03. Mentes conturbadas
Depois de duas semanas, Hope começava a pensar que nunca mais veria o Sonho dos Perpétuos.
Ela começava a pensar que talvez seu atrevimento tivesse de alguma forma o afastado, que talvez suas maneiras fossem muito diferentes do que ele estaria acostumado.
Parte dela se sentia triste com esse fato, ela queria apenas continuar com seu experimento, descobrir se o Perpétuo havia alguma vez sentido esperança em sua existência e se sim, como ele poderia esconder isso dela.
Não a entenda mal, ela não era um alguém frio e calculista para armar toda essa situação apenas por um experimento, parte dela sempre teve curiosidade de conhecer os outros Perpétuos.
Parte dela sempre quis conhecer o Sonho em específico, de todos os Perpétuos, seus poderes e deveres eram os mais próximos aos de Hope.
Além do mais, uma eternidade com a companhia de apenas um pássaro era um pouco solitário.
Hope amava William, ela faria qualquer coisa por ele, ele era mais que uma ave para ela, era família. Entretanto, às vezes ela sentia falta de falar com seres parecidos com ela.
Nessas horas, quando ela simplesmente não conseguia evitar pensar, ela se pegava lembrando da família, de todos eles.
Bom, eles não eram de fato uma família, não eram irmãos e irmãs.
Afinal, eles haviam surgido por causa de sentimentos, eles não tinham pai ou mãe em comum.
Entretanto, Hope sempre os viu como família, diferente de alguns dos outros.
Medo e Ódio eram um casal.
Tristeza e Felicidade se gostavam mesmo que nunca fossem capazes de admitir isso para si mesmas.
Hope por outro lado, sempre viu todos como família, seus irmãos e irmãs.
Apesar de seu amor para com os irmãos, ela normalmente não sabia como lidar com eles, não sabia conviver próxima de todos. Por isso, ela geralmente passava a maior parte do tempo com Amor. Ele sempre foi o mais próximo dela, e aquele que ela mais havia sentido a perda.
Ela se pegou pensando se o irmão estava olhando por ela, como os humanos pensavam sobre seus próprios entes queridos.
Seja lá como fosse a "vida" dos Sentimentos depois da "morte" eles estariam olhando por ela? Ajudando-a?
Bom, Ódio e Medo com certeza não estariam, talvez eles estivessem influenciando negativamente a vida dela, talvez ela fosse o novo e maior divertimento deles.
Entretanto, os outros estariam olhando por ela? Estariam cuidando dela?
A resposta provavelmente era não, afinal, Hope sempre foi aquela com ideais familiares, aquela que acreditava, aquela que se preocupava. Seus irmãos eram outra coisa, tinham outras mentalidades.
William não estava em casa, estava voando por aí, decidido a tentar esquecer sua nova amiga, não o ter por perto só aumentava a já grande solidão de Hope.
A imortalidade às vezes podia ser triste.
Solitária.
Para todo sempre sozinha.
Hope se perguntou se ela aguentaria mais milênios dessa forma.
Então ela o sentiu pisar em seu território.
Seus pensamentos confusos se foram.
O sorriso veio até ela sem que ela percebesse.
O poder dele retumbou pelo chão, pelo ar, a envolvendo com a esperança de sonhar.
Ela quase conseguia sentir a luta dele, quase conseguia sentir sua confusão, sua curiosidade e até mesmo sua raiva.
Hope se pegou tendo vontade de rir dele, de como ele provavelmente não sabia o que ou quem ela era.
Diferente de Morte, Sonho era egocêntrico e pretensioso o suficiente para pensar que os Perpétuos eram os seres mais velhos e poderosos existentes.
Esse fato quase tornava a farsa dela, seu pequeno experimento, um ato benevolente para com o mundo.
Assim como da outra vez, ela abriu a porta antes que ele pudesse bater, ansiosa demais para simplesmente esperar que ele saísse de seu monólogo interno e decidisse bater.
Os olhos lindos dele a encararam com expectativa quando a porta que os separava foi aberta.
Hope não conseguia se acostumar com a beleza dele. Com a forma que ele parecia uma escultura milimetricamente pensada.
Tão lindo.
E ele nem mesmo se esforçava para isso.
Suas roupas pretas combinavam com ele, e Hope tinha que admitir que ele parecia muito melhor que ela, que estava usando um vestido de verão lilás, seus pés descalços e uma rosa em seu cabelo.
ㅡ Morpheus. ㅡ o nome dele saiu mais saudoso do que ela pretendia fazer soar.
ㅡ Hope. ㅡ a voz dele era a coisa mais bela que ela já escutou, um tipo de música celestial que ela nunca havia ouvido antes, ela se pegou pensando que poderia ouvir ele falar por toda eternidade e nunca se cansaria.
ㅡ Você veio. ㅡ um sussurro jogado ao vento, um sorriso estúpido em seus lábios.
Ele pareceu a contemplar, memorizar cada detalhe dela, suas feições como sempre, sérias.
ㅡ Entre, eu fiz um bolo mais cedo e acabei de preparar um suco de morango. ㅡ ela o convidou.
Ele a encarou como se debatesse se valia a pena.
Com um suspiro inaudível ele a seguiu para dentro da casa.
Duas semanas.
Esse foi o tempo que ele suportou.
Apenas duas malditas semanas até que os pensamentos sobre ela fossem insuportáveis de se ignorar.
Morpheus estava irritado.
Irritado com a maldita mortal que havia adentrado sua mente e se recusava a sair.
Ele estava decidido a resolver às coisas naquele dia, estava decidido a obrigá-la a dizer a verdade, a livrá-lo de qualquer que seja o maldito feitiço que ela havia colocado nele.
Entretanto, ao vê-la, todo seu raciocínio se foi. Todos os seus planos se foram.
Lá estava ela, mais linda do que ele se lembrava, mais cheia de vida do que ele tinha lembranças.
Ele comeu o bolo e bebeu o suco em silêncio, e ela também se manteve calada enquanto comia, seus olhos nunca deixando ele.
ㅡ Você vive sozinha? ㅡ ele perguntou por fim, sua primeira pergunta para ela.
Hope maneou a cabeça.
ㅡ Sim. ㅡ ela concordou. ㅡ Algumas vezes eu tenho a companhia de um pássaro que eu salvei, mas, vivo sozinha a maior parte do tempo. ㅡ ela explicou.
Morpheus assentiu absorvendo as novas informações dela. O fato dela ter salvado um pássaro chamando a atenção dele.
ㅡ E você? ㅡ ela perguntou curiosa, seus olhos com um brilho diferente.
Morpheus ficou em silêncio por um momento, tentando encontrar uma forma de mentir de forma convincente para ela.
ㅡ Além das pessoas que trabalham para mim, vivo sozinho em meu lar. ㅡ foi a frase mais longa que ele já havia dito na presença dela até aquele momento e ele percebeu como ela parecia ficar animada ao ouvi-lo falar.
ㅡ Você não é casado? ㅡ ela perguntou.
As feições dele ficaram ainda mais sérias.
ㅡ Não. ㅡ veio a resposta curta e seca. ㅡ Você?
Hope não pôde se controlar e riu levemente, sua risada acendendo algo dentro do peito dele. Em seu coração.
ㅡ Não. Não mesmo. ㅡ ela negou com um sorriso nos lábios.
ㅡ Como uma mulher morando sozinha no meio do bosque consegue sobreviver? ㅡ ele perguntou, uma leve curiosidade em seu tom.
Hope ainda sorria.
ㅡ A natureza me dá tudo que preciso. ㅡ ela garantiu. ㅡ Eu planto morangos atrás da cabana, algumas videiras e outros alimentos também, então vendo a geléia e o vinho no mercado da cidade. ㅡ ela explicou.
Morpheus se levantou da cadeira ao qual estava sentado. Ela fez o mesmo.
ㅡ E você não tem medo? De viver sozinha tão afastada de todos? ㅡ ele deu um passo na direção dela tentando a intimidar.
A tensão preencheu a sala, as desconfianças dele pairando no ar.
Hope sorriu com atrevimento em seu olhar.
ㅡ O medo não é um sentimento que eu aprecio. ㅡ um sorriso travesso estava enfeitando os lábios dela. ㅡ Além disso, somente tolos vêm ao bosque para amedrontar outros. E eu não tenho medo de tolos.
Morpheus deu outro passo à frente. Ela não se moveu.
ㅡ E você não tem medo de mim? ㅡ ele perguntou intrigado. ㅡ Não tem medo do que um homem pode fazer ao ser convidado de forma tão ingênua por você para dentro de seu lar?
Hope sorriu ainda mais e deu um passo à frente, se aproximando mais dele e o surpreendendo.
ㅡ Se você fosse me machucar de alguma forma você já teria feito isso. ㅡ ela deu outro passo à frente, sua mão esquerda se arrastando pela mesa de madeira. ㅡ Além disso, não seria sábio atacar alguém em seu próprio lar, afinal, a pessoa em questão sabe exatamente onde e o quê está em qual lugar. ㅡ ela puxou uma adaga que estava presa debaixo da mesa de madeira e a apontou para a garganta exposta do Perpétuo, o pegando de surpresa. ㅡ Você não concorda comigo, senhor?
Morpheus se pegou assentindo, um sorriso de canto em seus lábios.
Uma adaga contra o Sonho dos Perpétuos?
Ainda assim, ela havia conseguido novamente. Havia o intrigado ainda mais. Havia conseguido o cativar um pouco mais.
ㅡ Desculpe por isso. Normalmente eu não aponto adaga para meus convidados. ㅡ ela deu alguns passos para trás, guardando a adaga dentro do armário da cozinha. ㅡ Entretanto, sua tentativa de me intimidar estava começando a me estressar levemente.
Ela riu um pouco.
Morpheus a encarou, apreciando sua beleza e graciosidade.
ㅡ Estou apenas curioso. ㅡ ele admitiu ainda a olhando. ㅡ Você também estaria se estivesse em meu lugar.
Hope deu uma risadinha.
ㅡ E quem disse que eu não estou? ㅡ ela perguntou divertida. ㅡ Você também é um mistério, Morpheus.
O Perpétuo suspirou.
Seus pensamentos conscientes voltando para ele.
Mais uma vez ela havia o distraído de seus objetivos, mais uma vez ela havia o encantado.
Ele se virou e caminhou para fora da cozinha e para fora da cabana sem dizer uma palavra.
Hope o seguiu.
ㅡ Para onde você está indo? ㅡ ela perguntou confusa, ele estava de costas para ela, já afastado alguns metros da cabana.
ㅡ Embora. ㅡ ele murmurou. ㅡ E eu não pretendo voltar. ㅡ ele confessou.
Ele simplesmente não podia.
Não podia ficar sorrindo para as ações dela. Para ela. Não podia continuar sentindo seu coração acelerar na presença dela.
Ele simplesmente não podia se apegar à ela.
ㅡ Morpheus. ㅡ ela chamou. ㅡ Pare com isso, eu não vou apontar outra adaga pra você. ㅡ ela garantiu.
ㅡ Eu não posso continuar voltando até aqui. Eu tenho um lar e trabalho a fazer. ㅡ ele ainda estava de costas para ela, temendo a encarar.
ㅡ Seriamente? ㅡ ela zombou. ㅡ Você nem ao menos vai olhar para mim para falar comigo? Você se sente tão superior assim?
Ele se virou bruscamente para ela.
Azul encontrando o verde.
Esperança encontrando Sonho.
Sentimentos confusos encontrando outros sentimentos confusos.
Corações acelerados, mentes conturbadas.
ㅡ Você fez algo comigo. ㅡ ele murmurou, frustação em sua voz. ㅡ Você tem que parar de fazer isso. Seja lá o que for. ㅡ ele ordenou.
ㅡ Eu não estou fazendo nada. ㅡ ela rebateu. ㅡ Talvez você só precise de alguém para conversar, de companhia, mas é egocêntrico demais para admitir e quer me culpar por ser gentil com você. ㅡ ela elevou o tom de voz.
ㅡ Você ousa? ㅡ ele perguntou com indignação enquanto se aproximava dela.
ㅡ Eu ouso. ㅡ ela disse com um ar de superioridade. ㅡ E se você for embora e voltar, vai ser porque admite que eu estou certa, que você por algum motivo gosta da minha companhia, assim como eu gosto da sua. ㅡ ela elevou o tom de voz outra vez.
Morpheus deu outro passo à frente, seus rostos próximos, seus olhos no dela. Por um momento ele pensou como seria beijá-la, se perguntou que gosto os lábios dela teriam.
Entretanto, ele apenas a encarou.
ㅡ Adeus. ㅡ ele murmurou e se afastou, dando às costas e indo embora.
Hope o observou partir.
Raiva em seu olhar.
E seu coração ardendo com uma dor nunca sentida antes.
I. Oie pessoas lindas. O que acharam do capítulo? Gostaram?
II. O capítulo de hoje foi cheio de emoções, Morpheus e Hope discutiram pela primeira vez. O que acharam? Eu queria mostrar como o Morpheus pode ser um tanto egocêntrico e pretensioso e como a Hope odeia algo assim.
III. Pequeno spoiler, o próximo capítulo se passará 3 anos depois.
IV. E sim, os Sentimentos não são realmente irmãos, e sim, isso é importante para o desenvolvimento da história.
V. Por hoje é só, mas nos vemos em breve.
Byee♡.
19.08.2018
By: Duda.
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