"Não vou mais treina-la."

Aquela frase me desapontou profundamente, Joker estava na minha frente fitando o chão da sala de vidro. O cabelo desarrumado e a blusa branca, os óculos encobrindo olheiras de vários dias sem sono.

"Seu trabalho não deve estar sendo o mais fácil do mundo e eu não lhe ajudei em nada quando discutimos. Eu sinto muito" me desculpei envergonhada por tudo, ele apenas riu leve.

"Não tem nada haver com nossa pequena...discussão. Eu só estou trabalhando muito e não acho justo deixar você sem um treinamento adequado até Ignis e Dustin voltarem." Ele deu de ombros.

"Você é um ótimo professor, e estava certo, eu não estou cansada e sim com preguiça. Eu não tenho que esquecer o outro mundo para tornar este a minha casa, eu só preciso torna-los parte de mim."

"Fico feliz que tenha entendido a mensagem. Mas como disse, outra pessoa cuidará de seu treinamento, pelo menos por agora." Ele falou saindo da sala, sem me deixar uma única brecha para que o fizesse voltar.

Estava me alongando quando um assovio fraco e desafinado surgiu atrás de mim me fazendo virar bruscamente. Era ele, o homem das correntes.

"Bom dia, Jasmim." A voz brincalhona soou mais além de nós, ecoou pela sala e em minha mente. Quem quer que seja este homem, ele é diferente de todos aqui, ele é como uma peça mal encaixada em um quebra-cabeças. Ele pertence a este lugar contudo, não se encaixa perfeitamente.

"Bom dia senhor...Aliás, qual é o seu nome?"

"Tullius. Seu mais novo instrutor." Parabéns Jasmim! Se prepare para sofrer, ao menos que ele não se lembre do episódio das correntes. "Nós fizemos um acordo, não é mesmo? Minhas correntes seriam suas se provasse ser digna. E quanto aquele episódio, o esqueça. Mas não deixe a cobiça guiar seus passos, ela pode ser mortal."

"Fico feliz em ouvir isso, porém logo logo Ignis voltará a me treinar."

"Acho que você não entendeu, não tem mais Ignis, Dustin ou Joker. A partir de hoje eu irei treiná-la e assim será até que você esteja pronta." Ele caminhou até as espadas e retirou as armas de lá, me entregando uma das Spectruns. "Não sou muito bom com espadas, mas eu me viro. Vamos lutar na floresta da academia."

Saímos para o pátio da academia, a paisagem estava ainda mais bela e o ar era mais fresco do que me lembrava, Tullius trancou a porta atrás de nós e minuto depois estava a passos distantes de mim.

Ele veio em minha direção, ergueu a espada para cima tentando golpear-me no braço, porém consegui conter seu ataque com a espada, Tullius se movia agilmente me prensando cada vez mais contra uma das árvores, virei-me para a direita e consegui escapar de seus golpes.

O aço cintilava e pequenos trovões eram ouvidos, porém nenhuma gota caia do lado de fora da Academia. Senti uma canseira invadir meu corpo que se tornou pesado e difícil de controlar, não estávamos mais dentro da vívida floresta, agora árvores e plantas mortas nos rodeavam.

"Oque está acontecendo?" Perguntei nervosa, conseguia sentir meu corpo mas não como antes, não o controlava mais, Tullius franziu a testa me respondendo mentalmente "Não se distraia, talvez tudo fique bem." 'Talvez'

Ele me empurrou contra uma árvore cinza e fraca, sua espada estava em meu pescoço e aquele sorriso apavorante brincava em seus lábios. Fechei os olhos, sentia que estava prestes a morrer e não queria ver sua face. "talvez tudo fique bem, do jeito que você deseja" sua voz me fez olhar para ele, seus dedos alisavam meu rosto, ele era mais anjo do que humano.

Puxei meu rosto para mim, não devia ter feito aquilo pois ele apenas prensou ainda mais a lamina contra meu pescoço. Olhei para longe, atrás dele, e vi que um rosto pálido e sem vida nos observava, um pouco de sangue escorria de seus olhos e um sorriso formou-se em seus lábios no mesmo instante que a olhei.

Gritei assustada, Tullius retirou a espada de meu pescoço enquanto ria como uma criança. Olhei ao nosso redor, tudo estava como antes, arbustos verdes, flores espalhadas entre as árvores onde passarinhos assoviavam. Oque havia acontecido antes podia ser apenas loucura da minha cabeça ou uma obra feita por Tullius.

"Não sabia que ia ficar com tanto medo. Se eu soubesse teria feito pior." Ele falava entre as risadas.

"Parece que a verdadeira criança brincalhona não é Joker ou Dustin mas sim um homem de uns trinta anos com barba na cara." Falei me distanciando dele indo em direção à porta fechada.

"Primeiro, eu tenho 280 anos e segundo, aquilo só foi uma pequena memória minha e você quase teve um ataque cardíaco. Se você quer ser tanto uma verdadeira nephilin e receber minhas correntes deveria parar de ser tão humana as vezes." Ele fez uma pausa apenas para olhar meu rosto sem reação e continuou "Um coração quente e aconchegante é facilmente manipulado mas um coração forte e impenetrável não se curva à nada."

"Chega de treino por hoje." Falei irritada tentando abrir a porta, a fraca risada de Tullius foi ouvida atrás de mim, puxou-me bruscamente para longe da porta.

"Eu decido quando iremos parar de treinar. Não espere mordomias de mim ou elogios, se contente com minha paciência e vontade de lhe ensinar."

"Já imaginava." Falei pegando a espada do chão, me preparei para o ''combate'' indo em direção a Tullius.

Diferente de Joker ele não falava nada durante o treino nem se poderíamos começar. De repente me vi esquivando de seus golpes, girando meu corpo em 90º graus até acerta-lo na perna esquerda, ele riu e revidou o ataque.

Sua espada fez um fino corte em minha perna e sangue brotou da ferida, mas não o suficiente para me enfraquecer. Ergui a espada ao mesmo tempo que ele, aço bateu contra aço por alguns minutos até que vi sua espada cair no chão.

Eu havia ganhado, minha Spectrum estava apontada em direção ao seu peito, Tullius sorriu e abaixou a ponta de minha espada com um dos dedos.

"Amanhã lutaremos de verdade." Ele disse rindo e com aquele mesmo assovio desafinado sumiu pela porta.