TRINTA E OITO
DAISY
— Não temos leite — Will disse com a cabeça praticamente dentro da geladeira.
— Fazer panquecas todos os dias têm o seu custo — murmurei, ajeitando os óculos no rosto, enquanto encarava a tela do meu notebook.
Comecei, hoje de manhã, a busca por um novo emprego. As filmagens de Corações em Chamas terminariam amanhã — se Stacker não assassinasse ninguém até lá, o que é sempre uma possibilidade — e como essa seria a última temporada, eu não tinha para onde ir depois disso.
— Você não pode dizer que não adora — Will afirmou, passando um braço pela minha cintura e beijando a curva do meu pescoço.
Eu senti um frio na barriga e suspirei.
— Culpada — deixei escapar um pequeno sorriso.
Esses últimos dois dias tinha sido uma loucura. No bom sentido, é claro.
Primeiro houve o beijo, depois o sexo e, agora, estávamos aqui comendo panquecas no café da manhã, enquanto trocávamos sorrisos conspiratórios como se nos conhecêssemos há anos.
Nem mesmo quando namorava Cliff havia sentido esse nível profundo de conexão. Com Will, não precisávamos dizer um ao outro o que sentíamos, simplesmente sabíamos apenas com um olhar.
E eu me sinto feliz. De verdade. Eu gosto de Fitzwilliam... Pode ser que gostar até seja um termo fraco para descrever o que sinto por ele, porque é Guy Carver, o garoto da piscina, o que não admite, mas ama assistir Keeping Up with the Kardashians comigo, o garoto que ama sua mãe mais que tudo e a perdeu cedo demais, o garoto que gritou desesperado noite passada para que eu matasse uma aranha no seu banheiro.
Mas eu não posso mentir para mim mesma. Tenho um mal pressentimento sobre tudo que está acontecendo, como se os deuses estivessem me oferecendo algo perfeito, apenas para arrancar de mim depois.
Não sei se Will chegou a notar meus incômodos. Acho que não. Ele está sempre sorrindo, o que é bom. Não quero perturbá-lo com algo que provavelmente pertence apenas à minha maldita cabeça.
A mão de Will subiu pela minha blusa e eu a interrompi, pois já sabia na onde aquilo terminaria.
— Devíamos ir no mercado — sugeri.
Não saímos de casa desde a festa de Brandi. Não tivemos gravações marcadas também por causa do clima ruim e a chuva constante que caía desde o aniversário de Will. Um ar fresco poderia ser tudo que eu precisava para espantar aquela sensação.
Will se afastou e ficou de frente para mim.
— Por quê?
— Porque a comida está acabando e não podemos viver de cerveja e cereal.
— Eu vivi por dez anos assim e olhe para mim — Will apontou para o próprio corpo. A camisa que usava grudava no seu corpo, ressaltando seus músculos, o que quase me fez me arrepender por tê-lo afastado.
— Não negarei isso — apontei para ele, e Will sorriu —, mas precisamos sair um pouco.
— Por que você quer sair? O mundo lá fora é horrível, Trump é nosso presidente e existe uma live-action de Cats — argumentou, passando a mão pelos cachos que começavam a crescer — Tenho tudo que preciso aqui dentro — Will me encarou.
Eu ri, mas a expressão de Will fez com que minha risada cessasse. Ele não estava brincando.
— Então, vou ao mercado sozinha.
— Não — disse repentinamente — Vou também. É só que... — ele encarou os próprios pés, buscando coragem para dizer as próximas palavras — Eu tenho medo que você comece a repensar sobre nós e perceba que isso tudo foi um grande erro.
— Estou com você, Will, sem arrependimentos — afirmei pela terceira vez naquela dia — Prometo.
Seus olhos buscaram pelo meu rosto algum indício de mentira, mas, no final, ele apenas assentiu. Não sei o que estava passando na sua cabeça. Eu gostava dele. Muito. Eu não tinha dúvida desse sentimento, ainda que aquela sensação ruim persistisse, porém creio que existissem inseguranças em Will que eu ainda não conheci.
Claro, todos tinham inseguranças. Mesmo Guy Carver, o super ator de Hollywood. Ele não era imune e pensar nisso só me fez querer protegê-lo ainda mais de todas aquelas notícias maliciosas e pessoas que o julgavam sem conhecer sua história.
— Está bem... Mas nunca fiz compras em um supermercado antes.
— Por que eu não estou surpresa?
— Fizemos um ótimo trabalho, não é? — eu disse, colocando as mãos na cintura e encarando as compras dentro do porta-malas da sua Ranger Rover.
Will não confiava o suficiente na minha caminhonete para usá-la, apesar de ser mais espaçosa. Só porque ela soltava alguns barulhos estranhos antes de ligar e uma vez parou no meio da avenida mais movimentada de Los Angeles...
— Eu não saberia dizer. Sempre peço para alguém fazer isso por mim — Will falou, fechando a porta do carro enquanto sorria de lado.
Seus cachos estavam levemente molhados por causa da garoa fina que caía no estacionamento do Walmart. Uma barba rala e clara crescia no seu rosto e me arranhava toda vez que nos beijávamos — essa manhã quando estávamos no banheiro, eu o ameacei com um aparelho de barbear que encontrei no armário.
Mas aquele cara era simplesmente perfeito de todas as formas possíveis e, não acho que pudesse existir uma coisa mundana capaz de deixá-lo feio.
— Odeio ter um namorado rico — balancei a cabeça.
— Namorado? — ele repetiu, arqueando as sobrancelhas.
Nós ainda não havíamos nos nomeado exatamente, mas pelo ritmo das coisas, achei que "namorados" se encaixava no nosso perfil.
Apesar de ter prometido a mim mesma que não namoraria tão cedo depois de tudo que passei no meu relacionamento anterior, porém aquele não era Cliff, era Will e eu sabia que ele nunca seria capaz de me machucar.
— Sim... Ou tudo isso é apenas mais uma relação casual pra você? — falei, apoiando-me contra o carro — Porque, nesse caso, você seria um belo cafajeste.
— Eu quero ser seu namorado — afirmou Will e nossos olhares se cruzaram — Só acho estranho ser o namorado da minha esposa.
Nós rimos e eu me aproximei para beijá-lo nos lábios. Eu me interrompi no meio do caminho quando avistei uma coisa loira atrás de Will e, no segundo seguinte, sua voz aguda penetrou meus tímpanos:
— Guy!
Era Maya/Ashley/Tiffany.
Will me encarou com os olhos arregalados antes de se virar lentamente na direção da sua ex-ficante.
— Maya... Que bom te ver — Sua cara não parecia expressar o mesmo — Como está?
— Bem, apesar de você ter ignorado todas minhas ligações, mas posso ver a razão disso — Maya enrolou a ponta loira do cabelo no dedo. Seus olhos percorreram o rosto de Will antes de pousarem em mim — Espere, você estava beijando sua irmã? — Os olhos enormes de Maya ficaram ainda mais enormes.
— Hã... — Will gaguejou, desviando o rosto para mim e depois para Maya.
Eu tinha esquecido que me passei pela irmã de Guy na última vez que a vi na mansão em Malibu. Não conseguia nem imaginar o que passava pela cabeça loira de Maya nesse momento.
— Daisy é minha meia-irmã — Will afirmou sem convicção, dando de ombros — Não tem problema quando é apenas meia-irmã, certo? — ele sorriu incerto.
Maya nos fitou com uma nova expressão de nojo cravejada no seu rosto e virou as costas sem dizer mais nenhuma palavra.
— Bem... Isso foi péssimo — eu comecei a dizer, mas acabei gargalhando na última palavra. Will balançou a cabeça e riu — Ela nunca mais será a mesma.
Em poucos minutos estávamos em casa, descarregando as compras.
O nó no meu peito havia aliviado um pouco, apesar de ainda estar ali em algum lugar. Esperava que um dia inteiro com os beijos e sorrisos de Fitzwilliam aliviasse toda a pressão dentro da minha caixa torácica.
Meu celular tocou quando ajeitávamos o armário. Era um e-mail novo.
— Ah meu Deus! — eu exclamei, largando um pacote de macarrão no chão quando vi a logo com um L enorme dourado e preto — É a equipe de Lorelai... Eles querem me entrevistar para fazer parte da produção do próximo filme!
Will me fitou e abriu um sorriso.
— Isso é incrível, Daisy. Estou feliz por você.
— Deuses! É ainda melhor do que trabalhar com Stacker — sorri, segurando o celular ainda mais firme nas minhas mãos como se aquela proposta pudesse sumir se eu o largasse — É na quinta, em Hollywood. Aqui diz sobre alguns termos de privacidade de imagem que preciso ter, mas não acho que seja nada muito importante.
Eu dei dois pulinhos animados, enquanto Will me observava com um sorriso maior que o meu, se é que isso era possível.
— Deveríamos ter sexo de comemoração.
— Nós teríamos sexo de qualquer forma, Will.
— Tem razão, nós teríamos — ele sorriu antes de me abraçar.
*
— Corta! — E com esse último grito de Stacker as gravações da última temporada de Corações Em Chamas estavam finalizadas.
Nem conseguia acreditar que tínhamos feito aquilo por seis meses sem ligar para o corpo de bombeiros nenhuma vez. Era um recorde e tanto para uma produção com o diretor Stacker.
Rapidamente, o cenário se transformou de uma casa americana do século XVIII para uma festa de comemoração da era moderna. Garrafas de Champanhe foram abertas, taças distribuídas e sorrisos exaustos (e, ao mesmo tempo, orgulhosos) trocados.
Do canto da sala de Elizabeth, onde eu tomava uma taça que Jenn generosamente me ofereceu, vi Will cumprimentar alguns produtores, usando meu sorriso favorito. Ele ainda estava caracterizado em seu personagem com uma casaca amarela grossa e botas que vinham até o joelho. Estava tão lindo que eu torcia em segredo para que ele pudesse levar o figurino para casa.
Uau, eu namorava uma estrela de cinema e estava morando com ele. Tudo isso em menos de três dias, mas não parecia de nenhuma forma estranho ou que estávamos indo rápido demais.
Era diferente da minha relação com Cliff. Era verdade que Cliff enxergava quem eu era, mas Will... Ah, Will... Ele não apenas sabia quem eu era, ele me completava. Simples assim.
Nossos olhares se cruzaram. Ele pediu licença para Brandi e apontou na minha direção. Ela revirou os olhos e deu as costas para ele.
— Parabéns — eu disse, erguendo a minha taça quase vazia de champanhe. Will fez o mesmo, a sua ainda estava cheia.
— Pra você também. A produção não seria a mesma sem você.
— Sem dúvidas, Stacker teria mais dor de cabeça que o normal e Brandi não teria perdido dois quilos sem mim — sorri por detrás do vidro.
— E eu seria muito infeliz — completou Will com o mesmo sorriso conspiratório.
— Obviamente — ri, enquanto Will passou o braço pela minha cintura e me puxou para perto dele. Ele me beijou, sem nem ao menos ligar para o fato de que estávamos em público.
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