CAPÍTULO DOIS
|Alicia A. Sanders|
Como moradora do Edifício das Flores por oito anos, eu sabia que não era seguro eu entrar naquele elevador, mas, ou era isso, ou eu dormia em pé na escadaria que me separa do quarto andar.
Eu saí do prédio da redação quando os ponteiros do relógio se encontraram no doze e dormi no Uber a caminho daqui de maneira tão pesada que o motorista teve que buzinar para conseguir me acordar, o que preciso admitir foi bem vergonhoso. Todo esse sono tinha uma justificativa, na noite anterior eu só consegui dormir por três horas antes da minha gata me acordar e eu não conseguir mais dormir.
Ter sono leve e não conseguir dormir depois de acordar sem querer é a pior coisa do mundo, algo que não desejo nem ao meu pior inimigo, caso eu tivesse um.
Aperto mais uma vez o botão do elevador como se isso pudesse fazê-lo chegar mais rápido e toda essa demora me faz pensar que essa é a forma do destino me dizer para usar as escadas e não entrar nessa caixa de metal, porém, a cada piscada de olho eu sinto como se o sono estivesse me nocauteando e isso não é muito encorajador quando você tem vários lances de escada para enfrentar.
Percebo quando alguém para ao meu lado esperando pelo elevador assim com eu e me pergunto quem poderia ser esse louco que brinca com a sorte. Queria me virar para vê-lo, e talvez parabeniza-lo pela coragem, mas a porta do elevador se abre e eu foco em ir até um dos cantos da caixa para encostar minhas costas na parede gelada e apoiar minha cabeça na parede do lado, fechando os olhos por um instante e imaginando minha cama. Sinto o cabelo que se soltou do elástico com o qual eu tinha os prendido anteriormente cair sobre meu rosto e eu nem quero pensar em quão acabada eu aparento estar. Quase me esqueço de apertar o botão do meu andar e com a preguiça que eu sinto de sair do meu canto e apertar o botão apenas peço para quem estiver comigo apertar o botão 4. Não sei se apertou mas também não me mexo para conferir.
Sinto que se eu me mexer demais o sono me abandonará e eu terei que passar mais uma madrugada lendo Julia Quinn, não que seja ruim, amo qualquer coisa que aquela mulher escreva, mas é só que, entre uma noite bem dormida e a leitura de um livro de Julia, eu sem dúvidas escolheria uma noite bem dormida para poder ler seus livros no dia seguinte.
Estava quase cochilando em pé quando o elevador sacudiu, ou tremeu, ou sei lá como determinar esse tranco que ele costuma dar antes de parar de trabalhar.
O universo não escutou minhas preces. De novo.
— Que merda foi essa? - escuto uma voz assustada ao meu lado e suspiro percebendo que não teria a menor chance de eu dormir hoje.
Prendo meus cabelos que tentavam fazer em mim um cosplay da garota do poço, que eu esqueci o nome agora, assim como esqueci de qual filme ela era, e me volto pro cara que só podia ser novo no prédio para não ter conhecimento da séria mania que o elevador tinha de nos deixar na mão sempre que precisávamos dele.
O universo resolveu que hoje era o dia de brincar com a minha cara, não é possível!
— Você? Está me perseguindo, garota? - o engravatado perguntou, quase gritando, enquanto tentava sem sucesso desafrouxar a gravata.
Ele suava estranhamente, como se estivesse em uma sauna e não em elevador.
— Já atingi a minha cota de perseguição hoje, meu jovem. Não se superestime tanto, quem me importa é seu cliente, não você. - a forma como eu digo é tão entediada que ele fica sem ação por exatos cinco segundos, antes de voltar a ficar agitado.
— Então o que diabos você está fazendo aqui? E o que aconteceu com esse elevador? - ele inquiriu nervoso, enquanto eu percebia seu peito subir e descer rápido demais.
— Eu que deveria perguntar o que você está fazendo aqui. E já está óbvio que o elevador parou. - digo a última frase lentamente, como se estivesse explicando a uma criança alguma coisa que é extremamente óbvia para mim, mas que ele não achava o mesmo.
— Eu moro aqui.
— Desde quando?
— Desde ontem. - a essa altura do campeonato ele já tinha conseguido tirar a gravata e o paletó e agora se ocupava entre olhar ao redor procurando uma saída e tirar a camisa social branca de dentro da calça.
— Você está bem? - perguntei, começando preocupada com a reação do homem.
— É claro que estou bem. Só preciso sair desse lugar, também não está achando isso aqui muito quente?
Na verdade não, claro que estava quente, estávamos presos em uma caixa metálica selada sem nenhum tipo de ventilação, é óbvio que estava quente, mas não tão quente a ponto de ele começar a desabotoar sua camisa social, como estava fazendo naquele momento.
— Ei, ei, ei. Dá pra parar de se despir, pelo amor de Deus. - peço, me virando de costas para ele quando metade de seu peitoral fica exposto.
E que peitoral, hein?! Para um engravatado sem graça, até que seu corpo era bem cuidado.
— Mas está muito quente, você não está sentindo?
— Bom, não é desculpa para tirar sua roupa, eu não ia poder tirar minha blusa se estivesse com calor, então respeite a minha presença dentro dessa caixa.
— Por quanto tempo vamos ficar aqui? O oxigênio pode não ser o suficiente, podemos morrer aqui dentro. Eu não quero morrer aqui dentro. - ele continuou falando, enquanto me ignorava e eu me viro novamente para ele, apenas para confirmar que ele realmente tirou a blusa. — Você também não acha que o lugar está ficando mais apertado?
Fico em silêncio vendo ele andar de um lado para outro pelo elevador, e quando ele começa a gritar por ajuda perto da porta, com a testa brilhando de suor, finalmente percebo o que está acontecendo.
O cara é claustrofóbico. E está surtando nesse exato momento.
Céus, eu sei que eu deveria fazer alguma coisa, mas eu só queria dormir, porque o universo não consegue me fazer um bem pelo menos uma vez na vida?
Suspiro resignada quando deixo minha bolsa no chão e vou até ele.
Ele me olha quando estou próxima o bastante e enquanto ponho minhas mãos sobre seus ombros largos e definidos, fazendo ele presta toda a atenção em mim. Olho em seus olhos e percebo o quão assustado ele está e a testa franzida é um perfeito sinal de que está no mínimo intrigado com minha aproximação.
— Você precisa se acalmar. - digo, pausadamente, ainda olhando em seus olhos, que possuíam um belo tom de azul que me trazia a impressão de que já os tinha visto em algum momento em minha vida. — O elevador parou, e desculpa dizer, mas nós não sairemos daqui tão cedo, está tarde e nem o porteiro está acordado a essa hora, ninguém sabe que estamos aqui e gritar pedindo socorro não vai mudar isso.
Posso ver o desespero se misturando ao azul de seus olhos e tenho que aplicar certa força em seus ombros para que ele continue parado.
— Por que ele parou? - ele perguntou, a voz vacilante como a voz de uma criança com medo do escuro.
— Porque esse elevador mais quebra do que funciona, alguém deveria ter avisado para você não usar o elevador quando se mudou para cá.
— Não conheço ninguém daqui ainda.
— Bom, agora você me conhece, Alicia, moradora do 23B, prazer. - tiro minhas mãos de seus ombros e estendo uma delas após me apresentar.
— Rafael, morador do 22B. - ele aperta minha mão e só então percebo o quanto ela está gelada e molhada. — Eu preciso sair daqui, Alicia. O ar está começando a faltar. As cordas que sustentam o elevador podem romper, podemos cair no foço e morrer. Podemos morrer desidratados, ou então, passar mal e morrer por não termos os primeiros socorros, ou. - Tampo a boca dele com minha mão.
— Respira fundo e conta até dez. - mando.
A testa dele se franze e ele tentar tirar minha mão de sua boca mas a única coisa que eu faço é aumentar o aperto.
— Respira fundo e conta até dez. - mando novamente, encarando ele com uma sobrancelha arqueada e um olhar, que pelo menos eu espero que seja, ameaçador.
O peito dele se infla e após dez segundos ele expira pelo nariz e eu largo a boca dele.
— Eu preciso que você mantenha a calma, nada disso que você disse vai acontecer, sabe quantas vezes eu fiquei presa aqui dentro? Dez. Dez vezes em oito anos e ainda estou com todas as partes do meu corpo funcionamento perfeitamente bem. Eu sei que é difícil mas eu preciso que você tente.
— Eu sou claustrofóbico. - ele anuncia, desviando o olhar como se estivesse envergonhado.
— Eu percebi. - tento sorrir o mais amistosamente que posso enquanto tento deixar de lado o fato de que ele é o mesmo cara que não quer colaborar comigo no caso do policial assassino. — Quer escutar uma música? Meu celular ainda tem um pouco de bateria.
— Por que você não ligou para ninguém? Vamos ligar para alguém. Cadê? Me dê o celular que eu vou ligar para as forças armadas.
Sinto minhas sobrancelhas subirem em surpresa e tento reprimir a vontade que me deu de rir da cara dele.
— Sem sinal, grandalhão, estamos dentro de uma caixa de metal. Lembre-se das aulas de física que você provavelmente teve no ensino médio.
Me sento no chão frio e faço sinal para que ele se sente ao meu lado enquanto pego os fones de ouvido.
Uma música bem tocada acalma até mesmo a pior das feras.
Acho que isso também serve com um advogado claustrofóbico no meio de um surto.
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