Capítulo 1: Lucy
De todos os passageiros que Roberto teve durante seu tempo como Uber, esse era o mais estranho: sua pele era vermelha, seus olhos eram amarelos e estava usando um terno cinza, daquele tipo que precisa vender um órgão para comprar.
Mais bizarro que a sua pele, era o enorme par de chifres afiados na sua testa e um rabo comprido que, vez ou outra, balançava e riscava o vidro da porta de trás.
Uma pessoa normal ficaria aterrorizada com a cena, mas Roberto não era normal, sabe-se lá o que ele viu durante sua vida de motorista.
Quando era jovem, foi caminhoneiro, igual ao seu pai e seu avô, assim que tirou a sua habilitação, subiu num velho caminhão e foi fazendo serviços pelo Brasil, vivendo cada tipo de experiência.
Ele mesmo, afirma ter dado carona para um homem que havia sido decapitado.
Como isso? Simples, o corpo do homem estirado no chão e recém descabeçado se levantou, pegou a cabeça e foi para a beira da estrada, onde ficou pedindo carona com o polegar para qualquer veículo que passava na rua. Quando perguntam a Roberto porque diabos ele deu carona a um homem sem cabeça, ele afirma que só percebeu que o homem não tinha cabeça quando abriu a porta do caminhão, porque o homem, ao subir, jogou a cabeça no banco. Roberto, assim que viu o corpo sem cabeça sentando ao seu lado, ficou com vergonha de dizer que não iria dar carona pra ele, afinal, ele só dava carona para pessoas com cabeça, mas decidiu não falar porque tanto o corpo quanto a cabeça eram negros e tinha medo de soar preconceituoso.
Roberto ainda afirma que deixou o homem e sua cabeça na fronteira do estado de Morunhá, o vigésimo sétimo estado brasileiro. E caso alguém fale para Roberto que esse estado não existe, pode ir se preparando para uma aula de geografia tão convincente que, além da pessoa acreditar completamente na existência de Morunhá, ainda vai sentir vontade de ir pra lá passar as férias com a família.
Essa foi apenas uma das várias histórias de Roberto como caminhoneiro, outra história, que ele também costuma contar com frequência, é sobre quando teve um caso amoroso com uma mulher que nasceu com apenas um seio.
Por incrível que pareça, essa história é mais difícil de acreditar do que a do homem sem cabeça e o estado de Morunhá.
Quando estava chegando aos 30 anos, Roberto decidiu mudar de carreira, virou taxista no Rio de Janeiro. Apesar de adorar ser caminhoneiro, ele decidiu trabalhar na cidade para ficar mais perto de sua mãe, que ficou sozinha depois que seu marido, o pai de Roberto, faleceu.
Ser taxista não era tão lucrativo quanto ser caminhoneiro, mas era muito mais seguro, e caso alguém faça piada sobre trabalhar no Rio de Janeiro ser mais seguro do que ser caminhoneiro, Roberto irá contar uma longa e detalhada história sobre como ele conseguiu sobreviver a uma cidade nazista-canibal localizada no interior de Tocantins. Essa não é pra quem tem estômago fraco.
Depois de alguns anos sendo taxista, Roberto acabou descobrindo uma forma mais lucrativa de ganhar dinheiro como motorista. Na época, a Uber tinha acabado de chegar no Brasil e estava dando bons lucros para quem quisesse trabalhar para o aplicativo como motorista. Ele que não era bobo, prontamente migrou para o serviço.
Decidiu trabalhar apenas a noite, já que, viagens a noite sempre são mais longas, e consequentemente, mais lucrativas.
E foi numa dessas viagens que conheceu o estranho homem vermelho.
Seu nome no aplicativo é Lucy, e é um cliente 5 estrelas, logo, Roberto não hesitou em aceitar a corrida. Buscou o passageiro numa encruzilhada perto do centro da cidade, o engraçado é que não havia destino no GPS, mas o cliente disse que apenas precisa seguir a rota determinada.
O tal de Lucy sentou no banco de trás, e parecia estar o tempo todo olhando para Roberto de forma tensa.
- Então...se quiser um copo com água ou uma barra de cereal, é só pedir - Roberto tentou aliviar o clima.
- Tá bom, humano - respondeu o tal Lucy.
O silêncio voltou e o homem vermelho continuou encarando Roberto.
- Algum problema?
- Não.
- Desculpa, é que você está me encarando bastante.
- Sim, estou.
Roberto já estava ficando aflito.
- Então tá né - Roberto dá um longo suspiro - Sabe me dizer se falta muito para chegarmos?
- Quando chegarmos, irei avisar.
A tensão dentro do carro começou a aumentar, o primeiro pensamento do Roberto é que ele iria ser assaltado. Ele decidiu ligar o rádio para acalmar os nervos.
Quando ligou o rádio, apenas estática podia ser ouvida, trocou de estação, ainda estática, Roberto foi passando cada estação e todas estavam assim.
Menos uma.
A estação 66.6 MHz estava funcionando perfeitamente, o problema é que a única coisa que podia ser ouvida era o som de uma criança chorando.
Obviamente, isso não acalmou Roberto, que desligou o rádio e decidiu que o silêncio ainda era menos perturbador. O homem vermelho abotoou seu terno.
- Pare aqui.
Roberto freou tão bruscamente que seus pneus ficaram carecas. O homem no banco de trás saiu do carro, abriu a porta da frente e sentou ao lado de Roberto.
O rosto de Lucy parecia mais assustador de perto, era como se tudo de ruim no mundo estivesse estampado no seu rosto. Roberto tentou manter a calma, mas a energia que saía daquele homem era maligna ao ponto de uma aura negra ser visível saindo de suas costas.
- Irei te fazer três perguntas - começou o homem - Se você responder as três corretamente, eu te deixo ir embora com uma farta gorjeta.
Roberto não falou nada. O homem continuou.
- Se você errar pelo menos uma dessas perguntas, levarei sua alma e de mais outras 65 pessoas esta noite.
O motorista acenou timidamente com a cabeça, era um sobrevivente, depois de tudo o que passou, sabia que situações assim não havia escapatória, era entrar no jogo e apostar todas as fichas. Roberto deu um longo suspiro.
- Ok, pode começar.
Lucy deu um sorriso macabro, de orelha a orelha, literalmente, mostrando suas presas afiadas.
- Tudo bem... - Lucy pensou um pouco - O que tem aparência boa, mas tem um gosto ruim como o inferno?
Roberto refletiu um pouco.
- Tacacá.
Lucy ficou surpreso com a resposta.
- Isso está...correto, eu acho.
- Próxima pergunta - Roberto se empolgou.
- Ok, ah...o que...ah...
- Diga.
- Sofro a cada dia, mas não desisto, me faz muito mal, mas não largo, quem eu sou?
- Vascaíno - respondeu Roberto na mesma hora.
Lucy se sentiu ludibriado com a resposta de Roberto.
- Você é um anjo?
- É a última pergunta?
- NÃO!!! - respondeu Lucy, com uma voz demoníaca.
- ...Ok... - Roberto se encolheu na cadeira.
Lucy pensou bastante na próxima pergunta, até que lembrou da pergunta milenar, a pergunta que a humanidade sempre se fez, mas nunca conseguiu responder. Lucy sorriu de forma nefasta.
- Já tenho a última pergunta.
- Então faça.
- A minha pergunta... - Lucy fez uma pausa dramática- ... é essa: Quem nasceu primeiro? O ovo? Ou a galinha?
Roberto levantou as sobrancelhas com a pergunta, mas logo respondeu:
- Lógico que é a galinha, desde quando ovo nasce?
Com essa resposta, Lucy ficou chocado, sem olhar para Roberto, colocou a mão no bolso do seu terno e tirou duas notas de 100 reais, jogou no colo de Roberto e, sem dizer uma palavra, saiu do carro. Ao fechar a porta, Roberto prontamente pisou no acelerador e saiu daquele lugar.
Apesar de ser uma corrida estranha, ele lucrou 200 reais.
- E a mamãe disse que eu não devia ir trabalhar hoje...
Olhando para o dinheiro no seu colo, Roberto pensou em ir para casa, já havia lucrado o suficiente pra uma noite, mas seu celular apitou, uma nova corrida estava disponível.
- Só mais uma não vai fazer mal.
Roberto aceita a corrida e segue o GPS em busca de seu novo passageiro.
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