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°•ORDEM XXIX•°

715/01/10, Reino de Eisen, capital Sallow, propriedade Moore.

"Ainda sentia o formigamento do toque. Ainda travava uma batalha com seus desejos."

Pela terceira vez consecutiva desde a retirada da luz natural e a ascensão da lua, Moore ignorou o toc toc irritante que ressoou em seus ouvidos. Ele respirou fundo, consertando a postura, tentando passar a folha do livro apoiado em suas mãos de forma calma. Persistiu em sua leitura até que as batidas cessaram e os passos desvaneceram no corredor.

Não precisava pensar muito em quem era. Só havia um convidado, e Herman nunca interromperia.

Fechou o livro, batendo-o com força sobre a mesa, fazendo alguns pergaminhos espalharem e consequentemente caírem no chão. Observou os papéis serem abertos conforme rolavam, apoiando a mão na mesa, porém, a retirou. Preferiu voltar a encostar as costas na cadeira, fingindo não ter visto aquela bagunça.

No entanto, seus problemas seriam simples se somente seu escritório estivesse um caos. Contudo, não era. Havia maiores coisas a serem resolvidas, e ele não sentia energia o suficiente para desembaralhar todos eles. Principalmente em relação a Herniel. A questão do comerciante era algo que ele desejava manter em uma corrente suspensa pela eternidade.

Passou a mão pelo rosto, fixando a visão no candelabro dourado, a chama das velas tremulando no ar que invadia o cômodo. Atrás de si, as cortinas da janela tremulavam, a luz da lua derramando sobre elas.

Diante daquele cenário que era seu conforto, ele pensou que nada durava para sempre, então, não poderia se trancar na sua oficina e só sair quando Dumont decidisse lhe abandonar de novo. Ou manter a questão em branco só para manter o homem perto de si, apesar de julgar ser uma boa alternativa.

Fez uma ingestão afiada de ar, levantando-se, dando passadas mais largas onde seus pergaminhos foram largados, indo até a janela. Prestes a despejar os braços sobre o peitoril, uma pedrinha voou na sua direção, o acertando na sobrancelha antes de desfrutar da brisa.

Ele grunhiu, encostando os dedos onde foi atingido, a ferida latejando.

Não foi tão forte, mas doía.

— Eu te acertei? — A voz de Herniel soou distante do jardim, o que fez Moore se acercar da janela, abaixando a visão, encontrando o tormento de sua vida, tapando a boca com a mão, em uma tentativa falha de esconder seu desespero. — Essa não era minha intenção. Desculpa — pediu, tomando um passo.

O ceifador se apoiou na janela, fazendo uma pressão suave em seu machucado, gostando da pontada de dor e de seu sangue esquentando a ponta de seus dedos.

Ficou encarando Herniel desinteressado, decidindo se permitia a raiva perturbar seu espírito ou se formava um de seus sorrisos falsos, comentando sobre a atitude impensada do homem. Pensou com cuidado, seus fios sendo vítima da corrente de vento, transpassando sua visão.

Como Dumont ainda tinha os ombros encolhidos e as orbes saltando de seus buracos, ele escolheu a opção dois. Nada mais justo do que ele saber o que o homem pensava quando o agrediu de forma tão desleixada, sem plano nenhum.

— Então qual era a sua intenção? — Fez como imaginou. O sorriso. O tom. Todos bem calculados.

De longe, colando mais seu ombro com a parede, ele viu o pomo de adão de Herniel se mexer.

Em seguida, ele pendurou o contato visual em silêncio por tempo demais. Moore não queria que ele o olhasse com tanta inocência ou com os olhos de avelã — que naquela escuridão inibia o tom, o tornando preto —, mas gostou um pouco. Até se perguntou se ele os dele mudaram daquela forma. Como Herniel via os seus olhos.

— Queria falar com você — confessou, jogando mais a cabeça para trás por conta da altura do andar de Gary, os fios ondulados luzindo como ondas. Moore deveria ficar emocionado com as palavras, entretanto, toda a sua atenção estava depositada no quanto estava gélido no jardim. O homem poderia se resfriar, e seria sua culpa. Sempre era. — Você ficou me ignorando o dia todo.

— Por motivos muito claros de não querer falar com você.

Ele não planejou formar uma sílaba sequer, mas aquilo foi mais forte que qualquer restrição.

Sua mente nunca o obedecia quando era o comerciante envolvido.

Contudo, espantou aquelas conclusões com ligeireza, se concentrando nas expressões de seu pequeno agressor. Era tão pequeno e fraco que a dor sumiu e o sangue estancou, sobrando apenas um rastro, que ele limpou rapidamente. Ele abaixou a mão da ferida, cruzando os braços acima do peito.

Dumont tinha as orelhas e o nariz tomando colorações avermelhadas quando ele deu o melhor para aparentar distante. O ceifador só tinha dúvidas quanto ao motivo do estado das orelhas e do nariz. Poderia ser o frio, vergonha ou qualquer outra razão que ele estava entediado para pensar.

Talvez só fosse o frio. Vergonha não seria, porque ele era um homem de negócios que sabia como nublar bem suas emoções. Tirando a de aborrecimento. Sempre que estava queimando por dentro, seus olhos ficavam injetados de ódio e suas narinas dilatavam.

Os sinais se intensificaram quando ele afastou um passo para ter melhor vislumbre do general.

— Por quê? — gritou, as sobrancelhas fazendo um movimento sutil.

— Porque eu não quero.

Agora Herniel tinha o cenho franzido.

— Você e suas respostas vazias — resmungou.

Moore demorou a responder aquilo, mas só deu de ombros.

— Só tenho isso a oferecer no momento.

Saiu de perto da janela, em seguida, preparando-se para fechá-la. O comerciante protestou diante daquela atitude, apontando o dedo para o Ceifador, continuando a convencê-lo de não fazer aquilo, porém, o homem terminou a ação.

Dumont, mesmo com o único acesso disponível para conversar de algum jeito com homem tivesse sido arrancado de si, ele não cessou com o gesticular de suas mãos e de movimentar os lábios. Pelo o modo que ele abria e mexia a boca rápido, e seu peito enchia de ar, julgou que ele estivesse o xingando de todos os nomes existentes.

Achando aquilo um incômodo, e se conhecendo bem, sabendo que seus pés tornariam a guiá-lo até a janela, ele fechou as cortinas, a imagem do homem desaparecendo da sua frente. Já era o suficiente o que tinha na mente.

Aliviado por não ter que se preocupar em alimentar sua obsessão, ele catou os pergaminhos do chão, os pondo mais seguro na mesa, voltando a se sentar. Poucos segundos antes de relaxar seus músculos e fechar os olhos para descansar suas vistas, pisadas fortes na madeira alcançaram seus ouvidos.

Ficou atento na porta sendo fechada com força, aferrando-se aos resquícios de sua paciência para não amarrar Herniel na cama para que ele ficasse quieto e aprendesse a não agir como uma criança perto de si. Era um homem com modos em frente a sua soberana, mas na sua esquecia completamente deles.

Massageou a têmpora, cerrando os olhos, suspirando.

Aquilo foi o suficiente para acalmá-lo, e tentar dormir.

No entanto, no fim, não conseguiu. Esperou alguns minutos, tempo o suficiente para alguém cair no sono, e pisou o pé fora da sua oficina, fazendo o possível para o clique de sua fechadura não acordasse ninguém. Conseguindo o feito com êxito, trilhou um caminho até o quarto onde estava Herniel.

Segurou firme a maçaneta, questionando se era uma boa escolha. Bem, nada que envolvesse o comerciante era algo bom de verdade. As emoções que ele despertava em si eram avassaladoras o bastante para servir como âncora para seus impulsos, criando novos. Não tão destrutivos, porém, confusos e incontroláveis a ponto de escaparem de seu domínio.

Era uma falha. Tudo deveria estar no seu controle.

Ele deveria estar sob amarras curtas.

Contudo, girou o trinco sem listar todas as possibilidades, vislumbrando antes mesmo de entrar completamente na habitação o corpo de Herniel descansando. Fechou a porta atrás de si empurrando suas costas, ficando ali, escutando seus próprios sinais de vida, a luz pálida da lua iluminando seus pés. A janela ao lado da cama, que estava encostada na parede e do outro lado um pequeno armário de madeira simples.

Evitou respirar fundo somente para pegar o fôlego do homem.

Quando finalmente julgou aquilo insuficiente, Gary levou seu corpo até ao lado da cama do homem, se ajoelhando devagar, o farfalhando de suas roupas aparentando alto no silêncio ensurdecedor da noite. Admirou a expressão tranquila do seu convidado, sendo impulsionado a tocá-lo.

Um toque, nada mais.

Acreditou que tinha limites, mas no primeiro deslize de seu dedo na pele bronzeada, sentiu um formigamento atravessar sua mão, desejando mais. Semicerrou os olhos, sentindo-se ameaçado pela própria necessidade, porém, cobriu a bochecha de Dumont com a palma da mão inteira, a condução de temperatura sendo maior.

Ambos estavam quentes, mas Moore não viu problemas em ficar mais tempo naquela posição.

Tombou a cabeça para o lado, sem quebrar a delicada observação monótona, sua angústia de ter mais diminuindo. Ele estava se sentindo bem em apenas manter aquela posição, então aquietou-se, sem avançar no contato. Herniel já o achava louco no simples abrir de boca, e não queria que a lista aumentasse.

Seu dedo acariciou o rosto do homem, obtendo uma reação do comerciante.

Seu coração palpitou em ansiedade, parando de mexer.

Dumont não poderia acordar ainda. Só depois que o dia amanhecesse e ele tivesse sumido.

— Vai me estrangular de novo?

Moore soltou um grunhido, lamentando ser tarde demais para fugir.

Agora ele teria que responder às perguntas do homem porque foi até lá imprudente.

— Não. Eu não quero te estrangular — foi sincero.

Ele queria era sufocar as emoções que estavam se contorcendo dentro de si.

Tentou apartar seu contato de Herniel, mas o comerciante segurou-a antes de escorrer.

Ocultou sua reação em relação àquilo, somente encarando a mão de Dumont sobrepondo a sua de forma firme. Como se o comerciante sabia de forma instintiva que algo se romperia caso o deixasse ir. Era o simples toque que estava o deixando calmo, então agradeceu internamente por Herniel não ter cedido.

O rosto de seu convidado virou na sua direção, sério.

— Afinal, por que está aqui? Você disse que não queria conversar comigo — relembrou, amargura evidente, suas sobrancelhas se acercando outra vez, mas estava lutando para isso não acontecer.

— Queria te ver — respondeu simples outra vez, exaurido fisicamente, as palavras escapando.

— Só para isso? — sussurrou um pouco mais alto.

Moore acenou em positivo, um bocejo alto irrompendo a quietude do local.

— Mas vai me ouvir se eu tiver algo a dizer? — perguntou, cauteloso.

Gary viu por trás das intenções de Herniel, sentindo que ele queria se aproveitar de seu cansaço.

Porém, estava tão tranquilo que se deixou levar.

— Você sempre tem — comentou antes de afirmar —, então, sim, irei.

— Aprova nossa proposta de comércio? — prosseguiu mais animado.

Moore arqueou uma das sobrancelhas, levemente atraído pela vontade de rir.

— Sim.

— Não está sendo cínico comigo?

— Não — soprou com força, indignado com a pergunta.

Revelando o contrário de seus sentimentos, Dumont riu, mas ele fechou mais a cara.

— E nós? O que vai acontecer conosco?

O general estava esperando aquela dúvida cair em seus ouvidos, mas não tão depressa. Ele não estava preparado para decidir algo em relação a Herniel. Passou o dia inteiro montando planos futuros para Eisen, deixando o seu em papel em branco, ignorando.

Ele desviou o olhar para ganhar tempo, tentando puxar sua mão de volta, mas o comerciante a apertou com mais força e se colocou em seu campo de visão, se aproximando.

— Não fuja. Você que causou tudo isso.

Moore arregalou os olhos, suspirando quando a surpresa escapou de suas irises.

— Eu não sei — despejou com o tom fraco. — Apenas gosto de tê-lo perto de mim. E não quero forçar nada já que eu tenho mais como te manter junto a mim.

Iria acrescentar algo mais, porém, Herniel retirou sua mão do rosto, e se sentou na cama ainda a segurando. Moore observou o homem se inclinar, preparando-se para receber palavras de mal-dizer ou até mesmo um tapa, no entanto, Dumont uniu seus lábios sem pressa. Suas bocas se moldaram perfeitamente mesmo que o comerciante se mantivesse em cima da cama e ele no chão.

Absorveu o cheiro fresco de Herniel, a temperatura corporal de ambos subindo. Moore apertou as mãos, as juntas começando a suar, imaginando emaranhar os dedos fios macios do comerciante, mas se conteve.

Gary tentou recuar, mas o comerciante entrelaçou seus dedos, e com o braço livre, segurou sua cabeça, prolongando aquele contato. Foi algo singelo, envolvendo apenas pele, mas que fez o coração de Moore sair do ritmo, suas mãos suando.

Quando separaram suas bocas, Herniel o encarou com um sorriso.

Em contrapartida, Moore lambeu os lábios, sentindo o gosto do convidado, sua expressão se fechando.

— Por que fez isso? — tentou ser consciente já que Dumont não parecia.

— Eu sei o que fazer conosco — prendeu os dedos com mais intensidade. — Podemos começar sendo sinceros um com o outro e testar até onde nossos sentimentos irão. Se nós gostamos de fato um do outro ou simplesmente sentimos atração física.

Moore havia descoberto depois de o sequestrar que não era somente o corpo.

Se fosse abusaria depois de alguns toques.

Mesmo com certeza de seus sentimentos, não poderia ignorar os de Herniel, então assentiu, conseguindo alargar mais o sorriso do homem à sua frente. Seu coração errou a batida novamente, seus pulmões querendo parar. Ele pegou aquela paisagem — de Herniel feliz com linhas paralelas de luz cobrindo seu rosto, e as bochechas levemente coradas —, e guardou em sua consciência para jamais esquecer.

Nesse momento, distraído, que ele não registrou o comerciante escorrendo da cama, se ajoelhando para ficar na sua altura, o abraçando. Nunca apreciou toques tão afetivos, mas era confortável ter alguém que almejava em seus braços, o agarrando sem hesitação, os fios fazendo cócegas em seu pescoço.

— Estou esperando semanas para fazer isso. Estou feliz por você ter aceitado.

Disse, e após isso, a troca de sorriso e um convite ousado para compartilhar a cama.

Moore abriu a boca para reclamar, mas aceitou, mantendo distância, suas mãos sendo o único ponto que os ligava. Não era a primeira vez que eles dormiam na mesma cama ou daquela forma, entretanto, era a primeira vez que Gary o via com um sorriso com o contato.

Gostou da visão, e fechando os olhos, permitiu dormir, a alma mais leve.

O mais embaralhado dos problemas havia sido concluído.

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