Uma rosa cheia de espinhos
Com o retorno atípico das atividades escolares e as demandas rotineiras que disso resultava, Freya não conteve a apreensão que inflava em seu peito a medida que todas as suas preocupações vieram a superfície, tumultuando seus pensamentos que, com esforço, manteve sob controle dos olhares incisivos de seu avô e empregados nos últimos dias – o que tem sido uma tarefa árdua que exigia uma presença de espírito em si que desconhecia completamente.
Seus passos altos ecoaram pelo sinuoso corredor da Academia em um tom ritmado e solitário que serviu como despertador de seus profundos devaneios, por mais que desejasse não encher sua cabeça com indagações e temores a respeito de sua irmã e Jack, eram quase inevitáveis. Ainda que a parte racional lhe dizia que sofrer por antecipação fosse prejudicial e fomentaria mais estresse, o que realmente predominava em cada fibra do seu ser era o instinto de proteção e o impulso de ajudá-los, mesmo que não fosse tão útil no campo de batalha ou no que Eva planejava.
Tentou ligar para Isaac após a revelação, contudo, para seu horror, o número constou como inexistente. Sentia como se todos ao seu redor quisessem eximi-la dos problemas, o que a deixava de mãos atadas sem saber como proceder. Projetou sua aflição em Jack Atlas e em tudo que ele lhe relatou e seu coração traidor, instigado pela onda de ansiedade, pulsou com mais rapidez desencadeando um desconforto característico de sua condição de saúde que a obrigou a se curvar discretamente em um ritual silencioso para recobrar o batimento normal e dentro do que poderia suportar.
Observou um pequeno grupo de garotas em polvorosas se aproximando, percebendo que os olhos delas emitiam um brilho de excitação peculiar, como se estivessem um júbilo por algo que elas descobriram. A princípio não quis se envolver com a possibilidade de ser arrastada com elas à um episódio de surto coletivo estudantil e não estava com humor de se reunir com outras alunas por bobagens, queria verdadeiramente permanecer distante de quaisquer indisposições supérfluas e fofocas. No entanto, ao reparar melhor, deu-se conta que elas se dirigiam até onde se encontrava, quase barrando sua passagem. Pelo símbolo ornamentado com linha dourada no uniforme sugeria que elas eram do primeiro ano com frescor juvenil exalando pelos poros feito uma flor fresca desabrochando na primavera, até a alegria delas indicava isso, uma genuína e um pouco exagerada reação a uma notícia.
– Senhorita Freya! – uma elas saudou sem fôlego, porém sem deixar o sorriso eufórico morrer. – Está tendo boatos que irá se casar!
Aquilo a surpreendeu muito mais do que queria ter transparecido. Uma informação que, em tese, deveria se restringir à privacidade de sua casa agora estar sendo espalhada por todos os cantos da Academia lhe assustou. Não tinha consciência que sua vida eram tão comentada e exposta assim, embora não fosse ingênua pra acreditar que, devido sua popularidade, não seria um alvo em potencial em falatórios comuns. O rubor aqueceu seu rosto inicialmente pálido pela surpresa, o que gerou uma comoção ainda maior entre as jovens que viram no seu constrangimento uma resposta satisfatória.
– É verdade que seu noivo é o Rei? – outra garota indagou, com o semblante iluminado.
– Bando de corvos! – uma voz irritada berrou pelo corredor. Freya reconheceu de imediato a dona e não disfarçou o sorriso com o timing perfeito de Ran Kobayakawa para atrapalhar os planos de qualquer pessoa que a incomodasse de algum modo. – Sumam daqui!
As meninas se dispersaram apavoradas com o tom ameaçador que somente ela ostentava.
– Que irritantes – bufou, pisando duro.
– Bom dia, Ran – cumprimentou, rindo.
– O que elas queriam? – perguntou como uma irmã brava, fazendo Freya se sentir acolhida mesmo com o jeito excêntrico da garota. – Não aceito que perturbem minha rival!
Ran possuía o gênio complicado, oriunda de uma prestigiada família, sempre teve o que almejava e seu talento como duelista a elevou ao status de uma das “damas da elite” e, se tratando de um colégio de renome, sua pontuação se equiparava com a das primeiras posições do “Top 100”. Com o título simbólico de Princesa, Ran se dedicou a subir o pódio da hierarquia da Academia e, desde que se conheceram, se auto proclamou sua excepcional adversária, jurando obter o posto de Rainha em um duelo com Freya. Apesar de ter esse objetivo fixo, a garota está sempre por perto e age quase como uma amiga.
– Elas só queriam falar do meu noivado – suspirou abatida.
– Noivado? Então esse boato é verdadeiro? – Ran franziu a testa, visivelmente tensa. – Achei que fosse uma fofoca barata dessas tagarelas.
– Freya! – Mei e Sakura correram na direção de ambas, coradas pelo exercício.
Mei Shield, filha de um agente da Security, e Sakura Matsushita eram duas colegas no qual acabaram formando uma estreita amizade durante o ano letivo.
– Que história é essa de noivado? – Sakura ganiu entre arfadas.
– E é verdade que seu noivo é Jack Atlas? – Mei completou também abismada.
– O quê? Você vai se casar com o Rei? – Ran gritou perplexa.
Freya tomou uma longa respiração, organizando as ideias para dar uma explicação plausível as três amigas sem que a situação ficasse incontrolável. Bastou o inconveniente de poucos minutos no qual a própria Ran interviu a tempo.
– É uma longa história, mas basicamente meu avô decidiu que estava na hora de me comprometer a um relacionamento conveniente pra unir o poder da corporação Kaiba e o conglomerado Reinhard, isto é, contraindo casamento com o herdeiro que é o Jack – resumiu o máximo que poderia para evitar mais transtornos.
– Oh! – Sakura arquejou.
– Isso explica muita coisa – Mei comentou, cruzando os braços.
– Isso é um absurdo! – Ran vociferou revoltada com tal decisão. – Seu avô acha que estamos em que século? 19? Você já é maior de idade!
Freya suspirou.
– Ele ainda é meu responsável legal até eu ter 21 anos, além disso, minha única família.
– Eu... Sinto Muito... Mesmo assim não é justo! – Ran sussurrou.
De todos os possíveis vazamentos, sentiu-se grata pela “morte” de Eva ter ficado longe da mídia e dos comentários das pessoas, sendo uma informação restrita a família. Ao menos não teria que fingir estar conformada tampouco receber mais atenção do que necessitava, incluindo os olhares de compaixão de suas colegas que se arrastaria por horas, dias e até meses. Não queria ter que passar o dia respondendo a todo instante que estava bem, sobretudo, por Eva não ter morrido como seu avô acreditava. Com as divergências contínuas que os afastaram, dificilmente ele a ouviria e discutir não era uma opção viável para sua saúde mental.
– E como é o famoso Rei pessoalmente? – Sakura inquiriu curiosa.
– Certamente deve ser um mala – Ran objetou. – Acho ele muito arrogante e prepotente – Freya riu enquanto Mei e Sakura fitaram a garota que tinha um histórico de vaidade e ego maiores que a Academia já documentou. – O que foi que estão olhando?
– A suja falando do mal lavado – Mei alfinetou, sorrindo provocativa.
– Como é? – Ran rosnou.
– Isso que ouviu. E a única pessoa aqui que pode dizer como o Rei é seria a Freya. Nenhuma de nós o conhece e é feio julgar por impressões sabia? – Mei balançou o indicador como uma maneira de repreensão que deixou Ran enrubescida de raiva.
– Ele tem uma personalidade forte e é um homem nobre – seu coração palpitou com a lembrança de Jack e de temperamento que inconscientemente lhe trouxe um sorriso cativo aos lábios.
– Você está apaixonada? – Sakura saltou emocionada.
– O quê? Não! A gente mal se conhece! – desviou o olhar extremamente constrangida.
– Não dizem que existe amor a primeira vista? – Mei deu um risonho brincalhão. – Você pode ter gostado dele e nem se deu conta e como vocês terão bastante tempo para se conhecerem até o casamento, quem sabe você admita isso.
– As coisas não funcionam assim – praguejou mentalmente quando novamente o rubor denunciou sua afetação. – Ele é um rapaz bonito e interessante, só que as circunstâncias não ajudaram muito no que querem que seja no nosso relacionamento.
– Viu? É um bom motivo para dissolver o casamento. – Ran argumentou com ar altivo.
– E tem outra pessoa também – Freya reuniu coragem, se encolhendo involuntariamente.
– Oh! Um triângulo amoroso! Quem é o...
Freya congelou com uma estranha sensação rastejando pelo seu corpo, como um erva daninha crescendo por seus músculos e a imobilizando. Ali, naquele momento, uma nuvem escura pairou sobre elas, uma névoa de rancor tão densa e insuportavelmente sufocante que travou seus membros. Engoliu em seco e, este simples ato, queimou dolorosamente sua garganta. A aura pesada adentrou tão imponentemente voraz e hostil que mecanicamente as garotas abriram caminho para a figura de postura inabalável, sisuda e com o olhar opaco.
Lá estava ela: Aki Izayoi, conhecida como Bruxa da Rosa Negra. Os cabelos rubros brilhavam conforme ela se movia, lhe remetendo a cor mais sóbria de rosas secas. Sua face era uma máscara impassível que não demonstrava um único traço de simpatia. Assim como todas as jovens presentes, a ruiva também era terceiranistas, entretanto, no quesito social, os burburinhos maldosos pregavam que ela se deleitava com o sofrimento de seus oponentes, o que não colaborava para que tivesse uma boa imagem e ninguém se voluntariava para auxiliá-la e amigar – muitos a ostracizavam, relegando-a as margens das sombras da Academia. Foi em um intervalo de menos de segundos que o olhar de Freya se cruzou com o da duelista, conseguindo enxergar nos olhos castanhos uma inconsolável tristeza e amargura. A dor gravada neles a comoveu e algo em seu âmago sentiu que deveria se conectar a garota solitária.
– Temos que ir a aula! – Mei gaguejou, trêmula.
– Sim, vamos logo! – Sakura concordou, puxando Freya junto para ir para sala.
×××
Freya recolheu seu lanche e escapou do campo de visão das moças curiosas que exibiam indiscriminadamente sorrisos de admiração e olhares curiosos com uma intensidade desgostosa. Verificou seu celular aguardando uma notícia de Jack para se certificar que o rapaz estava bem, sem nenhum sinal de vida – o que a frustrou mais do que gostaria.
Cogitou ligar para ele e tomar a iniciativa para vê-lo ou simplesmente escutar de sua própria boca que não havia nada de errado, porém, diferente dela que ainda era uma estudante, o Rei possuía uma agenda mais extensa para cumprir e deveres de um aristocrata e profissional. Guardou o aparelho e virou instintivamente para um farfalhar das flores próximas de onde jazia, guiada pela curiosidade seguiu por entre os arbustos em direção a uma área mais isolada do jardim na qual, sentada em um banco, estava Aki Izayoi comendo.
Seu coração se apertou com a visão e em como compreendeu o dissabor de ficar só.
Sem dizer uma única palavra, acomodou-se ao seu lado e comeu o que lhe prepararam para o desjejum. Como era de se esperar a ruiva transmitiu, sem pestanejar, um desconforto quase palpável, o que fez Freya reconsiderar sua posição e no quanto sua abordagem teria sido interpretada erroneamente, como se estivesse pronta para duelar com o mais mínimo movimento.
– Esse lugar é relaxante e tranquilo – pegou um dos bolinhos cuja massa apetitosa se dissolvia em uma explosão genial de sabores. – Estamos em algumas turmas juntas – fitou Aki petrificada e com o cenho ligeiramente franzido. – Aki, não é? Me chamo Freya, é um prazer conhecê-la.
– O que você deseja? – cortou a interação com uma voz ríspida.
– Nada, só um pouco de paz. – rebateu, mordiscando outro bolinho. – Esse local é um bom espaço para espairecer da confusão de fofocas.
Aki suspirou.
– Não precisa fingir se importar comigo e muito menos se forçar a ficar – voltou a comer, indiferente. – Não careço de companhia e você tem suas súditas para saciar sua falta de companhia.
– Não estou me forçando a nada, se somos colegas, o mínimo, é termos contato. A dinâmica de grupo funciona melhor se todos fizerem sua parte. E não tenho súditas, elas são minhas amigas. – arqueou a sobrancelha, bebericando um pouco do suco. – Soube que é uma ótima duelista – instigou um pouco a jovem que guardou seu bento ostentando um semblante estoico. Com os detalhes que tomou conhecimento, Aki, além de uma excelente duelista, tinha habilidades psíquicas que infligiam danos reais aos oponentes, algo que atiçou sua curiosidade.
Elas eram quase parecidas.
– Quer duelar comigo? Por isso a curiosidade? – levantou bruscamente com as feições retorcidas em fúria. – Se você deseja isso vai se arrepender!
– Não se engane – respondeu com firmeza, no entanto, sem perder a amabilidade. Seu timbre não titubeou e comportamento centrado lhe atribuíam mais credibilidade. – Não tenho medo de você e nem do que pode fazer, Aki. Não somos tão diferentes quanto imagina.
Tirando uma máscara da bolsa, Aki riu de modo distorcido que não combinava com a delicadeza de seus traços.
Ela era uma melancólica rosa que floresceu em meio as pedras.
– Vou te mostrar porque me chamam de Bruxa da Rosa Negra!
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