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Prólogo

Houve somente uma única vez, recordava-se vagamente, que conheceu muito de perto a morte. Até ousaria afirmar que lhe seria uma amiga íntima e presente, acompanhando meus passos. E tudo começou há muitos anos – ao todo não sabia ao certo. Suas lembranças da época limitavam-se a flashes ocasionais, mas muito vívidos.

Sob um catre, rodeada de máquinas e tubos, bastante fraca e apagada. A ofuscante luz que a desorientava pendendo acima de sua cabeça, sentiu que seu corpo não resistiria a mais uma nova bateria de exames e medicamentos pesados que seu organismo não suportava mais digerir, e, mesmo assim, não queria ir realmente – uma verdadeira contradição. Seus pais ficariam muito tristes com sua partida tal como sua irmã mais velha que tanto adorava. Vendo a tristeza retratada na face cansada de seus progenitores, testemunhando em primeira mão os esforços absurdos para mantê-la junto a eles, comoveu-se pela luta constante deles em buscar uma cura e optou por abandonar sua vontade de permanecer no mundo.

Não desejava mais ver o sofrimento pregado nos olhos de mais ninguém e ser um fardo para eles significava nunca ter paz.

Eles mereciam um descanso.

Projetou seus sentimentos passados no presente, o coração apertado e oprimido pelo luto e castigado pela solidão. Mergulhou um pouco mais fundo nas memórias longínquas.

Suas pálpebras tremiam e sua respiração tornava-se mais difícil de executar, puxando o ar com certa exaustão e expirando com apatia, poupando suas últimas reservas de energia. Seu corpo vulnerável e fragilizado não respondia como deveria com os estímulos externos, frustrando-a.

Nunca seria como as outras crianças.

Não teria oportunidade de sair da prisão de paredes brancas e aroma enjoativo de éter.

Não perderia muita coisa se tivesse que ir embora, visto que nunca usufruiu de interações e atividades normais de alguém de sua idade. Aprendeu desde de cedo que que era diferente – do tipo ruim – de todos. Quando a morte acariciava-lhe com seu gentil e acolhedor abraço, não brigou.

Não chorou como esperavam.

Não exigiu desejos tampouco cobrou seus pais.

Aceitou o que deveria ser necessário de bom grado.

Naquele dia não morreu como previsto, no entanto, algo nesse ínterim destruiu sua pequena e ingênua imagem de família, órfã, dolorosamente sozinha e vivendo sob a tutela do seu avô que a amava e lhe dedicou anos de carinho – que não curou seu coração ferido ou preencheu as lacunas.

Mas, ainda assim, a sombra da morte nunca mais a deixou, perseguindo-a a cada canto.

As vezes, o que está marcado para morrer, precisa cumprir seu destino, independente do caminho a percorrer até lá.

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