CAPÍTULO VINTE E TRÊS
2/5
(Escrevi esse capítulo ao som dessa música, super recomendo)
[💔]
Você fica destruída, no chão
Mas, ainda assim, eu te encontro aqui
Ao meu lado
- Imagine Dragons, Next to me
|Alicia A. Sanders|
Eu tenho completa consciência de que a bebida ainda vai acabar com o meu fígado um dia. Talvez ao invés de morrer de um ataque cardíaco durante o sono como eu sonho morrer quando tiver sei lá, uns cem anos, eu acabe morrendo de cirrose. Eu não duvidava.
Lá estava eu, mais uma vez, em menos de uma semana, me entupindo de tequila e vodka para tentar tirar Rafael da minha mente mais uma vez. No mesmo bar, na mesma cadeira e com o mesmo barman. Só que dessa vez eu não estava querendo conversar, eu queria apenas beber, beber tanto que no fim da noite eu saía desse bar trocando as pernas. Claro que eu, assim que cheguei no bar e pedi uma garrafa de vodka, sim, uma garrafa, mudei o número de emergência, tirei o de Richard e coloquei um número qualquer que eu inventei na hora.
Preferia ter que me virar bêbada e sozinha do que ser cuidada novamente por Ric. Eu não queria olhar na cara dele. Eu não queria olhar na cara de ninguém para falar a verdade. A única coisa que eu queria era sumir dali, ou então fazer todos os outros sumirem, para variar um pouco.
A visita repentina de Rafael e todas as emoções envolvidas em nosso breve momento bagunçaram minha mente ainda mais. E era claro que eu queria muito focar no fato de que Rafael tinha completa noção de que estava defendendo um criminoso, quebrando completamente a promessa que ele fez para uma versão minha muito mais jovem do que a atual, mas a verdade era que a única coisa que se passava em mente era o modo como ele me encarou preocupado, o jeito como suas safiras me perscrutaram por inteiro. Eu simplesmente não conseguia parar de lembrar da sensação da minha pele formigando com seu toque e queimando com a aproximação de sua respiração.
Rafael era minha kryptonita. Era, talvez, a única pessoa viva, capaz de me desarmar completamente e me tornar vulnerável. Rafael me enfraquecia e me machucava. Apenas a mera menção de seu nome, ou a simples visão dele no mesmo lugar que eu ou até mesmo por foto fazia meu coração acelerar e meus muros de proteção cederem.
Eu queria o odiar por isso.
Mas está aí mais uma coisa que Rafael tirava de mim, além de proteção emocional, confiança e indiferença, ele me tirava o poder de odiá-lo.
Eu tentava, a todo instante, fazer todo meu corpo o odiar mas era só ele aparecer e lá estava eu agindo como a mesma idiota de nove anos atrás que teve o coração partido antes da formatura.
Atualmente os únicos momentos em que eu me via livre de Rafael era quando eu estava bêbada ou trabalhando no caso do policial assassino, mas agora, depois de sua maravilhosa visitinha, até mesmo pensar sobre o caso do policial não estava mais tirando Rafael de minha mente. Na verdade só o fazia permanecer ainda mais dentro dela. Dessa forma, eu não tinha outra alternativa senão beber para tentar tirá-lo da minha mente. Mas adivinha só? Eu estava na minha terceira garrafa de vodka e ainda estava pensando nele.
Pior, estava pensando nele e fazendo analogias com histórias de super heróis.
Batman estava certo em sempre estar preparado para qualquer situação. Eu deveria ser mais como ele. Mesmo trabalhando em equipe, ele tinha um plano de contenção para qualquer um de seus colegas ou "amigos" - amigos entre aspas porque eu não consigo imaginar o Batman sendo amigo de alguém que não o Alfred. Se o Superman saísse do controle? Ele tinha a kryptonita. Se o lanterna verde se rebelasse? O deixava cego e sem os poderes do seu anel. Se o homem elástico perdesse o controle? Era só injetar nitrogênio nele e depois despedaça-lo.
Batman tinha um plano para qualquer pessoa, caso qualquer mínima coisa saísse do controle.
Mas se alguma coisa saí do controle na minha vida a única coisa que eu faço é castigar o meu fígado me enchendo de álcool até trocar as pernas.
— Eu quero mais, por favor. - peço educadamente ao barman, que me encarou reprovador assim como na última vez em que eu estive aqui. — Por que está me olhando assim? Estou te ajudando a pagar suas contas.
O barman, que eu não lembro o nome, ou talvez eu nunca soube mesmo, apenas revirou os olhos para mim e me entregou mais uma garrafa. Aproveitei a oportunidade para fechar a conta e ir embora do bar. Deixei o dinheiro sobre o balcão e saí sem me despedi. Eu tinha completa noção que se eu continuasse assim, o barman iria ligar para meu contato de emergência e Deus sabe o que ele poderia fazer caso descobrisse que eu o enganei.
O vento frio de Chicago me atingiu em cheio como se cortasse minhas bochechas a cada passo que eu dava e o céu nublado já insinuava a chuva forte que teria naquele dia. Mas eu não me importei dessa vez. E daí que iria chover? Eu estava cansada de ter medo de chuvas. E de trovões. E de raios. E daí se parecia que o mundo acabaria toda a vez que um raio cortava o céu? Eu realmente não conseguia ver motivo nenhum para me preocupar com o fim do mundo agora. Talvez fosse até melhor se o mundo acabasse também.
A Terra já estava precisando de um fim. Os humanos tinham acabado com ela. Tínhamos sujado suas águas, cortado suas árvores, matado seus animais, poluído seu ar e ocupado cada pequeno pedaço de seu território como se fossemos seus malditos donos. Se a Terra fosse uma pessoa e a relação dela com os humanos fosse um relacionamento amoroso, eu diria para ela denunciar o namorado dela e terminar esse relacionamento abusivo antes que ela fosse mais uma mulher morta.
Do que eu estava falando afinal de contas? Todas essas analogias sobre kryptonitas, Batmans e Terra me deixaram completamente perdida.
Só parei de andar quando cheguei em frente ao meu prédio, para minha sorte o bar não era longe de minha casa e eu ainda não estava trocando as pernas. Mesmo assim, mesmo sabendo que eu não correria o risco de tropeçar em meus próprios pés e rolar escada abaixo antes de conseguir chegar em meu andar, eu permaneci parada, encarando o prédio que eu morava do outro lado da rua.
Não queria ir para casa. O clima em meu apartamento não estava bom já que eu ainda não tinha tido coragem de conversar com Teresa. Eu já tinha a perdoado, claro, mas ainda estava ressentida por ela ter escondido algo tão importante. Além do mais, eu não tinha paciência para conversar com Teresa no momento. Não tinha paciência nem mesmo para enfrentar a mim mesma, que dirá minha melhor amiga? Está bem, eu não estava ressentida, estava apenas... com medo? Isso. Com medo. Teresa me conhecia melhor do que qualquer outra pessoa, éramos amigas fazia tanto tempo que ela já conseguia reconhecer qualquer rastro de emoção ou sentimento em mim e eu não estava preparada para revelar meus sentimentos atuais para Teresa. Não quando não tinha revelado nem para mim mesma.
O prédio de quatro andares não era assim tão grande ou tão moderno e novo como os outros prédios do bairro. Ele tinha metade do tamanho que os outros tinham e parecia uma formiga em comparação aos mais novos prédios construídos na vizinhança. Uma formiga amarela que chamava a atenção de qualquer um que passasse por ali.
Eu sempre tive medo de formigas. Elas estavam sempre andando em bando e eu sempre achei que se matasse alguma todas as outras viriam me atacar e acabariam me matando de tantas mordidas.
Parando para pensar, eu sempre tive medo de coisas estúpidas.
Tinha medo de chuvas, de raios, de trovões, de formigas, de insetos voadores, de lagartas, de relacionamentos, de safiras.
Aí estava outro motivo para eu não ir para casa.
A presença Rafael já tinha se tornado sufocante. Eu não conseguia dormir, pensando nele na casa ao lado, com apenas uma parede nos separando. Eu não conseguia lidar com isso. Era sufocante, agonizante, o modo como ele ficava em minha mente durante todo o dia e ainda continuava rondando meus pensamentos por toda a madrugada. Eu não conseguia respirar. E no fim sempre acabava assistindo o nascer do sol no terraço.
Olhei para a janela do quarto andar. Não era a janela do apartamento dele, era do meu, a janela do apartamento dele devia ficar nos fundos do prédio, mas mesmo assim eu imaginei ele por trás daquelas cortinas. Imaginei ele chegando do trabalho depois de uma tarde exaustiva, o imaginei tirando a camisa e indo para o banho. Lavando o cabelo como se tentasse lavar sua própria alma e após fracassar eu o assistia suspirar e ir para cama, encarando o teto branco de seu quarto até amanhecer.
"—Por que você me beijou, Rafael?
— Porque eu sentia falta. Eu sentia falta de você, tá legal? Eu sentia falta de seus beijos, de seu gosto. Sentia falta de te ter em meus braços, de te abraçar, de perder o fôlego com você. Eu sentia falta, Alicia. Eu sinto falta."
Eu acredito nas palavras dele. Acredito que ele realmente tenha sentido minha falta, principalmente porque, de um jeito irônico já que eu tinha me esquecido dele por um tempo, eu também sentia falta dele.
Rafael fora meu amigo antes de virar meu namorado. Ele estava comigo em todos os momentos difíceis naquele ano e não foram poucos. Eu sentia falta dele me abraçando, me confortando, tanto quanto sentia falta de seus beijos, de seu cheiro, de seu corpo.
Caramba, eu sentia falta até mesmo de sua voz.
A primeira semana longe dele após o termino foram um dos piores dias de minha vida. A ausência dele foi algo palpável.
Ainda era.
Será mesmo que se eu tivesse ficado para escuta-lo naquele dia, as coisas teriam sido diferentes? Talvez nunca chegassem ao ponto que chegou.
Um arrepio percorre meu corpo e embrulha minha barriga quando eu o vejo chegar ao prédio e sumir porta a dentro. Ele não tinha carro por isso veio caminhando, encolhido dentro de seu sobretudo como se sentisse frio.
Me sentei na calçada. Não queria entrar e me sentir sufocada pela presença dele novamente. Se fosse para pensar sobre Rafael, o que eu iria fazer de qualquer maneira, era melhor que fosse sentada na calçada, ao relento, agarrada a uma garrafa, agora quase vazia, de vodka barata.
Estava encarando a porta do prédio e pensando em como eu queria mais uma garrafa de vodka quando Rafael saiu do prédio. Nossos olhares se encontraram quase de imediato e eu dei um longo gole na bebida porque não sabia o que fazer.
Metros nos separavam, uma rua inteira, uma rua de duas vias e calçadas largas nos separavam e mesmo assim ele me encarava como se apenas poucos centímetros nos separassem.
A verdade era que eu ainda sentia por Rafael as mesmas exatas coisas que sentia nove atrás. Ainda suava perto dele, ainda tremia quando trocávamos olhares, ainda sentia minha boca seca quando ele me analisava, ainda sentia meu estômago cheio de borboletas quando o via, ainda não conseguia tirá-lo da minha mente... Era uma sensação de imponência tão grande quando eu percebia que ainda o amava do mesmo que o amava quando tinha dezessete anos.
Era isso. Eu amava Rafael Hugh Carter. O amava com cada célula de meu ser. E o odiava por isso.
Eu o odiava por me fazer ama-lo.
Ele partiu meu coração. Ele terminou comigo. Eu não deveria amar alguém que me machucou tanto.
E mesmo assim.
Cá estava eu, sentada em uma calçada em frente ao prédio onde eu morava, sentindo o vento de Chicago tentar me congelar, abraçada a uma garrafa vazia de vodka, e sentindo meu coração bater mais forte a cada passo que Rafael dava em minha direção. Porque eu o amava. E o odiava por isso.
Com menos de cinco passos nos separando eu me levantei e subi na calçada em uma ilusão perfeita de ficar com a mesma altura que ele.
— O que faz aqui fora? - ele pergunta, o clima estava tão frio que assim que ele abriu a boca, a fumaça típica daquela estação saiu de sua boca e logo se dissipou.
Engulo em seco antes de levantar a garrafa de vodka que eu ainda separa e sorrir forçadamente.
— Teresa não gosta que eu beba em casa.
Era mentira, Teresa não gostava que eu bebesse em qualquer lugar que fosse.
— Ainda é apaixonada pela vodka? - não, ainda sou apaixonada por você.
— Uma paixão que sempre se mostra platônica quando eu acordo no dia seguinte. - tento sorrir novamente mas não consigo.
Parece que a cota de sorrisos falsos já acabou por hoje.
— Você devia entrar, vai começar a chover.
Quase como uma ironia perfeita as gotas começaram a cair em nós dois assim que ele acabou de falar.
— Não quero entrar.
— Vai se resfriar.
— Não ligo.
— Vamos, Alicia. Sabe que eu tenho medo.
— Não. - Ele me encara surpreso pela rispidez. — Não é você que tem medo de chuva, sou eu.
Era a primeira vez que admitia meu medo. Talvez a vodka tivesse me dado a coragem de admitir tudo o que eu nunca tive coragem.
— Eu...
— Por que está aqui?
— Eu perguntei primeiro.
— E eu te respondi. Agora é sua vez, por que está aqui? Você estava lá dentro, por que ao invés de ir para casa, você voltou?
— Eu não sei.
— Por que se importa comigo, Rafael?
Silêncio. Nem mesmo seus olhos estavam mais em mim.
— Eu te deixei sozinho. Eu troquei o número, o e-mail e te afastei de minha vida sem lhe dar chances para se explicar. Por que ainda se importa comigo?
— Não sei.
— Por que terminou comigo?
Mais uma resposta em forma de silêncio.
— Por que voltou para Chicago? - meu tom de voz aumentou sem que eu percebesse mas eu também não ligava mais. Eu não me importava se começasse a gritar ali. Eu estou com gritos entalados em minha garganta a tanto tempo que já se tornou um incômodo insuportável. — Por que não foi para qualquer outro lugar do mundo com sua nota em Stanford? Por que você teve que voltar?
Rafael não me respondeu, e ao invés de recuar eu fiz o contrário. Eu me aproximei dele e o segurei pelo seu queixo o obrigando a olhar para mim.
— POR QUÊ?
— Alicia, vamos sair daqui, vamos entrar, nos acalmar, você está bêbada.
Eu o ignorei. A raiva latende era a única coisa que eu conseguia pensar do momento.
— EU ODEIO VOCÊ. - Gritei.
O mais alto que pude. O mais forte que pude. Com toda a raiva que existia dentro de mim. Eu sentia minha garganta arder e meus olhos lacrimejarem enquanto assistia os próprios olhos dele lacrimejarem.
— EU ODEIO VOCÊ. ODEIO VOCÊ. VOCÊ DEVERIA TER CONTINUADO EM STANFORD. NUNCA DEVERIA TER SAÍDO DE LÁ. - A cada palavra dita, um murro era dado nele.
Eu socava seu ombro, seu peito, seu braço, sua barriga e Rafael apenas deixava. Como se ele merecesse todos aqueles murros. Mas ele não merecia. Ele não merecia murro nenhum.
Eu merecia. E o fato dele não reagir apenas me fez ter ainda mais raiva dele.
— POR QUE NÃO FICOU EM STANFORD? POR QUE NÃO FICOU LONGE DE MIM? EU ODEIO VOCÊ.
Vamos lá, alguma reação, qualquer reação.
Nada. Ele não fez absolutamente nada.
A essa altura do campeonato a chuva já caía com força sobre nós e pela primeira vez na vida, eu não senti medo dela. Porque eu tinha coisas mais importantes para me importar, como o fato de eu amar uma pessoa e mesmo assim gritar que eu o odiava enquanto implorava para ele reagir e ele não reagia.
— PORQUE TERMINOU COMIGO?
As lágrimas tanto no meu rosto, quanto no rosto dele se misturavam com a chuva mais ainda dava para perceber que estavam ali. Eu queria tantas respostas. Esperava por tantas reações. E mesmo assim não recebia nada. Eu não tinha nada.
Meus joelhos fraquejaram quando eu cansei e eu quase fui ao chão se Rafael não me segurasse. Ele me envolveu com seus braços fortes e me abraçou mesmo após eu o socar inúmeras vezes.
Deus, como eu queria o odiar.
— Eu odeio você. - sussurrei, ao pé de seu ouvido e senti ele me apertar com mais força antes de me soltar e olhar nos meus olhos. — Porque você voltou?
— Eu nunca estivesse fora, Alicia. - ele finalmente respondeu e saiu logo em seguida. Me dando as costas e me deixando naquela chuva. Do mesmo jeito que eu tinha o deixado nove anos atrás.
E então eu fiquei sozinha. Sozinha, confusa e encharcada.
Sem nenhuma resposta. E com mais perguntas do que tinha antes.
[💔]
Imagine Dragons acaba comigo, mas esse capítulo? Acaba muito mais, é o segundo pior.
E aí, meus linds? Como vocês estão?
Amanhã tem mais, esperem por mim.
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