1. Todos estamos sofrendo
Há quanto tempo não dão atenção ao seu pobre coração?
𝐍 𝐎 𝐄 𝐌 𝐈 𝐒 𝐀 𝐍 𝐃 𝐄 𝐑 𝐒
O burburinho do Anfiteatro adentra a sala reservada para mim, quando minha mãe abre a porta. Aliso o vestido preto e me obrigo a acompanhá-la pra fora. Se Micael pudesse me ver agora, ele diria que meu corpo está desvalorizado nessa roupa.
— Você consegue ir? Tem certeza que não quer ficar em casa? Vai ser muito difícil.
— Consigo. — Dizer apenas isso parece ter gastado um milhão de moléculas de energia do meu corpo.
O caminho até o grande salão do Anfiteatro não é mais longo que dez passos, mas antes que eu o finalize, muitos olhares me encontram. Todos devem estar com pena de mim, ou pelo menos quem se importa comigo. Talvez o espanto de me verem de preto, depois de muitos anos apenas com roupas extravagantes e, algumas vezes, comprometedoras, seja o motivo de alguns suspiros que ecoam à medida que caminho.
Micael já saiu, pela última vez do lugar em que, até dois dias atrás, era nosso lugar preferido para ouvir uma boa Ópera, mas que agora é apenas o meu lugar favorito. Seis de seus amigos e familiriares seguram o grande caixão de madeira de carvalho lustrado. Pergunto-me se ele realmente coube ali ou tiveram que dobrar suas pernas, já que parece tão pequeno para o homem de quase dois metros que eu chamava de namorado. Não consegui olhar para sua figura inerte dentro do caixão, mas tento imaginar se o vestiram com aquela blusa branca que ele tanto amava e sua calça jeans skyny favorita, ou apenas um terno genérico da morte.
Micael deve estar pálido. Lembro-me que, quando teve anemia, ele reclamava todos os dias que seus cabelos negros intensificavam a palidez anêmica e platina-lo poderia ajudar a disfarçar. Fico me perguntando se, caso aquele acidente não tivesse acontecido, chegaria a ver um amarelo gemado nos cabelos do meu namorado.
Afugento os pensamentos mórbidos e apresso o passo para conseguir vê-lo sair pelos portões dourados que sempre parecem abetos para mim. Sou recebida, lá fora, por um ar abafado devido o grande mormaço que se forma no céu. E o peso do ambiente é intensificado quando um grito cortante, talvez o mais angustiante que já ouvi na minha vida, paralisa todo mundo. Eu sou boa de ouvido, reconheco até o suspiro de uma pessoa, por isso, sei perfeitamente que o autor do grito é alguém que não conheço.
Meus olhos são atraídos para uma garota, talvez uns dois anos mais nova que eu, que entra pelo portão e corre em direção ao caixão de Micael, jogando-se sobre ele.
— Por favor, ainda não. Não levem ele ainda. Não levem meu Micael! — Ela suplica, como se sentisse a dor mais agoniante do mundo. Milhares de flashs de câmeras recaem sobre ela como chuva. A atenção de todos, inclusive da imprensa, agora está dirigida à mulher.
Observo-a. A garota tem cabelos negros, corpo esguio e pernas longas. Eu não sei dizer se ela é bonita, pois seu rosto está contorcido em sofrimento. Mesmo de longe, dá para ver seus olhos inchados, como se tivesse passado a noite chorando.
Eu não a reconheço. Não é nenhuma das amigas que Micael já me apresentou, nem pode ser alguém da família dele, porque eu conheço todos — pelo menos os que ele sempre mantinha contato. Então, quem ela pode ser?
— Por que tem uma louca chorando no caixão do seu namorado? — Minha irmã muito delicada me pergunta — Você conhece ela?
— Nunca vi ela antes. — Minha mãe comenta.
— Pois é, como que essa desconhecida tá sofrendo mais que a própria namorado do morto?
— Vai ver, ela é uma amiga do Micael que não via ele há muito tempo.
— Eu conheço todas as amigas de Micael. — Participo da conversa pela primeira vez.
— Ishi, que estranho — minha irmã diz — tem certeza disso? Porque, pelo jeito dessa aí, Micael era muito importante pra ela.
Minha vontade é mandar Natalie calar a boca. Tenho certeza de que ela está supondo uma traição por parte dele devido a garota histérica sobre o caixão, mas ninguém conhece Micael como eu conhecia. Ele seria incapaz de fazer algo assim comigo. E convenhamos que uma... odeio essa palavra... amante, não teria coragem de aparecer em público em uma situação como essa. Não teria, certo?
Respiro fundo.
Vejo o pai de Micael tirar a garota de cima do caixão e tentar acalmá-la. Ela continua repetindo para não levá-lo ainda, mas os outros não dão ouvidos. Por cinco segundos, seu corpo derrete como gelo e ela fica no chão, com as pernas esparramadas e os ombros caídos. Antes mesmo que eu pense em ir até lá, o meu ex-sogro a levanta e a acompanha para um lugar fora da minha visão. O cortejo continua até colocarem o caixão no carro da funenária.
— Irmã, pode ir tranquila para o cemitério. Eu vou ficar de olho nessa garota, caso ela tente ir para lá também. Quem ela pensa que é pra dar um showzinho?
— Natalie, por Deus, todos estamos sofrendo — digo, segurando as lágrimas — Não arranje confusão e nem tire conclusões precipitadas, não faz nem cinco minutos que ela entrou aqui.
Abraço meu próprio corpo e saio o mais rápido possível para o carro da minha mãe. Eu não quero pensar em nada, não sou capaz de lidar com nada além do meu luto no momento. Quero apenas deixar o meu coração sangrar até que a memória daquele que amei por dois anos valha a pena.
Oiii, querida leitora! Obrigada por ter chegado ao final deste capítulo 💕 Deixe seu votinho e já comente aqui o que achou!
⚠️ Obs.: Sairão capítulos novos todas as terças! ⚠️
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