Revelações e descobertas
Durante a tarde, minha mãe vai comprar um pouco de pó de café e pão, fico em casa realizando trabalhos domésticos. Quando ela volta, conta entusiasmada que soube que haverá daqui alguns dias, uma festa para comemorar a inauguração da energia elétrica no vilarejo, essa notícia me faz pensar.
No dia seguinte, no centro médico, administro as doses de medicamentos para os pacientes que são dependentes, alguns por histórico médico e outros por causa do trauma gerado pela guerra. Melody relata que já tiveram casos em que as pessoas invadiram o centro médico e puseram a vida de vários enfermeiros em risco, só para conseguir mais alguns comprimidos. Hoje já está tudo mais tranquilo e organizado.
- Você não vai acreditar no que descobri. – chamo a atenção da minha mentora.
- O que foi? – pergunta ela com interesse.
- Minha mãe e os seus pais eram grandes amigos, além disso, ela disse que costumávamos brincar juntas quando pequenas. – respondo.
Melody pensa um pouco.
- Você tem razão, me lembro da gente brincando de boneca nos fundos da minha casa em Clivintown. – ela recorda. – Bem que eu sabia que já tinha te visto em algum lugar.
- Minha mãe quer que você vá visita-la o quanto antes. – completo.
- Vou hoje mesmo, te acompanho no final do seu expediente. – diz ela.
- Está marcado então. – afirmo.
Um tempo depois, vou discretamente ao leito de Clark. Quando chego, o soldado está olhando para o teto, parece entediado.
- Você veio mesmo. – ele diz surpreso. – Sua vontade de morrer é maior do que eu pensava. – brinca.
- Pensou no que eu te disse ontem? – falo baixo.
- Eu analisei todo o material da ideia. – diz ele olhando para meu corpo. – E decidi que vou com você, apesar de achar que estamos arriscando nossas vidas.
Fico muito feliz com o que acabo de ouvir.
- Mas tem um problema, todos os enfermeiros receberam ordens para não deixar que eu saia do centro médico. – Clark expõe.
- Já pensei nisso. – começo. – Ocorrerá daqui alguns dias uma celebração no vilarejo, provavelmente será no período da noite. Nessa ocasião, vou providenciar para que eu seja uma das pessoas de plantão aqui, pois a maioria estará ocupada festejando. A partir daí será fácil tirar você por algum tempo sem que ninguém perceba.
- Além de bonita você é muito inteligente. – diz o soldado impressionado.
Fico vermelha com o elogio. Me despeço de Clark e continuo meu trabalho.
Ao final da manhã, vou com Melody a minha casa como prometido. Quando vê a garota, minha mãe fica feliz.
- Melody, como você cresceu. – Dona Grace elogia. – E olha a linda moça que se tornou.
- A senhora que é muito bonita. – retribui minha mentora.
- Por favor, me chamar de Grace. – fala minha mãe gentilmente.
Nós entramos e sentamos a mesa.
- Como estão seus pais? – ela pregunta.
- Minha mãe está um pouco debilitada por causa do seu problema de asma, que se agravou depois que chegamos aqui. – diz Melody.
- Melhoras a ela. – Dona Grace lamenta. – E o seu pai?
- Ele está ótimo, tem ajudado nas obras aqui do vilarejo com recursos financeiros. – conta ela.
- Seu pai sempre foi um bom homem. – minha mãe destaca. – Estava falando com Annie, quando vocês eram pequenas costumavam brincar juntas, pois nossas casas eram muito próximas, mas depois de alguns meses sua família mudou e perdemos o contato, o que aconteceu?
- O trabalho de meu pai nos forçou a mudar de bairro. – explica Melody. – Mas estou muito feliz que nos reencontramos novamente, Annie é uma ótima pessoa, além de ser uma eximia enfermeira.
- Eu nem levo tanto jeito para essas coisas, só estou ajudando o vilarejo. – digo.
- Não sabia que tinha afeição pelo ramo da saúde. – Grace observa curiosa.
- Sempre gostei de cuidar das pessoas, me tornar enfermeira foi o jeito que encontrei para continuar fazendo isso. – relata minha mentora com brilho nos olhos. – Já realizava esse trabalho desde que morava em Clivintown.
- Como eu sou mal educada, você quer almoçar Melody? – minha mãe fala prestativa.
- Eu aceito. – diz a garota.
Durante o almoço a conversa continua. Dona Grace conta algumas histórias da nossa infância, o que provoca risos. Minha mentora descreve um pouco mais de sua vida até chegar ao vilarejo.
- Peço desculpas, mas tenho que voltar ao centro médico. – a enfermeira diz ao terminar a refeição. – Sua comida estava maravilhosa Grace!
- Foi ótimo te reencontrar minha querida, quero que volte outras vezes. – diz minha mãe ao abraça-la.
- Voltarei. – promete Melody.
A garota se despede e vai embora.
- Essa menina é um amor de pessoa. – elogia.
Já passa de uma e meia da tarde, tenho que me encontrar com Rick. Vou ao quarto, pego a mochila e coloco dentro uma garrafa d'água e uma calça, pois não posso treinar de vestido.
- Aonde você vai? – pergunta minha mãe ao entrar no quarto.
- Rick me dará algumas aulas sobre ervas medicinais e técnicas de enfermagem. – minto.
- Pensei que estava aprendendo essas coisas no centro médico. – fala ela confusa.
- Só quero aprender logo, assim serei mais útil. – explico.
- Vocês vão para a floresta? – minha mãe questiona.
Penso um pouco, tentando encontrar uma mentira cabível.
- Vamos, Rick quer me mostrar toda a variedade de plantas que temos a disposição. – completo.
- Não se distanciem muito, você já sabe o quão perigosas são as coisas fora dos muros do vilarejo. – diz ela, depois sai do quarto.
Nesse momento, tenho lembranças de tudo que já me aconteceu quando fui em direção à floresta, mas tenho certeza que nada de ruim ocorrerá dessa vez. Suspiro aliviada, a pior parte já passou. Me despeço de Dona Grace e saio.
Encontro meu amigo na parede lateral externa do vilarejo. Partimos imediatamente para não correr risco de alguém nos ver. Depois de mais ou menos dez minutos de caminhada, chegamos ao local do treinamento, as árvores aqui são altas e finas, o que garante uma boa iluminação ao lugar, principalmente no dia de hoje que o sol não está brilhando muito forte.
Rick coloca o saco que está em sua mão no chão.
- Bonito o lugar, não acha? – pergunta ele olhando em volta. – E o melhor de tudo, ninguém nos atrapalhará.
- Como vamos treinar se seu braço ainda está imobilizado? – pergunto mirando a tipoia.
- Amanhã vou tirá-la. – esclarece ele. – Por hoje, vou te mostrar técnicas de defesa e imobilização.
Fico um pouco frustrada. Meu amigo começa me ensinado como libertar de alguém que esteja me fazendo de refém, depois mostra como desarmar e depois imobilizar uma pessoa. Repito esses exercícios várias vezes, até ficar boa. Por fim ele tira seu arco e a aljava com as flechas do saco e me instrui o básico de como atirar usando a arma. Nessa parte sou uma negação total, demora muito tempo até que eu consiga certar o meu alvo, que é um tronco a minha frente. Quase três e meia da tarde, Rick dá o treino por encerrado.
- Você tem um tempo? – ele pergunta.
- Sim, pode falar. – respondo.
O garoto senta no tronco que está próximo e faz um sinal para que eu me junte a ele. Sento ao seu lado.
- Não gostaria de voltar nesse assunto, mas é necessário. – ele começa.
Fico um pouco preocupada, pois Rick fala de forma séria.
Ele relembra a tragédia de dias atrás, contando que depois que já estávamos fora do acampamento rebelde e após Luke nos abandonar, Edgar e ele continuaram correndo o mais rápido que podiam, levando em conta o estado físico em que se encontravam.
Sem conseguir despistar a meia dúzia de rebeldes, meu amigo diz que só se preocupava com o meu bem estar naquele momento, pois era a única que não podia se defender, para piorar, barulhos de animais selvagens eram ouvidos nas redondezas.
Edgar ao olhar para trás para de repente, Rick confuso com o que está acontecendo, manda ele continuar, mas seu amigo o chama a atenção, apontando para os rebeldes, metros atrás. Grandes animais estão dilacerando os homens, animais os quais meu amigo não sabia identificar. Os dois assumem a sorte que tiveram e continuam o caminho, antes que aqueles animais os vejam.
Metros à frente, eles encontram uma mulher abaixada, encostada em uma árvore, ela não parecia bem. Rick me colocou no chão e pediu que Edgar cuidasse de mim, enquanto foi em direção à mulher.
Dando assistência a moça, ele pergunta como se sente, a mulher vira de uma só vez, indo pra cima de meu amigo. Rick destaca que nunca tinha visto uma coisa tão assustadora como aquela, ela possuía olhos vermelhos e metade do seu rosto era preta.
Ele fez de tudo para imobiliza-la, o que era em vão, pois a moça apresentava uma força três vezes maior que a dele, de repente, Edgar acerta a cabeça da criatura com um pedaço de madeira, fazendo com que caia para o lado desmaiada.
Depois do susto, os dois ficam paralisados ao observar a mulher, Rick faz questão de descrevê-la, dizendo que a moça possui queda de cabelo; a mancha preta que cobria metade do seu rosto, se iniciava no pescoço, além disso, ela era muito magra e possui garras no lugar das unhas.
- Desculpa por não contar antes para você, Edgar pediu que eu guardasse segredo. – explica ele. – Como ele não está mais entre nós, não há motivo para manter a promessa.
Fico muito surpresa, nunca pensei que existiriam tanto dessas criaturas. Um calafrio percorre minha espinha.
- Peço perdão também por não ter acreditado em você desde o começo. – completa Rick. – Eu ando tendo pesadelos esses dias, a imagem daquele monstro não me sai da cabeça.
- Também fiquei assim no começo, depois de um tempo eles passam. – digo tentando confortá-lo.
- Mas o que são essas coisas? Porque só estão aparecendo agora? – questiona ele atordoado.
Mesmo com a recente descoberta de meu amigo, decido não botá-lo a par do meu plano, quero ter o prazer de encontrar as respostas para todas essas perguntas, sozinha. Voltamos ao vilarejo.
Na manhã seguinte, durante meu expediente no centro médico descubro que Clark é mais odiado do que eu imaginava, todos estão cheios das suas histórias absurdas, por isso fica para mim o trabalho de levar as coisas para ele. Quando chego ao seu leito, me deparo com as persianas cerradas, abro-as de uma vez e encontro ele e Melody se beijando.
Minha surpresa é nítida, quando nota minha presença, minha mentora fica sem ação, depois corre para fechar as persianas novamente.
- Vai ficar parada olhando? Tem um casal querendo privacidade aqui. – diz o soldado ironicamente.
- Eu posso explicar Annie. – Melody fala nervosa.
- Não tem nada o que explicar, nós estávamos nos beijando e pronto. – ele não faz rodeios.
- Fale baixo Clark, quer que todo mundo descubra? – reclama ela.
Melody sai do leito sugerindo que terminemos a conversa no lado de fora.
- Não vamos terminar o que estávamos fazendo? – diz Clark chateado.
- Por hoje já chega. – esclarece minha mentora.
- Muito obrigado mesmo, Annie. – acusa ele entredentes.
Nós duas vamos para tenda de medicamentos, onde poderemos falar sem interrupções.
- Clark está certo, tenho certeza do que vi. Só fico preocupada, pois isso poderá custar o seu emprego. – alerto.
- Eu sei, e te prometo que vou parar, mas preciso que guarde esse segredo. – pede ela.
- Pode confiar em mim. – prometo. – Mas me diz uma coisa, não era você que estava o chamando de louco alguns dias atrás?
- Fazia isso para que ninguém desconfiasse. Eu e Clark já nos encontrávamos desde quando ele estava na ala de pacientes em estado grave. – ela explica.
- Não me leve a mal, mas com tantos homens no vilarejo, porque Clark? Vamos admitir que ele não é o tipo de príncipe que toda menina deseja.
- Eu sei que ele não é confiável, mas confesso que não resisti àqueles olhos azuis. – conta Melody com um sorriso no rosto. – Mas não se preocupe, não é nada sério, só se trata de um passatempo para ambas as partes, ele estava solteiro, eu estava sozinha, e simplesmente aconteceu.
Uma coisa que parece fácil para ela, pode se tornar complicada depois, quando mais alguém descobrir.
- Não podemos negar que ele é muito lindo, possivelmente desejado por quase todas as mulheres do centro médico, eu só fui mais rápida. – ela se diverte. – Você precisa ver como o abdômen dele é perfeito...
- Não precisa falar os detalhes. – a interrompo. – Tenha mais cuidado da próxima vez.
A enfermeira me abraça.
- Muito obrigado amiga, você é uma pessoa muito boa. – diz ela gentilmente.
Voltamos ao trabalho como se nada tivesse acontecido.
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