Capítulo 48 - A batalha final
Os rebeldes marchavam triunfantes em direção à cidade dos Kantaa; furiosos, apaixonados e munidos do que tinham consigo. Alguns tiveram a sorte de ter algumas espadas, adagas e arcos em casa, ou de serem presenteados por alguns ferreiros e donos de arquearia; No entanto, como eram pessoas demais e armas de menos, aos últimos rebeldes restaram suas armas do trabalho diário: Machados, foices, enxadas, ancinhos e martelos. Não tinham preparo ou treinamento, carregavam consigo apenas a força do ódio.
Pé ante pé, os revoltosos se locomoviam. Entoavam cantos de glória e bradavam o nome de Loenna e de Fowillar para que todo o mundo ouvisse; Fowillar, tão rejeitado pelos seus familiares, jamais poderia se imaginar lisonjeado daquela maneira. Era um herói, finalmente um herói! Loenna, em concordância com o marido, se sentia louvada. Era a hora de trazer vingança para Gara, para Quentin, Rhemi, Digan, Suriyon e até mesmo Gehl. Todos aqueles que haviam padecido sob as armas de guerra dos dominantes e que agora iriam se curvar ao exército de revoltosos.
Aya, em algum ponto da multidão, sentia-se enjoada. Ela jamais havia estado em uma guerra, e o breve mês de aulas com Serpente que tivera talvez não a preparasse para isso. Carregava nas mãos um arco e nas costas uma aljava de flechas, que havia trocado com o dono da loja de armas por sua espada; O livro de arquearia de Marcus fora muito útil, mas será que seria o suficiente?
— Estou com medo. — Ela murmurou, com doçura, para Serpente. A mulher, ao seu lado, sorriu com o canto de boca.
— Isso é normal. — Tranquilizou. — Em todo ataque que participei, eu me senti com medo também. Sempre tinha a mais absoluta certeza de que iria fracassar. No entanto, eu nunca fracassei.
— Mas você é Gillani Gaspez. — Aquele fato jamais iria sair de sua cabeça. Estava convivendo com aquela lenda viva fazia meses e nunca se dera conta disso. — Você consegue absolutamente tudo.
Serpente emitiu uma risadinha de satisfação. Gostava de ter seus feitos reconhecidos.
— Obrigada pela lembrança. Às vezes eu me esqueço, veja bem. Gostei tanto de Erimar Lahem... — Brincou. — Mas eu tenho meus defeitos também. Quase morri para uma horda Kantaa, como bem sabe. Todo mundo tem suas fraquezas, até mesmo Gillani Gaspez.
— Eu vou conseguir. — Aya repetiu para si mesma. — Mas você não tem fraquezas. Foi necessário um exército de Kantaa para te derrotar.
— Bem... — Serpente levou a mão ao punhal na cintura. — Isso porque eles não sabem que eu tenho medo de aranhas.
Aya arregalou os olhos com tal revelação. Serpente? Com medo de aranhas? Como era possível?
— Isso é verdade? — Perguntou Aya, ainda incrédula. Serpente confirmou com a cabeça.
— Se isso sair daqui, eu prometo que não serei mais tão legal com você. — Advertiu ela. — Fica entre nós, certo?
Aya, rindo, fez que sim. E Serpente havia conseguido acabar com sua tensão em menos de dez minutos, fazendo-a se divertir mesmo em meio à guerra.
A enfermeira voltou sua atenção para o ambiente e notou que as construções estavam diferentes; Eram casas modernas, com uma arquitetura contemporânea, paredes bem feitas e telhados pontudos. Havia cavalos bebendo água em algumas fontes e crianças usando roupas caras se divertindo nos parques.
À frente, um homem vislumbrou a marcha, assustou-se e correu em disparada para algum lugar. Loenna mordeu os lábios.
— Fomos vistos. — Ela resmungou. — ATACAR! VAMOS, VAMOS!
E o mar de guerreiros rebeldes se pôs a depredar todas as construções caras das cidades dos Eran.
Arrombavam portas, quebravam muros, destruíam gramados, incendiavam lugares. A guerra estava instaurada. Os inimigos saíam de casa, confusos, para entender o que acontecia, mas era uma péssima idéia; Cada um deles que entrassem na mira dos revoltosos era recebido com um golpe de punhal, espada, machado, ancinho ou o que tivessem, perdoando-se apenas as crianças.
A fusão de Eran, Kantaa e Saphira chegou cedo, mas demorou para se recompor. A vantagem já era dos camponeses da capital, apesar da força e armamento que os ricos tinham.
Aya, em meio a todo o caos e sangue que se erguia daquela confusão, correu prontamente para uma árvore e a escalou até chegar em seu topo. De lá, tinha uma visão privilegiada de seus inimigos. A moça puxou uma flecha de sua aljava, a encaixou no arco, mirou, atirou...
E acertou. Em cheio, bem no peito de um Eran. Aya riu; Era um sucesso. Mirou novamente em outro Eran. Era fácil de acertá-los, pois eles em sua grande maioria não olhavam para cima. A enfermeira acertou seu braço, mas não foi o suficiente para matá-lo. O homem voltou-se para cima e vislumbrou a inimiga; Desesperado, saiu correndo. Aya tentou disparar duas flechas contra o fugitivo, mas errou em ambas e praguejou baixinho.
Tornou a tensionar seu arco, desta vez mais nervosa, mas errou ambos os inimigos em que mirou. Da terceira vez que tentou, acertou no pé de um Saphira. E, na quarta, tivera o pior oponente que poderia encarar: Nerken Kantaa.
O homem era verdadeiramente um urso, honrando seu sobrenome: Era grande, peludo, gordo e forte. Cada um de seus braços deveriam pesar pelo menos 70kg, tamanho seu volume. Em cima da árvore, a enfermeira tinha uma visão da batalha que acontecia sob seus pés: O Kantaa, sem maiores dificuldades, agarrou um camponês que carregava um ancinho, suspendendo-o acima de sua cabeça, e o dobrou como se fosse feito de papel; Os ossos do rapaz se partiram no mesmo momento e as vísceras que um dia fizeram parte de seu corpo se derrubaram em cima de Nerken juntamente a um mar de sangue, banhando-o numa cachoeira vermelha.
Aya estremeceu com a cena. Já tinha visto a violência de perto antes, mas aquilo era simplesmente grotesco. Nerken, extasiado por mais um soldado abatido, lançou os restos do corpo para longe de si e urrou como um urso faria.
A enfermeira tentou se recompor. Respirou uma, duas, três vezes. Nerken era grande, mas não era dois; Apesar de usar uma espada bem pesada e bem afiada, o urso não usava armadura. Vestia apenas uma bata com uma cruz vermelha que agora não mais se distinguia por conta do sangue.
— Isso é uma ofensa a Jesus. — Ela murmurou para si mesma, se referindo à cruz. E foi o necessário para que a moça tensionasse o arco e lançasse uma flecha certeira contra o líder dos ursos, que não era lá muito difícil de acertar. A flecha foi liberada, voou cortando o vento em direção ao Kantaa, e...
Atingiu-o em cheio no peito. O urso berrou com a dor, contudo ainda estava de pé. Ele voltou-se para cima e Aya foi finalmente percebida; A enfermeira sentiu suas pernas tremerem. O Kantaa, diferentemente dos Eran que antes haviam sido atingidos, não fugiu. Dirigiu-se a árvora, agarrou-se nela... E se pôs a balançá-la de frente para trás, fazendo a arqueira tremer em seu próprio galho.
Enfim o galho se partiu e Aya caiu direto de encontro ao chão. Fora uma queda dolorida, sem dúvidas, mas o pior ainda estava por vir; Nerken Kantaa, o homem que não parecia ser capaz de entender palavras, bufava em direção a ela e deliciava-se com seu pânico. Estalou os dedos duas ou três vezes e nem pensou em pegar a espada de volta. Apenas a força de seu corpo seria capaz de dar um fim para Aya Gaddard.
Ou seria, se o homem não tivesse encurvado a coluna no mesmo exato momento e urrado de dor novamente. Aya levou a cabeça para o lado e percebeu que ela, Serpente, havia apunhalado o urso nas costas; Com as mãos manchadas de sangue, ela salvara sua pele.
— Muito bem, Nerken. — Disse Serpente, E o grandão imediatamente voltou suas atenções para ela. Ele era como um monstro medieval: Grande, invencível e mau. — Antes de fazer mal à minha amiga, você vai ter que me derrotar primeiro.
Nerken tentou atingir Serpente com um soco, mas errou. Com a outra mão, se pôs a agarrar seu corpo, mas como se fosse coberta de manteiga, Serpente escapou. Não deixou de carimbar o Kantaa com sua marca, golpeando sua mão com o punhal. O urso errou novamente e pegou a espada com a mão boa, tentando acertá-la, mas não a atingiu.
Aya queria ajudar Serpente, mas voltou-se para sua aljava e não tinha mais flecha alguma; Orou a Deus para que ele lhe ajudasse, e que sua amiga não falhasse em seu intuito.
No quarto golpe de Nerken Kantaa, entretanto, apesar de Serpente ter se esquivado, a tão lendária Gillani Gaspez deixou-se escorregar num pedaço de intestino e tropeçou. Nerken, satisfeito, sorriu e aproximou a espada do o pescoço da mulher, prendendo-a com sua mão esquerda, deixando para Serpente alguns segundos de vida. Nerken era sádico, ele saboreava o pânico de seus inimigos.
Aya se desesperou. Não podia fazer nada além disso; Deu um passo para o lado, pegou impulso, correu o mais rápido que pôde e acertou Nerken em cheio com o peso de seu corpo.
Talvez fosse uma ideia estúpida, já que ela não conseguiria derrubar o Kantaa, afinal. Entretanto, o urso perdeu o equilíbrio, deu dois passos em torno de si mesmo e desmontou a guarda em cima de Serpente por um minuto. Isso foi o suficiente para que a lenda se recompusesse e apunhalasse a mão do Kantaa, de forma que sua espada foi ao chão. Aya não hesitou em agarrar a arma; Agora, Nerken Kantaa estava desarmado.
Aya golpeou a perna do urso e o fez cair ao chão, com a barriga voltada para cima. Ambas sabiam o que fazer; Serpente imediatamente pôs o punhal sobre seu pescoço e Aya posicionou a espada logo abaixo da mão de Serpente.
— INFERNO! — Ele berrou, vendo a morte iminente. — Quem são vocês, suas pragas?
A enfermeira não podia negar que estava surpresa com o fato do grandalhão saber falar.
— Eu sou Aya Gaddard. — Disse ela, convicta, apertando a espada contra o pescoço do brutamontes.
— E eu... — Serpente sorriu. — Eu sou Gillani Gaspez.
Dito isso, ambas cortaram o pescoço de Nerken Kantaa de uma só vez, uma lâmina de cada lado. O urso berrou e sangrou até sua morte, deixando o sangue banhar o chão que o margeava.
Era o fim para o patriarca Kantaa.
— Eu espero que Loenna pegue seu crânio e o exiba como troféu. — Disse Serpente ao cadáver. — Seu filho da puta.
Com a testa brilhando de suor, Aya se permitiu sorrir. Via seu reflexo na pesada espada de ferro que tinha em mãos.
— Realmente somos uma boa dupla. — Disse Aya, rindo, reforçando o que havia sido dito antes. Ambas riram no mesmo minuto.
— Você é uma boa arqueira. — Serpente passou os dedos pela flecha cravada no peito de Nerken. — Deveria investir nisso. Tem talento.
— Ah, eu... — Aya apanhou o arco que havia deixado ao chão. — Apenas tentei e me lembrei de quando era mais jovem. Não é tão difícil.
Serpente abriu um sorriso tenro.
— Eu nunca me dei bem com arqueria. — Admitiu ela. — Sou melhor lançando adagas.
— Você está querendo me dizer... — Aya levantou uma sobrancelha. — Que existe algo em que Gillani Gaspez não seja boa?
— Fica entre nós, tudo bem? — Serpente levou um dedo aos lábios. — Deixem eles pensarem que eu sou talentosa em absolutamente tudo. Se esquecem de que eu sou humana.
E, nisso, ambas embarcaram numa deliciosa gargalhada que quase as fazia esquecer que uma guerra corria ao seu redor.
Foram interrompidas pelos gritos vitoriosos de um Kantaa que havia vencido mais um rebelde ao longe. Serpente e Aya se entreolharam; Era hora de agir.
— Pronta? — Perguntou Serpente, levando o punhal sujo de sangue à cintura.
— Eu já nasci pronta. — Respondeu Aya, confiante.
***
Soraya estava tendo algumas dificuldades para vencer Ismur Saphira.
O mais novo patriarca Saphira, irmão de Triard, Rhogen, Soriel e Lohun Saphira, não era treinado na guerra — Apenas Triard valorizava o militarismo tanto quanto o conhecimento, a razão pela qual era conhecido como "O Saphira guerreiro". — mas Soraya também não era. Ela e Nassere sobreviviam às investidas do Saphira, mas não sabia por quanto tempo ainda iriam aguentar; Nassere não havia se recuperado por completo do ferimento da última guerra e estava com a perna machucada.
— Eu não sei quem são vocês... — Ismur berrava ao passo que o tilintar das lâminas se chocando invadia o ambiente. — Mas não estarão aqui para contar história na próxima hora.
— Não é o que parece. — Disse Nassere, abrindo um sorriso por entre a barba branca. Ele não costumava ser muito corajoso, mas perto de Soraya o homem se tornava um verdadeiro leão; Talvez gostasse dela mais do que queria admitir.
— Você se lembra de Rhemi? — Soraya tentou golpear Ismur na barriga, mas o Saphira bloqueou o golpe.
— Quem diabos é Rhemi? — Perguntou Ismur, arfando. — Não conheço esse ser. Se for mais um de vocês, é apenas um plebeuzinho e eu não me importo.
— Rhemi Saphira. — Soraya tentou golpear o pescoço do homem, mas novamente foi frustrada. — Filho de Lohun Saphira.
— Ah. — Ismur recuou alguns passos com o avanço de Soraya e Nassere. — O bastardinho. Papai nunca deixou que ele participasse de nossas reuniões, então não me lembro. Dizem que ele morreu, eu não sei. Ele deve estar no inferno agora.
Soraya trincou os dentes. Não iria deixar ninguém falar assim de seu jovem guerreiro; Rhemi era um homem de gana e força, e partira desta terra com honra. Ele valia muito mais do que aqueles Saphira imundos.
— Rhemi era um homem de garra e morreu lutando pelo que ele acredita. — Dizia Soraya, trincando os dentes. — Ele era meu filho.
— Grande porcaria. — Nassere tentou se aproveitar e desferir um golpe lateral, mas o Saphira o bloqueou.— Por que se louva disso? Você é só uma prostituta. E uma prostituta de péssimo nível.
Soraya rangeu os dentes e levou a espada incisivamente até o peito de Ismur, mas o homem era mais esperto do que aparentava ser; Lançou-se para o lado e quando a lâmina atingiu a lateral de seu torso, envolveu-a com o antebraço e o corpo e fez força para quebrá-la. Apesar do sangue que escorria de si devido ao corte inevitável, o homem conseguiu partir a lâmina de Soraya em duas e deixá-la desarmada.
A barista gritou de desespero; Agora, era só ele e Nassere.
— E você, quem é? — Ismur não conseguia esconder sua satisfação. — Recebe ordens dela?
— Meu nome é Nassere Dreyan e recebo ordens apenas de Loenna Nalan. — Nassere lembrava-se que quase havia traído Loenna uma vez; Entretanto, aquilo não estava mais em seus planos. Ele lutaria por ela até o fim, se assim fosse necessário. Por ela e por Soraya. — Soraya é minha mulher e eu a amo.
A barista piscou. Jamais havia tido um marido e o último homem que lhe prometera amor provara-se um canalha da pior espécie. Não estava preparada para ouvir aquilo de homem nenhum, nem que este homem fosse Nassere.
— Que bonitinho. — Ismur sorriu sarcasticamente e continuou trocando golpes com o pescador. — Você sabe que sua mulher é uma prostituta, não sabe?
— Eu... Agora eu sei. — Soraya havia propositalmente omitido esta parte de sua vida de Nassere. Não sabia como ele lidaria, e sabia que a maioria dos homens não teria uma boa reação ao saber de seu passado. Agora, essa informação estava escancarada em sua cara e estava acontecendo coisa demais para que ela se desse conta disso. — Soraya ainda é meu amor.
— Quantos homens ela teve antes de você, homem apaixonado? — Disse Ismur, golpeando Nassere nos ombros. Fora um acerto; O sangue escorreu pelo corpo do pescador, que agora estava fragilizado. — Será que ainda tem?
— Eu não me importo. — De fato, Nassere Dreyan parecia mais preocupado com seu corte no ombro do que com a vida pessoal de Soraya. — Soraya é minha...
Antes de completar a frase, a dor no ombro fez com que Ismur Saphira acertasse seu golpe diretamente no pulso de Nassere e a mão do pescador, de uma só vez, voou para longe junto com sua espada. O grisalho gemeu de dor; A batalha estava perdida.
— Muito bem. — A espada de Ismur era de muito melhor qualidade que a de Nassere, Soraya notou. — Agora você já era.
Ismur encarou Nassere com sadismo no olhar. O pescador tentou se afastar, correr, sua coragem estava completamente minada; Deu de cara com uma parede e, mesmo se não fosse isso, Ismur não tardaria em alcança-lo. Eram os quarenta anos de Ismur Saphira versus os cinquenta e cinco anos de Nassere Dreyan.
— Você é meu agora, seu merdinha. — Disse Ismur, sorridente.
Mas a alegria do Saphira não durou muito; No mesmo exato momento em que ia abaixar a espada em cima de Nassere, se pôs a cuspir sangue e caiu mole no chão. Nassere piscou gradualmente, encarou o braço sem mão que tinha no momento e seu oponente morto; Em sua barriga, havia a ponta de uma espada.
Nassere ergueu o olhar. Era Soraya; Ela havia pego a espada que Nassere derrubara no chão e golpeou Ismur com a arma. Enfim, um final feliz para o casal.
— Obrigado. — Murmurou Nassere, ofegante.
— Nassere... — Soraya estava preocupada com outra coisa. — Você me ama?
— É claro que eu te amo, Soraya. — Ele respondeu, como se fosse obvio. — Por que pergunta isso? Achei que já soubesse...
— Mesmo que... — As lágrimas escorriam pelo rosto de Soraya, mas não eram lágrimas tristes; Elas tinham o doce sabor da alegria. — Mesmo que eu tenha sido uma prostituta no passado?
— Isso não me faz a menor diferença. — Disse Nassere, aproximando-se de sua amada. — E você? Me ama mesmo que eu não tenha uma mão?
— Com toda a certeza do mundo. — Respondeu ela.
E, com essa troca de afeto, Soraya e Nassere se beijaram afetuosamente. Pela primeira vez, Soraya se sentiu amada de verdade, por um homem que a compreendia; E Nassere, que jurou nunca mais ter alguém que não fosse a esposa, estava ali, quebrando sua promessa pelo mais puro amor.
***
Não muito longe dali, as espadas de Lenrah Moran e Triard Saphira se chocavam. A batalha entre o jovem guerreiro e o imponente filho de Tydan Saphira tinha como trilha sonora os ruídos metálicos entre as duas lâminas, gemidos de dor que vinham ao longe e gritos de guerra que acendiam a honra da horda rebelde. Lenrah vestia roupas empapadas de suor, e seu adversário não estava muito diferente: A barba crespa de Triard brilhava quando a luz do sol encontrava a umidade de seu esforço.
— Quem é você, seu cretino? — Triard girou a espada para o lado oposto e Lenrah não perdeu tempo; Bloqueou seu ataque antes que a lâmina pudesse chegar em suas costelas. — Onde aprendeu a arte da guerra?
— Meu nome é Lenrah Moran. — Lenrah tentou golpear a barriga do homem, sendo novamente barrado pela imensa habilidade de Triard Saphira. — Sempre fui apaixonado pela arte da guerra e um de meus melhores amigos é filho de um ex soldado dos Eran. Brinco com espadas desde criança.
— Você está mentindo. — Triard Saphira trincou os dentes. — Alguém o treinou. Você não é um rapaz que "brinca com espadas".
Mais um choque da espada dos dois oponentes e Lenrah sentiu o Saphira vacilar. Triard, já com seus quase cinquenta anos, não era mais o mesmo de sua juventude.
— Eu fui treinado por Gillani Gaspez. — Murmurou Lenrah, girando a espada novamente para bloquear um ataque do Saphira. — A melhor guerreira que já pisou em Carmerrum.
— Quantos anos você tem, garoto? — A testa de Triard brilhava. Ele estava para perder.
— Dezenove. — A leveza com que o rapaz pronunciava as palavras irritava o experiente guerreiro. — Dezenove primaveras muito bem vividas.
— Gaspez morreu antes dos seus catorze anos, garoto. — Respondeu Triard. — Diga a verdade!
Lenrah não disse nada, apenas lançou a Triard um sorriso de canto de boca. Estava quase vencendo e sabia disso; Fartou-se daquela brincadeira, investiu com tudo de si para cima do pescoço de Triard...
Que o surpreendeu com um golpe firme, batendo com maestria na espada de Lenrah, que escorregou no suor de sua mão e rodopiou no ar, sendo alavancada para longe do alcance do jovem guerreiro. Lenrah pulou para trás e Triard sorriu sadicamente, dando-lhe um golpe desajeitado na barriga, que o fez cair de encontro ao chão. Seu abdomen sangrava; Lenrah Moran estava fraco. Era o fim para o jovem guerreiro.
— Foi muito bom brincar com você, garoto. — Disse Triard, apontando a espada para a barriga do rapaz. — Mas está na hora de terminar com isso tudo...
Lenrah, contudo, sorriu. E antes que Triard pudesse se dar ao luxo de estranhar sua reação, sentiu o frio de uma lâmina pontuda encontrando a pele de seu pescoço.
— É o fim da linha, Triard. — Disse-lhe uma voz bem familiar. — Despeça-se de sua vida medíocre.
O Saphira sabia quem estava por trás daquela lâmina. Sim, certamente ele sabia. Largou a espada, virou-se com cautela e vislumbrou, do outro lado da espada enferrujada, o homem a quem tinha dito que não pertencia à sua família há alguns anos.
Fowillar.
— De onde você surgiu? — Triard apertou os olhos.
— Você sempre disse que o conhecimento tinha tanto valor quanto a força, Triard. — Fowillar era frio como uma pedra de gelo. — Sempre foi conhecido como "O Saphira guerreiro". Te desapontou seu filho mais velho não comparecer às aulas de combate que você contratou para ele, não é? Teaus Saphira, seu segundo filho, sempre foi um guerreiro, enquanto Fowillar gostava de estudar a guerra mais do que entrar nela.
— Do que você está falando? — Triard rosnou.
— Eu estava observando a luta de vocês, Triard. — Disse Fowillar. — Eu nunca fui um guerreiro. Sabia que Lenrah o venceria se não fosse desarmado, mas caso isso acontecesse, ele precisaria de ajuda... E você, eufórico com a suposta vitória, não perceberia a aproximação de ninguém. Eu te conheço, Triard.
— Fowillar... — Com a arma colada ao pescoço, não havia muito onde correr; O Saphira já estava condenado. — Você vai matar seu próprio pai?
— Eu não tenho pai. — Fowillar rosnou. — Não foi isso que você me disse, Triard? No dia em que fui expulso...
— Você tem certeza? — A voz de Triard era acolhedora. — Você tem uma irmãzinha, sabia? Lyruel Saphira... Ela tem três meses. Não gostaria de conhecê-la?
— Eu NÃO tenho irmã porque não tenho pai. — Contudo, Fowillar vacilava. Sua voz saía trêmula e ele não parecia mais tão certo do que estava fazendo. — E você vai morrer agora, Triard.
— Você é um Saphira. Meu sangue corre nas suas veias. — Triard Saphira sorriu. — Seu nome é Fowillar Saphira...
— Meu nome é Fowillar Nalan. — E, disto, Fowillar se orgulhava. — Eu não tenho mais nada de você.
— Tem certeza? — Triard ergueu uma sobrancelha. — Você se lembra, Fowillar, de quando começou a fumar para ser igual à mim? Você tinha doze anos e detestava cheiro de cigarro. Conseguiu se livrar deste vício?
— Eu... Eu... — Fowillar sentiu a garganta ficar seca. Sua mente o levou para seus doze anos, quando Triard era seu maior herói e o garoto queria ser como o pai. Não podia negar que este vício maldito havia sido adquirido por influência do Saphira.
— Fowillar... — Lenrah pronunciava as palavras com dificuldade. Estava vivo, mas muito ferido. — Ignore. Este homem o expulsou de casa, ele não te ama e nunca te amou.
— Lembra-se dos traços de personalidade que você puxou de mim, Fowillar? — Triard não se calava. — Metódico, racional e crítico. Você ainda é assim?
Fowillar sequer teve forças para responder. Ele havia adquirido de Triard todos os seus melhores traços; Não teria coragem para matar seu genitor, por mais que seu amor á causa fosse maior.
— Mas, se isso não é importante para você, me mate. — Disse Triard, sentindo as oscilações da lâmina em seu pescoço. Fowillar estava tremendo. — Vamos, dê fim à vida de seu pai. O seu maior herói, aquele que o criou, que o fez o homem que você é... Vamos, se você tem coragem de...
No entanto, Triard não completou sua frase; Começou a cuspir sangue e curvou-se sobre si mesmo, no que Fowillar identificou uma adaga cravada em suas costas e um ensanguentado Euler arfando atrás do homem.
— Isso é por Julien. — Euler murmurou por entre os dentes.
Triard, ainda vivo, voltou-se para Euler e, antes que o Saphira pudesse fazer qualquer coisa contra ele, Fowillar fincou a espada em suas costas, abaixo da adaga, fazendo o já debilitado Saphira desfalecer de vez.
Fowillar havia matado Triard Saphira. E Lenrah, repousando a mão sobre a barriga, sorria para o seu garoto.
— Eu sabia que você conseguiria. — Disse o menino, arfante. Fowilar passou a língua por seu lábio superior, incrédulo de seu feito. — Você é incrível.
— Obrigado, Christol. — Disse o rapaz, banhando seus pés no sangue do próprio pai.
— Não precisa agradecer. — Respondeu Euler. — Você quem matou o homem. Eu lhe devo mais "obrigados" do que o contrário.
— Preciso sim. — Fowillar encarou o olhar raivoso de seu genitor antes de vir a falecer. — Você me trouxe de volta à realidade.
***
Loenna não havia saído de casa para ser misericordiosa. Seus olhos incendiavam de fúria, seus movimentos denunciavam a forma mais pura do ódio que há muito tempo era armazenado em seu corpo. Tinha treinamento o suficiente para aniquilar os mais amadores em um piscar de olhos; Dois dos Saphira padeceram sob a lâmina de seu punhal sem que ela precisasse se esforçar muito. O terceiro inimigo, um Kantaa, deu um pouco mais de trabalho: Loenna quase foi atingida por sua cruel espada durante um golpe oportunista. O urso era, como sempre, musculoso e gigantesco, e suas feições assustavam. O homem golpeou para a direita, Loenna desviou; Golpeou novamente para a esquerda, ela se esquivou novamente. Seus olhos azuis cintilavam em fúria. Quando o Kantaa tentou golpeá-la pela frente, Loenna se abaixou, sentiu a lâmina a milímetros de sua cabeça, impulsionou-se para frente e fincou o punhal no peito do Kantaa guerreiro. O brutamontes faleceu na mesma hora.
A garota, porém, não teve descanso; Ouvia passos atrás de si e quando virou-se para trás, o quarto inimigo disparou um tiro. Com um rompante salto para o lado, Loenna desviou-se e praguejou baixinho; Os Eran não eram muito bem preparados militarmente, uma vez que eles preferiam pagar pelo seu exército do que fazer parte de um, mas tinham uma vantagem com a qual nenhuma outra família de Carmerrum podia contar: Armas de fogo.
A líder rapidamente se recompôs; O Eran era bem jovem, provavelmente não passava de 16 anos, e tremia com a arma em mãos. Loenna aproveitou a fraqueza do rapaz: Escondeu-se no meio das chamas crepitantes e da fumaça densa ao redor do campo de batalha, fazendo-o atirar para o vazio por duas ou três vezes, e surpreendeu-o com um golpe de adaga diretamente nas costas. O jovem Eran cuspiu sangue e, assustado, deixou que a arma caísse. Loenna e apanhou quase que como um reflexo e terminou seu serviço com um tiro no meio do peito.
Dois Eran surgiram das sombras com suas armas apontadas diretamente para a garota, mas Loenna estava preparada desta vez; Usou o corpo do Eran morto como escudo para as três primeiras balas, e quando este foi completamente alvejado de forma a não mais poder ser útil, a líder rebelde já havia bolado um plano. Correu para trás de um dos Eran e impossibilitou o outro de atirar novamente, pois acertaria um companheiro.
O Eran mais próximo virou-se para Loenna e apontou a arma para a garota, mas a antiga assassina de aluguel não era nova nessa brincadeira; Imobilizou o braço do rapaz com seu corpo, impedindo-o de virar a arma para ela, e ambos ficaram nesse joguinho corpo-a-corpo — Ela tentando roubar sua arma, ele tentando recuperar o controle. — até que um tiro fosse ouvido. Era o segundo Eran tentando a sorte. E a bala, voraz e solitária, acertou diretamente... No seu colega de guerra.
Loenna sorriu ao vislumbrar o Eran ao seu lado desabar e perder o controle da arma. Ainda com o revólver em mãos, Loenna girou a mão do rapaz em cento e oitenta graus e apertou o gatilho, mirando o segundo Eran; Acertou seu ombro. O mais velho gemeu de dor e desestabilizou-se por um momento, pouco tempo antes de ser atingido em cheio por uma adaga que, ao ser lançada, fora certeira e linear. A lâmina, cravada no pescoço do homem, deu origem a uma cachoeira de sangue e a uma morte instantânea.
Com o mais jovem, Loenna não precisou gastar sua energia. Ferido nas costas, ele precisava apenas de mais uns dois ou três tiros para deixar de vez este mundo. E assim ela fez; Com a primeira arma roubada, Loenna explodiu a cabeça de seu inimigo. Finalmente, ela parecia sozinha no campo de batalha.
Então uma sombra aproximava-se dentre a fumaça. Seria um amigo? Um inimigo? Loenna não poderia simplesmente atirar. Ele parecia tão bem sucedido no combate quanto ela, visto que carregava dois revólveres nas mãos e a cada tiro um homem ou mulher ia ao chão. Poderia ser um Eran. Poderia ser um de seus colegas que roubara o revólver das mãos dos inimigos. Não havia como saber.
Loenna trincou os dentes e apertou suas mãos ao redor das armas. O calor do fogo queimava suas bochechas e seu rosto branco estava coberto de fuligem. A respiração descompassada, o suor escorrendo pela testa; Seja quem for, Loenna estava preparada.
E, então, ele apareceu das cinzas.
Loenna conseguia ver seus cabelos acinzentados desgrenhados colados na testa pelo suor; O cavanhaque escondendo um corte vermelho logo abaixo da bochecha; Os olhos castanhos cintilavam de ódio e a pele branca de seu rosto estava tão coberta de fuligem quanto a da garota. Era ele, o gênio do mal, o desprezível Morius Eran.
Algo a impediu de disparar imediatamente contra seu peito; Ele, pelo visto, sentiu o mesmo ao focalizá-la. Ambos recuaram, franziram a testa e encararam um ao outro com os dois revólveres em mãos, acompanhados de nada além dos gritos desesperados do ambiente de guerra.
— Morius. — Loenna rosnou, quase como um animal selvagem.
Morius emitiu um meio-sorriso.
— Eu me lembro de você. — Seu olhar era maléfico. — Assassina de aluguel, não é? Que decadência...
Loenna engoliu em seco. Não podia negar seu passado.
— Eu sou Loenna Nalan. — Respondeu Loenna, incisiva. — Fui eu quem dei início à rebelião que você está vendo.
Morius soltou uma gargalhada maligna.
— Você que é a tal Loenna Nalan? — E ele não parava de rir. — Decepcionante. Você era apenas uma cadelinha nossa, e agora se sentiu no direito de se rebelar?
— Eu NUNCA fui cadelinha de ninguém. — Esbravejou Loenna, sentindo a raiva tomar conta de seu corpo. — Eu tenho e sempre tive princípios.
— Que princípios? — Morius se divertia imensamente com toda aquela situação. — Você matava por dinheiro, garota.
— Pelo visto, seu problema é o fato de eu receber pelo serviço. — Loenna não iria deixar aquilo passar em branco. De forma alguma. — Já que você faz isso de graça.
Morius ergueu uma sobrancelha.
— E você está falando sobre...? — Morius se fez de desentendido.
— QUENTIN NALAN! — Berrou Loenna. — Lembra-se dele?
— Algum plebeu estúpido? Não. Gasto minha memória com coisas mais relevantes. — O descaso de Morius denunciava: Ele não havia sido o único. O patriarca Eran já havia dado fim à vida de outras pessoas por aí, pessoas com irmãos, filhos, pais, parceiros, ou sozinhas no mundo, que seja. Gente que merecia mais do que um fim cruel na mão de uma família mesquinha. — Se eu o matei, sinto muito. Peço minhas sinceras e humildes desculpas.
Loenna sabia que ele não sentia o menor remorso. Suas palavras soavam como sarcasmo, deboche. Ele brincava com a dor de Loenna, como se Quentin não fosse nada além de uma mera pedra no sapato.
Aquilo não iria terminar assim.
— Ele era meu irmão. — E, antes que a garota se desse conta, seus olhos já estavam recheados de lágrimas. — Você matou meu irmão.
— E daí? — Morius deu de ombros. — Você também matou o meu.
— VOCÊ ME PAGOU PARA ISSO! — Loenna estava incrédula. Não podia acreditar que existia tal nível de cinismo em um homem só.
— Você é uma garota de sorte. — Morius sorriu, denunciando seu claro desprezo. — Resolvi fazer uma promoção especial naquele dia.
E, naquele momento, Loenna teve certeza de que havia suportado mais do que era seu limite. Não iria tolerar aquele nível de chacota, de forma alguma. Quentin merecia mais do que isso.
— Não é preciso tanta gentileza. — Ela decidiu que retribuiria no mesmo nível de ironia e sarcasmo. — Aqui está o seu pagamento, com juros e correção monetária.
E, com as duas mãos já posicionadas no gatilho, Loenna apontou as duas armas para Morius e atirou tantas vezes quanto sua raiva a permitiu.
Para seu azar, o Eran não era tão despreparado quanto seus colegas da mesma família; Morius desviou das balas com facilidade, jogando-se ao chão após cerca de uma fração de segundo. Loenna voltou a mirar seu rosto maligno, mas o ágil patife girou seu corpo e escapou da segunda leva de tiros de Loenna.
E, então, foi sua vez de atacar. Morius ergueu as duas mãos e apertou o gatilho repetidas vezes. Loenna, assustada, correu para trás de uma árvore meio queimada que ali estava e a fez de escudo. O Eran acertou um tiro de raspão em seu antebraço e Loenna gemeu de dor com o corte; Ainda tomada pela raiva, ergueu sua arma e disparou novamente contra Morius, que correu para trás de uma grande pedra.
A troca de tiros seguiu-se na máxima tensão. Loenna saía de seu esconderijo apenas para atirar contra o assassino de Quentin e o seu arqui-inimigo fazia o mesmo. Nenhum dos dois tinha coragem de retirar seus corpos de sua base segura, ambos erravam seus tiros miseravelmente.
Até que o momento chegou: Loenna apertou o gatilho e nada saiu da arma. Estava sem munição. Tentou com a outra, que lhe permitiu mais três disparos, mas as balas também se esgotaram. A garota mordeu o lábio e praguejou baixinho; Não tardaria até que Morius descobrisse o que estava acontecendo. E ela estaria em desvantagem.
O Eran não era burro. Atirou cinco vezes antes de notar que Loenna não se colocava em posição de ataque. Pôs sua cabeça para fora e observou uma indefesa Loenna escondendo seu corpo com o que restava da árvore queimada; As armas estavam jogadas em algum lugar ao seu lado. Dando-se conta do que estava acontecendo, Morius soltou uma gargalhada maligna e fatal.
— Ora ora... — Morius lambeu os lábios. — Parece que o nosso embate acabou, não é?
E, saindo de trás da pedra, o mais cruel dos Eran parecia imbatível. Loenna sentiu seu corpo congelar, de seu dedão do pé até seu último fio de cabelo.
— Fique longe! — Ela rosnou, embora soubesse que não soava muito ameaçadora. — Eu vou acabar com você.
— De que forma, sua imunda? — "Imundo" era o mais comum título atribuído pelos ricos ao povo. Loenna o odiava profundamente e, naquele momento em específico, odiava um pouco mais. — Com os seus dentes? Porque balas você não tem mais.
Loenna agarrou o punhal na cintura. Será que ele seria o suficiente para parar o patriarca Eran? A garota mordia o lábio inferior com tanta força que o gosto metálico do sangue invadia seu paladar. Não podia crer que estava diante de seu fim, não pelo homem que havia ceifado a vida de Quentin. Deveria ter maneira mais digna de morrer.
E, enfim, o cruel Eran a surpreendeu. Reapareceu ao seu lado, detrás da árvore. Era um presente do mal enviado pelas forças das trevas.
— Surpresa! — Ele respondeu, sarcástico, enquanto tirava sua pistola da cintura.
Loenna não pediria por misericórdia; Não, não daria a Morius esse gosto. Morreria com o resto de honra que lhe restava, com o queixo empinado e a honra intacta. Sequer transpareceu medo no olhar; Seria outro prazer que o Eran não teria. Loenna reconfortou-se com o fato de que, se havia vida após a morte, ela se encontraria com Quentin e com sua mãe, a família que amou e que perdeu pelas mãos sujas dos Eran.
Morius não perdeu tempo. Fixou o olhar gélido em Loenna, sacou a pistola da cintura. Encostou o cano frio da arma na testa da ruiva, sorriu com o canto da boca como o mais cruel dos homens faria. E, sentindo um prazer indescritível, o Eran apertou o gatilho.
A arma falhou.
— Mas o...? — Disse o vilão. Loenna só percebeu que havia algo errado quando escutou sua exclamação frustrada na outra ponta do revólver. — Não é possível.
O Eran tentou disparar com a segunda arma, mas falhou novamente. Loenna sorriu e teve certeza que, se existia alguém lá em cima, ele estaria do seu lado.
— Parece que você também está sem munição, Eran. — Loenna afastou a arma da testa com a mão esquerda e, com a direita, sacou o punhal. — Agora é hora de jogarmos o meu jogo.
Morius Eran arregalou os olhos. Não tinha armas brancas consigo, nem mesmo uma simples faca. O jogo havia virado totalmente e agora era Loenna quem recuperara o controle.
O Eran puxou uma lança quebrada e ensanguentada do chão, provavelmente pertencente a algum Kantaa morto. Tentou investir contra Loenna, mas nisso a garota tinha prática; Desviou-se uma, duas, três vezes, e em seguida decidiu atacar. Num impulso, mirou as partes íntimas de Morius, levou o punhal a elas...
Se o Eran pretendia ter mais filhos no futuro, seus planos foram absolutamente frustrados, porque Loenna acertou em cheio. Morius berrou de dor e sangue saía do meio de suas pernas. O maligno largou sua lança e levou as mãos aos testículos ensanguentados, soando agora não mais tão ameaçador quanto antes, mas sim um cachorrinho assustado.
E essa era a oportunidade perfeita. Loenna o apunhalou nas costas, ele berrou; Em seguida na barriga, o que o fez cair deitado ao chão, e como último golpe, a garota acertou diretamente em sua jugular. Os últimos momentos de Morius foram regados a lamúrias desesperadas e gritos de dor. O vermelho tingiu o chão e seus olhos se fecharam quase que instantaneamente.
Era o fim de Morius Eran.
Loenna mordeu os próprios lábios, incrédula de que o homem havia morrido; Esperava um contra-ataque, um xingamento, qualquer coisa; Mas recebeu apenas uma poça de sangue que cobria o solo arenoso e um corpo mole e inerte à sua frente. O punhal de Loenna pingava, sua testa escorria suor, e o entardecer escurecia seu entorno.
Enfim, ela teve certeza de que havia vencido. O seu sorriso correu de uma bochecha a outra, seu corpo finalmente relaxou; Era o fim de Morius, o fim da dívida maldita que tinha com ele. Quem sabe, talvez, o fim da guerra.
Sim. O fim da guerra. Não havia mais razão para o exército inimigo lutar com seu maior líder morto. Loenna sabia o que fazer; Era a hora de terminar com tudo isso.
A garota cortou a cabeça do monstro. Estava diante do centro da cidade, o ponto de maior relevo, onde a acústica era excelente. Escalou a pedra em que Morius havia se escondido, ergueu a cabeça do homem para que todos pudessem ver; Poucos notaram o que estava acontecendo, de forma que Loenna viu-se obrigada a berrar:
— MORIUS ERAN ESTÁ MORTO! — Disse ela, agarrando o seu troféu pelos cabelos.
A luta que a margeava cessou de imediato; Um burburinho tomou conta do ambiente e imediatamente a notícia se espalhou. Morius era invencível, uma fortaleza intransponível; Ver sua cabeça nas mãos de uma pirralha de 26 anos era simplesmente impensável para alguns.
— Aos que ainda lutam ao seu lado, eu darei-lhe a oportunidade de se render. — Ela disparou, em um tom de voz igualmente elevado. — Vocês não serão mortos e nem torturados. Viverão como cidadãos comuns, com os mesmos direitos que nós, como tinha que ser desde o início. Suas riquezas serão expropriadas, mas vocês serão tratados como gente. Se continuarem nesta guerra... Aceitem as consequências.
Três Kantaa, cinco Eran e um Saphira se renderam de imediato, largando suas armas e erguendo as mãos. Motivados por estes, mais algumas dezenas do exército inimigo fez o mesmo. Outros se sentiram pressionados a fazer o mesmo e, em menos de um minuto, todos os guerreiros Kantaa, Eran e Saphira pareciam ter aceitado que a luta acabou.
O exército rebelde notou o que estava acontecendo e, diante da nítida vitória, comemoraram e começaram a bradar, erguendo suas espadas, punhais, ancinhos, enxadas e machados:
— SALVE LOENNA NALAN! — Eles berravam. — A NOSSA VITORIOSA!
Os poucos inimigos ainda vivos abaixaram suas cabeças e deram espaço para os brados inflamados do exército vencedor. Loenna sorriu e observou toda a movimentação que ocorria ao seu redor; Era ela a algoz de tudo aquilo, quem havia inflamado a população; Agora, um novo país os esperava, e seria um país mais justo para todos.
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