°•ORDEM XXIII•°
714/12/10, Reino de Eisen, capital
Sallow, acampamento de Eisen.
"Pessoas não podem ser substituídas. Cada um com uma composição única."
Mais alguns dias e tudo acaba.
Gary lançou uma moeda de ouro para o alto pela milésima vez naquele dia, distraído em seus pensamentos enquanto o rei despejava reclamações com os generais. Os outros estavam tensos, mantendo uma postura rígida, culpando-se pela derrota deles, porém, Moore estava calmo, o que irritou Ulrich.
O general não se importou com a explosão de Ulrich. Nunca se importou. Sabia o que o homem queria arrancar de si, mas ele jamais iria entregar suas emoções para uma pessoa dominada pela inveja. E Gary faria qualquer coisa para vê-lo em silêncio em sua presença. Caso gritar com ele fosse uma dessas soluções, ele aceitou de braços abertos.
Assim que após o belo discurso de Ulrich, ele estava sentado em uma cadeira, reunido com sua alteza para ouvir mais sermões sobre a sua conduta no campo de batalha.
Sem armadura, desarmado, e ferido. Estava na pior das condições. Somente pegou os mapas, uma luneta, observando todos os movimentos dos homens que ele sacrificou para outra parte de seu plano.
Ao contrário de Stephanie, ele era sanguinário. Não pensava duas vezes antes de usar outra pessoa ao seu favor. Eram verdadeiros peões. Havia rastros, rachas em seu comportamento, mas ele continuava fazendo o que bem entendesse. Foi isso que adquiriu ao longo de sua vida e não mudaria do dia para a noite.
— Por quê permitiram que Moore liderasse sozinho? — o rei questionou mais alto e grave que o normal, atraindo a atenção de Gary, que agarrou firmemente sua moeda no ar e a guardou no bolso.
Os três generais se entreolharam, permanecendo calados.
Moore remexeu na cadeira, atento aos olhares de seus companheiros.
— Nós...
— Eu ordenei a eles que não fizessem nada desnecessário, Sua Majestade — Gary manifestou-se, ganhando a atenção total do monarca, que ergueu o queixo, respirando fundo, aguardando. — Evitei que Stephanie apanhasse todos de uma vez.
O rei o encarou, e Moore sustentou a mirada, segurando sua linha final. Enquanto eles estavam travando uma batalha silenciosa, Ulrich bufou exasperado, batendo as palmas das mãos na mesa. A atitude inesperada quebrou o silêncio do local, e um assobio baixo escapou da boca de Egon quando Ulrich apontou o dedo para Moore.
— É sempre dessa forma. Gary ordena e seguimos como bons gados, mas olha onde chegamos com esse mau-costume. Uma derrota do inabalável Moore — inovou as sílabas pausadamente, ganhando uma leve alteração na sobrancelha do homem.
Abner tentou erguer a mão, mas o Ceifador o impediu, separando-se da cadeira.
— Você está ressaltando as perdas, mas o que faria no meu lugar? Faria melhor? — deixou a pergunta pairando no local, circundando a mesa até parar ao lado de Ulrich. O homem não se atreveu a encarar os olhos de Moore, e tinha os punhos cerrados. — Eu afastei todos vocês porque eu sei que Stephanie Bellucci fará de cada movimento um inferno. Salvei Eisen de uma derrota fatal sem chance de revanche.
— Suficiente, Moore.
Gary levantou o olhar por breves segundos para o rei, mas logo o baixou para encarar os olhos azuis marinhos de Ulrich, agarrando o queixo do general, forçando-o a encará-lo. Mesmo com as luvas, ele conseguia sentir a repulsa do homem na rigidez de sua mandíbula.
— Eu poderia ter deixado você rastejar e convulsionar no chão aos pés da imperatriz ao invés de tê-lo convencido a sair do posto. Você, ao contrário de mim, teria encaminhado aqueles homens a vitória, certo?
A cada frase ele apertava com mais força a carne de Ulrich, que lutou para se libertar, grunhido. Os outros generais observando a investida agressiva de Moore se levantaram, porém, congelaram assim que Gary os advertiram com o olhar.
Ele não queria ser rude com o energúmeno do Ulrich, mas estava de mau-humor.
Seu companheiro deveria ter ficado quieto antes de forçá-lo a sair das sombras.
Odiava tanto quanto ele o tocar, contudo, imaginou o estrangular para aliviar as tensões de sua cabeça e seus músculos. Daquela forma, ele serviria de alguma coisa, além de cuspir palavras fora do eixo, o atormentando por uma derrota ridícula.
As veias de Moore ficaram mais evidentes, e ele intensificou o contato, o som de alguma junta de Ulrich estalando no local. Ele se inclinou, sua franja fazendo o favor de esconder seus olhos e sua perturbação mental. Escondendo a satisfação daquilo.
— Eu disse suficiente, Moore!
O Ceifador acatou a ordem dessa vez, liberando aos poucos seu companheiro. Finalmente livre, Ulrich massageou sua mandíbula, a checando e empurrando o peito de Moore, numa tentativa falha de o afastar. No entanto, ele não se moveu nem um centímetro.
Ele soprou um riso, seus fios cobrindo um de seus olhos, provocando Ulrich.
Sabia que ele não valia a pena, contudo, desejava que ele visse a diferença de suas forças.
— Retorne ao seu lugar.
Ele moveu os pés, marchando até seu local, encarando Ulrich de escanteio.
— Maldito — Seu companheiro cuspiu com os olhos vermelhos.
Moore lançou um de seus sorrisos distorcidos, moldando com os lábios um agradecimento.
Eles voltaram aos seus devidos lugares, e o rei não conseguiu segurar um suspiro prolongado, levando a mão até a testa, friccionando aquele local, impaciente.
— Ulrich — chamou-o com a voz profunda —, você não pode simplesmente calar a boca ao invés de estar expondo para todos seu sentimento de inferioridade?
O general ficou cabisbaixo, cerrando os punhos sobre sua coxa, comprimindo os lábios.
— Peço perdão pela minha ousadia, Majestade.
Abner aceitou as desculpas, e seu olhar voou para Moore, que deu sutilmente de ombros, apagando seu comportamento de minutos atrás. Simplesmente afundou-se na cadeira, despojado, assim como estava antes de inverter os papéis de vítima e agressor. O homem espreitou os olhos, tentando achar uma brecha para ler o estado de Moore, mas não conseguiu.
— Bom, vimos que Moore aparentemente desviou da nossa queda, então Egon, Manfred e Ulrich podem comandar o próximo ataque — ordenou, os dispensando com o balançar de sua mão. Assim que Gary tentou ir embora, ele o pediu para ficar. — Teremos muito a conversar, Gary.
O último a se retirar foi Ulrich, que deu uma última olhada para o rei, e retirou-se sem fazer ruído, restando um clima desconfortável para Gary.
— O que planeja tomando passos impensados? — O rei foi direto ao ponto, e Moore, apenas lutou para segurar um suspiro. Não queria ter aquela conversa tão rápido.
— Posso dizer com certeza que são lúcidos e necessários.
— Gary — seu tom era de advertência —, por acaso está armando algo contra mim?
O Ceifador lançou um sorriso ladino para o rei, adotando uma postura mais relaxada.
O rei espreitou os olhos, analisando a loucura de Moore.
— Não. Nunca faria isso — ajeitou sua franja, mantendo o sorriso.
— O que me garante isso?
— Minha vida. Ela te pertence, Majestade.
Agora foi a vez do rei rir.
— Mas suponho que você não se importe com ela.
— Nunca pronunciei isso — rebateu, levantando-se, porém, o rei ordenou que ele voltasse.
— Contudo, deixa evidente em seu comportamento — fechou os olhos por um instante, e os abriu lentamente. — Confiei minha filha a você.
Gary franziu o cenho com a citação incomum do nome de sua noiva.
— Onde ela se encaixa em nossa conversa?
— Você alguma vez pensou em considerar seus sentimentos? — perguntou, sério.
— Se eu...
— Seja sincero. Não precisa enfeitar meus ouvidos com palavras insignificantes.
— Nunca, Majestade — As palavras saíram com mais facilidade do que ele previu. Algo em seu interior ficou leve com aquela confissão. — Nunca pensei em retribuir os sentimentos de Sua Alteza, Morgana. Tentei somente não quebrá-la em nossos encontros.
Abner voltou a sorrir, coçando sua barba.
— Minha filha nunca iria se estilhaçar por algo tão simples. Ela é minha criação perfeita — disse, retirando-se de seu trono, caminhando até Moore com uma expressão mais suave, dando leves tapas no ombro de seu general. — Não me decepcione, Moore. Confio em você.
Sem hesitar, Gary assentiu com a cabeça, permanecendo na tenda sozinho. Apreciou o estado melancólico que o local com a luz pálida do sol entrando pelas frestas atiçando sua vontade em somente se jogar em seu canto escuro, ignorando as outras pessoas. Somente se concentrou em como deveria trazer Herniel ao seu lado novamente.
Mexeu a cabeça, encarando seus punhos, respirando fundo.
Ele estava odiando aquela sensação de perda. Foi algo que ele premeditou, porém, quando colocou em prática não pensou que fosse doer tanto. Ele havia soltado Herniel, e Dumont havia se afastado dele com tranquilidade, como se ele não se importasse.
Outra vez. Era sempre daquela forma.
Bateu as costas na cadeira acolchoada, trincando os dentes, fitando o teto branco.
Caso fosse dada uma oportunidade deles se encontrarem — que se dependesse dele, haveria sim —, perguntaria a Herniel como conseguia ser tão frio. Desvencilhando-se de seu agarro como água, evaporando de suas vistas da mesma forma que seus homens no campo de batalha. Depois dando as costas, abandonando-o sangrando.
Se ele fechasse os olhos por alguns segundos, poderia rever seu último encontro com Herniel. O calor febril de suas mãos, suas promessas vazias, o olhar que contava milhares de mentiras. Desejou do fundo de seu coração imprestável acreditar em Dumont, mas seu comportamento é sempre contraditório.
"Voltarei quando tudo acabar. Não morra até lá, por favor."
Moore riu fraco ao relembrar das palavras de Dumont. Cerrou os punhos com força, determinado a talvez ir contra as suas palavras. Iria retirar os nãos de seu pedido, e guiar seus passos para a morte quase certa. Sempre fazia a morte descansar naqueles que cruzavam seus caminhos, não deveria ser tão difícil fazê-la o abraçar com satisfação.
Distraído em seus devaneios, sobressaltou quando um toque delicado o alcançou. Girou a cabeça com cautela, encontrando o bronze dos olhos da mulher que negou-se a amar. Ela tinha uma expressão ameaçadora, afiada, deixando Gary na defensiva. Principalmente encapuzada, e com seu traje preto e cinza.
— O que está fazendo aqui? Pegar os corpos mortos para fazer um de seus experimentos? — questionou, cansado, levando uma das mãos à testa. Esperou algo da noiva, mas em resposta formou-se apenas um sulco entre as sobrancelhas.
— Não. Vim conversar com você, senhor Moore.
— Não precisa manter as formalidades. Creio que nosso noivado será rompido, e sua Alteza poderá me tratar como um servo qualquer — consertou sua postura quando Morgana puxou uma cadeira, acomodando-se à sua frente. — Qual é o tema da conversa?
— Diga-me, Gary, você gosta de homens?
Moore arqueou uma das sobrancelhas, julgando ridículo ela se arriscar em uma zona de guerra para apenas lhe perguntar se ele gostava de homens. Nunca ninguém havia lhe questionado em relação àquilo, então fez um som pensativo, demorando a responder.
— Sim, princesa. E agora, o que vai fazer com essa informação? Contar ao templo que sou corrompido pelo diabo por ter gostos desviantes do que eles acreditam?
— O que eu ganharia com isso?
Moore soltou o ar com força, tamborilando os dedos nos braços da cadeira.
— Não estou com bom humor para lidar com seu teatro inocente, princesa. Tente me manipular quando meu corpo for velado de caixão fechado.
Morgana lançou um sorriso venenoso para Gary, cruzando as pernas e erguendo a cabeça.
— Não irei fazer isso. Além do mais, evito a todo custo o templo. Eles te enforcariam por desejar o mesmo sexo, e eu por praticar "magia negra", queimada por ser possívelmente uma bruxa.
— Então, seu silêncio salva nós dois de um fim trágico — completou o raciocínio. Tombou a cabeça, e analisou a satisfação da expressão Morgana. — Ou planeja morrer com seu amado?
— Tolice — riu —, eu decido onde e quando eu irei morrer, não dezenas de homens que desejam ter o mundo prostrado em seus pés. Quando chegar a minha hora serei criativa.
— Estou confuso com o propósito dessa conversa.
Morgana maneou a cabeça, levantando-se, ficando de frente para Moore, penteando alguns de seus fios com a ponta de seus dedos, o examinando com cuidado. Gary, ao contrário das outras vezes, aceitou o contato, não sentindo segundas intenções.
— Eu apenas queria uma resposta por nunca ter se apaixonado por mim — respondeu simplista, vaga, ainda tocando nas mechas do cabelo de Moore, fascinada.
O homem levantou o olhar curioso como de uma criança.
— Se eu fosse como todos os homens, com certeza me apaixonaria por você, princesa — foi sincero pela primeira vez com Morgana. — Sua Alteza é inteligente, misteriosa, linda e cautelosa.
Descreveu, mas suas palavras não pareciam alcançar completamente a mulher. Ela estava imersa em seus pensamentos, planejando algo, que Gary pressentiu ser de extrema importância. Teria algum impacto negativo.
Sentiu que ela guardou a vontade de um pedido. Um último pedido.
— O que quer de mim, princesa?
Morgana largou seus fios, agachando-se para ficar na altura do homem, dando-lhe um beijo casto na testa, esmagando seus lábios por um tempo demorado, sugando uma respiração profunda. Em seguida, segurou o rosto de Gary, os olhos nivelados.
— Você é o único que pode fazer isso por mim — sussurrou, determinada, envolvendo sua mão com a de Moore, repassando-lhe um pequeno frasco. — Arruine a preferida do meu pai. Acabe com esse ciclo vicioso maçante. Se conseguir ir além, mate todos aqueles que ela valoriza.
O Ceifador paralisou segurando a substância que sua noiva havia me passado, encarando-a com os olhos arregalados. Sua respiração ondulou por alguns segundos, repassando as palavras da princesa.
— É isso que você realmente deseja? — acompanhou com os olhos os passos de Morgana, que se encaminhou sorrateira até a fenda da tenda, soando um leve farfalhar quando ela girou meio corpo, segurando um pedaço do pano.
Ela lançou um leve sorriso cínico, ainda que um pouco frágil.
— É tudo o que eu mais quero.
Retirou-se, e Moore ficou encarando a substância de coloração esverdeada, balançando, erguendo-a para o alto a analisando. Morgana era uma mulher bastante perigosa, e ele sabia o quanto era alarmante tê-la como inimiga. Acreditou que ficaria com raiva depois de sua confissão, mas ainda confiava nele.
Deu de ombros, guardando o frasco.
Porém, aquilo poderia ser uma armadilha para descobrir se ele era um traidor ou não.
Saiu da tenda, indo a sua, encontrando seu corvo ajeitando as penas em sua mesa. Surpreso com a presença de Nacht, apressou os passos, estendendo o braço na frente do animal. O corvo tombou algumas vezes a cabeça, antes de se pendurar no braço de seu cuidador, batendo levemente suas asas.
— Bom garoto, Nacht — alisou as penas do corvo, agarrando o pequeno pingente de cruz que ele havia colocado para o marcar como seu. Nacht era diferente dos outros de sua espécie, e ele reconheceria de olhos fechados, porém, queria algo para torná-los mais parecidos além da escuridão. Deu-lhe, então, uma cruz assim com a que carregava desenhada em sua carne.
Desceu as carícias, até que chegou em suas patas, encontrando um pequeno papel amarelo. Moore desamarrou o laço que o prendia com certa pressa, perguntando-se quem havia lhe mandado uma mensagem. Abriu o papel, havendo apenas uma única frase.
"Vigie bem seus passos."
Amassou o papel assim que terminou de analisar a frase, guardando-o em suas vestes. Compreendeu que era uma ameaça bastante sutil, contudo, não levaria a sério. Devido a muitos boatos em relação ao seu corvo, qualquer um poderia prender uma mensagem e pregar peças. Além de ter muitos inimigos.
— Acredito que ele adoraria lhe conhecer — disse para seu corvo, que grasnou em resposta, roçando o bico nos dedos de Moore. O homem sorriu. — Apesar dele não aparentar gostar muito de animais — aproximou da janela da tenda, permitindo que o animal se distanciasse. Observou ele pousando em uma das árvores altas —, acho que vocês se tornariam grandes amigos.
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