ᅠᅠᅠᅠᅠᅠᅠᅠᅠᅠ07. Chapitre Sept
"Eu não me orgulho do que fiz com Louis. Ele é meu melhor amigo, nunca vou me esquecer de que no momento em que mais precisei, esse garoto limpou minhas cicatrizes e me acolheu em sua casa. Eu sabia que ele gostava dela. Amelia é muito bonita e confesso que sou um tolo, pois quando ela me beijou, eu fraquejei e devolvi seu toque com tudo o que tinha. Espero que algum dia Louis me perdoe, pois traí sua confiança.
— O diário de Bellamy Bunwell"
Louis comia demais. Sua irmã sempre lhe dizia que o duque tinha o maior estômago da Inglaterra e ele não podia negar isso. Ficou chateado com os poucos petiscos no soirée, mas por sorte sempre levava sua reserva. Enquanto a carruagem andava e Louis devorava os lanchinhos, a dama parecia assustada com sua fome.
— Quer um pouco de biscoito salgado? — perguntou ele, desejando que ela não quisesse.
— Não, obrigada.
Ele continuou comendo o máximo que pode para evitar a conversa. Na verdade, sequer conseguia ter coragem de olhá-la. A roupa da criada era composta de um pano branco que estava ao redor do cabelo da loura, além um vestido longo muito simples de cor de aspargo, mas que estava apertado na cintura de Georgina e erguia seus seios, já volumosos naturalmente, para cima.
Embora ele tentasse se convencer que o beijo fora ótimo por conta da bebida em excesso e que não significava nada, não podia negar que se sentia perigosamente atraído por ela mesmo sóbrio. Quando seus olhos desceram para os seios dela, Louis suspirou e olhou para a janela.
Pense em Madame Peu, o duque continuava repetindo em sua mente.
No entanto, aquele beijo sempre voltava para sua mente. De início, Louis se sentiu culpado pensando em Bellamy e fez longas rezas antes de dormir se desculpando, no entanto, ficou com a mente tranquila ao relembrar que o falecido visconde havia dormido com a mulher que Louis era apaixonado antigamente sem lhe consultar.
Creio que estamos quites, pensou ele.
— Eu poderia ter encontrado La Bruxa sozinha — comentou a garota e Louis fez o possível para ser educado e não olhar para o corpo dela. Para aqueles malditos seios.
— Ah, como você acha que poderia tê-la encontrado? Sabe ao menos em qual subúrbio ela trabalha? — o duque perguntou e a loura engoliu em seco. — Eu pesquisei e inclusive é impossível entrar em contato com ela, pois é La Bruxa quem vai até seus clientes.
— O senhor pode me explicar melhor?
— Ela tem informantes por todo lado e eles procuram pessoas que estejam motivadas a ter atitudes ruins contra alguém ou que querem contratar alguma forma de serviço ilegal envolvendo ervas e venenos — contou ele. — Precisamos fazer um teatro e tanto para ela querer nos encontrar e La Bruxa confia mais em mulheres. Acha que consegue atuar?
— Ah, compreendi — ela assentiu. — Mas temos que simular uma verdadeira discussão, bastante chamativa e eu preciso parecer determinada a me vingar do senhor. Nunca fiz nada assim, não costumo falar alto ou ter desentendimentos.
— Serei um cafajeste e falarei coisas inventadas, então apenas grite comigo e diga que vou pagar pelo que fiz. Fale que sou um péssimo marido, que a trai e que se vingará — sugeriu o duque. — Eu sei onde ficam os chamados "olhos" dela, apenas precisamos atuar e prometo que a seguirei quando for encontrar La Bruxa. Se algo acontecer, apenas fale bem alto em francês e eu correrei até o local.
— Combinado, talvez possamos fingir que...
De repente, a carruagem chacoalhou perigosamente, talvez devido a alguma pedra no caminho ou descida íngreme. O duque foi o principal impactado e saiu voando de seu assento, tentando se segurar na janela da carruagem e falhando.
Georgina se sentiu ser esmagada por Louis, que havia caído em cima dela. Quando a carruagem finalmente parou e o cocheiro gritou um pedido de desculpas, Louis estava muito próximo do rosto da loura, de modo que ela conseguia sentir a respiração dele em seu rosto.
Para piorar a situação, quando ele estava tentando se segurar da queda, sua mão direta acabou no pior lugar possível: apertando fortemente o seio de Georgina. Como se não bastasse isso, ela estava muito focada nos lábios dele perto de seu rosto e no que aquele toque causava em seu ventre para repreendê-lo. O duque sentiu a respiração da dama em seu rosto e sem querer roçou levemente os dedos nos seios dela. Georgina arfou e ele precisou de todas as forças possíveis para não beijá-la.
Louis saiu de cima dela gentilmente, sentando-se ao lado, mas a mão ainda por cima daquele maldito volume que quase saltava sobre o vestido. Por Deus, Georgina estava pegando fogo com aquela firme segurada e não queria que ele tirasse a mão dali.
Louis aproximou o rosto, encostando o nariz no dela, como se para testar aquela sensação e atração que sentiam no momento. A dama soube que se ele a tivesse beijado, ela teria retribuído.
Mas ele hesitou e afrouxou a mão, prestes a se desculpar e reunir toda honra que ainda tinha. Georgina quase segurou sua mão ali, precisando reunir todo o autocontrole de seu corpo para não explorar aquela chama.
— Peço desculpas, de verdade — falou ele, quase vermelho. — Péssima forma de cair.
Louis sóbrio era diferente, observou Georgina. Não era tão perigoso ou ousado, ainda que sua língua fosse afiada, ele parecia um cavalheiro. Seu cabelo estava perfeitamente alinhado, bem como a veste emprestada de algum criado e, pela primeira vez, ela não sentira o cheiro de álcool nele. Quando havia se apaixonado em sua adolescência, o duque era exatamente assim.
— O senhor deveria ficar sóbrio mais vezes — ela disse e ficou vermelha ao ver que estava falando seu pensamento em voz alta. — Quer dizer, Vossa Graça se torna mais tolerável assim — palavras erradas novamente. — Não que o senhor seja insuportável quando alcoolizado... Perdoe-me.
Curiosamente, ele deu uma leve risada. Um som doce, que a deixou chocada. Louis tinha um sorriso bastante gentil, principalmente quando sorria genuinamente. Para o duque, ela ficava adorável quando falava demais. Ela havia quase se esquecido de como ele era diferente e divertido quando sóbrio.
— Acredito que chegamos — observou Georgina. Tentando fugir dela mesma, desceu primeiro que ele da carruagem.
Olhar para Louis por muito tempo poderia levá-la a insanidade. Na mesma medida em que ele deixava sua parte logo abaixo do estômago quente quando ele contava coisas proibidas sobre casais, também fazia seu coração saltar quando sorria daquele jeito.
— Agora nosso teatro se inicia — a voz do duque era de divertimento. Ele parou ao lado dela e ergueu o braço. — Está pronta para ter o coração partido, minha querida esposa?
— Acredito que estou mais pronta para declarar o desejo em matá-lo — retribuiu ela, aceitando o braço estendido. — Perdoe-me.
— Pelo menos hoje, fale livremente — pediu ele. — Não serei um duque, mas sim seu marido traidor. Entre no personagem sem medo, mon chéri.
A taberna que Louis ouvira falar não ficava muito longe e eles chegaram logo em seguida. Ele pediu o máximo de bebidas possíveis e alguns petiscos, embora não pudesse beber muito naquela noite. Precisava ficar atento e resistir se quisesse descobrir sobre La Bruxa.
Louis e Georgina disfarçaram por alguns minutos, o duque fingiu beber o suficiente de álcool para que iniciassem uma briga. Ela, entrando no personagem, parecia dar longos suspiros de raiva sempre que olhava para o falso marido se embriagando.
— Sou tão terrível assim para ser ignorado? — questionou Louis, entrando no personagem. — Maldito foi o dia em que nos casamos.
— Por favor, pare de beber — pediu ela, segurando a mão dele e o surpreendendo. O toque dela causava sensações de puro fogo no duque, ainda mais com aquele vestido apertado. — Essa é a última vez em que tentarei salvar nosso casamento por nosso filho. August não merece um pai assim, então pare de beber se ainda me quiser como sua esposa!
— Que vocês dois se danem — Louis bebeu mais e alterou o tom de voz. — Estou cansado de receber suas ordens estúpidas, você não é minha mãe — ele tirou a mão dela de seu braço e deu um soco na mesa. — Então pare de agir como se fosse!
— Você preferia que eu fosse sua meretriz? — a voz dela levantou e seu olhar, ainda que falso, era de puro ódio. — Ou acha que eu não sei sobre o seu caso?
— Se você não fosse assim...
— Assim como, Joe? Sua esposa? — Georgina se levantou, com lágrimas nos olhos e o duque se assustou de verdade. — Tudo o que eu fiz, esse tempo todo, por todos esses anos, foi amar você. Vivi em sua sombra e fui ignorada, humilhada — a loura realmente chorava. — Escute minhas palavras, eu vou me vingar algum dia, vou humilhá-lo da mesma forma que você está fazendo agora e partir seu coração.
— E enquanto estiver planejando sua vingança ridícula, estarei ocupado no meio das pernas de outra.
Talvez sua atuação tenha sido muito real, pois Georgina pegou um copo de bebida e jogou em seu rosto, o deixando ainda mais assustado. Em seguida, ela puxou tudo que estava na mesma e jogou no chão. A dama se abaixou para pegar um objeto pontiagudo. Agora, com uma faca na mão, apontou o utensílio para o pescoço de Louis e assustou todos no local. Alguns torciam por ela, outros falavam que a loura era uma mulher maluca.
— Você enlouqueceu de vez? — perguntou ele e sua pergunta era real. — O que pensa que está fazendo?
— Deveria ter pensando antes de me trair, Joe. Eu não vou descansar enquanto não destruir sua vida e a de sua meretriz! — e Georgina encostou o objeto pontiagudo no pescoço dele. Seus olhos castanhos eram de ódio puro e Louis se questionou se aquele sentimento era apenas uma invenção. Era raiva, mágoa e luto. — Espere para ver o que farei com vocês.
Largando a faca, ela saiu quase correndo enquanto chorava e ele se sentou, se enchendo de álcool. Levantou o copo para um dos vários homens que o encaravam.
— É por isso que digo, rapazes, não se casem.
Assim que todos começaram a rir, Louis fingiu beber mais um pouco antes de sair atrás dela. Precisava ser discreto para poder segui-la sem acabar com o plano. Não podia negar que seu coração estava acelerado, ele realmente havia se assustado com a faca em seu pescoço e o olhar dela. Naquele momento, o duque percebeu que a dor de Georgina não era atuação, era real e ainda mais dilacerante do que a que ele sentia.
Enquanto Louis descontava tudo no álcool, tinha pesadelos com a sobrinha morta em seus braços e havia perdido seu melhor amigo, Georgina havia perdido tudo e ainda precisava ajudá-lo. Sua madrasta a odiava, suas irmãs a machucavam e ela não parecia feliz com o suposto casamento. Ele se lembrava que na adolescência ela era constantemente humilhada e ainda criança tivera seu couro cabeludo arrancado até que sangrasse, mas nunca pensara nela. O único que pensava e se importava era Bellamy e ele não estava mais ali. O olhar que ele vira, aquele não era o olhar de uma mulher traída, era o verdadeiro olhar de Georgina, em que por trás da máscara de gentileza, estava uma jovem completamente destruída e ele não soube como não havia percebido isso antes.
— Desculpe pela indiscrição, mas todos estão falando sobre seu marido ser um cretino — uma senhora idosa se aproximou de Georgina assim que a loura saiu andando. Para se manter no personagem, ela pensava em todas as coisas ruins que já haviam lhe acontecido e chorava de soluçar. — O que falou foi verdade, realmente quer se vingar?
— Eu quero matá-lo, ele e sua meretriz — ela respondeu, com ódio no olhar e secando as lágrimas. — Em uma das vezes em que ele me bateu, eu tentei feri-lo com um objeto pontudo, mas não tive forças o suficiente.
A idosa ergueu as sobrancelhas e provavelmente percebeu que havia encontrado uma pessoa certa para apresentar para La Bruxa.
— Eu conheço uma mulher, acredito que você já deve ter ouvido falar dela — comentou a senhorinha. — Se quiser, posso levá-la até La Bruxa e ela poderá ajudá-la com o ingrediente certo para matar seu marido e a meretriz, sem deixar rastros, é claro.
Se ela apenas aceitasse sem questionar, seria suspeito.
— Todos sabem quem é La Bruxa, ela é praticamente uma lenda — comentou ela. — Eu tenho reservas, mas tem certeza de que é seguro? Que garantia você pode me dar?
— Menina esperta, não se preocupe. Já ouviu falar de alguém que foi enganado por ela? — questionou e mostrou um bordado que carregava consigo, com o nome de La Bruxa. — Confie em mim, trabalho para La Bruxa.
Assentindo, Georgina seguiu a senhora e observou enquanto ela colocava um capuz. Andaram por tantas ruas que a loura pensou que ficaria tonta, mas finalmente pararam quando a idosa olhou ao redor, e a dama percebeu que Louis não estava muito longe, virado de costas para disfarçar.
Aliviada, se surpreendeu quando a idosa continuou a andar na direção de um enorme porto. Estavam indo na direção de um navio ancorado, provavelmente por isso era difícil de achar La Bruxa: ela não deveria ficar em um único lugar, se movia sobre a água.
— Não tenha medo — continuou a idosa, ajudando ela a subir no enorme navio de madeira. — Há uma fila de pessoas, próximo do subsolo do navio. Desça aquela escadinha ali e é lá que ela está. Leve isso.
O broche de La Bruxa era quase como um ingresso, Georgina apenas assentiu e aceitou. Foi para o local que deveria ser o subsolo do navio e de fato havia uma pequena fila lá, com cerca de sete pessoas na sua frente. Um carrasco conferira seu broche de rosas vermelhas e a deixara entrar na fila.
Assim como Louis havia avisado, eram todas mulheres ali. Surpreendentemente, havia uma mulher muito bem vestida, o que significava que La Bruxa também atendia aristocratas.
Após meia hora, Georgina fora chamada para a cabine e entrou, reunindo toda a coragem possível. O local era cheio de artefatos variados, jogos místicos e cartas. A senhora conhecida como La Bruxa tinha uma aparência peculiar, era cega de um olho e não deveria ter mais do que cinquenta anos. Usava um vestido vermelho e um lenço no cabelo de mesma cor.
— Boa noite — cumprimentou Georgina, da forma mais informal possível.
— Boa noite. Sente-se aqui, jovem — falou ela apontando para um banco próximo. A loura obedeceu e a senhora pegou sua mão, a assustando. — Estou lendo você, fique calma — La Bruxa suspirou e tirou algumas cartas para confirmar algo que estava vendo. — Vida difícil, nossa. A senhorita é muito amargurada, quanto ódio guarda dentro de si.
— É tão óbvio assim? — Georgina perguntou sinceramente.
— Seu destino é muito interessante, não costumo abrir cartas, mas... Nossa, faz tempo que não vejo algo assim — ela mostrou as gravuras para Georgina, que não entendia nada. — Há uma pessoa que você pode confiar, uma menina doce e jovem, ela tem um bom coração e terá as respostas que você anseia — La Bruxa mostrou outra carta. — Alguém lhe fará muito mal, precisa ter cuidado com uma mulher de vermelho. E se você continuar a trilhar esse caminho sombrio, vai partir o coração de um homem. Vejo ele como uma figura de autoridade e embora a senhorita esteja presa em algum laço de matrimônio, o qual talvez se concretize, seu destino sempre estará interligado com o de um homem confuso. Seu primeiro amor, não é mesmo?
— Se a senhora não é uma charlatã e de fato consegue me ver, sabe que estou aqui em busca de arsênico — falou diretamente, incomodada com as previsões futurísticas de La Bruxa.
— Está vendo essa carta? — a senhora colocou na mão de Georgina e a ignorou. — A senhorita tem dinheiro, segundo ela. Não consigo saber todas as informações necessárias, não é assim que funciona. Só consigo ver seu futuro baseado em quem você é agora. — contou ela, retirando mais uma carta. — Não sei qual o seu objetivo aqui, no entanto, quem a senhorita procura é um homem.
— Um homem? — Georgina pegou a carta com as próprias mãos, não acreditava naquelas coisas, mas La Bruxa parecia séria. — Eu lhe pago o que precisar, apenas me diga quem mandou matar meu irmão. Ele foi assassinado, não?
— Pergunta errada — La Bruxa suspirou e retirou mais cartas. — Todas as respostas dizem que isso a consumirá, que se seguir o caminho da vingança, não vai poder voltar — ela levantou os olhos. — A senhorita se refere ao assassinato de seu pai ou de seu irmão? Vejo culpa por um dos dois, que a consome.
— Meu irmão, é por isso que estou aqui — Georgina começou a tremer, estava em choque. A cartomante era realmente boa. — Lhe darei todo dinheiro necessário se me disser quem comprou arsênico para matá-lo.
— Há pessoas muito cruéis na sua família, que lhe fizeram pensar em desistir de viver, a humilharam de tantas formas que me enoja — a senhora parecia realmente indignada com as cartas, ignorando Georgina novamente. — Eu costumo ajudar todos os que querem se vingar ou assustar alguém, senhorita, mas isso vai destruí-la além da conta. Essa vingança vai lhe custar muito. Até mesmo uma menina doce que quer lhe ajudar sairá prejudicada, tendo que traçar o caminho que ela mais detesta. — La Bruxa retirou mais uma carta. — Não costumo me envolver ou opinar tanto, mas ver o quanto você sofreu... Irmãs, madrasta... Ah, essa última tem um segredo e tanto, talvez esse segredo lhe ajude de alguma forma. Coitada, acho que a vida dela foi mais miserável que a sua. Muito mais, na verdade.
— É sobre meu tio, o caso deles?
— Não exatamente, é sobre o passado dela, você descobrirá as mentiras dela se for atenta. Confie na garota, doce inocente, bonita, ela vai lhe guiar para as respostas que precisa, muito ousada também. Que força da natureza é essa garotinha — Sophie, Georgina percebeu. — Não consigo ver mais do que isso, exceto se a senhorita me trouxer toda sua família e suspeitos aqui. Só consigo ver o que afeta você.
— Apenas me diga para quem vendeu o arsênico que matou Bellamy Bunwell, qualquer característica que possa ver sobre o assassino — Georgina tirou um saco recheado de moedas, muito ouro e o colocou sobre a mesa. — Não me importo com o que a vingança fará comigo, contanto que eu faça justiça por meu irmão.
— Eu ouvi esse nome, de um menino bastante desconfiado — comentou ela, tentando se lembrar. — Eu nunca venderia nenhum dado sobre meus clientes, mas sua história é a mais intrigante que já vi nas últimas semanas e as pessoas que a cercam me incomodam profundamente.
Georgina riu, incrédula em ver que seu sofrimento em vida e agonia poderiam fazer uma cartomante ter empatia o suficiente para tentar ajudá-la, sem que ela precisasse suborná-la ou ameaçá-la. La Bruxa estava com pena da vida miserável da garota, das irmãs que a fizeram sofrer, da madrasta que a desprezava, da tia que não se importava com seu terrível noivado, do primeiro amor que a humilhara, da acusação de que ela havia matado sua mãe no parto... Talvez até do fato de que acidentalmente tinha matado seu pai e agora seu irmão estava morto. Ela estava tão destruída, que a senhora que ajudava assassinar pessoas estava com pena.
— Sommerset — falou Georgina, finalmente sentindo liberdade de poder tirar a máscara que carregava consigo. — Suspeito que o duque de Somerset tenha matado meu irmão, foi sua única desavença.
— Tudo o que consigo ver sobre seu irmão é um ciclo interrompido muito cedo. Mas de fato... tenho certeza que alguém dessa família me visitou essa semana — disse a cartomante tirando mais uma carta. Depois da morte de Bellamy, observou a loura. — Garoto jovem, alto e muito bonito. Ele veio aqui em nome da garota que você deve confiar. O menino faria qualquer coisa por ela, embora a bobinha não perceba. Ele estava desconfiado que seu pai havia matado alguém, mas não conseguiu obter respostas minhas. Foi o primeiro homem que atendi e somente porque ele parecia íntegro.
Henry e Sophie sabiam de tudo. Georgina quase caiu da cadeira, ela que lhe enviará as mensagens de aviso sobre o irmão, o arsênico. Sua irmã sabia do assassinato esse tempo todo, enquanto fingia inocência e andava com o filho do assassino. Como poderia confiar em sua irmã mais nova, quando ela fazia enigmas sobre algo tão sério e a enganava dessa forma? Acabaria com a vida dela também se necessário.
— Você não vai me responder se foi o duque Sommerset, não é mesmo? — indagou Georgina, chorando de ódio. Na verdade, ela já havia lhe ajudado muito. A loura estava tonta com tantas informações, coisas que deveria cuidar e ter atenção. — Se não foi ele, foi alguém da minha família?
La Bruxa suspirou, Georgina pegou o resto de todas as moedas que carregava, ouro, joias e colocou sobre a mesa. A cartomante arregalou os olhos e finalmente pareceu ceder.
— Duque Sommerset queria sim matar seu irmão, mas não só ele. Há um homem perto da senhorita que é muito perigoso. Conseguirá suas respostas com quem lhe mandou até mim. Se observar os detalhes, características... Vai conseguir chegar perto da verdade que busca. Nossa, nunca vi nada tão intrigante quanto sua vida — La Bruxa pegou uma poção, na verdade, pó de arsênico e entregou para Georgina. — Se o ódio lhe vencer garota, você estará perdida, mas espero que faça com que cada um que lhe fez sofrer, se arrependa amargamente — La Bruxa sorriu. — Cuidado com a dama de vermelho, descubra o passado que sua madrasta tenta esconder, confie na jovem obstinada loura como você e tente não magoar tanto o aristocrata lá fora, ele é melhor do que parece. Não sei o que ele lhe fez, mas não há como fugir de um destino já traçado... Se a senhorita continuar com essa ideia estúpida de magoá-lo, estará descontando suas frustrações na pessoa errada e essa será a coisa que mais se arrependerá em toda sua vida, nunca vai conseguir se perdoar. Nunca mesmo.
— Como a senhora...
— A carta do amor e da autoridade. Amor antigo e um homem de dinheiro — La Bruxa indicou a porta para ela. — Está na hora de ir e alcançar seu destino. Independentemente do que escolha, seu caminho não será fácil. Saiba que nunca ajudei ninguém dessa forma. Espero que eu não tenha vendido o que matou seu irmão. Vá em paz, menina.
— Obrigada — ela disse sinceramente, secando as lágrimas e se levantando. — Nunca vou me esquecer de sua ajuda.
Um pouco desnorteada, Georgina colocou o arsênico em um bolso interno de sua anágua e saiu do navio. Andou pelo porto, sem ter sentido de direção, completamente imersa em pensamentos e cheia de raiva. Esperava encontrar uma velha cruel e havia encontrado alguém que tivera pena dela. Georgina acreditava muito em Deus, então sabia que La Bruxa seria seu oposto. Nunca havia acreditado em charlatanismo antes, mas tudo o que ela havia falado fazia sentido.
Queria odiar sua irmã por mentir, por fazer as coisas por suas costas... Mas pelas palavras da cartomante, deveria confiar nela e Sophie era a única que lhe ajudaria a encontrar as respostas necessárias. Precisava encontrar a loura e esclarecer a situação. Investigar sua madrasta, cuidar com uma mulher de vermelho e ter atenção com um homem perigoso. Quase se desequilibrou enquanto andava sem rumo, até alguém segurá-la.
— Você saiu correndo de lá, quase a perdi — comentou o duque, com a mão no braço dela. — A senhorita está bem? O que aconteceu?
— Vamos falar quando chegarmos no Castelo de Arundel — comentou ela, tentando recompor seu autocontrole. Louis a olhava como se realmente estivesse preocupado. — O quanto posso confiar no senhor?
— Eu também não sei se confio em mim — contou ele, a guiando entre as ruas para onde a carruagem estava. — Mas se eu estiver sóbrio, pode confiar.
Georgina assentiu e continuou andando, segurando o braço dele sem perceber, tentando recobrar os sentidos. Um aperto insuportável em seu peito a incomodava desde que deixara o navio. O luto a atingira, pois embora suspeitasse do assassinato de seu irmão, havia uma parte sua que havia desejado que Louis estivesse certo, que ela fosse louca por levantar tal hipótese. Odiou mais do que tudo o fato de estar certa e desejou matar quem fizera aquilo, mesmo que isso a destruísse.
— Me desculpe — Louis falou, a tirando de seus devaneios. — Eu deveria ter percebido antes sobre sua dor e me importado mais. Mas estava ocupado demais bebendo e tentando superar o que aconteceu na Noruega e a morte de seu irmão.
— O que aconteceu? — perguntou a loura, preocupada. Precisava mandar uma carta para a irmã do duque, mas não sabia o que dizer. Georgina não sabia se existiam palavras capazes de reconfortar uma mãe que perdera um bebê.
— Madeleine perdeu muito sangue e desmaiou durante o parto, Karl não estava lá, pois o irmão havia falecido e ele havia ido consolar sua mãe. Era uma menina, Lily — contou ele, lembrando da cena. — Ela pereceu nos meus braços e eu nunca me senti tão desesperado e inútil, com minha irmã sangrando sem parar, achei que ambas haviam morrido. Eu quis morrer também, fiquei em choque. Ainda sinto o sangue em mim, vejo e ouço os gritos de Madeleine quando vou dormir e tenho pesadelos com esse dia, quase sempre acordo sem conseguir respirar.
Louis estava sincero em cada palavra, pois queria que Georgina fizesse o mesmo, que lhe contasse sobre o ódio que carregava em seu olhar e o quão destruída estava. Temia que ela estivesse mais do que ele. Precisava ajudá-la como a dama havia o ajudado, relembrando-o da arte.
— Sinto muito por isso, de verdade — falou a loura. — E não consigo imaginar o seu desespero e a dor de uma mãe que perdeu a filha. Quando tudo isso passar, vou visitá-la.
— Minha irmã é alguém que desafia as leis da natureza, vai ficar bem e reerguer Karl junto — garantiu Louis. — Gostaria que ela estivesse aqui, provavelmente concordaria com sua ideia de visitar La Bruxa.
— Na verdade, julgo que sua irmã já teria descoberto o que realmente aconteceu — comentou, sorrindo levemente. — Se me permite dizer, ela teria dado um chute inesquecível no senhor para que parasse de beber e teria feito história em Londres no velório de Bellamy, quando minha madrasta tentou me desafiar. Ela e Sophie seriam uma dupla e tanto.
— Se Madeleine estivesse aqui, sua madrasta teria chorado e implorado por seu perdão após desrespeitá-la daquela forma — ele completou e ambos riram, parando de caminhar e gargalhando. — Ela acharia que somos loucos se nos visse aqui, no meio do subúrbio, visitando uma mulher chamada La Bruxa e discutindo como casados em um bar.
— Certamente nos enviaria para um exorcismo — completou Georgina, sorrindo. Sua risada era doce e carregada de saudade.
Louis parou por um instante, hipnotizado pelo som que ela fazia ao rir. Nunca havia visto como ela era por detrás da máscara de dama. Era falante e até mesmo tinha um bom senso de humor. Quase o lembrava de Madame Peu.
— Até mesmo Karl estaria jogando sal em nós dois se nos visse hoje — completou ele.
Com isso, Georgina olhou para ele e riu genuinamente, colocando a mão na frente de seu rosto para disfarçar. E Louis paralisou novamente. Por um instante, só conseguia ver o sorriso dela. Havia se perguntado por tanto tempo quem ela era por trás da máscara que usava para disfarçar seu sofrimento e ódio, que nunca havia imaginado o quão linda Georgina poderia ser sorrindo. O som de sua risada, tão doce e agradável, era algo que ele queria ouvir mais vezes. Sem pensar, o duque segurou a mão dela e a moveu, para ver mais claramente seu sorriso.
— Você deveria sorrir mais vezes. Sorrir de verdade — comentou ele, sabendo exatamente o que pintaria ao chegar em casa. Desenharia o rosto dela naquele momento. — O seu sorriso é magnífico, mon chéri. Eu ficaria sóbrio todos os dias para poder apreciar o som de sua risada.
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