Capítulo 3
O jovem de vinte e cinco anos, aparentemente assustado, acha seu alvo. Está a menos de três passos agora e encara o olhar frio do homem que, o seu último feito, o fez se arrepiar.
O uniforme vermelho da penitenciária está sujo nas pernas, as botas estão imundas e a camisa continua rasgada, mas este jovem precisa de seis horas de trabalho em sua carteira para almoçar hoje, o conserto total do uniforme custa três horas, e o display em seu pulso marca o número quatro ainda. O rapaz engole seco e, encarando o homem a sua frente, diz com calma.
— Você... Você é o Capela?
Capela recebe os baldes de cimento de outro penitenciário, olha para ele e dá de ombros, ignora a pergunta do jovem curioso e continua seguindo a fila dos carregadores. O garoto pega dois baldes e segue junto ao outro penitenciário.
— Cara, — o rapaz insiste — meu nome é Juliano, mas pode me chamar de Trem de Doido, todo mundo me chama assim! Eu estou aqui há uns dois anos, e fiquei sabendo que você matou dezessete presos ontem, cara, que doideira!
Capela o olha de relance e expressa um breve sorriso.
— Eu sempre faço isso, principalmente com quem me enche o saco.
— Que isso, Capela? A gente é amigo!
— O que você quer?
— Nossa, direto ao assunto, não é? — Trem de Doido roda os ombros doloridos, por causa do peso, e após Capela despejar seus baldes no carrinho de mão, ele faz o mesmo — Bem, um dos caras que você matou era um tremendo dum desgraçado, ficava me torturando sempre, puxava minha carteira e isso disparava o sistema de segurança. — O jovem solta um balde vazio e mostra a pulseira para Capela. — Você já teve convulsões por causa dessa desgraça? Cara, não é legal!
Os dois seguem para a fila dos presos que carregam baldes vazios, na espera de enchê-los novamente. Todo o trajeto contém aproximadamente vinte passos de ida e quarenta de volta, já que a fila de retorno passa por trás de uma máquina escavadeira.
— Então... — continua Trem de Doido — você matou alguém que eu queria morto, preciso lhe agradecer, tem algo que eu poderia fazer por você?
— E o que você poderia me oferecer? Não parece ter muita utilidade.
— Ei! Que isso Capela, — o jovem abaixa a voz — eu sou filho do Loucomotiva, o braço direito do São Silva nos anos oitenta. Os dois são membros fundadores dos Formidáveis, isso deve valer de algo, não acha?
Capela o olha com surpresa.
— Sim, vale sim, se você quiser virar um alvo ambulante! O filho de um herói na cadeia, vai morrer em cinco minutos se essa história se espalhar.
— Exatamente — Trem de Doido dá um empurrãozinho no ombro de Capela. — Quer dizer, eu estou no bloco A e lá só tem bundão, mas o jogo virou, entende? Descobriram que eu consegui, aprendi como, quebrar a carteira, consigo fazer essa belezinha parar com as convulsões.
— E eles ainda não te pegaram? Difícil acreditar.
— Essa é a parte interessante, eles me pegaram, sim! Logo em seguida e, cara, eu levei uma surra! O diretor ficou cuspindo marimbondo! Sério, a situação fedeu mais que peidar no banho. Se acha isso ruim, deveria ver quando um guarda achou um celular na minha cela, nunca apanhei tanto.
Capela enche seus dois baldes com cimento e volta para a fila de entrega, Trem de Doido faz o mesmo e o segue.
— Eu entendo, você gosta de apanhar, — diz o homem das tatuagens — mas onde você arrumou um celular?
— Eu roubei de um dos seguranças, cara, eles carregam tantas coisas que não deveriam, um dia ainda roubo algo de valor.
Em um movimento brusco, Capela larga o balde e agarra o braço de um homem que passava a seu lado, a mão direita de Capela o segura com força o suficiente para torcer o pescoço de um frango. Capela aproxima o rosto do ouvido de sua presa, seu tom é baixo, mas firme.
— Você é Tucano, não é? Pode me chamar por Capela, hoje é seu último dia de vida, Deus quis assim e eu não posso interferir, sei que você não matou sua esposa como a justiça acredita, sei que você é inocente. Sua morte será dolorosa, mas eu farei com que você tenha o melhor sonho de sua vida antes disso, e não se esqueça, a morte será reconfortante para você.
Ele solta o homem e pega o balde cheio de cimento outra vez, como se nada tivesse acontecido, Capela volta ao serviço. Ele olha para o lado e vê, em um relance, três pessoas. Uma secretária de terno encarando um tablet, um índio grande e velho, talvez seja o famoso São Silva, e atrás deles, o anjo que cuida de sua alma atormentada. Ao olhar para trás, vê lágrimas nos olhos de Rodrigo Damasco, o Tucano.
Capela segue andando na fila, em seu encalço está Trem de Doido, assustado com o ocorrido.
— Capela, sinto que posso contar com você! É o seguinte: eu fui pego fazendo coisa errada e o castigo disso por aqui é subir de bloco, com certeza você e eu vamos ser jogados no bloco C, o pior de todos! Eu não vou sobreviver lá, o lugar é cheio de assassinos em série e vilões barra pesada, lá tem vilões que estão aqui por causa do meu pai, entende? Você é casca grossa, então por favor, ajude-me!
Capela vira-se para o rapaz, ele aperta os lábios e diz com pesar.
— Só Deus pode nos ajudar, Trem de Doido, permaneça ao meu lado e eu o ajudarei.
— Ficar ao seu lado? Você diz, como um amigo seu, Capela?
— Não, como uma testemunha. Destas paredes o Cordeiro se erguerá e julgará os culpados com Sua espada, e Juliano, eu serei a espada.
***
O almoço agora é servido em um prato descartável, os presidiários podem utilizar as próprias mãos para se alimentarem, talheres de qualquer tipo estavam dando problemas, algumas vezes eles parecem animais. A refeição está caprichada, como deve ser para que os prisioneiros possam trabalhar devidamente. O prato está quase transbordando com o arroz, feijão, batata cozida, carne moída e couve, nenhum detento reclama da refeição, aliás, após um dia de trabalho árduo a comida torna-se mais saborosa.
Capela precisou trabalhar três horas extras para pagar pelos cuidados médicos da noite passada, está mais exausto e faminto do que de costume. Ao passar pela fila e mostrar seu bracelete com as horas necessárias e a letra referente ao bloco no uniforme para o cozinheiro, recebeu o prato cheio, o qual devorou em poucos minutos. Agora de barriga cheia, ele aproveita a hora restante de almoço, para depois voltar à cela, mas seus pensamentos sobre o futuro são interrompidos por seu mais novo colega de prisão.
— Fala, Capela! — ele se senta ao seu lado, seu prato ainda está cheio e ele leva grandes porções até a boca, utilizando os dedos. — Diz aí, qual foi o truque?
— Do que está falando? — responde o homem, agora fitando o grande relógio do refeitório.
— Você sabe... — Trem de Doido olha em volta e não vê ninguém se aproximar, mesmo assim baixa o tom de voz — Você matou dezessete bandidos ontem à noite, cara, qual foi o segredo? Você tem algum poder?
— Meu corpo não tem poderes, não sou um super.
— Super? Minha mãe chamava os heróis assim também. Olha, eu tenho os mesmos poderes do meu pai, você conhece, não é? O Loucomotiva tinha a habilidade de nunca ser parado ao começar um movimento físico! Cara, isso é insano, e eu consigo fazer igual!
— Parece ser poderoso, — responde Capela, desinteressado — mas se é assim tão forte, porque não fugiu daqui?
— É porque eu só tenho esse poder se eu estiver usando um boné! — Trem de Doido sorri, e vê o sorriso no rosto de Capela, isso o anima. — Eu sei, parece muito idiota, mas meu pai era assim também, sempre comprava os bonés mais apertados.
— Eu ainda não entendi como alguém como você veio parar aqui.
— Tudo bem, tudo bem, vamos fazer assim, se eu lhe contar porque fui preso, você me conta como matou seus colegas de cela? — Capela acena com a cabeça, Trem de Doido responde com seu sorriso enorme. — Eu fui preso por causa de um professor da universidade que reprovou a turma toda e eu usei meus poderes para destruir o carro do cara, entende? Eu segui o maluco pela cidade, ele estacionou o Gol 2006 e entrou em casa, mano... Eu cheguei chutando aquela porcaria, mas eu não sabia que o professor tinha a porcaria de uma câmera de segurança bem na entrada dele, e o pior, o carro caiu em cima de uma estátua do Aleijadinho, que ficou em pedaços. Peguei três anos por arruaça, mas agora que fiz cagada aqui na cadeia, pode colocar mais uns dois anos na conta. Isso se eu sobreviver todo esse tempo no bloco C.
Capela divertiu-se com a história do novo colega de almoço, pensa um pouco e decide contar sobre o que houve noite passada.
— É meio difícil de explicar, — ele começa a falar e vê os olhos de Trem de Doido brilharem — eu posso fazer coisas com as mãos, não sei ao certo como, mas eu posso salvar ou matar uma pessoa com um toque, eu posso julgá-los... entende? Talvez seja complicado para você aceitar isso, mas eu tenho Deus a meu lado. O bom Senhor manda um anjo que me diz, em meus sonhos, a quem devo julgar, e me mostra como fazer... Eu nunca fiz uma tatuagem, essas marcas surgem em minha pele quando eu recebo a palavra do Senhor, acho que é para que eu não me esqueça do que estou fazendo.
— Se você é tão poderoso, — Juliano fita Capela com desconfiança — como foi esfaqueado quando aconteceu aquele lance de "matar dezessete"?
— Aquele homem, o que me esfaqueou, tinha uma espécie de habilidade especial. O bandido tinha o poder de abrir fechaduras, de todo e qualquer tipo, com seus poderes ele abriu minha defesa e conseguiu me machucar, mas toda e qualquer agressão ao meu corpo possui consequências, o Símbolo de Cain tratou para que ele morresse, de um jeito horrível, logo em seguida.
— Você tem o toque de Deus, Ele está ao seu lado, mano! — diz o garoto, eufórico — Isso sim é poder! O que você já fez? Ontem não deve ter sido a primeira vez que usou suas mãos dessa forma...
Capela levanta o olhar e diz com seu tom baixo e firme.
— Eu já fiz um homem se arrepender de seus pecados, já fiz uma mulher ver que estava prestes a desistir do caminho certo, já transformei inimigos em confiáveis aliados, já amaldiçoei uma alma para que ela queime no fogo do inferno, já curei uma doença incurável, quando Deus me permitiu que assim eu fizesse, eu já matei muitos e salvei poucos. Com o braço direito de Miguel, eu arrebato, com o braço esquerdo de Lúcifer, eu condeno. A natureza de minhas ações é divina, eu sou apenas o canal da vontade de Deus, sou Seu martelo para julgar, Seu manto para acolher e Sua espada para executar. — O homem levanta-se de sua cadeira e olha seu companheiro, de cima — Eu sou Capela, perdi meu nome quando comecei esta jornada de julgamentos, não preciso saber quem atirou a primeira pedra, mas sim quem a usou para ferir.
Capela sente o toque frio da algema em seu pulso esquerdo, ao olhar para o lado vê o guarda com a identificação "666 B+" em sua farda, ele algema os braços do homem tatuado.
— Vamos, o diretor quer conversar com você. — diz o guarda, aparentando estar despreocupado. — Vamos, Capela.
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