Capítulo 7 - Quem é Serpente? (Flashback)
ー Muito bem. Sigam por aqui.
Era aniversário de Loenna e Quentin. Os gêmeos acabavam de fazer dezoito anos, mas aniversários eram muito pouco relevantes para Loenna; Afinal, era só uma data qualquer e ela raramente revelava esse dia para os que a conheciam. Quentin, entretanto, se animava bastante em estar um ano mais velho, sabe-se lá o porquê; O aniversário parecia ter um valor especial para ele.
Naquele dia, contudo, algo de diferente realmente parecia prestes a acontecer. Euler mal havia esperado o amanhecer do dia e já os surpreendera adentrando seu quarto sem pedir licença, dizendo a ambos que tinha algo importante para tratar. E Loenna realmente esperava que fosse algo importante, porque ela raramente acordava antes das dez da manhã.
ー Eu mal posso esperar para saber o que ele tem a nos dizer. ー Dizia Quentin, que já estava completamente desperto, em um claro êxtase pelas novas informações. ー E você?
E Loenna? Bom, Loenna preferia sua cama quentinha.
ー Tanto faz. ー Respondeu, carrancuda. ー Só espero que ele seja breve.
ー Bem, ー Euler finalmente parecia ter encerrado seu caminho. após longos corredores cujas paredes envelhecidas não lhe eram muito simpáticas, Loenna e Quentin se depararam com uma porta de madeira carcomida por cupins que parecia nunca fechar completamente. ー Chegamos. Entrem.
Ele abriu a porta, fez um sinal para que Quentin e Loenna adentrassem a pequena sala e, naquele exato momento, Loenna encarou a maior bagunça que já havia visto na vida; Eram centenas e centenas de papéis jogados em vastos armários de metal já enferrujados, e eles não pareciam jamais terem sido organizados em toda a sua vida. Havia teias de aranha incrivelmente espessas nos cantos agudos da pequena sala, ao centro havia uma mesa de madeira envelhecida cuja superfície estava repleta de poeira. Euler não deveria ser muito organizado, pensou ela.
O homem sentou-se em uma cadeira que fazia um barulho estranho quando mexia, assoprou a poeira da mesa e entrelaçou os dedos da mão direita em sua mão esquerda. Quentin e Loenna não poderiam estar mais perdidos.
ー Muito bem. ー Euler limpou a garganta. ー Como sabem, meu nome é Euler, mas podem me chamar de número 1. Estou prestes a revelar informações extremamente confidenciais aqui, então quero que saibam que, a partir de agora, vocês tem a opção de continuar trabalhando para nós... Ou irem embora.
ー Por que nós íriamos embora? ー Questionou Loenna.
ー Porque, se escolherem permanecer aqui e mudarem de ideia depois, seremos obrigados a matá-los. ー Ao que Euler proferiu as palavras, Quentin prendeu a respiração. ー Entendemos a sua dor, mas o que acontece aqui é extremamente confidencial e não podemos correr o risco de que as informações sejam vazadas.
ー Eu quero ficar. ー Loenna respondeu prontamente. Estava certa de que, o que quer que ocorresse ali, seria de seu interesse. E ela não pretendia abandonar seu único sustento tão cedo.
ー Eu... Acho que vou ficar também. ー Quentin piscou. ー Estou com medo, mas acho que em breve as coisas vão se encaixar.
ー Pois bem. ー Euler sorriu com o canto da boca. ー Essa é sua palavra final?
Loenna e Quentin assentiram. Que segredos será que Euler esconderia?
ー Bem, então é a hora da verdade. ー Disse Euler. ー Eu sou o comandante dessa organização criminosa.
Quentin arregalou os olhos, claramente surpreso, mas Loenna apenas levantou a sobrancelha.
ー Organização criminosa?
Não seria surpreendente para ela se, ali, assistir pobres crianças órfãs fosse um crime, mas ela desconfiava que não era a isso que Euler se referia.
ー Bem, não somos apenas um centro de acolhimento de crianças sem famílias. ー Disse ele. ー É claro que isso faz parte de nosso propósito, mas... Nós temos um alicerce ainda maior.
Loenna concordou com a cabeça. Quentin, em choque, apenas ouviu Euler falar.
ー Quando surgimos, muitos anos atrás, nosso objetivo era mais do que acolher as crianças abandonadas. ー Contou ele. ー Nosso objetivo era lutar contra o sistema.
Bem, agora as coisas estavam ficando interessantes.
ー E de que forma vocês fazem isso? ー Loenna estava animada. Algo estava prestes a acontecer, ela tinha certeza.
ー Ah, eu vou chegar lá. ー Respondeu ele, brincalhão. ー Bem, espero que vocês tenham sido bem cuidados durante todos esses anos, com nossos cozinheiros, professores, e o que mais tenham se deparado. Nós somos muito felizes em amparar as crianças carmerris sem lar, mas já pensaram de onde vem todo o dinheiro que temos para ajudar vocês?
Loenna ergueu a sobrancelha.
ー Não faço a mínima ideia.
ー Bem, pois você vai descobrir agora. ー Ele estava deveras animado. ー A verdade é que nós somos nada menos que rebeldes.
Quentin quase caiu para trás.
ー Rebeldes?
Euler fez que sim.
ー Sim, é precisamente isso. ー Disse. ー Não contamos para as crianças porque pensamos que são imaturas demais para entender, mas... No alicerce dessa organização, estão os guerreiros rebeldes que organizam saques aos Kantaa, Saphira e principalmente aos porcos dos Eran.
ー Você está querendo me dizer que somos ladrões? ー Quentin não parecia muito feliz.
ー Na verdade... ー Euler deu de ombros. ー Por enquanto somos ladrões. Nosso objetivo é criar um exército grande o suficiente para bater de frente com os Eran, depois com os Saphira... E enfim, até mesmo com os Kantaa. Treinamos dia e noite com o objetivo de preparar nossos jovens guerreiros para esse momento. E tem sido muito divertido! ー Euler esfregou as mãos.
Loenna assobiou.
ー Isso é uma informação e tanto. ー E, o que era raro em seu rosto, a garota esboçou um sorriso genuíno.
ー Bem, ー Euler tirou alguns papeis de dentro da gaveta e os assoprou. ー Vocês já tem dezoito anos. Terão que contribuir conosco. Todas as crianças, ao chegarem nessa idade e optar por continuarem aqui, devem tomar uma importante decisão.
Quentin se pôs a dizer alguma coisa, mas Euler não o deixou dizer; Parecia já ciente de que o garoto teria objeções.
ー Guarde suas objeções para depois, garoto. ー E riu. ー Vocês podem, bem, optarem por serem professores, contadores ou cozinheiros. São partes importantes de nossa organização. Mas, o que desejamos... É que vocês sejam guerreiros. Por isso, venho aqui perguntá-los... Algum de vocês tem interesse em seguir a carreira militar?
Quentin balançou a cabeça em um óbvio "não".
ー Guerra só gera mais guerra. ー Ele havia dito isso antes, pouco depois da morte de Gara. ー Eu não quero que mais sangue seja derramado. Por isso, nos recusamos a fazer parte de...
ー Eu quero ser uma guerreira.
Era Loenna interrompendo o garoto. Euler sorriu, mas Quentin não parecia feliz; Parecia que ele estava se sentindo traído, como se Loenna em nada concordasse de suas convicções.
ー Mas... Mana... ー E a encarou. ー Por quê?
Loenna suspirou fundo.
ー Eles mataram a mãe. ー A raiva em sua voz era óbvia; Parecia que entoava um grito de guerra. ー Eu preciso vingar a morte dela. Nunca gostei deles, esses ricos malditos. Se eu pudesse fazer uma escolha, os faria pagar por cada gota de sangue que derrubaram naquele maldito dia.
ー Mas essa sua posição só vai trazer mais sofrimento. ー E pegou em suas mãos. ー Imagine só, quantas pessoas queridas você verá partir... Se não acontecer uma tragédia com você própria. Tem certeza de que é isso que quer?
Após ver sua mãe levar três tiros sem poder fazer absolutamente nada? Certeza absoluta
- Euler, ー Loenna ignorou os avisos de Quentin. Ele certamente era bem intencionado, mas não traria justiça para sua mãe. ーPode contar comigo. Eu quero ser uma nova guerreira.
Euler esfregou as mãos, contente de uma forma que a alegria não cabia em si.
- Maravilha! ー Disse ele. ー Vou anotar o seu nome. E o mocinho, para onde vai?
Quentin abaixou a cabeça, frustrado.
- Eu vou para a cozinha.
Euler sorriu, concordou com a cabeça e puxou uma caneta que guardava debaixo da mesa (Essa, igualmente velha). Rabiscou algumas coisas e a entregou para Loenna. Era uma espécie de pirâmide, onde havia uma hierarquia definida e muito clara. De baixo para cima: Básico, intermediário, avançado, mestre e serpente.
- Bem, mocinha, já que a senhorita manifestou interesse... ー Ele sorriu. ー Eu vou explicar-lhe como funcionam os treinamentos por aqui. Você será, a princípio, destinada a um grupo e a um mestre. Este mestre será responsável por treinar o seu grupo até que haja sua evolução. Os treinos começam ás sete da manhã e são diversos: Corpo a corpo, velocidade, adagas... A cada três meses, fazemos testes com vocês para definir se vocês podem passar para o próximo nível ou não.
Loenna concordou. Estava ansiosa, mal podia esperar para iniciar o treino; Seria uma aventura interessante.
ー Você inicia no nível básico, como está demonstrado nesta figura. ー Euler apontou para o papel. ー Eu estarei em todos os testes que vocês cumprirão e decidirei se vocês podem passar para o próximo nível. Do nível básico, você progride para o intermediário, com uma nova rotina de treinos e novos golpes. O mestre é trocado também. Note que são menos turmas, temos cerca de dez turmas de nível básico, porém apenas três de nível intermediário; Você terá que se esforçar para subir de nível.
Loenna assentiu positivamente. Ela seria, certamente, a melhor guerreira de todos os tempos; Cumpriria com todas as instruções de seu mestre, se destacaria e seria então o destaque de seu grupo. Assim, em pouco tempo ela subiria do nível básico para o nível intermediário... Não deveria ser tão difícil.
ー Do nível intermediário, você pode subir para o nível avançado. ー Continuou ele. ー Este é ainda mais difícil de se atingir, temos apenas uma turma de nível avançado. Saiba que você terá que ser muito, mas muito disciplinada para alcançar este mérito.
E novamente Loenna balançou a cabeça verticalmente. Ela tinha certeza que tinha todas as qualidades possíveis para passar de todos os níveis existentes. Queria chegar no topo, o nível mais difícil de todos de ser alcançado.
ー Bem, se você for realmente boa... ー Euler coçou a barba. ー Poderá vir a se tornar mestre, se quiser. Os mestres são autossuficientes e eles podem treinar grupos de alunos se quiserem; Realmente precisamos de novos mestres, os alunos novos estão chegando e não temos turma para todos. Mas, bom, isso é um assunto para você se preocupar daqui a dez, quinze anos talvez. Esperamos muito que você tenha persistência o suficiente para se tornar uma nova mestre. Mas, de qualquer forma... Entendeu até aqui?
Dez anos? Quinze anos? Não. Euler estava equivocado. Loenna conseguiria se tornar mestre em pouco tempo, antes de seus vinte anos; Se alguém havia conseguido este feito, ela seria capaz de conseguir. Se ninguém antes havia chegado neste patamar, ela seria a primeira.
Contudo, se limitou a fazer que sim com a cabeça, concordando com Euler. Ele não teria como prever que ela seria uma das melhores guerreiras que já passaram por aquela organização, claro.
ー Entendi, Euler. ー Disse, mas ela esperava uma continuação. Havia ainda um nível do qual ele não havia mencionado.
ー Eu ainda não estou gostando disso. ー Quentin cruzou os braços, visivelmente emburrado.
ー Ótimo. ー Euler sorriu. ー Quanto à cozinha...
Sim, ele havia se esquecido. Talvez Loenna devesse lembrá-lo.
ー E o nível serpente?
Euler franziu a testa; Parecia confuso. Por um momento, Loenna teve a impressão de que ele não havia de fato se esquecido de nada e que este último nível deveria passar batido.
ー É... O que está escrito aqui. ー Justificou-se. ー Básico, intermediário, avançado... E serpente.
Euler relaxou a têmpora, como se compreendesse, e instantaneamente pôs-se a rir e fazer sinal de negação com a cabeça.
ー Oh, não, Serpente não é um nível. ー Disse ele. ー Serpente é uma pessoa.
Bom... Pelo visto, existiam mais coisas a serem descobertas do que Loenna tinha imaginado.
ー Uma pessoa? ー Perguntou ela.
Euler fez que sim.
ー Serpente é o maior símbolo desta organização. ー Contou. ー Ela está conosco desde muito jovem e se tornou uma das melhores guerreiras que eu já vi, se não a melhor. Deveria estar no meu lugar e ser a chefe disso tudo, mas imagino que ela não goste muito de toda essa parte burocrática. ー E balançou a cabeça em negação. ー É silenciosa, ágil e mortífera, daí vem o seu apelido. É capaz de enfrentar dez homens de uma só vez, suas habilidades de luta são impressionantes. Quando se move, parece capaz de voar, e quando ataca, é certeira e eficaz. Sim, certamente essa organização não seria a mesma sem Serpente, nossa maior ícone. ー E riu.
Loenna achou aquela informação deveras interessante. Então havia alguém que era praticamente uma lenda do combate e essa pessoa estava ali, dentro de toda a estrutura na qual ela também fazia parte?
Imediatamente, se deu conta de que queria conhecê-la. Deveria ser uma pessoa incrível, alguém com muita experiência e conhecimento a passar, talvez mesmo alguns poucos minutos trocando palavras com ela enriqueceriam Loenna de forma impressionante. Se elas pudessem se tornar amigas, seria melhor ainda, mas Loenna duvidava que uma pessoa tão lendária chegaria a este ponto com uma novata. Quando eu for mestre, talvez, ponderou.
ー Onde ela está? ー Perguntou Loenna, ansiosa. Queria conhecer essa mulher a qualquer custo.
ー Serpente? ー Euler coçou a barba. ー Deve estar se embebedando por aí, eu suponho. Não sei, ela pode estar em qualquer lugar. Por que a pergunta?
ー Eu quero conhecê-la. ー Loenna afirmou, categoricamente. Euler balançou a cabeça em negação.
ー Ah, temo que isso vá ser um pouco difícil. ー Euler deu de ombros. ー Serpente é bicho solto. Ela aparece por aqui para nos trazer os frutos de seus saques e é só, ninguém sabe por onde ela anda ou onde ela está. Infelizmente, ela é um mistério até mesmo para nós. ー E deu de ombros. ー Mas nós temos inúmeros guerreiros muito bem capacitados também, posso colocar você em contato com eles e...
ー Eu não quero. ー Respondeu Loenna, ríspida. ー Eu quero conversar com Serpente.
Euler mordeu os lábios.
ー Nesse caso, não há nada que eu possa fazer para ajudá-la. ー Disse. ー Serpente vive sob seu próprio ritmo, ela faz suas próprias regras. Não sei qual será a próxima vez que ela aparecerá aqui e não posso fazer com que ela se encontre com a senhorita. Algumas pessoas têm sorte de encontrá-la por aí, mas a grande maioria... Bem, apenas seu nome e suas incríveis habilidades são conhecidas.
ー Eu posso chamar sua atenção. ー Insistiu Loenna. - Posso me tornar mestre aos 19 anos. Isso poderia me destacar, e assim ela iria querer me conhecer.
Euler encarou Loenna com uma expressão desmotivadora, parecia sentir que a garota estava sonhando demais. Mas Loenna não se importava, aquela era sua meta e ela faria de tudo para alcançá-la.
ー Bom, de fato seria um feito impressionante, mas... ー Receoso, Euler bateu com a caneta no tampo da mesa. Não queria desmotivar a menina, mas também não queria alimentar seus sonhos impossíveis. ー Eu não acredito que seja possível, senhorita. Veja bem, não que você não seja capaz, mas isso seria um feito sobrehumano.
ー Eu posso tentar. ー Loenna estava confiante, e não seria Euler quem destruiria sua fé em si mesma.
O número 1 deu de ombros.
ー De qualquer forma, não posso garantir que isso chamará a atenção de Serpente. Ela é imprevisível, não posso dizer que ela se aproximaria de você se você fosse mestre tão jovem. ー Disse. ー Mas... Bem, de fato você pode tentar.
E Loenna concordou com a cabeça. Euler não estava sendo otimista, mas ela sabia que com muito esforço conseguiria chegar ao nível de mestre em apenas um ano. E chamaria a atenção de Serpente, claro, por que não? Esta era, agora, uma de suas metas, junto com a vingança pela morte da mãe.
ー Bom, agora... Sobre a cozinha...
Euler retornou às explicações sobre a cozinha para Quentin, mas Loenna não se importava muito; Afinal, não era dela este destino. Enquanto o chefe da organização explicava para o irmão como seria sua nova rotina, a garota apenas fantasiava seu encontro com Serpente. Como seria ela? Alta? Baixa? Musculosa? Magra? Gorda? Serena? Explosiva? Não tinha como saber. Imaginou todas as hipóteses, cada uma delas, apenas para ter certeza de que estava conjecturando a Serpente correta.
Ela tinha, agora, um novo objetivo.
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