CAPÍTULO 1 - A DÍVIDA
|| Valentina Martins ||
Enfurnado em cassino e endividado até a alma, meu pai entregou a escritura da casa como garantia ao dono. Escutei cada palavra dele, tentando absorver a informação. Um ódio possuiu meu corpo quando olhei para ele, sentado na poltrona de couro no impecável escritório.
— Como pôde fazer isso? — rosnei, sentindo meu peito apertar. — Você não se importa com seus filhos?
Ele me lançou um olhar arrependido, mas a culpa nos seus olhos só alimentava minha raiva.
— Não foi a minha intenção colocá-los nessa situação. Me perdoe, filha.
— Não foi? — gritei, minha voz cortante. — Olha a gravidade da situação que nos colocou!
Minha mente disparou para os gêmeos, Lucas e Laura, de apenas doze anos. Eles eram inocentes demais para entender o que estava acontecendo, e mamãe, que sempre assumia o controle nas crises, não estava mais entre nós. Tudo recaía sobre mim.
— Eu não consegui superar a morte da sua mãe, não consegui me livrar do vazio que ficou no meu peito. E só bebendo e jogando eu podia esquecer que não a tinha mais ao meu lado.
— Isso não justifica! — bati as mãos na mesa de madeira escura, o som ecoando no silêncio do escritório. — Seu suporte para continuar lutando tinha que ser a família, não jogos ou bebidas! Seremos despejados como moribundos sem teto!
Ele passou as mãos pelos cabelos, abaixando a cabeça em desespero.
— Meu Deus, o que será de nós? — murmurei aflita. — Nem vendendo as peças mais caras que temos cobrirá a dívida que o senhor fez!
— Calma, filha. Há um jeito.
— Calma? Você realmente leu o que está escrito nessa carta? — peguei a carta sobre a mesa e a joguei na direção dele. — Só temos cinco dias para pagar a sua dívida.
Andei de um lado para o outro, o fogo da indignação queimando em minhas veias. A sensação de impotência era sufocante. Já não tínhamos o apoio da família de mamãe, devido à rixa antiga que havia dividido os dois lados. Um rancor que tinha começado com gado e se agravado com o casamento dos meus pais. Agora, estávamos completamente sozinhos.
— Meu Deus, pai. Como pôde gastar toda a fortuna e não pensar nos seus filhos? — encarei-o magoada. — A Laura e o Lucas só têm doze anos. Eles não sabem o que é passar por dificuldades!
Ele soluçou, visivelmente abalado.
— Querida, há uma maneira de consertar esse meu erro.
— Não há como! — rugi, as lágrimas ameaçando cair. — Um erro desse tipo não tem como ser desfeito!
Ele engoliu em seco, lutando para falar, até que as palavras finalmente saíram:
— A casa só será tomada caso você recuse a oferta.
Meu coração parou.
— Oferta? — sussurrei, com o medo me paralisando.
— Em troca de salvar a casa, eu propus ao dono do cassino que aceitasse casar-se com você.
Fiquei estática. O choque percorreu minhas veias como uma corrente elétrica.
— O quê? — minha voz saiu arranhada, o peito apertando.
— Me perdoe, filha. Enquanto jogava, vi o primo do dono comentar que a família estava o pressionando para que se casasse rapidamente, e diante da cobrança não vi outra alternativa a não ser lhe envolver.
— Isso não pode estar acontecendo... — murmurei, sentindo as pernas tremerem.
Sentei-me na poltrona de couro, tentando organizar os pensamentos, mas tudo parecia girar. Eu só tinha 25 anos. Casar para quitar uma dívida era ultrajante.
— O Sr. Black virá hoje à noite para conversar com você.
Olhei para meu pai com puro desprezo.
— Já tive muito orgulho do senhor, mas hoje o que sinto não passa de repulsa. Se mamãe estivesse viva, sentiria o mesmo.
Peguei minha bolsa e saí do escritório, ignorando os apelos de D. Maria ao descer as escadas. Minha mente estava um turbilhão. Dentro do carro, acelerei para sair da propriedade, ignorando até o portão automático.
A única pessoa que eu queria ver agora era Carolina.
*
O vento da praia soprou meus cabelos enquanto eu aguardava no bar do restaurante. O martini sem álcool na minha mão era tudo o que eu conseguia tolerar naquele momento. Assim que Carolina entrou, em um vestido vermelho chamativo e saltos altíssimos, sua presença roubou olhares por onde passou.
— Bebendo a essa hora, Val? — perguntou, sentando-se ao meu lado.
— Não tem álcool. — respondi, encarando a cereja no fundo do copo.
— Algo terrível deve ter acontecido.
— Terrível é eufemismo. Está mais para um conto de terror.
Contei tudo a ela, e sua reação foi explosiva.
— Isso é uma puta de uma brincadeira, né?
— Shhh, fala baixo! — repreendi, vendo os olhares ao nosso redor.
— Toma... — ela me ofereceu uma dose de tequila. — O momento pede.
— Não posso, estou dirigindo.
— Val, vamos sentar na mesa de fora e contemplar o mar. — sua mão pousou no meu ombro me incentivando a levantar-me.
A brisa do mar trouxe um pouco de conforto enquanto nos acomodamos. Apoio meus braços no balcão e descanso a minha cabeça sob os mesmos, e tento me socorrer da confusão da minha mente. Deslizei para fora da baqueta, e alisei a lateral da minha saia curta rodada da cor preta. Vestida de forma elegante porém simples, usava uma regatinha crepe laranja e sandálias com tiras de salto alto.
Sendo puxada pela mão a sigo até o local onde tinha apenas uma dupla de homens bem elegantes, conversando. Sentamos na única mesa que ficava de frente para o mar, sem me dar o direito de olhar atentamente para os dois homens que estavam ao lado.
— O que eu faço, Lina? Sabe, tem os gêmeos e pra completar mesmo no momento a mágoa pelo meu pai está em um nível bem elevado, eu o amo. E devo ressaltar que ainda tem a questão dele ser dependente da bengala. — suspiro cansadamente.
— O que eu faço, Lina? — perguntei, exausta. — Os gêmeos precisam de mim, e meu pai... Ele não é mais o homem que eu admirava.
— Val, use isso a seu favor. — ela sugeriu com determinação.
— Como?
— Se ele for um homem simples, você pode negociar. Faça com que o casamento traga benefícios.
— Não sou assim... — murmurei. — E ainda tem o Zayn.
— Se ele te ama, vai entender.
— Será?
Ela pegou minha mão, firme.
— Independente do que decidir, estarei ao seu lado.
— Você faz meus problemas se tornarem tão pequenos.
— É por isso que sou a metade da sua laranja. Uma completa a outra.
— Quanto a isso não tenho dúvidas. — sorrir humorada.
Suspirei, sentindo um pouco de alívio. Mas, de uma coisa eu tinha certeza: casar seria o último recurso.
*
Voltei para casa depois do almoço e marquei com a Lina de irmos a uma balada à noite, após a visita do sujeito que, mesmo sem conhecê-lo, já tinha meu total desafeto. Organizar os pensamentos me permitiu não cair no desespero novamente. Com a mente mais clara, enxerguei possibilidades que trouxeram um vislumbre de esperança.
Inevitavelmente, meu coração se encheu de uma determinação radiante. Havia uma forma de sair da situação em que meu pai me colocou. Hoje à noite eu sondaria o homem que considerei meu inimigo, pois, se fosse um homem de caráter, jamais aceitaria tal absurdo.
A tarde se arrastou, e do meu quarto eu não saí. Passei horas olhando fotos antigas da família no notebook. A felicidade no rosto da mamãe e do papai era palpável, uma época em que todos sorriam mais e se comunicavam frequentemente.
Depois do acidente que tirou a vida da minha mãe, tudo mudou. Papai se fechou no próprio mundo, carregando a dor no peito. Quanto a mim, dividia meu tempo entre trabalhar, cuidar dos gêmeos e lidar com minha própria dor nas madrugadas, quando não havia ninguém para perguntar ou oferecer compaixão. Apenas eu e meu vazio.
Dois anos se passaram desde então, mas meu coração ainda ardia de saudade. Nossa vida havia caído numa rotina insípida, sem os passeios, viagens ou piqueniques que mamãe fazia questão de promover. Ela era o coração da nossa casa, o brilho nos nossos olhos. Sem ela, fomos quebrados por inteiro.
Apesar do luto, papai nunca se afastou dos gêmeos. Ele os amava e cuidava deles com devoção. Contudo, ele se culpa pela morte dela, como se tivesse sido responsável por sua partida. Sua perna debilitada e a relutância em usar a bengala, mesmo quando necessário, eram uma espécie de punição autoimposta.
Sempre admirei o amor que meus pais compartilhavam. Perdê-la foi como se ele tivesse perdido uma parte de si. Mas suas ações recentes mancharam meu coração com mágoa.
Suspirei ao ver o sol se pôr, sinalizando que a noite havia chegado. Levantei-me da cama, arrastei os pés até o closet e escolhi um vestido branco curto, que alcançava o meio das coxas. Ele tinha apenas uma manga e exibia um decote nas costas. Completei o look com uma sandália alta de tiras finas e, no banheiro, tomei um banho demorado.
Após hidratar e perfumar minha pele, maquiei o rosto com precisão. Pintei os lábios com um batom carmim e deixei o cabelo solto, caindo em ondas sobre as costas. A intenção era clara: causar uma impressão forte. Se ele me visse como ambiciosa ou esnobe, talvez isso o fizesse desistir do casamento. Era um risco que eu estava disposta a correr.
Peguei minha bolsa de mão prata e respirei fundo para conter a sensação de incerteza que rondava meu peito. A visita a esse homem não seria fácil.
— Tina, manda o Lucas devolver o meu celular! — A voz de Laura ecoou pelo quarto. — Aquele pirralho está me tirando do sério!
Saí do closet e me deparei com minha irmã mais nova, de olhos arregalados.
— Quem é o sortudo que vai sair com você? — perguntou, com um sorriso malicioso.
— Ninguém. Vou sair com a Lina — respondi, acariciando seus cabelos. — Lucas! Devolve o celular da Laura agora, ou ficará sem mesada este mês!
Lucas surgiu na porta com um sorriso cínico.
— Tina, a Laura está namorando! — acusou, como se fosse um grande escândalo.
Desviei o olhar para Laura, esperando explicações.
— Não estou! Ele é só um amigo — retrucou, vermelha de vergonha.
— Eles trocaram corações no chat! — Lucas provocou novamente.
Olhei para a tela do celular e não vi nada de mais. Sorri para ele.
— Lucas, meu anjinho, trocar corações é normal. Mas sabe o que é mais importante que namorados na idade de vocês?
Eles balançaram a cabeça, curiosos.
— Aproveitar o tempo em família, estudar e criar memórias. A vida pode ser um mar de aventuras, mas precisamos escolher o caminho certo — expliquei com ternura. — Agora, quero meu abraço de urso.
Sentir o calor dos braços dos gêmeos me deu a força necessária para continuar. Por eles, eu faria qualquer sacrifício.
— Amo você, Tina — disse Lucas. — Obrigado por tudo.
— É, Tina. Sei que não falamos muito, mas amamos você — Laura acrescentou, emocionada.
Pisquei algumas vezes para conter as lágrimas, afaguei o rosto deles e os deixei com D. Maria, que os levou para jantar. A despedida deles renovou minhas forças, mas não me afastou do medo do que me aguardava.
*
O carro parou em frente ao cassino, e fiquei impressionada com o luxo. As paredes douradas e a fachada com letras prateadas que diziam Black Palace eram imponentes. O motorista abriu a porta e me ajudou a sair, mas o gesto só aumentou minha aversão à situação.
Ergui a postura e entrei. Uma moça baixa me conduziu pelo interior do lugar, que exalava sofisticação. Passei por salas de jogos, roletas e mesas de pôquer. Tudo ao redor transbordava poder e riqueza, características que eu sempre quis evitar.
Subimos uma escada iluminada por lustres de cristal. No segundo andar, o ambiente se tornou mais sombrio e reservado. A moça parou em frente a uma porta dupla e a abriu sem cerimônia.
— Pode entrar, senhorita.
Meu estômago deu um nó. Respirei fundo, mantendo a confiança. Entrei no escritório e ofeguei. A baixa iluminação me deixava inquieta.
— Aproxime-se, Srta. Martins. — A voz grave ressoou pela sala, vinda de algum lugar nas sombras. — Precisamos discutir os termos do contrato do nosso casamento.
Meu coração acelerou. Era hora de enfrentar o lobo.
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2007 palavras...
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