Querido Theo de 16 anos,

Já reparou em como algumas pessoas exercem mais influência em uma decisão coletiva do que as outras? Já reparou que existem pessoas que por mais que fassam coisas erradas nunca são julgadas?

O exemplo que conheço para isso é o grupo dos Macho Alpha.

Quem são os machos alpha?

Maicon, Abel, Augustus, Mikael, Alexander e Ivan. E com eles, sentam-se todos os meninos na mesma mesa na hora do recreio, inclusive eu.

Você presencia mais situações desse tipo do que eu. Mas esse lance do poder que eles tem está relacionado também com o modo como eles se veem.

Uma pessoa que tem esse poder de influência vê suas ações como certas, pois os outros as seguem. E um dia foi feita uma pesquisa sobre a forma como os estudantes se portam durante a aula. E havia uma pergunta que dizia:

Já fez bullying com alguém só por que um amigo fazia?

Eu me pergunto se os Macho Alpha tiveram a coragem de marcar sim. Todo mundo sabe que bullying não é algo legal, e quem faz bullying sabe disso. Mas quem faz bullying vê suas ações como brincadeiras e diversão. Essas pessoas nunca percebem que é bullying o que elas fazem.

Eu sofri bullying quando Axel possivelmente me isolava, quando Mikael chegou em mim e falou que eu estava cheiroso como se fosse novidade e a cada vez que eu era visto como um estranho porque eu tenho uma voz bem feia.  Isso conta como bullying? Pra mim conta.

Eu acho que não foram todas as pessoas que falavam mal de mim que responderam sim na pesquisa. E os Macho Alpha nem devem ter lembrado do que falavam. Pois pra eles não era bullying, era comentar pelas costas de um garoto estranho.

Mas você pensa, por que será que eu fiquei tão mal? Hoje você tem Catarina, Leta e Maria. Naquela época eu não tinha ninguém. Tinha amizades superficiais e estava criando uma amizade com Rosa e Triz.

Isso me fazia pensar que eu era esquisito demais pra ter amigos. Mas eu não queria ficar sozinho. Então sempre estava junto daqueles que falavam mal de mim.

Mas eles não tinham repulsa de você?

Alguns sim. Outros só falavam coisas ruins mesmo. Mas mesmo os que não gostavam de mim não demonstravam. Eram falsos? Parece que sim. David era falso. Foi quem mais falou de mim. Ele chegava com outros alunos e pedia pra eles respirarem perto de mim.

Pode ser cruel, mas fiquei feliz quando David tomou bomba. Porque com o tempo os Macho Alpha iam parando. Os comentários que persistiram foram sobre minha voz, coisa que descobri só mais tarde.

Essa é a última carta exclusiva sobre bullying. Mas só duas cartas sobre bullying? Meus treze anos foram tristes, mas também tive meus momentos bons.

Quando minha mãe descobriu, ela ameaçou vir, e David parece ter descoberto, durante uma atividade avaliativa em grupo de 6, ele me perguntou se ela viria. Eu disse que não. Mas eu disse na cara dele que eu sei sim o que os outros falam de mim, e que se ele não parasse, ela poderia sim vir até aqui. Ele parece ter ficado assustado. Porque depois dessa ameaça, ele parou. Tudo parou.

Nesse grupo estava uma menina. Manu. Ela é amiga dos Macho Alpha. É do tipo de pessoa justa e ética. Mas parece que ela também falava um pouco mal do garoto esquisito de voz estranha. Não sei se ela contou a eles o que ela viu, mas é provável.

Nessa época eu fui chamado na enfermaria. Um professor relatou o que houve e a enfermeira me deu dicas para acabar com o mal cheiro. Passei a levar desodorante e em alguns dias alguns lenços para limpar o suor.

Hoje você não tem mais problemas com suadeira, mas com o pouco que eu andava, eu suava feito um porco. Com o tempo isso diminuiu e eu achei um atalho pra escola.

E com o tempo todo o meu problema com bullying parou.

É claro que não impedia de que ainda julgassem a minha voz estranha.

Mas, Theo, você realmente ficou muito abalado por causa disso? Taca o fodasse pra eles, arrume alguma amizade que te dê suporte, não ligue pro que falam, se cuide mais e não fique triste por causa de gente como David.

Eu não conseguia fazer isso. É nessas horas que todos os meus problemas se juntaram.

Em casa meus pais se separaram, eu me via como uma causa da separação.

Na escola pública, eu era o melhor aluno. Aqui eu estava atrasado com a matéria já que as escolas particulares são mais adiantadas, o que me fez ter notas ruins pela primeira vez na vida.

A descoberta da minha sexualidade. Minha atração por homens não podia ter escolhido uma hora pior para se revelar. Eu não conseguia me aceitar.

Some esses três fatores a tudo o que as outras pessoas falam de você. Some isso aos julgamentos que você recebe. E você verá que o que eu sentia não era exagero, era uma mistura de fatores.

Mas com o tempo eu fui melhorando. No meio do ano o bullying estava parando, no terceiro bimestre eu já estava recuperando as minhas notas, e no fim do ano eu comecei a parar de negar aquilo que eu sou e fui buscar compreender o que eu sentia.

Mas até tudo parar e minha vida se reorganizar, demorou o oitavo ano inteiro. O oitavo ano foi um inferno pra mim. Mas quando a minha vida se normalizou, e o nono ano começou, o nono ano se tornou o melhor ano de nossas vida, da vida do recém chegado Theo de 14 anos.

Se eu pudesse descrever a época mais feliz de nossa vida, do sétimo até agora, eu faria esse ranking.

1° - 14 anos
2° - 15 anos
3° - 16 anos
4° - 12 anos
5° - 13 anos

Entre todos nós, eu sou o mais infeliz. Você é aquele que tem um caminho todo pela frente, no dia em que você tiver 18 anos, você vai reler isso, vai lembrar de tudo o que sofreu, e vai ver tudo o que você aguentou e perceber, que tudo o que não te mata te fortalece.

Seja forte e lute por nós,

Ass: Theo de 13 anos