CAPÍTULO 35 - A Isca
||CAIO GONZALEZ||
Às vezes, é preciso aceitar uma derrota temporária para garantir a vitória final. Desde que Damon, o meu querido primo, teve a ousadia de me expor publicamente, fui forçado a desaparecer das vistas de todos. Isso me deu tempo para reavaliar minhas estratégias e afiar minhas armas. Cada segundo no silêncio foi bem calculado, e a primeira coisa que fiz foi contratar homens para vigiar cada movimento dele — sua casa, sua esposa, até mesmo seus amigos.
Não tinha pressa. Esse tipo de vingança exige paciência, e Damon mal sabia o quão atento eu estava a todos os detalhes da sua vida. Saber da gravidez de Valentina foi como um presente inesperado. Eu podia ver o futuro diante de mim, onde cada decisão minha o faria desmoronar.
Eu esperei.
Esperei o momento exato em que ele estaria mais vulnerável, mais despreparado. Damon achou que tinha me derrotado ao expor meu nome, mas o que ele não sabe é que eu estava apenas recuando para atacar com mais força. Ele iniciou essa disputa, mas eu sou quem vai encerrá-la — no momento certo, com as armas certas, atingindo o que ele mais valoriza.
E foi exatamente o que fiz.
Mantive-me nas sombras, observando cada movimento de Damon enquanto ele concentrava toda a sua atenção na proteção da sua família. Ele acreditava que eu faria o mesmo, que minha vingança giraria em torno deles. Por isso, dobrou a segurança. A casa parecia uma fortaleza, guardada dia e noite por vigilância armada e cercada por tecnologia de última geração. A empresa também estava sob constante monitoramento, e até o rancho da sua mãe havia sido blindado. Damon acreditava que estava um passo à frente, protegendo os que mais amava, como se isso fosse suficiente para me impedir.
Mas ele não pensou nos seus amigos. Heitor, de fato, era atento, sempre desconfiado, um homem que vivia olhando por cima do ombro, como se sentisse o perigo se aproximando. Mas Caroline... ela foi a isca perfeita. Sem levantar suspeitas, ela me deu a abertura que precisava para pôr em prática a primeira parte do meu plano. Foi fácil demais. Enquanto Damon focava sua energia em proteger o óbvio, ele deixou um buraco no seu círculo de confiança, e eu o aproveitei sem que ele percebesse.
O fato de Caroline não ser o alvo direto a fez baixar a guarda, tornando-a vulnerável e, ao mesmo tempo, uma peça crucial para o meu jogo. Ela não se via como parte da guerra que se desenrolava entre mim e Damon, e foi essa confiança equivocada que a tornou a vítima perfeita. Suas rotinas eram quase tediosas de tão previsíveis: saídas para almoçar sozinha, longas tardes no trabalho, e as entregas regulares que subiam até seu apartamento, todas facilmente rastreáveis. Às vezes, ela passava pelo centro da cidade, caminhando distraída, perdida em pensamentos, completamente alheia à rede que estava se fechando ao seu redor.
Ela era a isca perfeita.
Minha primeira tentativa foi um teste simples, um jogo para ver até onde ia sua vigilância. Coloquei um dos meus homens para segui-la, nada muito óbvio, mas o suficiente para que ela notasse. Como previsto, Caroline percebeu a presença e, em um reflexo de autoproteção, entrou rapidamente em um restaurante. Por um breve momento, pensei que ela poderia ser mais esperta do que imaginava. No entanto, assim que viu o homem que mandei se sentar casualmente ao lado de um senhor do outro lado da calçada, o alívio tomou conta de seu rosto. Sua desconfiança evaporou, e ela relaxou, convencida de que não havia perigo algum. Foi nesse instante que percebi o quanto ela era fácil de manipular.
Eu precisava de algo mais certeiro, algo que a pegasse desprevenida de verdade. E foi aí que minha irmã, Selena, entrou no jogo. O relacionamento dela com Heitor facilitou tudo. Ela conhecia Caroline o suficiente para saber exatamente o que dizer e como abordar sem levantar suspeitas. Selena era implacável, sabia ser persuasiva quando necessário. Ela a interceptou em uma de suas saídas do trabalho, com uma história cuidadosamente montada. Disse a Caroline que tinha informações cruciais sobre o meu paradeiro e que só queria ajudar Heitor, sabendo que isso despertaria a curiosidade dela.
Caroline, é claro, não acreditou de imediato. Tentou resistir, ameaçando ligar para Heitor, o grande herói que ela achava que viria em seu socorro. Mas não houve tempo para isso. Selena, rápida como uma serpente, agiu sem hesitar. Um golpe preciso e seco, e Caroline desabou antes de sequer entender o que estava acontecendo. Apagou ali mesmo, no meio da calçada, sem chance de gritar ou resistir.
Esse era o tipo de controle que eu gostava de ter. Enquanto Damon estava ocupado se preocupando com as questões maiores, eu fui atrás das menores, invisíveis a seus olhos, mas capazes de desmontar todo o seu mundo peça por peça.
Com Caroline em nossas mãos, atrair Heitor foi quase um jogo infantil. Ele era um homem esperto, sempre atento, mas o coração pode facilmente cegar até os mais sagazes. Sabia que ele não resistiria ao menor indício de que Caroline estava em perigo. Bastou uma mensagem curta, um pedido de ajuda desesperado enviado do celular dela, e Heitor mordeu a isca. Desarmá-lo foi o próximo passo, e isso não exigiu muito esforço. Ele veio até nós com a confiança de quem achava que poderia resolver tudo, sem perceber que, dessa vez, o tabuleiro estava sendo controlado por mim. O orgulho e a necessidade de ser o herói o fizeram tropeçar exatamente onde eu queria.
Levá-lo para um lugar remoto, quase deserto, fez parte do jogo psicológico que eu estava construindo. Cada decisão era uma peça que se encaixava perfeitamente no quebra-cabeça que vinha elaborando há meses. Heitor não tinha ideia de que, ao cruzar aquela fronteira, estava caminhando diretamente para a armadilha. O isolamento do local era crucial, pois ali ele se tornava vulnerável, sem testemunhas, sem auxílio, apenas o eco do próprio medo.
A segunda parte do plano, a captura definitiva de Heitor, foi cuidadosamente orquestrada. Esse era o momento em que meu pai e minha irmã Serena entrariam em cena. Meu pai, com sua experiência e frieza, sabia exatamente como lidar com situações como essa. Tudo fluiu de acordo com o plano. Heitor foi despojado de sua força e confiança, um homem que, até aquele momento, acreditava estar no controle de sua vida, de seu destino. Mas, como tantas outras peças no meu tabuleiro, ele não passava de um peão, movido pelas minhas mãos sem sequer perceber. Ele não sabia que, a partir daquele momento, estava prestes a descobrir que o verdadeiro jogo havia apenas começado.
Forçado, ele pegou o celular com as mãos trêmulas e ligou para o meu primo, pronunciando exatamente as palavras que lhe foram ordenadas. Cada sílaba tinha um propósito calculado: gerar incerteza, aquela sensação de que algo estava errado. Damon sempre foi cauteloso, protetor, mas naquele dia, a ligação que Heitor foi obrigado a fazer plantaria a dúvida em sua mente, suficiente para atraí-lo diretamente para onde eu o queria.
Sabia que naquele exato dia meu primo acompanharia seus filhos a uma consulta médica. A ligação traria duas possíveis reações: ou Damon deixaria Valentina levar as crianças sozinha, ou, instigado pelo alerta, cancelaria tudo e os manteria em casa. Eu estava pronto para qualquer uma dessas alternativas. A primeira seria simples – interceptar o carro no caminho e executar o plano sem grandes complicações. Já a segunda opção seria mais trabalhosa, exigindo mais recursos e tempo. Mas ambos os cenários tinham sido antecipados e cuidadosamente planejados.
E, como esperado, a segunda opção se desenrolou. Damon, movido pela intuição, decidiu não deixá-los sair de casa. As circunstâncias mudaram e a terceira fase do meu plano entrou em ação.
A primeira parte foi simples: uma entrega. Mandei uma caixa através do envio padrão, um pacote comum entre tantas outras encomendas rotineiras. Ela chegou à portaria sem levantar suspeitas, misturada com outras entregas. Meu espião, infiltrado há meses, me confirmou o recebimento assim que o portão foi aberto e o pacote foi levado para dentro da casa. Tudo estava pronto.
O estrondo da explosão ressoou, abalando o que parecia ser uma manhã tranquila. O caos se instaurou em questão de segundos. Meus homens, posicionados estrategicamente, surgiram das sombras, pegando todos desprevenidos. Eles se moviam como uma força invisível, entrando em ação no momento exato. Em menos de cinco minutos, a segurança de Damon – tão cuidadosamente construída ao longo do tempo – desmoronou como um castelo de cartas, deixando sua família vulnerável e exposta.
Com a passagem finalmente livre, paguei os homens pelo serviço feito e entrei na casa. O ar estava pesado, e o ambiente, que antes era acolhedor, parecia sombrio e carregado de uma tensão palpável. A explosão ainda reverberava na minha mente, um lembrete do caos que havia se desenrolado.
Valentina e uma senhora ao seu lado paralisaram ao me ver. O terror em seus rostos era evidente, e em um instante, o tempo pareceu desacelerar. O que antes era um lar agora se transformara em um campo de batalha. Eu sabia que não havia tempo para fugir ou se esconder. O olhar de Valentina, misto de medo e determinação, me desafiava, mas eu também sabia que a defesa dela era impulsionada pelo amor às crianças que estavam com ela.
A senhora, provavelmente uma amiga ou parente, tentou intervir, em um gesto de coragem. Contudo, eu estava focado e determinado a seguir em frente. Quando Valentina hesitou, a resistência dela em entregar os pequenos tornava-se um obstáculo, e eu sabia que isso poderia ter consequências.
Com um movimento rápido e sem hesitação, avancei. O grito da mulher ecoou pela casa, uma súplica que me atingiu com um peso inesperado. Ela tentava proteger as crianças, tentando salvar o que mais amava, mas sua bravura não era suficiente. Eu estava decidido a prosseguir, sem olhar para trás.
Com um gesto firme, a silenciei. O impacto foi rápido e eficaz, e a mulher desabou no chão desacordada, um eco da fragilidade da situação. O olhar de Valentina se transformou, a dor e o desespero se misturando em seus olhos, enquanto ela apertava as crianças contra si. Paralisada quando tinha armas apontadas para ela. Zayn avançou com sede agarrando o seu cabelo, a mobilizando para que eu pudesse pegar os bebês. Apesar da situação não a favorecer em nada, ela tinha em seus olhos um brilho de resistência, força e determinação que não se deixaria abater tão facilmente. Quando seus filhos perderam o seu contato a desabou a chorar e a tentar se sair do aperto de Zayn.
Levei as crianças para a cadeirinha que estavam no canto da sala e deixei Zayn despejar sua obsessão e sede de vingança sobre Valentina. Palavras e ações impiedosas, aquilo destruiria Damon. Aquilo a marcaria para sempre. A impotência do marido pelo qual tanto amava, a impotência atingiria os dois.
O tempo, como um inimigo implacável, parecia escorregar dos meus dedos. O ambiente era opressivo e esmagador, o terror se apoderou dos olhos dela quando o viu rasgar a sua blusa de seda. Lembro-me perfeitamente como tudo se desenrolou.
— Caio, precisamos ir. — Theo surgiu na entrada.
— Zayn, solte-a! — falei. — Estamos ficando sem tempo.
Resistente, continuou a tirar o tecido.
Destravei a arma e apontei para ele.
— Não irei repetir! — disse autoritário.
— Iremos levá-la? — perguntou, recuando alguns passos.
Houve um breve silêncio antes da minha resposta, enquanto meus olhos analisavam Valentina.
— Não — respondi com calma, a voz baixa e controlada. — Ela será o lembrete perfeito que Damon receberá quando chegar.
Me aproximei com passos cuidadosos, cada movimento calculado. O peso da arma em minha mão parecia insignificante comparado à importância do momento. Inclinei-me, sussurrando de forma suave, como uma despedida silenciosa.
— Bons sonhos, Valentina — sussurrei, quase como um sopro.
Com um movimento leve, a coronha da arma encontrou a lateral de sua cabeça. Não foi um golpe brutal, mas o suficiente para que seus olhos se fechassem lentamente, entregando-se à inconsciência, como se simplesmente tivesse caído em um sono profundo.
….
Assim que cheguei à fábrica, entreguei os bebês a minha irmã. Ela pegou um rapidamente e Theo o outro, e antes que eu pudesse processar qualquer coisa, desapareceu com eles, sumindo da minha vista em questão de segundos. O choro incessante ecoava ainda em meus ouvidos, mas a irritação já havia se instalado em mim. Aquele som agudo e constante testava os limites da minha paciência, algo que no momento eu não tinha para lidar com eles.
Respirei fundo, tentando estabilizar meus pensamentos. Levei as mãos ao cabelo, puxando levemente os fios em um gesto automático de buscar controle. Precisava de foco. Faltava pouco para tudo finalmente acabar.
Meu pai e minha irmã já deviam estar aqui. A constatação de que não haviam chegado ativou um alarme silencioso na minha mente. A ausência deles fazia meu corpo inteiro estar em alerta, como se cada músculo estivesse preparado para reagir a algo iminente. Para piorar, o sinal do celular era praticamente inexistente naquela parte da fábrica. Era frustrante tentar qualquer tipo de contato — assim que o telefone pegava algum sinal, ele logo caía. Esse isolamento não ajudava em nada, apenas amplificava a sensação de que algo estava fora de controle.
Tudo parecia imprevisível agora.
Além de tudo isso, precisava de tempo. Deixar meu primo afogado no próprio desespero era parte do plano. A incerteza de não saber onde os filhos estavam o corroeria, cada segundo o sufocaria com a angústia. Eu conhecia aquele tipo de pânico — o desespero o faria agir de forma imprudente, e isso era o que eu queria. Cada minuto de silêncio, cada tentativa frustrada de contato, o afundaria mais na própria confusão.
Eu sabia que, assim que enviasse a mensagem, seria o gatilho que precisava. Ele entraria em um estado de desespero tão grande que não teria tempo para pensar racionalmente. Iria agir sozinho, sem calcular os riscos, exatamente como eu previa. E quando isso acontecesse, eu estaria pronto, esperando por cada um de seus movimentos.
— Busque o lugar na fábrica que tenha sinal e aguarde Damon por lá — falei, mantendo meu tom firme, mas sem elevar a voz — Tentarei entrar em contato com meu pai.
Zayn apenas assentiu, sem questionar.
— Não toque nele. Eu lidarei com ele quando voltar. — avisei, mesmo sabendo do humor instável tentei acreditar que ele não se atreveria acabar com Damon antes de mim.
Ele logo se afastou, com passos rápidos e decididos, desaparecendo entre as sombras da fábrica para cumprir a ordem que lhe dei. Antes de ir até o local onde tinha sinal, decidi por precaução, ir até a minha irmã e pegar um dos bebês. Precisava de um plano alternativo diante do silêncio do meu pai.
Deixei mensagens tanto no celular do meu pai quanto no da minha irmã, mas o silêncio do outro lado parecia ecoar como uma resposta ensurdecedora. A ausência de retorno fazia meu coração pulsar mais forte, como se, a cada segundo, um alarme invisível estivesse disparando dentro de mim. Algo estava errado, e a falta de respostas só confirmava meus temores mais profundos.
A falta de resposta tornava impossível enxergar qualquer caminho seguro, como se o plano estivesse fadado a fracassar. Cada parte final que havia calculado com precisão agora parecia instável, como uma corda prestes a se romper. Ainda assim, apesar da ausência de respostas e do peso crescente da incerteza, eu sabia que não podia recuar.
Eu não havia chegado até aqui para desistir.
*
||Valentina Martins ||
Deitada na cama com os olhos fechados, sinto tudo que se passa ao meu redor. A enfermeira me deu um comprimido para que eu me acalmasse, mas assim que fiquei sozinha, retirei o comprimido que havia escondido debaixo da língua e joguei fora. Eu não queria dormir. Não queria encontrar o silêncio que poderia acalmar o caos que se encontra dentro de mim.
A perspectiva de um sono tranquilo, repleto de paz, é algo que não consigo aceitar. Enquanto meus filhos não estiverem ao meu lado, relaxar parece uma traição. A ausência deles me consome; a lembrança da alegria e inocência deles contrasta brutalmente com a dor que me envolve. A solidão deste quarto se torna cada vez mais opressiva, e cada batida do relógio ecoa em minha mente como um lembrete cruel de que a vida segue, enquanto me sinto paralisada no meio de uma tempestade emocional.
Estou destruída por dentro. Ferida, com a culpa rasgando minha alma em pedaços. O sentimento de inadequação me domina, e me pergunto constantemente o que poderia ter feito diferente. A culpa me consome, como uma sombra que se recusa a me deixar. Cada pensamento é uma facada, cada lembrança, um eco de meus medos e inseguranças.
Luto contra as lágrimas que insistem em brotar, minha vulnerabilidade exposta em meio ao tormento. Quero gritar, mas a voz que ecoa em minha mente é um sussurro de desespero, um grito mudo que não encontra saída. Sinto-me presa em um labirinto de emoções, sem saber como encontrar a luz. Sabia que Damon estava no quarto e que seus olhos estavam fixos em mim, tento normalizar a minha respiração a fim de acalmar aquela tempestade do meu interior.
Não demora muito minha sogra chega e diz baixinho palavras gentis perto do meu ouvido. Ouço Damon se despedir da mãe dando uma desculpa cuidadosa mas que não passou despercebida por mim. Ele estava indo atrás dos nossos filhos.
Abro os meus olhos e encontro o olhar da minha sogra sobre mim. Seu sorriso caloroso se abre, e seu olhar gentil é como uma manta de cura que tenta me alcançar. No entanto, à medida que sinto sua presença, tudo o que estava segurando dentro de mim vem à tona em um choro inconsolável.
O peso das emoções reprimidas se dissolve naquele momento, como se seu olhar tivesse o poder de desvendar o que eu havia tentado enterrar. A ternura que ela emana me envolve, e eu não consigo mais conter as lágrimas que escorrem pelo meu rosto. Cada gota parece carregar consigo uma parte do meu desespero, uma fragmento da dor que venho carregando em silêncio. Ao vê-la ali, tão atenta e preocupada, percebo que não estou sozinha. O choro se transforma em um desabafo desesperado, como se cada soluço estivesse buscando libertar a dor que me aprisionava.
— Eu... — tento dizer em meio ao choro, a voz embargada pela dor. — Não pude salvá-los.
As palavras saem como um sussurro angustiado, carregadas de uma culpa profunda que me sufoca. A verdade se desdobra diante de mim, como uma sombra que se recusa a se dissipar. A incapacidade de protegê-los pesa sobre mim como uma âncora, e cada sílaba parece afundar ainda mais em meu peito.
Sinto o calor das lágrimas escorrendo pelo meu rosto, cada gota uma lembrança do que perdi, do que não consegui evitar. A dor é quase palpável, e a constatação de que falhei em cuidar de quem mais amo rasga meu coração em pedaços.
— Não pode se culpar assim, Valentina. — Sua voz é firme, mas suave, como um abrigo em meio à tempestade. — Ninguém poderia prever isso.
Ela segura minhas mãos, e sinto seu calor me envolvendo, oferecendo um fio de conforto em meio à dor que me consome.
— Mas eu deveria ter feito mais — murmuro, a voz tremendo. — Deveria ter feito algo diferente. Agora... agora eles não estão aqui, e eu não consigo lidar com isso.
A culpa me oprime, uma sombra que não se afasta, e as palavras da minha sogra, por mais bem-intencionadas que sejam, parecem não conseguir penetrar na espessa neblina de desespero que me envolve.
— Valentina, — ela continua, sua voz inabalável — você não pode carregar isso sozinha.
Sinto um nó na garganta enquanto as lágrimas ainda caem. A dor não diminuía; apenas crescia, como uma bola de neve que rola montanha abaixo, ganhando volume e velocidade a cada instante. A culpa se acumulava em camadas, como se cada lágrima que eu derramava alimentasse essa avalanche emocional, transformando-se em algo incontrolável. Eu tentava ignorar, empurrar para longe, mas a dor sempre voltava, mais intensa, mais implacável. O peso em meu peito era tão opressivo que eu mal conseguia respirar.
Sentir o abraço da minha sogra, envolver-me, acolher-me e acalentar.
Suas mãos deslizavam suavemente pelas minhas costas, em movimentos lentos e compassados, e aos pouquinhos percebi meu interior se acalmar. O tempo parecia ter parado, e ali, nos braços dela, encontrei um refúgio, mesmo que temporário. Após alguns minutos, ela me afastou com delicadeza, mantendo suas mãos em meus ombros, e olhou diretamente nos meus olhos com um carinho indescritível.
— Vou preparar a banheira para você — disse com a mesma suavidade. — Depois vou fazer um chá.
Assenti, anestesiada momentâneamente.
Ainda sentada na cama, observei em silêncio enquanto Daniela se movia em direção ao banheiro, seus passos suaves mas precisos. Minutos depois, ela voltou para me ajudar a levantar. O peso do meu corpo parecia imenso, cada movimento trazendo consigo uma nova onda de dor física, como se as escoriações fossem um reflexo da batalha interna que travava. Mas, por mais que cada músculo do meu corpo doesse, nada poderia superar a agonia que carregava na alma.
Aceitei sua ajuda até certo ponto, permitindo que ela me guiasse com cuidado, apoiando-me em seus braços. Havia algo reconfortante em sua presença, uma leveza em seus gestos que trazia um alívio momentâneo, como se por um breve instante eu não estivesse tão sozinha em minha dor. Mas, ao nos aproximarmos do banheiro, senti que precisava de um espaço só meu.
Eu precisava pensar.
— Obrigada — murmurei com esforço, ao cruzar a soleira do banheiro. — Preciso ficar sozinha agora. — pedi, com a voz baixa, quase um sussurro.
Seus olhos encontraram os meus por um breve momento, como se buscassem entender a profundidade do que eu estava sentindo. Ela hesitou, mas assentiu em silêncio, respeitando meu pedido. Fechei a porta atrás de mim, e de repente, o isolamento se tornou tanto um alívio quanto um peso. Estava sozinha de novo, e com isso, a vastidão da minha dor parecia ainda mais real.
*
Mergulhei na banheira sentindo a água morna abraçar a minha pele. O aroma das ervas misturadas na água preencheu o ar, invadindo meu olfato com uma sensação terrosa e reconfortante. Aos poucos, o som do mundo exterior desapareceu. O silêncio cresceu ao meu redor enquanto afundava lentamente na banheira, e o único som que restava era o leve murmúrio da água ao meu redor.
Minha mente, como um reflexo involuntário, trouxe a imagem de Damon. Lembrei-me claramente da desculpa que ele deu à sua mãe, suas palavras ecoando na minha cabeça como um alerta silencioso. Algo dentro de mim se agitava. E se ele realmente estivesse indo atrás dos nossos filhos? Se Damon estivesse disposto a fazer o que fosse necessário para encontrá-los, eu precisava estar lá.
O pensamento de estar distante, enquanto ele lutava por aquilo que mais importava para nós, me corroía por dentro. Não podia ficar à margem, aguardando, enquanto ele enfrentava essa batalha sozinho. Cada fibra do meu ser me impulsionava a agir, a fazer parte da busca, a estar ao lado dele quando nossos filhos fossem encontrados. A dor física era insignificante perto do desespero que começava a brotar em meu peito. Sabia que Damon faria qualquer coisa por nossa família, mas algo dentro de mim dizia que ele precisaria de mim tanto quanto eu precisava dele.
Após vestir uma legging preta e um blusão de tricô cinza de mangas longas, calcei os tênis, penteei rapidamente os cabelos e saí do quarto. Cada movimento parecia mecânico, feito por pura determinação, enquanto minha mente estava focada em um único objetivo: descobrir onde Damon estava.
Antes de pisar no andar de baixo, detive-me por um momento a ouvir vozes baixas. Dois policiais conversavam enquanto se dirigiam para a cozinha. Fiquei imóvel, prestando atenção em cada palavra. Pelo que entendi, o GPS do carro de Damon estava sendo monitorado, e eles planejavam usá-lo para rastrear o caminho até os criminosos. Meu coração acelerou. Se eles estavam monitorando Damon, eu precisava ver aquilo com meus próprios olhos.
Em passos silenciosos, desci as escadas com cautela, tentando não chamar a atenção. Ao entrar na sala, vi que já haviam montado alguns equipamentos eletrônicos. Monitores e aparelhos estavam espalhados, como uma pequena central de operações improvisada. Meu olhar procurou ansiosamente por algo que pudesse me dar acesso às informações. Finalmente, avistei o tablet sobre uma mesa.
Usei a porta lateral, aquela que dava acesso direto à garagem, onde sabia que um carro estaria à minha disposição. Meu coração batia acelerado, mas meus passos eram firmes. O tablet em minhas mãos era a chave para alcançar Damon, e cada segundo contava. Eu não podia deixar que ele enfrentasse tudo sozinho. A garagem estava silenciosa, exceto pelo som suave dos meus passos no concreto. O veículo já estava ali, pronto para ser usado.
Respirei fundo e me aproximei, tentando manter a calma apesar da adrenalina que tomava conta de mim. Ao sair da garagem com o carro, imagens dos corpos surgiram em minha mente, de forma quase involuntária. Mesmo vendo a entrada da casa agora limpa e sem qualquer vestígio, as lembranças do que havia acontecido ali ainda estavam frescas. Respirei fundo, tentando afastar as imagens perturbadoras.
Assim que o carro deixou o portão da casa para trás, meus olhos imediatamente se voltaram para o GPS no tablet. O coração acelerou ao ver o destino final aparecer na tela: a fábrica abandonada, situada ao lado do morro do Abismo. Parecia o cenário perfeito para algo perigoso. Engoli em seco, ajustando o volante em minhas mãos com mais firmeza, sentindo a urgência aumentar a cada quilômetro, curva e reta. Sentia o motor do carro rugir sob o aumento da pressão. Meu coração pulsava no ritmo da velocidade, e a adrenalina corria em minhas veias.
Senti a raiva correr pelo meu sangue como um veneno mortífero, se espalhando rapidamente por todo o meu corpo. Era intenso, queimando minhas veias, alimentando cada movimento meu com uma fúria silenciosa. O pensamento de tudo o que estava em jogo, de Damon e de nossos filhos, só aumentava essa sensação, transformando cada segundo em pura urgência. Eu estava indo ao resgate dos meus filhos, e nada no mundo me impediria. Faria tudo o que fosse necessário, sem hesitar, nem que isso custasse a minha própria vida. Não havia sacrifício grande demais, não havia medo que me parasse. Tudo que importava era tê-los de volta, nos meus braços, a salvo.
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4442 palavras....
❤️
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