CAPÍTULO 27 - A Beira Do Limite
||Valentina Martins||
Mal havia entrado na sala privada quando uma funcionária surgiu empurrando um carrinho de alumínio repleto de aperitivos. Meu estômago revirava de nervoso, mas a ansiedade venceu. Ataquei as bandejas com uma fome voraz, devorando as frutas como se fossem minha única salvação.
Os olhos de Heitor estavam arregalados diante da cena.
— Que foi? Estou nervosa! — retruquei, mastigando.
Ele piscou, surpreso.
— Não, nada. Não falei nada.
— Nem precisou.
Ele desviou o olhar, voltando sua atenção para a tela à sua frente.
— Afinal, do que se trata essa ordem judicial?
Ele soltou um suspiro pesado antes de responder:
— Lavagem de dinheiro e transporte de carga ilegal.
Minha mão afrouxou no cacho de uvas, a fome sumindo instantaneamente.
— Com que provas? Isso é uma farsa!
— Ainda não sei, Valentina. Mas se essa denúncia chegou à polícia, então alguém conseguiu manipular o suficiente para parecer real. A questão é: qual o objetivo de Caio? Sempre acreditamos que ele queria a fortuna da família, mas se isso fosse verdade, por que montar um escândalo tão grande?
Uma sensação ruim percorreu minha espinha.
— Você está dizendo que…
— Ele não quer apenas o dinheiro. Ele quer destruir Damon.
Minha respiração falhou.
— Meu Deus! — Levei a mão ao peito, tentando conter o tremor. — Mas por quê? Damon nunca fez nada contra ele!
Heitor passou a mão no rosto, pensativo.
— Não consigo encontrar um motivo.
Essa aversão dele sempre foi exagerada. Mas se for mesmo isso… estamos lidando com um ódio que não tem lógica. Um desejo insano de vingança.
O peso dessas palavras caiu sobre mim como um soco. Meu coração acelerou ao pensar em tudo que Damon já enfrentou sozinho… e no que mais poderia vir.
— Preciso descer para observar o movimento no cassino e depois encontrarei Damon. Não se preocupe, tudo vai ficar bem.
Apenas assenti, ainda absorvendo a conversa. Quando Heitor saiu, minha mente permaneceu presa no turbilhão de pensamentos.
Até que a porta se abriu novamente.
Uma loira entrou de forma suave, hesitante.
Hmm. Interessante.
Reconheci-a no instante em que seus olhos me encontraram. A decepção foi visível em seu rosto. Ela não esperava me ver ali.
— Surpresa! — soltei em tom provocativo.
Seu corpo enrijeceu.
— Desculpe, esperava encontrar outra pessoa.
— Não precisa se desculpar. — Levantei-me devagar, caminhando até a mesa de sinuca. Meu olhar permaneceu fixo nela quando parei ao lado do móvel onde, outrora, Damon me beijara. — Sei perfeitamente quem você esperava encontrar.
O rubor em seu rosto denunciou tudo.
— O vejo em outra hora.
Cruzei os braços, inclinando levemente a cabeça.
— Me diga, senhorita Nunes… — saboreei o nome com ironia — o que leva uma jovem solteira a procurar um homem casado às escondidas?
Ela endureceu.
— Não é da sua conta.
Minha expressão permaneceu tranquila enquanto meus passos lentos me levavam ao redor da mesa. Quando parei à sua frente, Erika avançou um passo com ousadia, erguendo o queixo.
— Se preocupa tanto em marcar território, mas no momento em que ele precisou, você não estava lá.
Senti um arrepio percorrer minha espinha, mas não desviei o olhar.
— No momento da dor dele, quem deu consolo fui eu. — Seu sorriso curto carregava veneno. — Então me diga, Valentina… onde você estava quando o pai do seu marido morreu?
Meu coração parou por um segundo.
A dor daquelas palavras atingiu em cheio, mas não permiti que ela visse.
— Sabe… — comecei, com calma — o lado bom de ter um homem de valor ao meu lado é que não preciso marcar território. Lealdade e confiança são construídas na entrega, no amor.
Inclinei-me ligeiramente para ela, sem desviar o olhar.
— Enquanto você tenta destilar veneno para desestabilizar meu relacionamento, esquece onde é o seu verdadeiro lugar.
Os olhos de Erika brilharam com fúria.
— O meu lugar é ao lado dele! — disse entre dentes. — Sabe muito bem que por sete anos ele me esperou e desejou minha volta.
Um riso curto escapou dos meus lábios.
— Você abriu mão desse lugar quando o deixou sofrendo pela perda do irmão.
O rosto dela empalideceu.
— E se não bastasse… você o obrigou a escolher entre você e a família dele.
— PARE! — O grito histérico preencheu a sala, me assustando. — Você não sabe do que está falando!
Mas eu sabia. E ela sabia que eu sabia.
— Sei, sim. E digo.
A fúria dela crescia, os olhos vibrando de raiva.
— Sua história com Damon ficou no passado. E a única razão pela qual você continua voltando é porque não consegue aceitar que ele seguiu em frente.
— Você não faz ideia do que está falando! — Seus dedos se cravaram em meus braços, apertando com força.
Tentei me soltar, mas ela segurava firme.
— Ele vai voltar para mim! Damon ainda me ama, e você sabe disso!
— Você enlouqueceu! Me solta!
— Você roubou ele de mim! — A voz dela saiu trêmula, os olhos marejados.
Minha paciência se esgotou.
Empurrei-a em direção à porta e, no instante em que seus dedos se soltaram dos meus braços, meu tapa encontrou seu rosto.
O estalo ecoou pela sala.
O olhar que ela me lançou foi puro ódio. Duro. Assassino.
Sem dizer mais nada, Erika marchou para fora, batendo a porta com brutalidade.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.
Minhas pernas fraquejaram, e sentei-me sobre a mesa de sinuca.
Meu corpo tremia.
Respirei fundo, tentando controlar os batimentos acelerados.
Mas então, a porta se abriu novamente.
— Meu Deus, Valentina! Você está pálida!
Damon.
Foi a última coisa que ouvi antes de sentir minhas pálpebras pesarem e ser engolida pela escuridão.
*
|| Damon Black ||
Após explicar de forma resumida o que estava acontecendo para o meu amigo, fui encontrar a minha esposa. Fiquei assustado ao encontrá-la pálida e, quando percebi que iria desmaiar, corri ao seu encontro. Tentei acordá-la e não obtive um retorno. Peguei-a em meus braços e andei em direção ao elevador do corredor que nos levaria ao estacionamento. O motorista, a pedido meu, nos levou para o hospital mais próximo e, em menos de quinze minutos, chegamos.
Valentina foi atendida rapidamente e, no momento, dormia enquanto recebia medicação na veia.
— Doutor, como está a minha esposa e o meu filho? — digo assim que o médico sai do quarto hospitalar.
— Vão ficar bem. Sua esposa teve uma crise de ansiedade e acabou desmaiando. — diz sério. — Notei marcas vermelhas no braço, tem alguma ideia do que possa ser?
— Não… — digo, atônito diante da informação. — Ela estava bem quando chegamos ao cassino.
— Alguma coisa provocou a crise nela. — pontua. — Assim que ela acordar, a verei. Recomendo que descanse e evite o estresse ou situações que a coloquem sob pressão.
Concordo, e com suas palavras em mente, ligo para Heitor. Ele foi o último a vê-la enquanto me dirigia para encontrar os policiais.
— Oi, Damon… como está a Valentina?
— Ela está bem. Teve uma crise de ansiedade e a única coisa que me vem à mente é que a notícia dos policiais no cassino pode ter provocado o desmaio. — respondo incerto. Lembro de vê-la bem quando nos afastamos. — Antes de deixá-la sozinha, você notou alguma mudança na fisionomia?
— Ela estava perfeitamente bem. Comeu os aperitivos e até conversamos sobre o possível motivo da ordem judicial.
— O doutor também mencionou marcas vermelhas no braço… — Como um flash, a ideia invade minha mente. — Heitor, você poderia olhar os registros de quem esteve presente no cassino? Procure primeiro pelos nomes que conhecemos.
— Só um minuto.
Carolina surge no meu campo de visão e apressadamente vem ao meu encontro.
— Damon, como ela está? E o bebê?
— Estão bem. — Relato brevemente para ela, deixando-a por dentro do que aconteceu.
— Não tem ideia do que possa ter motivado a Tina a ter uma crise?
— Não faço ideia, Carolina. — lamento.
— Damon… — A voz de Heitor surge na linha e imediatamente volto minha atenção para ele. — A única pessoa registrada é o pai de Zayn, mas, olhando as imagens das câmeras, a única pessoa que entrou naquela sala e não está registrada no sistema é Érika Nunes.
Meu sangue gela diante da informação, e não é preciso muito para saber que o encontro das duas não ficou apenas em palavras. As marcas no braço da minha esposa são a prova de que Valentina sofreu uma agressão, e isso é inadmissível! Ninguém toca a mão em minha mulher e sai impune.
Respiro fundo, controlando o impulso de sair imediatamente e fazer Érika pagar pelo que fez. O último encontro deveria ter sido suficiente para fazê-la entender que não havia mais nada entre nós. Mas ela escolheu ignorar a realidade. Escolheu cruzar um limite que jamais deveria ter sido ultrapassado.
— Obrigado, Heitor. Irei fazer uma visita a ela. — Após dizer isso, desligo.
Carolina olha para mim, perdida, sem saber de quem eu falava na ligação. Após guardar o celular no bolso interno do terno, olho para ela.
— Tem um culpado na história, não é? — diz.
— Tem, e irei resolver isso. Pode ficar com ela até que eu volte? Não pretendo demorar.
— Claro que sim. Não precisa se preocupar. Cuidarei da Tina. — responde de forma fraterna.
— Obrigado. — digo, grato pelo seu cuidado.
Ela sorri amigável e sai em direção ao quarto hospitalar da minha esposa. Olho a hora no relógio e o ponteiro marcava 21:00 horas da noite. Respiro fundo e organizo meus pensamentos à medida que ando em direção à saída do hospital.
O último encontro com Érika, infelizmente, não foi o suficiente para fazê-la entender que não a amo. Que nunca a amei da forma que ela gostaria. Eu me iludi acreditando que ela seguiria em frente, mas agora vejo que ela é um problema que precisa ser resolvido antes que cause ainda mais danos.
Havia um limite invisível que foi quebrado esta noite. E Érika precisava entender que não há um futuro comigo ao seu lado. Nunca existiu e nunca existirá.
E, desta vez, eu me certificaria de que ela entendesse isso.
*
O carro é autorizado a entrar na mansão, e sou recebido com carinho pela Sra. Nunes. Sou educado, mas frio, equilibrando entre o diálogo e a distância física.
— A sua filha se encontra? — questiono direto.
— Sim, parece que chegou chateada e se trancou no escritório. Não quer conversar e prefere ficar sozinha. — diz desolada. — Tem sido difícil a adaptação. As coisas mudaram, e ela não aceita que a vida seguiu.
— Preciso falar com ela.
— Tudo bem, meu filho. Espero que ela consiga te ouvir.
Ando em direção ao corredor e não anuncio minha entrada, apenas abro a porta e a encontro sentada na poltrona, bebendo. Olhos borrados, vermelhos de tanto chorar, e cabelos desalinhados eram a fotografia da imagem atual de Érika.
— O que pretendia indo ao cassino? — Sou frio ao perguntar. — Eu deixei claro que não haverá nada entre nós, Érika.
— Eu queria vê-lo, Damon! — diz com a voz embargada e se levanta, largando a garrafa de uísque na mesa. — Você sabe que te amo.
Seus passos cambaleantes vêm em minha direção, e, chegando perto, ela toca meu rosto. Travo a mandíbula diante do seu toque firme.
— Damon, meu amor, preste atenção. Agora podemos voltar a ter um final feliz. Eu voltei, querido, e quero que tenhamos o nosso recomeço. — diz, a voz embargada pela bebida e pela dor. — Mas aquela maldita está iludindo você, roubando o momento que é pra ser nosso.
Seguro suas mãos e olho dentro dos seus olhos ao dizer:
— A partir de hoje, é Sr. e Sra. Black para você. Se pensar, falar ou tocar na minha esposa, colherá os frutos da sua escolha. — Minhas palavras saem frias e ácidas. — Eu não terei piedade em abrir um processo contra você caso minha mulher sinta-se ameaçada. Não pense por um segundo que haverá compaixão ou algum sentimento para lhe poupar! Se esse dia chegar, Érika, a farei definhar dentro de uma cela.
Seus olhos arregalam-se diante das minhas palavras. A verdade finalmente batia à sua porta, nua e cruel.
— Um conselho: procure ajuda. Você passou por muita coisa e está visivelmente abalada. Pense na sua mãe, que agora sofre ao vê-la nesse estado.
Solto suas mãos e dou um passo para trás.
Sua risada amarga saiu enquanto destilou seu veneno.
— Eu entrei na sua vida, Damon. Porque o seu primo permitiu. Eu era namorada De Caio quando te conheci, mas me apaixonei por você e me vi dividida entre vocês dois. — despejou a verdade de forma nua e crua.
— O que você espera que faça com essa informação? — disse frio.
— Eu desejo que você sofra o tanto que eu sofri! Saber que foi usado, enganado e manipulado por seu primo desde que me conheceu. Que sofra como estou sofrendo quando seu perfeito castelo cair.
— Você realmente acha que isso muda alguma coisa? — pergunto, mantendo o tom frio. — Se Caio me usou ou não, isso já não importa. Ele escolheu o próprio destino, e você escolheu o seu. E você se permitiu ser usada. Pior ainda, escolheu ser parte disso.
— Sai da minha frente! Você não é ninguém para dizer o que tenho que fazer. Você vai colher tudo que disse e eu verei a sua ruína. Saia daqui! — grita, apontando para a porta.
Érika se afasta como se a realidade fosse um fardo que doesse em sua alma. Estava desequilibrada e, infelizmente, entrava para a lista de pessoas que precisaria manter sob atenção. Instável, presa em uma fase de negação diante da sua realidade.
Saio do escritório e encontro sua mãe sentada na escada, chorando.
Abaixo-me, ficando à sua altura.
— Vai precisar ter paciência. Ela não está bem e, se não aceitar acompanhamento psicológico, tome as rédeas da situação. É a sua filha. — digo, tentando consolá-la. — Hoje, sua filha atacou minha esposa. Se houver uma próxima vez, não virei aqui. Será uma questão a ser resolvida na justiça.
Seus olhos marejados revelam dor, impotência. Sra. Nunes era uma mãe lidando com a ruína da própria filha.
— Não a deixe se perder completamente. Tome a decisão necessária antes que seja tarde. Você ainda pode ajudá-la, mas precisa agir.
Diante de suas lágrimas, abraço-a em sinal de conforto.
— Obrigada, Damon. Sei que não queria chegar a esse ponto. — diz entre soluços.
Levanto-me, despeço-me e saio da mansão.Enquanto o carro levava-me em direção ao hospital novamente, recebi uma mensagem do meu advogado relatando o resultado da investigação no meu cassino. Fico surpreso pelo resultado sair tão rápido mas ao mesmo tempo aliviado em saber que uma parte estava resolvida. Em breve também receberia a notícia de que eles tomaram conhecimento de que a conta aberta no nome da minha esposa não passava de uma prova falsa.
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2438 palavras... ❤️
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