Capítulo 19 - Surpresas
Durante todo o nosso trajeto, permaneço com meus fones de ouvidos e olhos fechados. Às vezes cochilo e outras, simplesmente fico imaginando coisas. E se tudo tivesse sido diferente? Eu teria ido contar a verdade para Amber, não teria me metido onde não devia. E se eu não tivesse aceitado sair com Juan para o Timmy's? Será que depois da peça não nos veríamos nunca mais?
Um nó surge em minha garganta e sou obrigada a respirar fundo. Preciso espantar esses pensamentos ou a partir daqui, será apenas ladeira abaixo. O passado jamais pode ser mudado, preciso focar no agora, porque é no presente que posso agir.
Sinto o carro parar e abro os olhos, avistando uma grande área verde e ao centro, uma casa. O telhado em forma triangular, dois andares, janelas e portas de madeira escura. Olhando assim, esse lugar não é diferente das casas da zona urbana.
O que realmente me faz perceber estar longe da cidade é a distância entre as residências e a quantidade de vida natural. Ao descer do carro, vejo alguns gansos bebendo água e então percebo que do lado direito da casa, tem um celeiro.
Uma mulher alta, de cabelos pretos presos em duas tranças laterais, vem nos recepcionar, estampando um sorriso de orelha a orelha. Seus olhos azuis nos observam por um instante e em seguida, ela quebra o gelo:
— A viagem foi boa? Vamos entrar!
Nós entramos na casa que, ao contrário do lado de fora, está quente e aconchegante. É tudo tão rústico, a lareira, sofás, porta-retratos... tudo aqui tem uma energia bastante campestre.
— Antes que eu me esqueça, esses são meus filhos: Helena e Damian. Pessoal, essa é Elouise.
— August falou tanto de vocês que parece que já os conheço. — A mulher sorri.
Tão clichê dizer isso. Ela vem em minha direção e eu estendo minha mão, ela aperta e fica corada, em seguida, vai cumprimentar meu irmão. Ela avisa que sua mãe e irmã logo chegarão.
Nós vamos levar nossas coisas para um quarto de hóspedes que fica no primeiro andar. A casa não tem nenhuma adaptação para o meu irmão.
— Pai, você também vai dormir nesse quarto?
Eu observo as duas camas de solteiro, já imaginando se caberá algum colchão ali no meio.
— Na verdade, Helena, eu tenho algo para contar para vocês. Ia esperar até o jantar, mas...
— Você está namorando com a Elouise? — Damian diz, pegando nosso pai de surpresa.
— Eu sabia! Por que demorou tanto para nos contar? — Eu indago para o meu pai e cruzo os braços.
— Bem, a gente ainda estava definindo nossa relação. Mas, e você, me cobrando respostas e nem me apresentou àquele garoto. Eu ainda sou seu pai, lembra?
Sinto minhas bochechas queimarem e cruzo os braços.
— Somos colegas!
— E você está doida para beijar o seu "colega"
— Damian! — arregalo os olhos. Avisto um travesseiro numa das camas e o jogo na direção de meu irmão que agarra com facilidade.
— Quer tacar objetos num capitão de basquete, Lena? — Ele sorri debochado.
Esse chato! Às vezes meu irmão consegue ser insuportável, mas espera aí. Ele voltou a falar comigo? Como assim? É por causa do nosso pai?
— Vocês, se comportem!
Meu pai nos aponta, tentando parecer sério e sai para acomodar suas próprias coisas. Aposto que ele vai dormir com a Elouise, só esse pensamento me faz revirar os olhos. Cuido dela depois, agora preciso rever o comportamento do Damian.
— De repente voltou a falar comigo?
Encaro o Damian depois de fechar a porta.
— Tudo bem! Confesso que ouvi você falando, atrás da porta. Ainda acho que fez besteira, mas gostaria de entender a história completa.
Sento na ponta de uma das camas e respiro fundo.
— Eu queria fazer Castiel pagar pelo que fez e, no fim, descobri que ele era apenas um boneco ventríloquo.
— Que comparação bizarra!
— A Annie vem o chantageando há muito tempo. Ela faz de tudo para manter o padrão de garota popular da escola.
— Disso eu entendo. Antes do meu acidente, ela vivia em cima de mim. Eu era o capitão e confesso que chegamos a ficar numa festa, mas, ela sempre foi insuportável, então, não passou disso. Quando eu deixei de ser o capitão, ela ficou de olho no Castiel já que ele assumiu o posto, mas, ele começou a namorar a Amber e ela ficou quieta por um tempo até que a bomba veio. Tinha pouco tempo que havia tido alta no hospital e a Amber fez questão de me levar ao baile para me animar. Lá pelas dez da noite, Annie assumiu o microfone e revelou sobre a maldita aposta. Castiel não se defendeu, não disse nada, então assumimos que os áudios eram reais.
— A Amber chegou a contar algumas coisas, mas agora com o que você contou junto com tudo o que sei, imagino que talvez nem o áudio seja real.
— Eu espero que ele tenha um motivo muito bom para ter cedido a essa chantagem.
— Ihh, adianto que talvez se decepcione com a falta de coragem do Castiel.
Damian não diz mais nada e fica pensativo. Me pergunto se algum dia a Amber vai perdoar o Castiel ou até voltar com ele. Eles combinam, mas, apesar de tudo, não sei. Se eu estivesse no lugar dela, seria capaz de não reatar o namoro. Perdoar talvez, mas voltar é diferente.
Ouvimos barulhos vindos da sala e supomos que a família de Elouise tenha chegado. Saímos do quarto e vejo uma senhora de cabelos grisalhos, um garoto com pouco mais da metade do meu tamanho, uma mulher bem parecida com a namorada do meu pai com diferença de que é mais baixa do que minha "madrasta" e, por último, um homem de barriga protuberante que deve ter mais ou menos a idade do meu pai, seus cabelos ainda estão na cor loiro escuro natural e as rugas estão começando a se acentuar.
Meu pai chega à sala com os cabelos ainda molhados e o seu perfume invade a sala. Ele sorri para todos, os cumprimentando até que seus olhos encontram o homem loiro. Vejo meu pai arquear as sobrancelhas e inclinar levemente o corpo para trás. Ele se conserta em questão de segundos, mas eu vi a atitude estranha dele. O homem até então desconhecido por mim, parece desconfortável.
— Olá, Philip!
Philip? Já ouvi esse nome em algum lugar!
— Quem é esse cara? — sussurro para o meu irmão
— Não se lembra, Lena! Tente forçar sua memória, esse é o pai da Amber!
— Ele é o pai da Amber? — pergunto mais alto do que pretendia, chamando atenção dos outros. Quando o susto passa, sinto a fúria tomar conta de mim.
Mal abro a boca para dizer umas poucas e boas e meu pai fica na minha frente, ele me olha com firmeza.
— Sem comentários, Helena.
— Esqueceu o que ele fez, pai?
— Eu sei, mas você não está na sua casa, se comporte. Vamos ficar tranquilos e resolver como adultos!
Eu não acredito na calma do meu pai, não posso encarar Philip e aguentar quieta sem dizer nada, eu gostaria de poder arrebentar a cara dele. Ainda sinto a adrenalina passear pelo meu corpo e saio da sala, indo para o quarto, enfio a cara no travesseiro e grito.
— Uau! Você devia ter visto o climão que ficou na sala.
Olho para o meu irmão entrando no quarto.
— Eu não acredito no que está acontecendo!
— Eu te entendo, também não gosto de ter que olhá-lo sabendo que abandonou a Amber.
— Caramba, Damian, o que faremos? A Amber precisa saber disso, mas será que vai ser pior se ela souber?
— A verdade dói, mas ainda é necessária.
— Entendo, não quero mentir para ela. Não depois dos últimos acontecimentos.
— Ela não estará sozinha, vamos conversar juntos quando voltarmos da viagem.
— Tudo bem. Não é como se eu pudesse falar isso por telefone.
Fico com meu irmão, até nosso pai vir nos chamar.
— Imagino que seja estranho essa situação. Também não estava esperando por isso, é a primeira vez que conheço a família da Elô. — Meu pai diz.
— Então essa relação de vocês é séria? Nada passageiro?
Meu pai concorda, de alguma forma me sinto incomodada, mas não deveria. Meu pai merece encontrar alguém e ser feliz, mas porque meu coração não entende isso? Fico aqui pensando: e se ela for mentirosa e fazer mal ao meu pai?
Espanto esses pensamentos ao sermos chamados para jantar. O cheiro de comida invade o meu nariz e me faz salivar, na mesma hora, minha barriga ronca e eu foco meu olhar na mesa. Tem macarrão com queijo, peixe e tourtière¹.
— Espero que gostem! Seu pai me disse do que gostavam! — Elouise diz sorrindo para mim.
— Tia Elou, você também fez minhas Nanaimo bar²?
— É claro, Peter! Vamos comer depois do jantar!
Essa parece ser uma família amigável. Enquanto comemos, Hailey, mãe da Elouise, faz algumas perguntas ao meu pai, como por exemplo: sobre seu emprego, passatempos e onde mora. Ela parece bastante interessada em investigar o namorado da filha.
— Por falar em filhos, o aniversário de 18 anos da Lena já está chegando. Falta pouquíssimo para o dia 26 de outubro.
— Não é qualquer dia que fazemos 18. Vai ter festa? — Elouise pergunta.
— Eu tinha combinado de fazer, mas até tinha esquecido da festa.
Logo no início do ano, preparei uma lista de como queria meu aniversário e entreguei ao meu pai para que ele fizesse acontecer.
— Por que filha? Os convites já estão quase prontos, não está animada? Você adora festas.
— Ah! Eu fiquei tão preocupada com outros assuntos. Prefiro não falar sobre isso agora.
Meu pai olha e mim para o Damian, tentando entender e o silêncio se faz presente.
— Não desiste não, irmã, confia em mim. Vai dar tudo certo!
Damian me olha com um sorriso no rosto e um olhar determinado. Certamente, ele está pensando em algo. O que esse garoto vai aprontar?
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O frio congelante da noite não nos impede de fazer uma fogueira e sentar do lado de fora da casa. Trouxeram um violão para que eu cante e passamos um bom tempo assim, numa energia tranquila.
Mais tarde, a temperatura diminui ainda mais e decidimos entrar. Fiquei para trás, colocando o violão na capa enquanto os outros vão entrando.
— Ei, podemos conversar?
Philip chega até mim. Eu olho em volta e vejo que todos entraram.
— O que você quer?
— Escuta, tem muito mais complicações na vida do que você possa imaginar. Eu sei que gosta muito da Amber, mas, preciso que não fale nada. Existe um bom motivo para eu ter me afastado dela.
¹ A tourtière é parecida com um empadão, mas possui uma massa um pouco mais leve e um recheio diferente, que pode ser de carne, porco ou frango, todos eles muito temperados. Ela é levemente apimentada e bastante saborosa, muito apreciada pelos canadenses. (Fonte: Immi canadá)
² A tradicional sobremesa canadense consiste em três camadas: bolacha waffer com chocolate, creme de baunilha e cobertura de chocolate. Também há diferentes combinações do doce, com café, nozes ou castanha, pasta de amendoim e coco. (Fonte: Immi canadá)
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