Capítulo 15 - Criar vínculos não é fácil... Mas a gente pode tentar. (Flashback)
Era o primeiro treino de Loenna com Serpente.
Eriwan Gehl provavelmente já havia criticado o suficiente a decisão da nova mestre para seus superiores, para seus inferiores, para seus discípulos e para, bem, qualquer um. Serpente por si só não se importava, estava confiante de que havia tomado a decisão certa e parecia ver algum tipo de potencial em Loenna - Um potencial que nem sequer a própria enxergava. - Mas a garota em si estava com medo de que o ex-mestre estivesse certo. E se ela fosse mesmo um grande fracasso? E se decepcionasse Serpente, devido à sua inabilidade de progredir? Teria ela que voltar para Gehl, o mestre que era especialista em humilhar seus aprendizes? Como ela voltaria para ele, após ele se provar correto?
A lenda havia levado Loenna para um grande gramado. Era cerca de oito da manhã, não estava muito quente. Alguns passarinhos cantavam, havia algumas poucas árvores circundando o local. Dificilmente seriam interrompidos, garantiu Serpente; A nova mestre prostrava-se há alguns metros de distância e encarava Loenna com um olhar triunfante. Ela parecia excessivamente confiante de que uma jovem de dezoito anos que em nada havia conseguido progredir com Gehl chegaria a algum lugar.
― Preste atenção... ― Dizia ela, firme; Sua voz era grossa, ela conseguia impor muita seriedade quando queria. ― Eu irei dizer "Já" e você terá que me atacar, usando apenas a força do corpo. Tudo bem?
Loenna fez que sim, mas claramente não estava tudo bem. Suas pernas tremiam e suas mãos suavam frio. É a minha única chance para me mostrar mais que um fracasso, pensava ela.
― Pois bem. ― Disse Serpente. ― Um... Dois... Três... Já!
Loenna correu em direção a Serpente, pronta para surpreendê-la. Suas pernas já pareciam mais leves e seus braços mais poderosos. Era sua única chance, última que ela teria, não poderia perder a oportunidade de ser treinada por Serpente...
Correu o mais rápido que seu corpo permitiu, sentindo o vento nas suas costas. Armou a posição de combate, veio para cima de Serpente e...
Ela a imobilizou antes que Loenna pudesse tentar qualquer coisa.
Fechou seu corpo em cima do dela, deixou a garota travada. Loenna sentia-se com falta de ar, parecia que o mundo iria desabar em cima dela. ― E ela sequer havia tentado alguma coisa. ― Força física era o que ela tinha de melhor e, mesmo assim, havia fracassado.
Quando Serpente a soltou, ela estava arrasada. Seus olhos encheram de lágrimas e a garota sentiu que ao menor estímulo, ela iria chorar. Loenna era um fracasso, essa a verdade; E ela não sabia lidar com isso, não sabia lidar com a inevitabilidade de que decepcionaria sua mestre...
― Bom, vamos tentar de novo. Você... ― Serpente parou. Encarou Loenna, percebeu que havia algo errado. ― Está tudo bem?
Loenna não resistiu. Sua resistência para decepções já estava baixa; Despejou todas as suas lágrimas, desabou em prantos. Jamais seria boa o suficiente para acompanhar uma lenda como Serpente, jamais.
― Me... Me desculpe... ― Balbuciava ela, sôfrega. ― Eu sou uma decepção...
Serpente ergueu as sobrancelhas.
― É o seu primeiro treino comigo. ― Respondeu, calmamente, como se ainda não tivesse perdido a confiança na nova aluna. ― E foi o seu primeiro golpe. Você não é uma decepção, você só errou.
― Gehl sempre dizia... ― Além de triste, Loenna estava morta de vergonha. Queria se esconder e fingir que jamais havia sequer conhecido Serpente, para não estragar a visão que sua maior ídola tinha dela. Elas jamais estariam no mesmo nível. ― Eu era uma decepção. Eu jamais serei mais do que patética.
Serpente lançou-lhe um olhar compadecido.
― Bem... ― E pegou em seu ombro. ― Acho que nós duas concordamos que o Gehl é um grande babaca.
Loenna limpou as lágrimas do rosto.
― Você foi treinada pelo mestre Gehl?
Serpente fez que sim.
― Eu tinha entre sete e dez anos. ― Contou. ― Gehl é bem antigo por aqui, acho que está desde que essa organização foi fundada. Ele sempre quis ser mestre de nível avançado, mas não tem competência suficiente para tanto. Por isso ele é frustrado e gosta de humilhar os alunos. Quando eu treinava com ele, meu desempenho era sempre acima da média, mas ele sempre me punha para baixo porque... Bem, porque ele queria.
- Meu desempenho... ― Loenna fungou. ― Meu desempenho é patético. Eu sou a pior do grupo, não sou "acima da média".
- Bobagem. ― Afirmou Serpente, convicta. ― Você é bastante jovem, tem apenas dezoito anos. E eu sei que você pode melhorar bastante. Acha que eu nasci sendo como sou? ― Serpente balançou a cabeça em negação. ― São 16 anos entre meu primeiro treino e os dias de hoje. Você tem muito potencial inexplorado e precisa de alguém mais gentil que Gehl para liberar o que tem dentro de você.
- O que você viu em mim? ― Por mais babaca que Gehl fosse, ele estava certo; Loenna era patética. ― Por que eu? Por que não tantas outras pessoas, tão melhores e mais talentosas?
Da última vez que Loenna havia feito essa pergunta, Serpente respondera apenas que era porque havia gostado dela e somente isso. Mas havia algo mais além disso em sua escolha, Loenna sentia isso.
Serpente mordeu os lábios. Parecia prestes a dar-lhe uma resposta mais elaborada.
- Loenna... ― E sentou-se em um tronco de árvore caído que havia por perto. ― Por que você escolheu ser uma guerreira?
Loenna ergueu as sobrancelhas. Não esperava aquela pergunta.
- Sim, porque eu vi no brilho dos seus olhos mais do que alguém que simplesmente quer sobreviver. ― Respondeu ela. ― Eu sei que isso aqui significa algo para você. Me diga o por que você está aqui, por que você não resolveu ser cozinheira ou dar aulas para as crianças. Por que, mesmo com Gehl dizendo que você era péssima, eu lhe encontrei treinando com uma adaga no gramado, fora de seu horário de treino, tentando melhorar sua técnica. Você quer ser melhor, você tem um objetivo. Eu quero saber qual é.
Loenna encarou Serpente por um minuto. Se perguntou se valia a pena entrar em detalhes sobre aquilo, sobre como a morte da sua mãe impactará em sua vida para sempre; Sobre como tinha raiva de todos aqueles ricos ridículos que não valorizaram a vida de Gara, e não valorizariam jamais a vida de nenhum deles. Ela evitava explorar esse assunto perto de seus colegas de treino... Mas, para Serpente, era diferente. Ela havia notado que existia um brilho diferente em seus olhos. Ela sabia que no coração de Loenna havia essa mágoa perdida.
― A minha mãe... ― E pausou por alguns minutos. Ainda não estava certa de que alguém que conhecia tão pouco valeria esse momento intimo de sua vida. ― A minha mãe foi morta. Por eles.
Serpente fez que sim, como se compreendesse.
- E você se sente confortável falando sobre isso?
Imediatamente os olhos de Loenna se encheram de lágrimas novamente. Ela não tinha certeza se queria falar sobre aquilo, mas agora que havia aberto a ferida, deveria deixá-la sangrar.
- Eles não se importam com a gente. ― Disse, acabando-se em mil lágrimas salgadas. ― Minha mãe era jovem, sabe? Não tinha nem 30 anos. Eu tinha 11 anos quando tudo aconteceu. - E, imediatamente, a cena retornou aos seus olhos como se tivesse sido ontem. Ainda doía muito. - Ela se recusou a fazer o que eles queriam... Eram os Eran. Deram três tiros no peito dela. Eu e Quentin escapamos por pouco... Eu vi tudo, a cena toda, de pertinho...
Serpente não disse nada. Apenas punha-se a ouvir, atenta.
- E ninguém fez nada. ― Loenna fungou. ― Ninguém nunca faz nada. É como se eles pudessem fazer o que bem entendessem. Eu tive sorte de ter sido encontrada por essa organização, ou morreria à míngua. ― E limpou as lágrimas no próprio braço. ― Eu só queria fazer algo pela morte da minha mãe. Trazer um pouco de justiça a este mundo, terminar com o reinado deles. Eu não quero que ela tenha morrido em vão. Quentin diz que violência só vai trazer mais violência, mas eu não me importo. Eu só quero... Só quero...
Loenna imediatamente se interrompeu; Percebeu que iria se exaltar e não queria chegar àquele ponto. Tudo o que ela queria era se vingar deles, os malditos Eran, Kantaa, Saphira, quem fossem. Ela só queria que eles pagassem por tudo que sempre fizeram.
Serpente a encarou com um olhar tenro. Suspirou baixinho, voltou o seu olhar para o chão. E então lhe deu um abraço.
Foi o abraço mais inesperado que Loenna já havia recebido na vida; Percebeu que a mestre, de alguma forma, sentia com ela. Ela compreendia sua dor, sentia sua angústia; Dessa forma, Loenna a abraçou de volta.
- Não. ― Serpente sussurrou baixinho. ― Eles não se importam.
Loenna a abraçou forte enquanto chorava.
- Minha mãe também morreu. ― Disse Serpente. ― Ninguém sabe o porquê. Eu era apenas uma criança quando recebi a notícia, 9 anos. Nunca vi seu corpo. Não sei onde ela está, se foi enterrada ou se foi deixada para ser comida pelos urubus. Ela era prostituta, sabe? - A voz de Serpente, agora, também falhava. - Ninguém dava a mínima. Não foi tão traumático quanto o seu caso, porque eu não a vi morrer... Mas eu sei a solidão de crescer sozinha.
Loenna fez que sim e se desvencilhou do abraço.
- Você não tem vontade de vingar a morte dela?
Serpente negou.
- Eu já perdi as esperanças. ― E deu de ombros. ― Ela já está morta. Agora eu tenho uma nova familia, e tudo já passou.
Loenna enxugou as lágrimas dos olhos.
- E eu? - Disse Loenna, trêmula. - Eu tenho uma família?
Serpente sorriu serenamente. Ela tinha um bom coração, notou Loenna; Jamais imaginaria que, em algum momento de sua vida, trocaria palavras tão íntimas com sua maior ídola.
- Você tem seu irmão. - Respondeu Serpente. - E, se isso não for suficiente... Eu posso ser sua família.
Loenna piscou. Não acreditava no que estava ouvindo.
- O que você quer dizer com isso?
- Ouça, eu não sou Gehl. - Disse Serpente. - Eu quero ter contato com a minha pupila. Quero que você seja mais do que minha aluna, mas minha amiga. Que compartilhe comigo suas ânsias, seus medos, suas alegrias. Quero que haja uma conexão entre nós. E eu espero que você entenda que nosso treino só vai prosseguir quando você confiar em mim e em si mesma.
E Loenna não conseguiu reprimir sua vontade intrínseca de sorrir. O que Serpente estava lhe oferecendo era mais do que apenas seu conhecimento de luta, mas também sua amizade. E aquilo não tinha preço.
- Eu aceito. - Afinal, Loenna nunca fora de ter muitos amigos. - Eu quero ser sua amiga, Serpente.
- Ótimo. - Serpente não pôde evitar de sorrir. - Você em breve será uma excelente guerreira, Loenna. E conseguirá vingar a sua mãe. Eu vou fazer de você a pessoa que você quer ser.
Loenna não tinha certeza se acreditava no próprio potencial, mas acreditava em Serpente. E, se Serpente tinha fé nela, era porque havia algo que ainda não havia sido revelado sobre a garota.
- Vamos voltar ao nosso treino? - Sugeriu Serpente. - Você ainda tem muito para aprender.
Loenna fez que sim e armou-se em posição de ataque. Ela estava muito mais leve agora; Tinha, naquele exato momento, um vínculo com sua maior ídola, e aquilo não iria se desfazer tão cedo.
***
Considerações finais: Esse foi o capítulo de hoje, pessoal. Espero que tenham gostado e se divertido com ele. Sábado/quarta (Não sei ainda ahahahaha) tem mais! Abraços a todos.
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