Estilhaços
Passo o resto do dia em casa. Ajudo minha mãe colocando botões em camisas que ela acaba de costurar. Durante a tarde, enquanto Dona Grace entrega suas encomendas, leio um de meus livros, sempre trocando de lugar, para fazer com que o sangue em minha perna circule. À noite, sou forçada por minha mãe a ficar na cama, depois do jantar, tomo a última dose do remédio e durmo. Acordo algumas vezes por causas dos pesadelos que tenho com aquele homem misterioso. Sonho com suas garras perfurando minha barriga e me causando muita dor, enquanto seus olhos vermelhos assustadores me encaram, o efeito do remédio faz com que eu não consiga despertar por completo, por isso quando adormeço novamente volto a ter o mesmo sonho.
Acordo pela manhã um pouco indisposta, levanto notando que não tenho mais dificuldade para caminhar, vejo que os remédios fizeram o efeito esperado; tomo banho e visto um vestido de mangas curtas, azul com detalhes em amarelo escuro, todos os meus vestidos se estendem até aproximadamente a altura do joelho. Logo após o café da manhã, ajudo minha mãe nas tarefas do lar. É uma hora da tarde, Dona Grace e eu sentamos a mesa da cozinha para almoçar.
- Mãe, o nosso reservatório de água já está quase no fim. – digo.
- Não se preocupe com isso, terminando aqui irei buscar mais. – responde ela com a boca parcialmente cheia.
- É porque eu gostaria de ir. – peço em voz baixa.
- Annie, quantas vezes eu vou ter que dizer. – ela começa. – Você está em recuperação, teve sorte de não precisar levar pontos nessa perna, não pode ficar brincando com essas coisas.
- Por favor mãe, é só até ali no lago. – suplico.
Dona Grace me encara.
- Você não tem jeito mesmo não é mocinha. O.k., pode ir. – diz indo em direção a pia, atrás dela.
Minha mãe pega um balde no compartimento em baixo da pia, meu sorriso de felicidade é notável.
- Traga esse balde cheio e ande devagar até lá. – manda ela. – Cuidado para não sumir o balde, como fez com o facão, será muito difícil conseguir outro.
- Cuidarei dele com a minha vida, pode deixar. – digo em tom de brincadeira.
- E sem mais passeios pela floresta. – fala minha mãe seriamente.
- Já aprendi minha lição. – afirmo.
Termino minha refeição rapidamente, pego o balde e saio.
Próximo a entrada do vilarejo, alguns homens carregam grandes toras de madeira, aproximo-me e enquanto passo pelo local, observo. No topo das toras há um armamento de metal com uma caixa sob ela, feita do mesmo material. Em uma grande mesa, debruçado sobre alguns projetos, está Rick, parece interessado, chamo sua atenção, ele olha e vem diretamente a mim.
- Já está podendo sair? – pergunta ele surpreso.
- Minha mãe abriu uma exceção. Os remédios que ela pegou no centro médico, acabaram com a dor e o incômodo em pouco tempo – respondo.
- Para onde está indo? – Rick indaga.
- Vou buscar água no lago. O que vocês estão fazendo? – questiono olhando os homens a alguns metros carregando mais toras de madeira.
- Alguns caras conseguiram descobrir como restaurar a energia elétrica do vilarejo, por isso irão substituir os postes por essas estruturas de madeira e ferro, para assim distribuir a energia por todo local. – ele explica. – Estava olhando os projetos, e eles realmente pensaram em todos os detalhes, logo após os mercadores chegarem com algumas coisas que precisamos, a energia elétrica será ligada, alguns estão até querendo fazer uma festa para comemorar.
Nem acredito que teremos eletricidade, um grande passo para aqueles que quando chegaram aqui não tinham nem um teto para se abrigar.
- É melhor eu ir, daqui a pouco minha mãe já estará arrancando os cabelos de tanta preocupação. – ironizo.
Rick abre um sorriso.
- Posso ir com você? – pede ele. – Só fui nesse lugar uma vez rapidinho e estou louco pra voltar.
- Se você não estiver ocupado, pode vir. – autorizo.
- Já fiz minha parte, os outros só estão acertando onde ficará cada poste improvisado, quando voltar, os ajudo a fincar cada um em seu lugar. – diz ele.
O garoto guarda os projetos com cuidado e seguimos.
- Ainda estou impressionado como vocês do vilarejo conseguiram construir e manter uma sociedade com tão pouco. – Rick elogia no caminho até o lago.
- Quando todos encontraram aquele local, sabiam que não poderiam desperdiçar a oportunidade que havia caído em suas mãos, então trabalharam pesado por meses, até chegar no que você vê hoje. – explico. – No começo foi difícil, é claro, mas superamos os obstáculos e as desavenças.
- Parabéns, vocês dão um exemplo de perfeito trabalho em grupo, conseguem viver com o básico, enquanto outros por aí gastam energia em guerras que não levarão a lugar nenhum. – posso sentir a indignação na voz de Rick.
Chegamos ao lago, enquanto encho o balde, meu companheiro fica sentado na grama a observar a paisagem. Depois de terminar o trabalho, sento ao seu lado.
- Como pode existir coisa tão perfeita assim? – admira ele.
- Foi o que mais gostei desde que cheguei aqui, é muito lindo mesmo. – respondo.
- Você já teve vontade de mergulhar nesse lago? – ele questiona.
- Sim. Mas ele é muito fundo e não sei nadar. – explico. – Além disso, minha mãe nunca permitiria.
- Com todo respeito, mas sua mãe é um pouco exigente, não acha? – afirma Rick.
- Esse é o jeito dela. É assim desde que nasci. Já me acostumei, mas às vezes concordo que ela passa dos limites. – confesso. – E os seus pais como são?
- Não tão atenciosos como sua mãe, mas são bem legais. Apesar de trabalhar muito, eles sempre encontram um espaço para ficar comigo. – conta ele.
- Deve ser difícil estar longe deles, se fosse eu, confesso que não aguentaria. – digo.
- Com o tempo você se acostuma. – diz ele um pouco triste. – E o seu pai, onde está?
- Ele morreu quando eu era pequena, vítima de um conflito no exterior. – respondo.
Um clima triste toma conta do local.
- Já tem um tempo que quero saber disso, porque você estava no meio da floreta? – questiono.
- Como a maioria das pessoas desse país, eu fui vítima das consequências dessa estupidez chamada guerra. – diz ele. – Deixa eu lhe contar o que aconteceu.
Rick começa relatando que dias atrás um grande grupo de rebeldes invadiu a cidade onde morava, Belmore. Um homem chamado William, que ele considera como um tio, um membro da família, reuniu um grupo de homens, que se autointitulavam Caçadores da Alvorada, Rick era o membro mais novo desse grupo, mérito que só foi obtido depois de um treinamento intensivo e diário.
Ele explica que os Caçadores da Alvorada nasceram pela necessidade de deixar Belmore mais segura, a qual tinha a menor frota de policiais do país. O grupo foi fundado por Willian, que já fazia um trabalho parecido uma década atrás na cidade onde morava. O grupo é formado por diferentes tipos de pessoas, como médicos, ferreiros, ex-militares etc., cada um com a sua importância. Rick ressalta que todos tinham pleno conhecimento em defesa corporal e luta com armas.
Rick, seu tio e o restante dos Caçadores da Alvorada bateram de frente com os rebeldes, e depois de muito lutar, estavam sendo derrotados. Vendo aquilo, William arrasta seu sobrinho até uma tenda de madeira, local da venda de frutas e legumes, onde se escondem e começam a conversar. O tio de Rick pede a ele que vá para casa e recolha o que conseguir, depois saia da cidade em direção á floresta, que era o local mais seguro. Rick o questionou porque estava fazendo isso, Willian explica que essa é a melhor coisa a se fazer. Seu sobrinho recusa a proposta, dizendo que prefere morrer como um herói, a fugir como um covarde.
Willian agarra os ombros de Rick e diz que não suportaria ver a coisa mais importante da sua vida morrer, mais um motivo para o seu sobrinho ir. Rick o questiona porque não vão juntos, seu tio diz que ele é o líder daqueles homens, jurou ficar ao lado deles até a morte, e pretende cumprir essa promessa. O garoto tenta argumentar, mas Willian não escuta e ordena que ele faça imediatamente o que lhe foi mandado. Rick balança a cabeça afirmadamente. Willian lhe dá as costas e se prepara para voltar à batalha, mas seu sobrinho o interrompe lhe abraçando e dizendo que nunca esquecerá tudo o que fez para ele até hoje, seu tio demora, mas acaba retribuindo o gesto, e completa pedindo que tenha cuidado, e acima de tudo seja forte para enfrentar os desafios que virão.
Depois do longo abraço, tio e sobrinho tomam caminhos opostos. Ao chegar em casa Rick encontra uma mochila, dentro dela coloca algumas peças de roupa, poucos mantimentos, uma garrafa d'água, remédios e ervas variadas. Pega seu arco e a aljava com as flechas que ainda lhe restavam e segue com cuidado por entre as ruas da cidade até chegar a entrada da floresta, antes de continuar ele olha uma última vez para o seu lar e com lágrimas nos olhos parti para o seu destino incerto. Rick diz que durante esse tempo ele caçou para comer e bebeu água de chuva para não morrer de sede. Até que, dias atrás me ouviu gritar quando passava pelo local e o resto da história nós sabemos.
Fico surpresa e um pouco chocada com o que acabo de ouvir. Consolo Rick que está triste.
- Eu passei por uma coisa parecida meses atrás, é por isso que moro no vilarejo, eu pelo menos não estava sozinha e ainda tive ajuda para escapar da tragédia que abateu muitas outras pessoas da minha cidade, mas você estava sozinho, sem ninguém para te ajudar ou apoiar. – relato, depois abraço Rick que está quase em prantos.
Não aguento, e lágrimas acabam escorrendo de meus olhos.
- Se eu não tivesse sido tão egoísta e permanecesse a lutar do seu lado, nesse momento meu tio poderia estar vivo e bem. – acusa ele.
- Se você não tivesse obedecido ao pedido do seu tio, provavelmente teria o mesmo destino dele, e nós não poderíamos ter essa conversa. Você é melhor que um herói, você é um sobrevivente. – afirmo.
- Nisso você está certa, eu sobrevivi e sabe de outra coisa, o único momento que parei de pensar na tragédia que ocorreu foi quando te conheci, de alguma forma que não sei explicar me sinto bem quando estou perto de você. – ele desabafa.
O silêncio se estende pelos próximos segundos, nos entreolhamos, agora tenho a certeza de que minha mãe estava completamente errada sobre Rick.
- Amigos? – falo esticando a mão.
- Amigos. – responde ele apertando minha mão.
Ambos sorriem.
- É ótimo ter alguém pra desabafar, guardar isso já estava me deixando mal. – admite Rick, enxugando as lágrimas nos olhos.
- Concordo. Agora é melhor voltarmos, já estamos a muito tempo aqui.
Levantamos e seguimos de volta. Chegando ao vilarejo Rick se despede e volta aos seus afazeres, enquanto me direciono a minha casa.
- Por que você demorou tanto, aconteceu algo? – Pergunta minha mãe ao entrar em casa.
- Encontrei Rick no meio do caminho, começamos a conversar, daí perdi a noção do tempo. – explico.
- Aquele garoto de novo, já disse que não quero você se aproximando dele. – reclama ela. – Bem que estava achando estranho esse seu repentino interesse em ir buscar água, foi só para encontrar ele, não foi?
- Estou falando a verdade, o encontrei por acaso. – afirmo.
- Você não era assim Annie, sempre me obedecia, não estou te reconhecendo mais. – ela acusa.
- Eu sou a mesma de sempre, você que esta passando dos limites, com essa superproteção doentia. – disparo.
- A gente faz de tudo por um filho, e é assim que eles agradecem, chamando sua própria mãe de louca. – fala ela um pouco chateada.
- Não chamei a senhora de louca, só disse que está exagerando, Rick não é nada do que você pensa, ele é como nós, uma vítima dessa guerra, e pior, ele ainda perdeu alguém importante por causa do conflito, depois vagou dias pela floresta sozinho, procurando um lar. – conto.
Minha mãe dá de ombros.
- E você acreditou nessa história. – critica ela. – Está claro que isso tudo é uma grande mentira, você não acha estranho ele ter vindo diretamente pra cá, que eu sabia poucas pessoas conheciam a localização desse vilarejo, nem nós mesmos que morávamos na cidade próxima tinhamos conhecimento da sua existência.
- Me explica, o que Rick lhe fez de tão grave para merecer tamanha desconfiança? – questiono.
- Desde o primeiro dia que o vi, meu sentido de mãe disse que ele não te trará coisas boas. – explica.
- Você já parou pra pensar que esse "sentido de mãe" pode está errado? Já chega, estou cansada dessas suas acusações infundadas. – digo irritada.
- Escute bem mocinha, abaixe o tom de voz, e nem que eu tenha que te trancar em casa, mas você não vai encontrar esse Rick novamente e ponto final. – ameaça ela.
- No fundo meu tio estava certo, eu não tenho amigos até hoje por sua culpa. – falo quase gritando.
- Vá pro quarto agora, não quero me irritar com você. – minha mãe manda.
- Você pode fazer de tudo para me impedir, mas com todo respeito, eu vou fazer ainda mais para que não consiga me afastar dele. – digo, depois vou em direção ao quarto.
Bato a porta com força.
- Por que meu Deus, porque eu tenho uma mãe como essa, o que eu fiz para merecer isso. – desabafo com raiva.
Deito na cama. Após acalmar as emoções, começo a ler um livro para espairecer minha mente. Durante o restante do dia mal falei com Dona Grace. Ao sair na janela, avistei Rick a trabalhar na fixação dos postes de energia, não chamei sua atenção, só observei, pois parecia ocupado.
Na manhã seguinte, vendo que minha perna está noventa por cento melhor, retiro o curativo. Lavo algumas peças de roupa e minha mãe continua a me ignorar. Enquanto almoçamos resolvo confronta-la.
- Não gosto de estar brigada com você mãe, quero que entenda que eu já tenho dezesseis anos, preciso aprender a me cuidar sozinha, preciso errar e aprender com meus erros. – digo.
- Faça o que achar melhor. – diz ela, depois volta a comer.
- Não dá pra conversar com a senhora, quando coloca uma ideia na cabeça, não a abandona nunca mais, vou prová-la que está errada e você ainda vai pedir desculpas a Rick. – afirmo indignada.
Ela permanece quieta, termina a refeição, põe o prato na pia e vai em direção a máquina de costura. Vou ao quarto com a intenção de continuar minha leitura, mas tenho outra ideia, pego o casaco dentro da cômoda, pois está um dia frio, passo por minha mãe e aviso que vou sair, ela finge que não ouvi, não ligo, somente vou a casa de Carter.
Após fechar a porta, o vento já bagunça meu cabelo, coloco-o atrás das orelhas. O céu nublado tira toda a beleza da tarde, tudo a minha volta parece meio cinza. O que me surpreende é a quietude nas ruas do vilarejo, não há uma pessoa fora de casa, algo aconteceu.
Quatro homens passam correndo pela rua ao lado, eles portam espadas e machados, não notam minha presença. Seja qual for o ocorrido, deve ter sido grave, apresso o passo até meu destino.
Chego até a casa de Carter, bato na porta, quem me atende é um homem alto, robusto, de pele clara e barbudo, ele veste um short beje e uma camisa quadriculada vermelha.
- Aqui é a casa de Carter? – pergunto.
- Você está falando com ele. – responde o homem.
- Eu queria saber... – começo.
- Espera... – ele me interrompe. – Você deveria estar na sua casa, não ouviu o comunicado?
- Que comunicado? – falo desconhecendo o assunto.
- Entre logo, é melhor assim. – sugere ele.
Sigo sua orientação. A casa é um pouco desorganizada e é maior que a minha, o chão perto da porta está sujo de terra. Carter me leva até a cozinha/sala da residência. Lá se encontram dois homens sentados a uma grande mesa, eles comem com as mãos e colocam uma grande quantidade de comida na boca ao mesmo tempo, sinto um pouco de enjoo.
- Vocês dois se comportem, temos visita. – grita Carter em direção aos dois.
Os homens engolem a comida rapidamente e limpam o rosto em uma toalha de pano, que fica com uma aparência repugnante.
- Estou procurando um garoto chamado Rick, ele diz que eu poderia acha-lo em sua casa. – exponho o motivo da visita.
- Ele está no quarto, eu te acompanho. – ele responde.
Carter me leva por um corredor a direita do cômodo, ele bate na última porta.
- Rick, visita pra você. – fala Carter.
- Já estou indo. – Rick grita de dentro do quarto.
- Fique a vontade. – diz o homem gentilmente, me deixando sozinha.
Meu amigo abre a porta.
- Annie! – diz ele surpreso. - Pensei que não nunca viria.
Entro no pequeno cômodo, ele senta na cama e eu o acompanho. No quarto só há uma cama de solteiro, uma grande cômoda e um baú azul velho, a mochila de Rick juntamente com o arco e a aljava com as flechas estão no pé da cama.
- Que ótimas acomodações. – ironizo.
- Melhor isso do que dormir na floresta. – brinca ele. – Depois que você se acostuma, o lugar fica mais amigável.
- Você tem alguma ideia do que está acontecendo no vilarejo? As ruas estão desertas. – pergunto.
- Você não foi avisada? – ele indaga. – Os homens passaram de casa em casa emitindo um comunicado para que as pessoas não saíssem do seu lar.
Respondo acenando negativamente com a cabeça.
- Hoje de manhã, algumas mulheres encontraram soldados da capital mortos nas proximidades do vilarejo, todos com cortes profundos e em meio a uma poça de sangue. Assustadas, elas já se preparavam para voltar ao vilarejo, quando ouviram gemidos baixos, chegaram mais perto e constataram que ainda havia alguém vivo, uma delas correu para pedir ajuda, temendo a morte do sobrevivente. Os homens do vilarejo resgataram o soldado e ele está sendo operado nesse momento. – conta Rick. – Por receio de que mais soldados estivessem por vir, pediram que todos não saíssem de suas casas até um segundo aviso.
- Será que mais soldados virão? – pergunto um pouco assustada.
- Nada aconteceu até agora, os homens que encontramos devem fazer parte de um grupo de vigilantes ou de força tática, vai demorar até notarem a falta deles. – ele deduz.
- A cada dia está mais perigoso viver aqui, por pouco não fomos descobertos. O que será que os atacou? – não consigo pensar em nada que consiga derrotar soldados bem treinados.
- A maioria dos homens com quem conversei acha que foram animais selvagens, por causa dos ferimentos, mas não cheguei a ver os corpos. - ele responde. – Quer ver o que ganhei?
- O que foi? – falo curiosa.
Rick vai em direção a sua mochila e retira de lá uma pistola automática prata com detalhes em preto.
- Como a conseguiu? – digo me convencendo que aquilo se tratava de uma arma real.
- Era dos soldados, carregavam uma dúzia dessas, além de algumas armas de grande porte. – explica Rick. – O chefe da segurança distribuiu entre alguns adultos e adolescentes do vilarejo, fui um dos contemplados.
- E você sabe atirar? – pergunto.
- Tio Willian me ensinou quando tinha dez anos, escondido dos meus pais, ainda lembro de algumas coisas, mas prefiro meu querido arco. – diz ele admirando a arma de fogo em suas mãos. – Quer pegá-la?
- Não, muito obrigada. Não gosto de armas de fogo. – justifico.
- Meu pai tinha uma coleção, possuía umas vinte e cinco peças. – ele recorda. - Era super ciumento, não me deixava encostar em nenhuma. Tenho lembranças dele sentado em sua poltrona, polindo cuidadosamente uma a uma.
Ele coloca a arma em cima da cama.
- E tem mais. – Rick vai em direção ao velho baú, depois o abri. – Encontramos também esses rádios de comunicação, pena que estão quebrados, mas os engenheiros disseram que irão tentar consertar.
- As ruas já estão liberadas Rick, está na hora de você ir. – uma voz masculina diz do lado de fora.
- Só vou terminar de arrumar algumas coisas. – responde meu amigo. – Me desculpe Annie, tenho que sair agora, depois conversamos mais.
Rick acomoda a arma na parte de trás da calça jeans.
- Para onde vai? – questiono.
- Numa rápida reunião, os responsáveis pela segurança do vilarejo decidiram abrir mais dois turnos de vigilância, um pela manhã e outro à tarde, juntamente com o da noite que já existia, fui escalado pro da tarde. – diz ele.
- Estou indo, depois volto aqui. – me despeço.
Ele me acompanha até a porta, falo com Carter e seus amigos, logo após tomo o caminho da minha casa. Pelas ruas o burburinho é generalizado, todos querem saber o que aconteceu.
Chegando em casa, reporto a minha mãe o ocorrido.
- Eu sabia que isso iria acontecer um dia, demorou até demais. O jeito é torcer para que outros não venham. – diz ela quando acabo.
Dona Grace está bem mais calma, e pelo menos agora fala comigo, mas sinto que ainda está chateada.
- É uma falta de respeito não nos avisarem, se fosse buscar algo fora do vilarejo, poderia ter me machucado. – completa. – Essa história de trazer o soldado pra cá ainda vai acabar mal, certo que ele precisava de atendimento médico, mas não podem mantê-lo aqui.
- Também não acho uma boa ideia, mas talvez ele não seja tão ruim quanto a gente pensa. – penso positivamente.
Ajudo minha mãe na faxina da casa. No fim da tarde alguém bate a porta, é Rick.
- Oi Annie. – cumprimenta ele.
- Oi, como foi o primeiro dia de trabalho? – pergunto.
- Chato e exaustivo. – responde. – Ficar segurando uma arma durante a tarde toda e não poder nem piscar os olhos devido a atenção que é preciso, parecia muito melhor em meus pensamentos.
- Nesse momento é que eu agradeço por não ser homem. – brinco.
- Muito engraçado, espere, sua hora ainda vai chegar. – ele ameaça em tom de brincadeira, depois sorri. – Eu passei aqui para dizer que amanhã iremos pescar no lago com uns amigos.
- Mas... – preparo-me para inventar uma desculpa.
- Pode parar, não aceito "não" como resposta, você vai, nem que eu tenha que te carregar até lá. – diz ele. – Agora vem cá e dá um abraço no seu amigo todo suado.
Ele abre os braços sorrindo.
- Brincadeira, não vou fazer isso com sua roupa bonita, mas vou fazer outra coisa. – afirma ele.
Rick me beija a bochecha.
- Te vejo amanhã de manhã. – ele me dá as costas e vai pra casa.
- Até amanhã. – digo baixinho.
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