Capítulo 8 - Um roubo inusitado.
E Loenna, em pé em cima de um muro gasto, estava de volta à cidade dos Kantaa.
Os gostos arquitetônicos destes eram um tanto quanto rústicos. As casas eram feitas de pedra, os monumentos tinham altas torres que se projetavam para cima com topos pontiagudos, os poucos prédios pareciam verdadeiras fortalezas. Havia uma grande praça no centro da cidade que continha alguns arbustos e árvores verdejantes e um palco para grandiosos pronunciamentos. Era toda iluminada por postes enferrujados e parecia ter um milhão de anos.
As pessoas que ali passavam também eram deveras particulares. As mulheres usavam longos vestidos e os homens usavam coletes medievais. Os homens eram todos fortes e imponentes e as mulheres em sua maioria eram dóceis, bem arrumadas e cuidavam de crianças. Exatamente o oposto do que Loenna era.
Contudo, ela não estava ali pra reparar nos Kantaa. Sua missão era bem clara: Encontrar e matar um homem nomeado Maera Kantaa. Branco, forte, barba e cabelos ralos e grisalhos, sessenta e cinco anos. Um veterano de guerra do glorioso exército dos ursos. Um Eran qualquer queria sua morte e era á partir das mãos de Loenna que ele iria padecer.
Ela abaixou o capuz, puxou de dentro de suas vestes um mapa desgastado. Observou as redondezas, voltou sua atenção ao mapa; Sim, era ali. Maera morava apenas com sua esposa, seus filhos já eram adultos e tinham suas próprias famílias. Eram oito da manhã de um sábado, dia e horário em que as mulheres Kantaa se demoravam nas feiras e os homens descansavam solitários em casa; Se Loenna tivesse sorte, Maera estaria sozinho em sua casa, esperando apenas para ser agraciado com a morte.
Certificou-se de que tinha uma adaga em mãos, tralhas no bolso e nenhum medo; Tudo isso estava ok para ela. Então, sem pensar muito (Era uma estratégia de Loenna para evitar que o medo a consumisse), a garota se lançou do muro para a janela do Kantaa. Estava trancada, mas isso não era problema para ela; Puxou de suas quinquilharias no bolso um pequeno pedaço curvo de arame e o passou por dentro de uma fresta na janela. Aguardou até que o arame se encaixasse na fechadura do cadeado e manuseou a trinca com destreza e habilidade, até que esta cedesse e finalmente a janela pudesse ser aberta; Esse era um talento que ela havia adquirido com o tempo.
Janela aberta, adaga dentro da capa. Loenna se esgueirou para dentro do quarto do Kantaa com uma cambalhota, de uma só vez, garantindo surpresa e eficiência; Ele não estava lá, entretanto. Havia de estar dentro de casa, mas nos seus aposentos não havia ninguém.
Na ponta dos pés, Loenna se dirigiu aos outros cômodos da casa. Seus ouvidos treinados e minuciosos captaram o som de papel sendo manuseado vindos da sala; Era uma pista. A garota levou as mãos à adaga e caminhou a passos curtos e silenciosos para o cômodo, na esperança de encontrar um desavisado Maera Kantaa.
Bingo.
O Kantaa encontrava-se reclinado sobre sua cadeira, tomando uma xícara de café e lendo as notícias no jornal da manhã. Era exatamente como lhe foi descrito; Usava uma camiseta regata, shorts largos e pantufas. No braço direito o símbolo de um urso se destacava em cores marcantes. Parecia ter sido realmente amedrontador quando mais jovem; Seus músculos definidos e seu semblante pavoroso não escondiam seu passado.
Uma pena que fosse morrer de forma tão estúpida.
ー Já chegou, Ramari? ー O homem não desviou o olhar do seu jornal. ー Você foi rápida hoje...
Loenna não perdeu tempo; Adentrou a sala, correu tão rápida quanto um raio e surpreendeu o Kantaa por trás; A adaga estava na mão direita e com o braço esquerdo Loenna puxou a cabeça da vítima para cima.
Maera, surpreso, deixou cair a xícara de café que carregava consigo nas vestes de Loenna.
ー Mas o que está...
Antes que ele pudesse completar a frase (ou ter qualquer tipo de reação), Loenna passou incisivamente a adaga sobre seu pescoço e cortou a jugular do desafortunado. Sangue foi esguichado de seu pescoço e o jornal foi pintado de vermelho juntamente com as mãos de Loenna; O Kantaa tentou gritar, mas a assassina tapava sua boca com as mãos para impedi-lo de emitir qualquer som.
Cerca de alguns segundos depois, o corpo já não tinha mais vida. O Kantaa era apenas um amontoado mole de carne e ossos. Loenna o largou e deixou que ele se estrebuchasse, desfalecido, na cadeira a que havia sentado originalmente.
A garota limpou então as mãos sujas de sangue em uma torneira no banheiro e levou a adaga à cintura. Suspirou fundo; Não tinha pessoalmente nada contra Maera, embora também não tivesse nada a favor, mas algum Eran o queria morto e assim tinha que ser.
O que ela havia se tornado? Uma assassina fria e calculista que executa a serviço de seus piores inimigos, os Eran?
Bem, era o que ela sabia fazer para sobreviver. Sempre se convencia de que os Eran dariam um jeito de exterminar seus inimigos independente da existência dela, que seus serviços eram apenas mais uma ferramenta. Dessa forma, Loenna aliviava o peso da culpa que tomava para si. Não se sentia culpada por matar esses ricos malditos, de forma alguma, mas sim por fazê-lo aos mandos e desmandos dos Eran.
O que era ela, além de uma cadelinha da família mais rica do país? Uma serva de quem ela jurou destruir?
Apenas lhe restava respirar fundo e voltar ao quarto do agora falecido Maera Kantaa. Sua esposa iria chegar logo, e não ficaria nada feliz com a sujeira que Loenna tinha feito. Talvez ela também se aborrecesse pela morte do marido.
A garota lançou-se em direção à janela, dando um pulo em direção à liberdade, e em questão de minutos estava fora da casa de Maera Kantaa. Mais um dia de trabalho bem sucedido, pensou ela. Talvez gastasse mais algum tempo na cidade dos Kantaa procurando alguma padaria, afinal, estava com fome. Ser uma assassina também é cansativo...
Foi quando os sinos tocaram na praça central. Loenna espremeu seus olhos e conseguiu focalizar ele, o patriarca Kantaa, Nerken Kantaa, acima do palco que havia construído para seus próprios narcisismos. Ele era um verdadeiro rei medieval, com seus servos arrumando suas vestes caras e extravagantes, dois corpulentos guardas segurando lanças ao seu redor e um cetro nas mãos. Em concordância com a maioria dos Kantaa, Nerken era extremamente forte, além de ser gordo e possuir barba e bigodes espessos que não se raspavam havia semanas. Em seu manto, se via o desenho de um imponente urso pardo. Loenna reparou também que ele carregava orgulhosamente um crânio na mão esquerda
Esses ricos são cheio de manias bizarras, pensou. A ela, isso não importava muito, só conseguia pensar na padaria mais próxima.
Mas, ao passo em que o badalar dos sinos ficava mais persistente, a praça se enchia de Kantaa e o tráfego se tornava cada vez mais complicado. Os Kantaa eram enormes e mesmo as mulheres, que eram todas magras e delicadas, eram altas e usavam longos vestidos que a faziam tropeçar e escorregar no tecido.
O medo de Loenna não era propriamente o tráfego, mas ser reconhecida. A garota era corpulenta demais para ser uma mulher Kantaa, mas pequena demais para ser um homem Kantaa; Não era muito alta, talvez a confundissem com um adolescente, mas mesmo os adolescentes já treinavam até seus músculos explodirem.
ー Muito bem. ー Loenna não conhecia aquela voz, mas ela vinha da direção do palco, então concluiu que era de Nerken ou de um de seus asseclas. ー Espero que saibam que hoje é um dia especial.
Loenna revirou os olhos; Deveria ser alguma bobagem, algum dia religioso, como era tudo que vinha dos Kantaa. Seguiu firme na sua missão de encontrar uma padaria em meio à multidão de pessoas
ー Hoje é dia cinco de março. ー Disse Nerken.
Loenna arregalou os olhos; Sentiu sua garganta ficar seca e seus punhos se fecharem. Ela odiava aquele dia e sabia exatamente o que os Kantaa estavam comemorando ー E não era o seu vigésimo sexto ano. As emoções que seu aniversário lhe despertavam eram tão intensas que Loenna imediatamente buscou uma saída, não queria ver aquilo, não ali. No entanto, a multidão dos Kantaa só ficava mais e mais numerosa, e ela não conseguia ver nada que não fossem músculos hipertrofiados e vestidos de seda. Os Kantaa eram de fato a maior família das três tradicionais de Carmerrum.
ー Hoje nós comemoramos... ー Loenna queria que um raio acertasse Nerken. Ou um tiro. Qualquer coisa, desde que ele parasse de falar. ー O dia em que nós vencemos.
Instantaneamente, todos os Kantaa comemoraram. Loenna bufou de raiva, aquilo não deveria ser objeto de comemoração; Tal data e seu acontecimento apenas lhe causavam o mais profundo asco.
ー E, por isso, eu decreto iniciadas as festividades da semana do cinco de março! ー Disse Nerken.
Mais uma comemoração coletiva. Aquilo estava começando a irritá-la; Se Loenna não achasse a saída, acabaria presa ou morta, porque iria acabar com a vida de vários desses Kantaa nojentos.
ー Bebam, dancem, sejam livres, porque essa semana só temos festa! ー Mais uma comemoração.
Loenna agradeceu à qualquer entidade divina que poderia possivelmente existir quando encontrou uma luz entre a multidão de Kantaa. Estava liberta daquele sufoco terrível e dos milhares de porcos insensíveis que comemoravam desgraças. Estava pronta para partir em retirada, procurar uma padaria em outro lugar ー Na capital, talvez, não estava muito longe dela. ー E esquecer que sequer havia pisado ali. Mas, contudo, Nerken Kantaa não havia terminado...
ー E, para que possamos tratar dessa celebração adequadamente... - Loenna conseguia ver o homem ao longe. ー Eu trouxe aqui o crânio de Gillani Gaspez!
E Loenna freou. Como assim? dizia para si mesma. Não conseguia acreditar que ouvira o que tinha acabado de ouvir. Deu meia volta, girou em cento e oitenta graus. O patriarca Kantaa exibia o tal crânio com orgulho, como um troféu.
A fúria da garota atingia agora níveis inimagináveis. Eles não têm esse direito, repetia sua mente. Aquela data era nojenta, o fato de fazerem um festival em cima dela era repugnante, e o fato de terem aquele crânio como símbolo de sua vitória lhe trazia um asco tremendo...
Naquele momento, Loenna se deu conta de que não poderia sair dali. Não sem aquele crânio. Ela não poderia deixar que aqueles mesquinhos tivessem tal artefato como se fosse um prêmio.
E músicos começaram a tocar; Os Kantaa, alegres, dançavam e cantavam. Loenna decidiu passar por eles novamente, agora com os olhos cada vez mais em fúria do que nunca, empurrando todos os homens corpulentos para o lado e cortando a aglomeração ao meio. Alguns a xingavam com o sotaque engraçado dos Kantaa, mas ela não se importava.
Não demorou muito até que a garota alcançasse a base do palco. Nerken Kantaa gritava com um de seus servos, pouco atento à ela ou a qualquer coisa que estivesse acontecendo ali. Loenna decidiu que era o momento perfeito para agir; Procurou um poste atrás de Nerken para escalar (todos estavam muito ocupados dançando para notar que havia uma estranha escalando um poste), subiu até seu topo... E então, se jogou no palco.
Antes que qualquer um dos guardas notassem sua presença, Loenna pegou o crânio e bateu em retirada. O primeiro guarda golpeou o ar e Nerken se virou para frente no momento em que seu brinquedinho desapareceu de suas mãos.
ー O que foi isso? ー E olhou para os guardas que já haviam partido em direção de Loenna. ー PEGUEM ELE! CRIMINOSO! CRÁPULA!
Atrás do palco, não se via aglomeração de pessoas; Foi por ali que Loenna fugiu. A enorme multidão de Kantaa vaiou e gritou a ela nomes bem feios, suas vozes podiam ser ouvidas do outro lado da cidade, mas esse era o menor de seus problemas; Estava agora numa perseguição louca contra os guardas de Nerken em direção ao infinito.
Para uma dupla de homens imensos e musculosos demais, os guardas corriam muito. Loenna era corpulenta para uma garota e não era tão ágil assim, chegou a acreditar que aqueles homens cedo ou tarde a alcançariam.
E, se isso acontecesse, ela estaria morta.
Ser perseguida pelos guardas do patriarca Kantaa já era ruim o suficiente, mas, quando Loenna olhou para trás, percebeu que cerca de dez ou doze Kantaa estavam insandecidos atrás dela e do crânio. A garota estava começando a se arrepender do que tinha feito; Cedo ou tarde, se cansaria da perseguição e seria pega. Aqueles brutamontes pareciam absolutamente incansáveis.
O auge de seu desespero foi quando um dos guardas jogou a lança em Loenna e atingiu seu braço esquerdo. A garota urrou de dor; Saia sangue de onde a lança dos ursos havia perfurado. A garota retirou o objeto, mas ainda sentia uma pontada muito forte. Começou a se sentir desesperada; Um centímetros à mais e o Kantaa teria acertado suas costas.
Loenna viu um cavalo preso a uma viga de madeira e decidiu, então, que não havia mais como continuar aquela perseguição. Aproveitou sua vantagem para pular para a garupa do cavalo, subindo em uma pilastra, cortou a corda que o prendia com a adaga que carregava na cintura. Os Kantaa estavam se aproximando, não havia tempo a perder.
Foram cerca de segundos de diferença entre a chegada dos Kantaa e a partida de Loenna no seu belo alazão amarronzado. Demorasse ela um pouco mais, e seria perfurada pelas lanças dos ursos; Finalmente, vendo os seus perseguidores comerem poeira de cima do animal, Loenna pôde respirar aliviada.
Abraçou o crânio que tinha em mãos, completamente esgotada. Agora, ela tinha a última coisa que ela havia deixado. O suor pingava por sua testa, mas havia valido a pena.
A garota observou, então, seu braço esquerdo. Havia um ferimento circular no local do golpe, do qual escorria sangue. Loenna finalmente se permitiu sentir a dor que o ataque lhe causara, e ele era terrivelmente dolorido. Ele deixava seu músculo terrivelmente exposto; Se não tratasse daquilo o mais rápido possível, poderia pegar uma infecção.
Ela iria precisar de uma enfermaria.
***
Considerações finais: É isso, pessoal, esse foi o capítulo de hoje. Me digam o que estão achando! Estou me divertindo muito escrevendo essa história e espero que vocês também. Sei que algumas coisas estão confusas mas tudo vai ser revelado até o capítulo 25, don't worry ahahaha um beijo e até quarta!
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