DRAGÃO
O telefone desperta uma figura decrépita que estava dormindo. Quando digo decrépita, estou minimizando a degradação da aparência desse homem velho.
Embora ele aparente menos idade do que realmente tem, seus cabelos brancos longos, sua barba comprida e mal feita, o fazem parecer um lixo.
O homem senta na cama do seu apartamento com quarto e sala. Respira fundo e olha para o telefone que insistente em tocar.
Ele passa sua mão direita com unhas sujas, pelos cabelo brancos e lisos demorando para atender... talvez esperando que se cansem de ligar.
O velho levanta-se, caminha pelo mar verde das garrafas Heinekens que decoram o chão do apartamento.
Todas estão vazias e largadas pelo caminho até o telefone desbotado em cima do rack da televisão.
— Bom dia! Desejaria falar com Sra. Jessica. — Fala um homem com a voz repleta de cuidado.
— Quem está falando? — O sotaque de Drake é diferente, parece que está há muitos anos morando no nordeste e misturou as músicas da fala com a da sua nacionalidade européia.
— Meu nome é Charles Assunção. Sou o delegado de Ipojuca. Quem está falando?
— Meu nome é Viktor Drake. Jessica é minha esposa, mas está morta. O que você quer?
— Sr. Drake, poderia comparecer aqui na Delegacia? — A voz do homem demonstra receio.
— E por que deveria ir até aí? — Drake, pergunta já cansado da conversa. Na verdade é a voz do delegado que o enfada.
— Houve um acidente com sua filha!
— Minha filha? — Há uma repentina mudança na sua voz, mas nada muito acentuado. — Como aconteceu? — O velho pergunta secamente e continua seu interrogatório: — Haja vista para você está me ligando essa hora — Na verdade são quase onze horas da manhã. —, não deve ser boa coisa. O que você quer contar?
— Seria bom conversarmos pessoalmente! Estarei aqui lhe aguardando. — O delegado conclui mostrando que não vai continuar a conversa pelo telefone.
Drake coloca o telefone no gancho.
O elo de pai e filha lhe diz o que aconteceu.
Ele sente seu coração morto trancar de dor... Sim, o coração morto por todas as maldades que um dia fez e também por que ele se sente assim:
Morto.
Drake vai na geladeira e pega uma jarra que está escrito em seu vidro:
Suco de Tomate.
Ele coloca o suco vermelho no copo, que está muito concentrado e vai bebendo olhando para o móvel que está a sua frente, sem piscar os olhos.
Depois caminha até a escrivaninha ao lado da cama, e pega a foto dele e Morgana abraçados, que foi tirada numa época em que eram felizes.
Uma época, que ainda não havia contado toda verdade sobre sua vida, seu trabalho.
Ele levou uma vida de matança. Hoje está aposentado.
Drake cospe na pia dos pratos maldizendo esse dia de hoje, depois caminha até o banheiro e se olha no espelho e vê como está acabado fisicamente, aliás, está acabado em todos os sentidos.
Seus olhos cinzas, quase brancos olham de volta para sua cara enrugada.
E o que ele enxerga lá dentro é escuridão, depois a raiva e depois da raiva o ódio, e com a chegada do ódio... Seus olhos mudam de cor.
A cor das trevas.
Ele suspira, escova os dentes e depois olha o seu abdômen. Drake está com a barriga grande proveniente de comer carne assada e condimentada.
Ele não pode. O Médico da família já havia o proibido, há muitos anos atrás.
Mas o velho nunca cumpriu as determinações médicas, aliás Drake nunca cumpriu nada do que lhe pediram na vida. Inclusive a promessa de proteger sua filha Morgana, ele não manteve a palavra.
Drake sucumbe em baixo do chuveiro, golpeando a parede e quebrando os azulejos.
Embora esteja velho e morto por dentro, ainda é o mesmo homem determinado e perigoso que sempre foi.
O mais letal de todos.
O pior de todos.
Drake sai do chuveiro e caminha pelado até o guarda-roupa.
Escolhe uma camisa preta, parecida com a cor dos seus olhos, uma calça jeans escura e pega a chave do carro seguindo para a porta.
São sessenta e cinco quilômetros da sua casa até o município de Ipojuca.
Por volta das treze horas, Drake para no Restaurante Divina Comida. Todos os dias, há vários anos, ele almoça e ceia nesse mesmo local.
— Boa tarde bonitão! — Amélia, a garçonete, o cumprimenta dando um cardápio. — Eu sei que você vai pedir o de sempre: Carne assada bastante condimentada. Acertei?
— Boa tarde Amélia. — Drake cumprimenta Amélia de volta e vai sentando na mesa próxima à janela, no final do restaurante. — Desculpa — O velho vai respondendo a pergunta: — mas hoje vou pedir carne fresca, quase crua, com muito sangue... Sem tempero algum.
— Que mudança radical! Saiu da dieta?
— Minha filha foi assassinada. — Amélia é pega de surpresa. Não era essa a resposta que imaginava. Embora diga isso de forma fria, sua voz carrega um horrível sentimento de perda. — Estou indo conversar com o delegado do caso. — Conclui a fala olhando à moça. Amélia não sai do lugar. Drake nunca foi de conversar muito, mas por algum motivo faz esse pequeno desabafo.
— Meus sentimentos. — Fala Amélia depois de se restabelecer da notícia.— Espero que o senhor encontre os culpados.
— Obrigado. E tenho certeza que os encontrarei. — Drake fala olhando para Amélia. Seus olhos estranhamente trevosos, transmitem uma certeza que a deixa com medo. Ela tira a vista.
— Amélia! — Sr. Augusto, o gerente do restaurante a chama por dentro da porta "vai-e-vem".
— Tô indo! Sr. Drake, se precisar de mais alguma coisa basta chamar, estarei por perto. — Amélia pede licença e sai na direção da cozinha, deixando antes o pedido na banqueta.
— Amélia — Sr. Augusto começa chamando sua atenção. — você conhece a fama deste homem. Dizem que ele fazia parte de um grupo de extermínio, ou sei mas lá o que... Não dê confiança para ele.
— Ele perdeu a filha. — Fala a garçonete com um tom meloso e sentimental, mas sincero.
— Sinto por ele também — Sr. Augusto solta uma mentirinha. —, mas volte ao trabalho. O restaurante está cheio. — Completa ele mostrando as mesas que faltam serem atendidas.
O prato de carne sai como fora pedido por Drake. Ele come a carne crua e ainda raspa o prato, deixando os acompanhamentos limpos.
Não os toca.
Ele limpa a boca como um Lord, levanta-se e sai calmamente.
Depois de quase uma hora Drake chega na Delegacia de Ipojuca. No centro da cidade há duas viaturas paradas na frente dela.
Ele entra na delegacia, dá boa tarde e caminha até um escrivão.
— Boa tarde. Sou Viktor Drake. — Apresentando-se formalmente ao escrivão e também recepcionista.
— Boa tarde! Em que posso ajudá-lo? — Pergunta o agente com um palito na boca e muito educado... Depois vai ajeitando a franja que cai nos olhos.
— O Delegado Charles ligou-me.
— Um momento por favor. — O agente pega o telefone.
— Obrigado. — Drake, agradece e olha em sua volta. Parece ver através das paredes.
— Delegado, o senhor Viktor Drake encontra-se aqui na recepção. — O escrivão fala olhando para o velho, como quem procura se lembrar de onde o conhece.
— Elias o acompanhe até aqui. — Pede o delegado.
— Sr. Drake por favor, queira acompanhar-me por aqui. — Drake segue olhando tudo à sua volta. O cheiro da delegacia o incomoda.
— Obrigado Elias. — O escrivão olha para o homem de cabelos brancos, surpreso por ele ter falado o nome dele. Discretamente olha para o seu crachá, que está pendurado no bolso da calça e pensa:
"Ele escutou meu nome ou viu?"
Os dois continuam andando por um pequeno corredor, depois sobem uma escada até o primeiro piso.
Elias abre a porta onde está escrito:
Delegado Charles Assunção
Drake para na porta.
— Boa tarde Sr. Drake. — Mostrando a cadeira para ele sentar. — Por favor, entre e sente.
— Boa tarde delegado. — Drake entra como pediu o delegado.
Elias fecha a porta depois que o velho entra no escritório do delegado.
— Sr. Drake, sinto comunicar, mas sua filha foi assassinada ontem. — O delegado informa olhando para Drake que encosta-se na cadeira. Sua face sente a dor da perda. — Precisamos que o senhor reconheça o corpo. — Os olhos do velho mudam de cor, ficando vermelhos.
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