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04. Cabrito

1725 (Depois do Fosso)

A princípio, encontravam-se tão perdidos quanto um navio em alto mar sem ventos para movimentar as velas ou uma bússola para auxiliar. Para uma tripulação barulhenta, mais soavam como um navio fantasma, silencioso, lamuriento, onde cada um tentava se convencer de que tudo tinha sido um sucesso.

Só não voltaram com o ouro, com um tesouro ou com uma lembrança sequer. Respiravam fortemente para ter certeza de ainda poderem respirar, mas a contagem de inspirações e expirações não poderia ser aplicada para saber exatamente o quando.

Deveria ter sido uma semana, no máximo, uma semana confusa a qual fariam questão de esquecer e seguir em frente. Não tiveram resultado, poderiam voltar para as próprias vidas e fingir que aquele fracasso nunca aconteceu.

Mas o fracasso se mostrou uma terrível vitória ao avistarem o primeiro navio em alto mar. Teriam passado reto, até sentirem o impacto do primeiro tiro de canhão. E o segundo, e o sétimo. Precisaram revidar mesmo com as poucas forças restantes, e ao finalmente pendurarem o capitão rival no mastro do próprio navio, foram chamados de monstros, criaturas vindas diretamente do inferno.

Não seria um xingamento tão ruim, não até procurarem o diário de bordo daquela nau agora inabitada e se depararem com a data. Devia ser uma brincadeira, nada mais que isso, fruto de marujos bêbados que mal sabiam escrever ou contar os dias direito.

O capitão do Fumaresia ordenou que botassem fogo no navio agora sem capitão, aquilo não deveria ser um problema e não passou de uma miragem fruto do cansaço. Uma que os perseguiu até a primeira ilha avistada, sequer sabiam para onde navegavam, suas bússolas giravam sem norte incessantemente a ponto de serem inúteis.

A serpente marinha entalhada na proa do navio foi como abrir os portões do inferno para aqueles que conheciam a história. Para os ignorantes, não passava de mais um navio no porto. Para os conhecedores, o mal presságio sempre vinha de mãos dadas com uma maldição.

Talvez o capitão queimado estivesse certo, ou sua loucura colocou uma sina maldita sobre aqueles que o executaram, pois as datas nos jornais coincidiam com o diário de bordo, e definitivamente não tinha passado uma semana ou um mês, mas uma década.

Tinham enlouquecido, morrido e ido direto para o purgatório coletivo onde reviveriam aquele inferno dia após dia, onde todos pagariam igualmente por uma mera escolha errada. Se fosse apenas uma escolha, estariam no lucro, e no final tudo que poderiam fazer era encarar ou fugir.

No primeiro dia, vários deixaram o navio. Adentraram a cabine médica do Fumaresia e Letholdus tinha sumido, juntamente com todos os seus pertences e seu gato.

No segundo dia, os cidadãos da ilha tentaram colocar fogo no navio para quem sabe Deus os livrasse da imundície vinda do inferno submerso.

No terceiro, foi a vez de Dorian sair para comprar suprimentos e não aparecer no fim do dia.

No quarto, Harry fez Claude prometer que permaneceriam juntos independente da situação e do que enfrentariam. No quinto dia, Claude desapareceu e deixou para trás somente uma carta e um coração partido.

[...]

1730 (Cinco anos depois do Fosso)

— Eu te ajudo com is...

Nem precisa — Tristan disse, firme, sem sequer olhar na direção de Letholdus enquanto ajudava Pierre a caminhar até a mesa de cirurgia.

Cirurgia, preparação de remédios, jantar, ou só depósito de material nas horas vagas, a mesa no centro daquele cômodo servia para absolutamente tudo, mesmo com a imensa rachadura bem no centro. Poderia muito bem trincar e quebrar de vez, mas Tristan acreditava que se fosse quebrar, já teria acontecido, e ele não ia pedir outra tão cedo, não conseguiriam achar outra madeira tão boa quanto aquela em qualquer lugar.

Tristan colocou Pierre em cima da mesa com pouca delicadeza, e mandou que o homem colocasse a perna para cima enquanto procurava um de seus instrumentos. Pierre não ia conseguir colocar, não com um anzol enfiado por sua pele fruto de um desentendimento com Jo, então Letholdus se sentiu na obrigação de ajudar o ex-colega de navio a colocar a perna para cima.

Em outras circunstâncias, Pierre teria conseguido tirar ele mesmo, mas aceitou que Tristan o levasse meramente para sair de perto de Joanna antes que ela enfiasse outro anzol e decidisse fazer ele de isca. Não questionaria a sanidade mental daquelas pessoas, não quando já conhecia sua insanidade.

— Você está prestes a descontar isso tudo no Pierre — Letholdus disse, cruzou os braços e manteve o olhar em Tristan, que retribuiu com um olhar ironicamente surpreso. Ou não tão surpreso assim.

Mes chers amis, se querem descontar alguma coisa, façam no... — Pierre começou, levantando as mãos em sinal de paz e rendição. Não conseguiu terminar a frase, não com Tristan segurando um cutelo na direção dos dois.

Tristan franziu os lábios e tremeu propositalmente a mão, encarando apenas Letholdus, mas apontando o cutelo para ambos. Com a outra mão, segurava uma garrafa desbotada que não sabiam se ele iria usar o líquido dentro ou só jogar na cabeça de alguém.

— Sabe o que acontece quando alguém começa a sonhar e no dia seguinte, puff, aparece um bagre colossal querendo engolir todo mundo? Não? Porque você não tava aqui! — Tristan disse, rispidamente, ainda com o cutelo erguido. Ele então moveu o braço e bateu com a parte afiada do cutelo no tampo da mesa de madeira, bem ao lado de Pierre, este que precisou dar um pulinho para o lado para não ser atingido. — Basta ter um sonho e começar a ficar maluco, a Amelia coloca uma bola de canhão no seu pé e te joga do navio. Eu vou descontar isso tudo no dia que você começar a sonhar e quem vai colocar a bola de canhão no seu pé vou ser eu!

Tristan apontou um dedo na direção de Letholdus, e então apontou para si mesmo, com os olhos bem abertos e tensos. Letholdus engoliu em seco, mas se manteve firme. Já esperava algum tipo de reação vinda de Tristan, mas isso não impedia de se imaginar descendo e descendo com a água invadindo seus pulmões enquanto o fundo escuro e azul do mar o engolia. Estremeceu só de imaginar, na tentativa de se livrar dos pensamentos intrusivos.

— Ela realmente fez isso? — Pierre perguntou, fazendo uma careta pouco amigável e bastante receosa. Tristan apenas assentiu, e tirou a rolha da garrafa com a boca antes de derramar o líquido em cima da ferida exposta de Pierre.

O francês agonizou levemente, sentindo as próprias entranhas arderem ao toque do álcool destilado. Letholdus automaticamente segurou a perna de Pierre para que ele não se mexesse tanto, mas claramente a atenção dos dois quase especialistas no assunto não era aquela pequena operação. A esse ponto, Pierre preferia ter ficasse perto de Jo e do risco de ganhar outro anzol na perna.

Tristan jogou mais álcool, então lançou um olhar desconfiado e sério para Letholdus. Aquilo era simples, Letholdus tinha fugido, abandonado a todos, incluindo a ele e à Tristana, e isso seria imperdoável. Ainda assim, Letholdus sabia o que fazer naquele momento.

— Olha pra mim e conta até cinco — Tristan disse, dessa vez segurando com uma mão no queixo de Pierre.

Un, deux, trois... — Pierre começou, então recebeu um tapa extremamente forte na lateral do rosto. — Fils de...

Antes de xingar Tristan pelo tapa, sentiu o anzol sendo rapidamente puxado de sua pele, e por um momento Pierre só conseguia sentir sua alma deixando o corpo de vez enquanto tudo ardia. A perna, o rosto, logo sentiu o alívio de já não ter mais aquele pedaço de metal enfiado, e veio a ardência do álcool. A morte pelo cutelo seria menos dolorosa.

— E não ache que isso te desculpa de alguma coisa — Tristan disse, direcionando novamente o olhar para Letholdus.

— Eu não quero que você me desculpe, voltei só pra não morrer, não por saudade de você — Letholdus admitiu, dessa vez franzindo a testa ao encarar Tristan, que pareceu ofendido.

— Eu que não queria saudade vinda de você, tudo que fazia era quebrar a Tristana.

— Eu cuidava melhor dela do que você.

Como ousa?!

— Se não se incomodam, eu quero voltar pra cabine da Capitã — Pierre disse, ainda gemendo baixo de dor enquanto tentava colocar os pés no chão.

Se Pierre esperava que algum dos dois ia ajudá-lo a sair, foi uma breve ilusão. Nenhum iria, e ele ficava mais que feliz em poder se afastar daqueles dois, mesmo mancando.

A felicidade durou pouco, a perna doía mais do que deveria, e subir as escadas para o convés e em seguida subir novamente para a cabine da Capitã foi uma tortura. Apesar da humilhação de tentar se equilibrar com uma perna manca e com o balanço do navio, Pierre manteve a pose convencida e cheia de si enquanto passava pelos companheiros de navio.

Pelo menos ainda o consideravam útil o suficiente para decidir alguma coisa, apesar dos pesares, ou talvez só estivesse o mantendo por perto para colocar uma bola de canhão no pé e o jogar na água na primeira oportunidade. Ele não os culparia, talvez merecesse, mas não se arrependia dos próprios feitos. Fez o que fez para quem saber ter uma chance em vida, mas a esse ponto, talvez não existisse chance nem na morte.

Bateu duas vezes na porta da cabine, e pela falta de resposta, só entrou. Ao invés de ter a atenção de todos em si, Pierre foi completamente ignorado, então só achou um cantinho para sentar enquanto tentava entender o assunto. Para sua infelicidade, recebeu apenas um breve olhar vindo de Jo, e logo sua perna voltou a arder pela lembrança dela com raiva.

— Então só entra nas terras do Governador quem tiver a carta convite, ótimo, como a gente consegue uma dessas? — Amelia perguntou, e alternou o olhar entre Eddie, Jo e Dorian. Pierre até se sentiria ofendido por ter sido novamente ignorado, mas tinha mais interesse no seguimento da conversa.

— Roubar uma? — Dorian sugeriu, movendo os ombros.

— Dá pra fazer uma — Jo disse, erguendo as sobrancelhas.

— Mas pra fazer uma precisaria conseguir uma — Eddie disse, estreitando os olhos.

— A ilha vai tá cheia dos riquinhos, não deve ser difícil conseguir uma, copiar e depois devolver — Jo continuou, movendo uma mão enquanto apoiava a outra na tábua ao centro.

— Ou vocês podem só dizer um nome de gente rica que eles vão deixar passar — Pierre disse, e finalmente todos voltaram os olhares para ele. — Só achar o nome certo.

Pelas faces direcionadas a ele, não concordavam tanto com a ideia, mas não tinham como oferecer algo melhor. A porta da cabine foi aberta novamente, e adentrou um homem o qual Pierre não conhecia. Devia ser gente nova, mas soava absurdo que alguém ainda quisesse estar ali por livre e espontânea vontade.

O homem loiro trazia em um ombro uma grande bacia, e segurava com o outro braço várias tigelas menores. Não parecia feliz com o serviço, mas o fazia mesmo assim, e esperou um aceno positivo vindo de Amelia para se aproximar da mesa.

— Agwe mandou a janta — o loiro disse, e recebeu outro aceno positivo para colocar os potes em cima do tampo de madeira.

Cada um pegou uma tigela enquanto o loiro colocava a bacia maior no meio, e ali terminava seu serviço, apesar de aparentemente ter levado uma tigela a mais do que precisava. Não soube onde colocar, e teria virado o corpo para ir embora com a tigela restante se Amelia não tivesse o chamado novamente.

— Espera — ela disse, e pediu a última tigela com um movimento da mão.

— Quem é esse aí? — Pierre perguntou, sem fazer questão de esconder a curiosidade. O loiro não pareceu gostar da pergunta intrusiva, mas Pierre não se importava.

— Alguém que não é inútil como você — Jo disse, com uma sobrancelha erguida enquanto Pierre a encarava de olhos estreitos e um sorriso azedo.

— Marocas, alguém algum dia achou ele e ele ficou aí — Eddie disse, já se servindo da bacia de sopa.

— Tadinho, tá parecendo gato molhado — Pierre disse, e recebeu um olhar pouco amigável vindo do loiro.

— Que feio, nem todo mundo nasce com o talento de ser elegante, nem você nasceu com isso, cabrito — Dorian disse, e esboçou falsa empatia ao olhar para Pierre. Logo virou o rosto e encarou Marocas, dessa vez a face "empática" tinha sumido completamente. — Com todo respeito, mas é, você tá horrível mesmo.

— Feiura se resolve com ouro, mas deselegância não tem ouro que ajeite — Jo concluiu, e já levava a tigela até a boca para tomar a sopa como se fosse um copo.

Amelia escutou a conversa ao mesmo tempo pasma e pouco chocada. Já esperava aquele tipo de assunto, mas sempre soava bizarro como eram simplesmente indiscretos. Ela olhou para Eddie em busca de alguém igualmente pasmo, mas Eddie tinha decidido simplesmente ignorar. A tigela de sopa parecia mais interessante, e depois disso, ele preferia focar a atenção tanto nela quanto na rede nos fundos da cabine.

Com um movimento do rosto, Eddie indicou para ela só ignorar aquelas pessoas e ir até lá como já pretendia, e com outro movimento do rosto, ela decidiu que não iria, Eddie sim. Ele bufou, levantou, e foi até os fundos da cabine mexer dentro da rede armada. A Capitã permaneceu perto da mesa, e serviu até mesmo a tigela sobrando.

— Obrigada — ela disse, dessa vez olhando para Marocas enquanto o marujo esperava uma ordem. De preferência uma que ele pudesse só sair dali. — Já se serviu?

— Vou fazer isso quando voltar pro convés, capitã — ele disse, e todos podiam notar o quão polidas soavam aquelas palavras. Péssimo, até respirando parecia chamar atenção, e isso era tudo o que ele menos queria.

— Pode ir — ela concluiu.

— Ele fala tão bonitinho, devia colocar ele pra fingir ter nome de rico — Jo comentou, e Marocas automaticamente engasgou com a própria saliva. — A gente vai precisar de gente pra fingir ser rico, né?

Não — Marocas disse, visivelmente assustado.

— Aye, eu pedi pra Abigail arrumar aquelas roupas caras que você trouxe, ainda falta decidir quem vai e quem fica — Amelia disse, logo virou o corpo para dar espaço para Eddie se aproximar novamente.

Algo que Pierre não tinha visto antes, achou que a rede só estava cheia de tralha, mas a tralha tinha nome e uma face sonolenta bastante mal humorada. Eddie trouxe Kidd no colo e o colocou sentado, em seguida Amelia empurrou a tigela de sopa para o garoto. Bastou um olhar e um dedo apontado vindo dela que ele começou a comer. Kidd parecia mais dormindo que acordado, mas tomou algumas colheradas e todos tinham plena noção de que ele jogaria aquela tigela em alguém caso comentassem sobre isso.

— De preferência alguém que saiba se comportar e não tenha a cara manchada — Eddie disse, mantendo uma mão na cabeça de Kidd para manter o menino sentado e não deitado como preferia.

— Eu posso ir! — Dorian disse, com um sorriso animado no rosto.

— Você, a Kamala e o Agwe podem ficar de vigia do lado de fora — Amelia disse, mantendo o olhar em Eddie e a voz bem mais calma do que o tom normalmente usado com os outros presentes. Apenas de olhar para ele, via o motivo da sugestão, a mancha cobrindo o olho esquerdo de Eddie tornava essa a única opção. — Ou vocês dois ficam de vigia da Kamala e ela vigia esse aqui.

Amelia moveu o rosto para indicar Kidd, e Eddie assentiu, soava coerente. Kidd quis protestar, mas ainda estava sonolento demais para isso e com a boca ocupada.

— O Fura Olho vai, mas não só — Eddie estabeleceu, pouco confiava em Dorian. Na realidade, pouco confiava na maioria daquelas pessoas, mas algumas conseguiam o feito de chegar ao nível máximo de desconfiança. — Se o Marocas se vestir direito, acho que dá pra passar.

— Não, por favor, não quero... — Marocas começou, e logo percebeu que falaria mais do que gostaria. Tinha ido só deixar a sopa, não entendia como tinha caído em um assunto tão distante do simples ato de levar uma sopa.

— Eu vou com eles, a Harry vai comigo, o Marocas também — Amelia decidiu, e Marocas quis só virar comida de peixe depois daquilo. Mesmo com ela já tendo dito que ele poderia ir, agora ficaria, ainda poderia tentar reverter aquela decisão. — Se a Jo conseguir criar dois convites seria bom, assim não vamos precisar chegar todos juntos.

Tranquilíssimo — Jo concordou, e ergueu o polegar em sinal positivo. — Só vou precisar dos nomes.

— Eu vou — Pierre disse, e mesmo com os olhares descrentes, ele se manteve firme. — Posso fingir ser o marido de alguém e fui eu que deixei o diário do capitão ir pra lá, nada mais justo que ir buscar.

— Ninguém te quer como marido nem de mentira — Kidd disse, de boca cheia, e Dorian cuspiu parte da sopa em um riso esfolado.

— Se a Harry for, vou ser o marido dela — Dorian disse, ainda rindo, e lançando um olhar para Amelia como quem pedia muito por isso.

— Se você der essa notícia a ela e sair vivo, à vontade — Amelia disse, e logo Dorian tinha levantado com a tigela.

Podiam jurar que ele saiu saltitando da cabine, pelo menos uma pessoa feliz naquele recinto. Enquanto isso, Pierre mantinha a face animada para alguém concordar com a ideia dele, Jo estava ansiosa para alguém permitir que ela enfiasse outro anzol na perna dele, e Marocas queria conseguir sair dali tão aliviado quanto Dorian, mas isso seria impossível.

O único mais tranquilo era Kidd, aproveitando sonolentamente sua sopa enquanto Eddie bagunçava seu cabelo de forma quase carinhosa. O homem mantinha a atenção no garoto para que não caísse de cara na sopa, e Amelia tinha a mesma preocupação. Todos conseguiam ver que naquele momento, a maior preocupação de ambos era o garoto com sono, e provavelmente aquela questão já estava resolvida.

— Podem ir, amanhã a gente vê o que a Abigail tem e decide quem vai com quem — Amelia disse, e suspirou em alívio por Kidd ter finalmente terminado. O garoto apenas inclinou o corpo para o lado e a abraçou, com os olhos quase fechados.

Jo deu um pulinho animado da cadeira, mas ainda triste por não terem continuado com o assunto. Tinha serviço a fazer isso era ótimo, e poderia muito bem passar o resto da noite aterrorizando Pierre ao máximo. Ela adoraria, ele odiaria, isso seria perfeito. Pierre ainda tentaria convencer que sua presença seria super importante, então torcia para Abigail ter roupas de sobra.

Marocas ponderava seriamente pular do convés, não estavam em alto mar, mas já seria fundo o suficiente para talvez um tubarão passar por baixo. Ponderou por um segundo, logo desistiu, não queria morrer, não queria dar fim à própria miséria e se considerar um covarde pela eternidade. Foi o último a sair, mas desejou não ter feito, porém não teria voz o suficiente para questionar a decisão sem levantar suspeitas.

Com a sala silenciosa, finalmente os dois últimos puderam escutar o som das ondas do lado de fora do navio. O baixo barulho da noite misturado ao ranger da madeira que os cercava soava tranquilo, ilusoriamente seguro. Poderiam ter ficado perto de alguma ilha, mas isso seria arriscado demais, muitos saberiam sua localização.

Arriscar o alto mar e a possibilidade de algo vir da água seria menos ruim do que o exército britânico e uma multidão de malucos querendo levar toda a tripulação para a fogueira. Querendo ou não, a maioria tinha cartazes de procurado, e usavam esses cartazes como enfeites nas paredes do navio.

— Se deixamos o navio na parte de trás da ilha, dá pra interceptar alguns barcos menores pra parecer que chegaram separados — Eddie disse, baixo, e se ofereceu para levar Kidd de volta para a rede.

— Pensou no que eu te disse?

— Amelia...

— Não começa, depois que a gente pegar o diário do Gregory, ou você passa em Anguila ou não vai colocar os pés aqui — Amelia disse, seriamente, e manteve Kidd em seu colo. Ela passava os dedos pelo cabelo dele enquanto sentia a respiração quase calma do menino, o que certamente era um milagre. — Precisa ver sua filha.

— Não vou colocar ela em risco, sabe que vão procurar pela gente perto da Grace — Eddie insistiu, e dessa vez sentou ao lado de Amelia com o olhar pesaroso. — Não vou colocar ela em risco.

Com um braço ao redor de Kidd, Amelia virou levemente o corpo, e levou uma mão até a lateral do rosto de Eddie. Bastou uma leve pressão para fazê-lo erguer o olhar e a encarar diretamente, e ela continuou com a mão ali. Ele pôs uma mão sobre a dela, respirou fundo, ainda não concordava com aquilo.

— Se a gente for e dessa vez não voltar, ou voltar daqui mais dez anos, como acha que ela vai ficar? — Amelia insistiu, e moveu o polegar devagar na bochecha dele, próxima da área manchada pela marca escura. — Não é difícil chegar e sair de lá sem ninguém notar, a gente consegue, mas não posso fazer isso por você.

Eddie apenas assentiu, pensaria a respeito, e desejava que o dia de tomar a decisão nunca chegasse. Seu coração apertava só com o pensamento de colocar a filha em risco, assim como apertava com a distância entre ele e ela naquele momento. Não queria falhar novamente, não com uma criança que estava em sua responsabilidade de manter longe de mais um perigo, e infelizmente não poderia controlar o mundo para deixar Grace a salvo. Nem ela, nem a primeira, ou sequer Kidd que naquele momento não passava de um bolinho enrolado e pacífico.

[...]

Se enfiar em um amontoado de pano no fundo do andar das redes e cair no sono tinha sido fácil, difícil seria acordar e se dar conta de estar novamente naquele lugar. Claude abriu os olhos e sentiu o suor pingando de seu resto, suas mãos geladas tampouco ajudavam, e ele precisou de alguns minutos para entender que ao redor de seu tornozelo haviam apenas cordas e não tentáculos.

Respirou fundo, tentou apagar a imagem de tentáculos escuros se enroscando em suas pernas o arrastando para a água, a imagem do navio partido ao meio enquanto dentes rodam em meio às ondas e os consumia com uma velocidade sobrenatural, a imagem dele mesmo se puxando em direção do fundo, e mais fundo, e mais fundo.

Em um momento via os tentáculos ao redor de seu pescoço, e no segundo seguinte via a si mesmo com as mãos no pescoço. Já não conseguia diferenciar entre a imagem de si e a imagem dos tentáculos, e no fim, suas roupas estavam completamente encharcadas como se tivesse acabado de pular no mar.

Mas Claude não tinha pulado, suava frio e respirava descompassadamente. Sequer gostava de olhar para a água de noite, quem dirá chegar perto. Gostando ou não, suas roupas molhadas diziam o contrário, e ele odiava isso. Por sorte, ninguém estava perto o suficiente para notar as roupas, e sua cabeça ainda doía da pancada de mais cedo. Procurou pelo menos por outra blusa ao redor, e achou uma que parecia minimamente limpa. Quem quer que fosse o dono, logo se acusaria ou jamais saberia daquela leve troca.

Pelo balançar do navio, estavam longe de terra firme, e Claude sentiu a cabeça rodar novamente. Queria espernear por ter sido tão ridiculamente estúpido na praia, queria gritar e bater em Kidd só por lembrar da roupa horrível que usou para fingir ser Harry, queria poder se desculpar decentemente com Harry mesmo sabendo que de nada adiantaria, nada compensaria por aqueles anos e pela forma como ele foi embora.

Para o seu desespero, mal tinha vestido a camisa seca alheia, percebeu que estava sim sendo observado, mesmo por dois segundos. O par de olhos verdes e tristes o encarando foi como uma faca diretamente no coração de Claude, e ele já não tinha forças ou criatividade para falar algo de útil. De todos os planejamentos que fez em vida, todos deram errado.

— Harry...

— O Tristan pediu pra ver se você não tava com a cabeça sangrando ou cuspindo sangue — Harry disse, secamente, e olhou Claude de cima a baixo. — Pelo visto não tá.

— Espera, eu...

— Se quer dizer alguma coisa, só não diga — Harry o interrompeu, e ergueu uma mão em sinal para ele parar. Não queria Claude próximo, não queria ouvir sequer outra palavra vinda dele, ao mesmo tempo em que a saudade de olhar para a face do rapaz era tremenda. — Só está aqui porque te acham útil.

— A gente precisa conversar — Claude disse, e em seu olhar ainda restava uma gota de esperança para quem sabe Harry o escutasse.

Ele não ligava para o resto da tripulação, mas se importava imensamente com o que Harry tinha a dizer. O tratamento frio, a distância, ele poderia entender, mas não se contentaria até ouvir dela se ele deveria se aproximar ou se afastar, embora fosse odiar se afastar novamente. Não se arrependia de ter partido, arrependia-se de não ter levado Harry junto, mas sabia que ela jamais abandonaria aquelas pessoas.

Harry respirou fundo, ergueu o queixo, deu vários passos em direção de Claude e manteve os olhos verdes bem abertos enquanto o encarava com apatia. Ela ergueu as sobrancelhas na espera da dita conversa, como se o desafiasse a falar algo com sentido.

— E então? Vai só ficar calado? — Harry perguntou, impaciente, e o tom dela amedrontava Claude de formas que ele não conseguiria descrever.

— Recebeu minha carta... — ele começou, já sabendo que sim, ela tinha recebido, mas não sabia qual seria o desenrolar disso. Foram quase cinco anos desde o dia em que fugiu de madrugada e deixou Harry com nada além de uma desilusão.

— E queimei — Harry disse, e embora fosse verdade, tinha feito isso muito tempo depois.

— Harry, eu não podia... eu não podia continuar aqui...

— E sabe o pior? Eu estava aterrorizada — Harry começou, apontando um dedo para o peito de Claude de maneira acusativa enquanto estreitava os olhos. — Todo mundo tava com medo, não era só você. Eu teria ido com você, Claude. Teria ido com o coração na mão se tivesse insistido e ficado um pouco mais, mas não, você foi sozinho.

— Você sempre quis ficar — ele disse, baixo, sabia muito bem como a ruiva era apegada ao navio e àquelas pessoas, não teria sido uma saída fácil.

— E você não sabe fazer outra coisa além de fugir — Harry concluiu, a tristeza consumindo completamente seu olhar enquanto a mágoa se fazia evidente.

O nariz avermelhado de Harry denunciava o quanto ela queria segurar o choro, mas o faria ao máximo, não se permitiria chorar na frente dele depois de todas as noites em que ele tinha sido a razão de suas lágrimas. Seu coração ainda batia mais forte apenas por ver Claude novamente, mas cada batida dolorida exauria Harry.

Poderia ter continuado ali, mas preferiu voltar para o convés e avisar para Tristan que Claude estava mais que bem. Tristan amaria a notícia, assim não teria que fazer serviço tão tarde da noite e se afogaria em alguma garrafa de rum o quanto antes. A garrafa de rum não impedia o serviço, mas certamente Tristan odiaria atender alguém de dentro da categoria "mula covarde fedida" que ele mesmo tinha criado desde que fora abandonado ao relento pelo parceiro de cabine. Parte de tudo isso era drama, mas a categoria de fato existia e Tristan se recusava a ser gentil com aqueles que se encaixavam nos requisitos.

Para a surpresa de Harry e a raiva de Claude, assim que a ruiva virou o corpo para subir as escadas em direção do convés, deu de cara com uma criatura bastante alegre e contente, o exato oposto de Claude naquele momento.

Harry sabia que Dorian tinha ido conversar com a capitã e o imediato, então devia ter boas notícias, qualquer notícia melhorzinha já servia. Quem dera ela pudesse ter participado, até podia, mas achou que por alguma razão não especificada não deveria entrar no meio do assunto. Desmotivação descabida, Harry sempre entrava no meio do assunto, mas aquele dia já tinha sido particularmente incômodo. De um jeito ou outro, alguém poderia falar as novidades em algum momento, e esse alguém seria Dorian.

— Ora, ora, eu tenho uma novidade muito boa pra ti, lagostinha — Dorian comentou, com um sorriso bastante satisfeito, ao mesmo tempo em que Claude poderia muito bem sair rosnando como um bicho.

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