindo hoje?

– Infelizmente, não. – Lamentou Miranda.

– Te levo um dia em algum Quilômetro Lançado no Rio Grande do Sul, as gaúchas são excelentes motoristas. – Disse Benício. – Inclusive, se quiseres competir pela escuderia qualquer dia...

– Ah, não! Não sei se é uma boa ideia, aprendi a dirigir há pouco tempo.

– Acredito que toda mulher moderna deva se permitir ultrapassar uns cem quilômetros por hora pelo menos uma vez. – Sugeriu Miranda. – Mas entendo se não fizer o tipo aventureira...

– Ela está sendo modesta, ela sabe pilotar aviões.

Miranda arregalou os olhos. Vitória riu.

– Estou ansioso para conversar mais contigo, Dou... Vitória! Mas tenho que ir agora. – Informou Miranda. – Eu lhe pediria um beijo de boa sorte, mas já tenho toda sorte que preciso.

Miranda apontou para uma mocinha negra em um dos camarotes mais a frente, conversando com outras garotas. A mão que segurava uma taça de champanhe carregava um anel de noivado.

Vitória sentou-se no capô do carro de Benício e cruzou as pernas.

– Então, quer dizer que sou tua queridinha?

– Bem, eu tenho uma toda corrida.

– Ah, bom saber.

– Não disse que era uma diferente por corrida. – riu – Não te preocupes, tua função é apenas me dar um beijo de boa sorte. E ficar linda no camarote.

– Acho que posso fazer isso, apesar de questionar, basicamente, cada palavra que disseste.

– Sendo sincero, estou um pouco desapontado que não brigaste imediatamente comigo. – riu.

– Ah, se fosse eu brigar por tudo que é questionável... De qualquer forma, não me importo em dar-lhe um beijo. E, certamente, não me importo em ficar linda bebendo champanhe no camarote. É meu estado natural.

– Acho incrível como gostas de ser superficial e profunda na mesma medida.

– A vida seria muito chata se eu fosse apenas um dos dois.

Um barulho alto e palavras quase inteligíveis saíram pelos alto-falantes, anunciando que a corrida iria começar.

– Então, ganho mesmo um beijo? – Perguntou Benício.

– Vejamos... – Disse Vitória. – Podemos sair para jantar esta semana?

– Mas é claro. – sorriu – Onde e quando quiser, Doutora.

– Então, terá seu beijo.

Benício virou a bochecha para Vitória e ela deixou-lhe uma perfeita marca vermelha no rosto. Os dois se olharam, Vitória sorriu e, rapidamente, Benício roubou-lhe um selinho. Do camarote, Helena e Marieta comemoravam a verdadeira vitória do dia.

– Tua irmã e minha prima nunca nos deixarão em paz depois disso! – Disse Vitória, rindo.

– Nem ninguém deixará. – riu – Escutaste o barulho da câmera?

– Escutei. Bem, trate de ganhar. Não quero ter uma foto beijando-lhe à toa!

– Prepare-se para estar na primeira página do jornal de amanhã, querida! Preciso que vá para o camarote agora.

Quando voltou para a tenda, Helena e Marieta estavam eufóricas.

– Eu sabia! – Exclamou Helena. – Eu sabia!

– Juntar vocês dois foi uma excelente ideia. Ficam tão lindos juntos! – Gabou-se Marieta.

– Sosseguem, as duas! – riu – Deus, cadê o garçom? Preciso de uma taça.

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